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E D I T O R A intersaberes capítulo 1 O que é didática, afinal? N este capítulo, explicarem os o que é didática, seu conceito , sua relação com a pedagogia e a relação estabelecida com a teoria e a prática. Em seguida, abordarem os a relação da didática com o ensino e com o con tex to social em que se insere e, po r último, a aula com o e lem ento fundam ental de análise da didática e expressão máxima do processo de ensinar. O principal obje tivo é destacar quais são os fund am en tos que envolvem a didática e suas instâncias operacionais. 1.1 O que é didática Didática não é uma palavra desconhecida em nosso cotidiano. Todos fomos alunos e no meio escolar é m uito com um ouvir frases com o : "O professo r não sabe ensinar, ele não tem didática!'' ou "A didática do professor é ruim". C o m esses exemplos, podem os perceber que, m esmo no senso com um, h á u m a ap ro x im aç ão e n t re a palavra didática e a ideia de habil idade necessária ao exercício docente . N ão há mistério nesse cam po, en tão vamos com preendê-lo . N o dicionário, encon tram os a definição para o term o com o "arte de ensinar". N o m eio acadêmico, essa definição ganha mais co rpo e detalhes. A didática se insere no cam po de es tudos da pedagogia , c iência des tinada a investigar a teoria e a prática dos processos educativos que acontecem em diversos âm bito s da soc iedade , até m esm o na escola, mas não apenas nela. A educação está presente em toda a sociedade e se apresenta de diversas formas: in icialmente nas famílias, mas tam bém nas igrejas, nos mei os de com unicação, nas diversas formas de associações - comunitárias, sindicais, profissionais-, nas empresas, nas instituições assistencialistas e, é claro, nas instituições educacionais. O hom em é educado desde o m o m en to que nasce, não apenas depois que entra na escola, mas tam bém depois que sai dela. É um processo histórico. As práticas educativas são divididas em: • form ais — que a c o n te c e m de m o d o c o n sc ien te e planejado, com objetivos e meios organizados,- e • informais - que ocorrem em locais não institucio nalizados, não são organ izadas nem planejadas e n ão têm o b je t iv o s e m eios ed u ca t iv o s prev is tos para acontecer. A educação escolar se apresenta en tão c om o um a prá tica educativa formal, organizada e planejada. Por m eio dela, a hum anidade tem acesso a conhec im en tos que foram c o n s truídos e acum ulados ao longo da história. C o m a educação escolar, damos acesso a toda r iqueza cultural, con du z in do os mais jovens pelos cam inhos e pelas descobertas das gerações anteriores. Esse processo oco rre no in terior de instituições que cham am os de escola, as quais fazem parte da sociedade a que per tencem os e por isso refletem em seu in terior as relações que se estabelecem na sociedade e que, na con tem poranei- dade, ocorrem sob a forma de divisão de classes. Temos uma sociedade que vive do capital e outra que vive do trabalho, e isso implica em diferentes formas de interesses, de condições 21 23 sociais, políticas e econômicas. Também nas práticas educa ti vas escolares há opções sociais e políticas den tro do sistema de re lações de classes. R e to m arem o s essa ideia na seção "A didática e o social" para aprofundam ento . A pedagogia estuda a educação e é com posta por diver sas áreas (que p o d em ter no m es d ife ren tes do s que aqui citamos) com o: teorias da educação, história da educação, política educacional, organ ização do trabalho pedagógico, didática e m etodologias. O conhec im en to pedagógico busca alicerçar-se em outras ciências que igualm ente contr ibuem para o e n te n d im en to do proje to educativo social: filosofia da educação, sociologia da educação, história da educação, psicologia da educação, en tre outras. A didática, então, é um dos ramos da pedagogia. A didática é "a ciência e a arte do ensino" (H ayd t, 1994, p. 13), é "'c o m o ensinar' do ponto de vista da relação sociedade - -educação" (Damis, 2007, p. 9), "investiga os fundam entos, condições e m odos de realização do ensino" (Libâneo, 1994, p. 25). S egu nd o P im enta (2010), ens inar é um a atividade complexa, realizada a partir da ação e da relação entre profes sores e alunos em um contex to institucional, cultural, espacial, tem pora l e social,- e é esse o ob je to de es tudo da didática. Ensinar envo lve pen sar a prá tica educativa , os co n te x to s envolvidos e as relações que há entre eles, além de considerar essa atividade com o expressão da ação social. Para Penin (1994, p. 172), a didática é "a forma com o o ensino é conduzido, tendo com o objeto de estudo a 'situação' ou 'acontecimento ensino'". Aqui há uma extensão do conceito de didática, em que esta é considerada mais do que o estudo do ensino, pois acrescenta e lem en tos c om o professor, aluno, con teúdo , escola e sociedade à ação de ensinar. Para Luckesi (2000 , p. 29), a d idá t ica é "um m e c a n ism o de p reparação do educador" no sen t ido de auxiliá- -lo a ter a ti tude crítica d iante dos problem as da sociedade, hab il i tando-o a se transform ar e a transformar os alunos,- é o "elo t r a d u to r de p o s ic io n a m e n to s teó r icos em práticas educacionais" (Luckesi, 2000 p. 34). Por esse m otivo, deve estar a serviço de traduzir, em aulas e processos de ensino, as concepções filosóficas, políticas e epistem ológicas adotadas por educadores e escolas e postas a serviço da transformação. As grandes questões da d idá t ica seriam aquelas que habilitam o profissional a co locar em ação, na prática, suas concepções, um fazer que se transforma à medida que modifica um a situação ou um sujeito, que busca intervir na realidade. E para com preender a realidade é que a pedagogia lança mão de outros conhecim entos epistemológicos, ajudada por outras ciências, com o os aspectos filosóficos, históricos, psicológicos e sociológicos que fundamentam a teoria educacional. Colocar em ação suas concepções é o p o n to alto ao qual a didática deseja chegar ao articular teoria e prática, pois é assim que elas devem se apresentar. Existe um d itado popular, fruto de discussões assenta das no senso com um , segundo o qual "a teoria na prática é outra coisa", ou "a teoria é linda apenas no papel”. N o âmbito profissional, as coisas não p o d em ser assim apresen tadas . Toda profissão se em basa teo r icam en te para que a prática seja consciente,- e, se a teoria se enco n tra desvinculada da prática, não se p o de falar de profissionalismo. O profissional 24 é aquele que trabalha conscien te da tarefa a ser executada, com o fruto da teorização do trabalho. N a educação não poderia ser diferente: apoderam o-nos de uma formação científica crítica em que há a união da teoria e da prática para nos to rnarm os profissionais completos,- sem. isso, seriamos leigos, agiríamos com o robôs, automaticamente, sem pensar e refletir sobre o que fazemos. S egundo Rays (2007, p. 36), " traba lhando-pensando e p en san d o - tra b a lh an d o , o h o m e m c o n h e c e e t r a n s forma, cientificamente, seu m u n d o c i r c u n d a n te " . A união da teoria e da prática é o que g a ran te a c a p a c i dade de agir de forma cons ciente, porque são partes in tegrantes de um todo. C o n h e c e r é um a a t iv id a d e h u m a n a c o n s c ie n te e, ao co locar esse co n h ec im en to em prática, o hom em avalia sua produção e seu resultado,- assim, desenvolve e aprimora sua prática e con sequ en tem en te seu conhec im en to . Trata-se, p o r tan to , de um ciclo que se alimenta. Ao em pregar esse processo, o hom em adquire a consciência verdadeira. "Assim, o que pensamos, o que desejamos e a ação que praticamos m ateria lizam -se a partire para um co n tex to de te rm inado . Sentir, pensar e provocar a ação h istoricam ente é, pois, uma das características essenciais da un idade teoria e da prática" (Rays, 2007, p. 38). A atividade hum ana consc ien te depende do c o n h e c i mento, da teoria, e não ocorre no vazio para se efetivar com o prática concreta. N a educação, a construção dos saberes se dá C o lo c a r em ação suas co n c ep ç õ es é o p o n to a lto ao qual a d idá tica deseja ch eg ar ao articu la r teo ria e p rá tica, pois é assim q ue elas devem se ap resen tar. 25 pela prática. Q u a n d o refletimos sobre essa prática concreta, histórica, seus problem as e suas indagações, geram os saberes que servirão de subsídios a ela. Assim, podem os afirmar que a teo ria nasce da prá tica e a a lim enta , em um a simbiose* ta m b é m c h a m a d a de práxis. S e g u n d o W a c h o w ic z (2009, p. 22), "a práxis é a ação hum ana que funde a com preensão da realidade com a ação prática exercida sobre ela. Um de seus elementos é a teoria e o outro a prática, sendo que ambos se apresentam juntos, no m esm o processo". A con s trução da edu cação se dá nesse refletir-fazer- -refletir e se apresenta com o um agir refletido, que é m o d i ficado pelo fazer e pela reflexão, sendo esta p roporc ionada pelo co n h ec im en to , e não pela teoria. "Pode-se d izer que há a formação pedagógica qu ando o form ado, na sua ação, con fron ta , ju n ta e disjunta os resultados da ação-reflexão, da teoria e da prática" (Houssaye, 1995, c itado por Pimenta, 2000, p. 51). C ons idera r a didática com o a arte do ensino, que se preocupa com os fundam entos, as condições e os m odos de realização do ensino, alicerçada na relação en tre sociedade e educação, é en te n d e r que ela está pautada na práxis, na reflexão, na ação, na articulação entre teoria e prática, com o base e princípio de um fazer consciente. O m un do c o n te m p o râ n eo tem passado por extremas modificações nas últimas duas décadas. Tais transformações ex igem do e d u c a d o r no vo s e c o n s ta n te s c o n h e c im e n to s q u a n to a po lí ticas educac iona is , f inanciam ento , ges tão e * Simbiose é entendida aqui com o a relação de dois termos diferentes de forma mutuamente vantajosa, onde ambos recebem benefícios, mesmo que em proporções desiguais. 26 organização do trabalho educativo que o permitam acom pa nhar as mudanças e, principalmente, que o habilitem a novas práticas pedagógicas que respondam às demandas atuais. 1.2 A didática e o ensino Entrelaçada ao conce ito de didática está a re lação com o ensino, já que ela se debruça sobre o ensinar e esse é seu objeto de investigação. Formar educadores implica em nos debruçarm os sobre o que fazer, como fazer e por que fazer,- essa é a relação da didática com o ensino, por isso não se pode negar o papel dela na formação de educadores. H á quem a despreze e quem ache que ela "saiu de moda", mas na verdade seu papel continua fundamental. Atualmente, é possível observar que o espaço reservado a ela vem sendo substancialmente diminuído nos cursos de licenciatura e que a abordagem costuma ser superficial, quando não fora de foco, mas isso não significa, porém, que refletir sobre as questões envoltas na arte de ensinar tenha perdido importância. A ação educativa precisa se ancorar em teorias. N o dia a dia, os professores enfrentam e resolvem inúmeros problemas, às vezes sem nem se darem conta dessas ações. Q uando os educadores refletem sobre suas práticas e com base nelas, esses problemas ganham forma, os profissionais tomam consciência e novos saberes são gerados, o que proporciona a modifica ção dessas práticas. Em síntese, tais práticas são teorizadas e balizadas por essa reflexão, passando a ser geradoras de teoria. Nesse sentido, podemos afirmar que a,didática envolve uma práxis educativa. Práxis é o processo de pensar e agir sobre a realidade, com a intenção de transformá-la. 27 Refletir sobre o ensinar remete também ao aprender. Estamos diante de um binômio ens in o -a p ren d iza g em . Há uma integração dialética entre esses dois elementos do mesmo processo: só há alguém que ensina quando há alguém que aprende e essa relação interpessoal está no centro do processo, pois o ensino somente se concretiza quando há aprendizagem. A didática reflete sobre as condições técnicas do ensino, mas precisa se preocupar também com o viés h um ano da relação: Quem é o aluno? Em quais condições ele aprende ou não e por quê? H á uma preocupação com a relação professor- -aluno (outro b inôm io) e com as cond ições ambientais e sociais do local onde ocorre esse processo. O ensino passa a ter dimensões variadas. Na dimensão técnica, a preocupa ção é com a sistematização do processo: a organização das melhores condições proporciona a aprendizagem. E aqui cabe a preocupação com objetivos, seleção de conteúdos, métodos, estratégias de ensino, recursos a serem utilizados, aula e processo de avaliação. As várias dimensões não podem ser privilegiadas isola damente, precisam estar dialeticamente ligadas, sob o risco de se ter uma visão unilateral do processo ensino-aprendizagem, co m o já ocorreu em m o m en to s da história da educação brasileira que serão detalhados no Capítulo 2. Articular as diferentes dimensões demonstra que o professor en tende a não neutralidade de sua prática pedagógica, que, estando voltada para o desenvolvim ento e a preparação do aluno para viver em sociedade, cumpre a função da escola. A pre paração do professor passa por en ten der essa articulação entre teorias e práticas aplicadas ao ato de ensinar, a relação ensino-aprendizagem, a organização dos meios e a seleção de 28 procedim entos, levando os alunos a com preender a realidade em que se inserem e a se posicionar perante ela. Damis (2007, p. 23) expressa assim essa não neu tra lidade: dadas as condições e necessidades predom inantes na formação social mais ampla, a finalidade da escola será vivenciada na forma de ensinar e de transmitir ao aluno uma visão teórico-prática de mundo, isto é, uma determ inada forma de pensar e agir. Assim concebida, essa forma de ensinar, além de conhecim entos, dos hábitos, das habilidades e dos valores transmitidos, possui um conteúdo implícito, uma concepção de sociedade, de homem, de educação. Este conteúdo é vivenciado por meio das relações e ligações que o aluno é levado a estabelecer entre um objeto de conhecim ento e o mundo, a sociedade, o homem, a ciência, a tecnologia etc. Ensinar, nessa perspectiva, significa fazer uma opção política,- p o d e significar desenvo lver uma visão crítica de m un do e form ar um cidadão atuante. A escola e o professor têm autonom ia para fazer essa escolha,- e sua forma de ensinar reflete a visão de m undo que tem, a visão de hom em em que acredita e deve ter a formação social com o p o n to de partida. Libâneo (1994, p. 79) define o ensino com o um conjunto de atividades organizadas do professor e dos alunos, visando alcançar determ inados resultados (domínio de conheci- mentos.e desenvolvimento das capacidades cognitivas) tendo como ponto de partida o nível atual de conhecimentos, experiências e de desenvolvimento mental dos alunos. O professor é aquele que adm inistra o processo que resulta no d e s e n v o lv im e n to das cap a c id a d es do s a lunos, 29 auxiliando-os no dom ínio e na aplicação de conhec im en tos e habilidades, na aquisição de hábitos, atitudes e convicções, bem com o no despertar da capacidade de aprender. A escola sempre deu mais ênfase ao aspecto técnico do ensino - repre sentado pelo ensino de conteúdos sistematizados - do que ao aspecto formal - com posto por hábitos, atitudes, convicções e m odos de agir e sentir. A tarefa da escola é desenvolver o hom em em sua plenitude, em todas as suas capacida des. Então, podemos afirmarque é papel da escola c o n templar ambos os aspectos, além de estim ular cap a c i dades intelectuais e volume de conhecimentos. Sem um não se desenvolve o outro, pois ambos são conteúdos de ensino. L ibâneo (1994, p. 83, grifo d o orig inal) especifica esses conhecimentos: podemos aprender conhecimentos sistematizados (fatos, conceitos, princípios, m étodos de conhecim ento etc.); habilidades e hábi tos intelectuais e sensório m otores (observar um fato e extrair conclusões, destacar propriedades e relações das coisas, dominar procedim entos para resolver exercícios, escrever e ler, uso ade quado dos sentidos, manipulação de objetos e instrumentos etc.),- atitudes e valores (por exemplo, perseverança e responsabilidade no estudo, modo científico de resolver problemas humanos, senso crítico frente aos objetos de estudo e à realidade, espírito de cama radagem e solidariedade, convicções, valores humanos e sociais, interesse pelo conhecim ento, modos de convivência social etc.). A tarefa da escola é d e se n vo lver o h om em em sua p len itud e , em to d as as suas capacidades. 30 A aprendizagem é o resultado da atividade mental dos alunos, da assimilação ativa do que foi ensinado, manifesto em ações, mas aprender também tem uma forte ligação com o meio social e das condições de vida. Paulo Freire (1979, p. 79) afirma que, en q u an to educa, o educador aprende: "ninguém ed u ca n in g u ém , c o m o t a m p o u c o n in g u ém se ed u ca a si mesmo: os hom ens se educam em com unhão , m ediatizados pelo mundo". Enquanto ensina, o professor aprende, mas deve cuidar desse ensinar, criar e recriar com os alunos, aprendendo. A escola existe para isso, é o local pensado para dar acesso ao saber, de forma sistematizada, intencional, com preparo e rigor, levando o a luno ao e n c o n t ro do d e s c o n h e c id o e ajudando-o a reconhecê-lo . 1.3 A didática e o social T odo processo de ensino precisa ser s ituado, porque diz res peito a pessoas reais, a lugares concretos e a uma classe social definida na sociedade. Isso tem reflexos políticos, econômicos e sociais, que cham am os de dimensão político-social, a qual tem efeitos em outras duas dimensões: a relacionai e a técnica. Ao elaborar uma aula, o professor não o faz para um ente qualquer, desconec tado da realidade,- ele a elabora pensando no aluno concreto , nas condições em que esse aluno vive, na realidade pessoal e na realidade escolar. "A dim ensão político-social não é um aspec to do processo en s ino -ap ren d izag em . Ela impregna toda uma prática pedagógica" (Candau, 2000, p. 16). A didática precisa se articular em to rno dessa d imensão política do ensinar, e não somente se ater aos aspectos técnicos da prática educativa. Técnica não se desvincula de política, não 31 32 é possível se preocupar apenas com planejamentos, objetivos, avaliações e esquecer a relação educação-sociedade. Há um objetivo maior na árdua tarefa de educar uma sociedade que deve ser sempre o de formar pessoas aptas a compreendê-la, interpretá-la e se posicionar criticamente perante problemas e conflitos sociais. Na sociedade, esses conflitos são resultantes da divisão em classes. Historicamente, para produzir sua subsistência, os homens exploraram uns aos outros (homens livres versus escravos, senhores versus servos, capitalistas donos dos meios de produção versus trabalhadores), gerando uma classe que explora e se apropria do trabalho de outra classe, que apenas é utilizada ou vende sua mão de obra. As relações de trabalho condicionam a sociedade. Enquanto uma classe controla e dirige, outra se subordina, ou seja, os homens se dividem em classes sociais opostas, anta gônicas e que precisam do Estado para regular as rela ções. O Estado é responsá vel por organizar e manter as condições, as necessida des e os interesses presen tes nessa relação social e, como superestrutura, é responsável por manter os interesses da classe dominante. Assim, instituições como igrejas, sindicatos, escolas e até mesmo meios de comunicação (e outros) têm um papel ideológico fundamenta] na manutenção desses interesses. São instituições que aparentam neutralidade, mas que têm a função de m anter a unidade e têm em suas práticas a tarefa de fazer o bloco social permanecer coeso e unido, por meio T écn ica n ão se desvincu la de po lítica , n ão é possível se p re o cu p a r apenas com p lane jam en to s, o b je tivo s, ava liações e e sq u ecer a relação ed ucação -soc iedade . da forma de pensar, que tem origem na ideologia dom inante . A visão de m un do a ser passada é a visão da classe dom inan te e é aí que são "sistematizados e veiculados, explícita e im pli citamente, as concepções, as teorias e os valores adequados à p rodução -reprodução das relações econôm icas que m antêm o capital” (Damis, 2007, p. 28). U m a das institu ições responsáveis po r difundir essa visão de m un do , tam b ém cham ad a de ideologia, é a escola, o rg an izad a m e to d ic a m e n te para garan t ir a sobrev ivência do m odelo de relação social. Segundo Zabala (1998, p. 27), "por trás de qualquer p roposta m etodológ ica se esconde uma con cepção do valor a que se atribui ao ensino, assim com o certas ideias mais ou m enos formalizadas e explícitas em rela ção aos processos de ensinar e aprender". Isso significa que, quando define seu planejamento de ensino e traça um projeto político-pedagógico, a escola faz opções quanto a e lem entos (conteúdo, método, planejamento, desenvolvimento, avaliação etc.) que refletirão essas escolhas. Aqui cham am os a tenção para a im portância da construção desse proje to articulado ao t ipo de sociedade que se deseja constitu ir e ao tipo de hom em que se quer formar. Por mais que pareça u tóp ico e d is tan te do dia a dia de cada professor, é na partic ipação e a construção de uma escola realm ente dem ocrática que é possível fazer algo pela própria escola, pela sociedade e pelo amanhã. A escola e o professor têm autonom ia para definir que traba lho desejam desenvolver, se f ragm entado, reducionista, tecnicista e for tem en te "conteudista" ou se engajado na construção de um ens ino tra n s fo rm ad o r e c o m p ro m e t id o com a sociedade . 33 Este é o papel da didática: estar a serviço de um ensino que con tr ibua para a sociedade e a hum anidade. Buscamos nas palavras de Oliveira (2000, p. 53) a defini ção desse que é o papel da didática, construída e reconstruída historicamente, depois de idas e vindas, de várias abordagens equivocadas: "a reconstrução da D idática [ . . . ] deverá refletir, nos planos da teoria e da prática pedagógica, um a proposta transformadora do ensino, com prom etida com a luta por uma sociedade brasileira fundada em novas relações de trabalho". C o m p re e n d e r a d im ensão política que está presente em to d o t r a b a lh o ed u ca t iv o não red u z a n ecess idad e de com preender a d imensão técnica que permeia a produção e o desenvolvim ento desse trabalho. Fragmentar e colocar com o dim ensões opostas não favorece nem eno brece o ob je to de estudo da didática com prom etida com a educação,- ao c on trá rio, em pobrece um a área que já se firmou com o fundamental. N a construção de seu trabalho diário, o professor pode imprimir a dimensão que mais deseja: é sua prática que o define. Ao organizar essa prática educativa intencionalmente, o profes sor cria condições de desenvolver uma educação comprometida e é para isso que passamos por um processo de formação, para adquirir con hec im en to s e habilidades, teoria e prática que nos habilitem a fazer o melhor, a te r uma prática desejável, com consciência do papel constru to r desse processo, com o sujeito da história que capacita e forma hom ens e mulheres. A esse respeito, Luckesi (2000, p. 27) afirma:"Com o sujeito da história, com preendo o educador, autêntico educador, com o o ser hum ano que constrói, pedra sobre pedra, o projeto h is tó rico de desenvolvim ento do povo. U m ser, jun to com outros, consc ien tem ente engajado no 'fazer' a história". 34 Já dissemos que a ação pedagógica não é neutra. Ao com preender seu trabalho dentro de uma escola que está inserida em uma sociedade dividida em classes com interes ses opostos, o educador com preende que suas ações não são isentas: ele faz uma opção político-filosófica pela classe que oprime ou pela classe oprimida. Assim, no trabalho, tem de optar pela opressão ou pela libertação. Luckesi (2000, p. 28), nesse sentido, afirma que a prática educacional não poderá ser, de forma alguma, uma prática burocrática (ou profissional-burocrata). Ela tem que ser uma ação com prom etida ideológica e efetivamente. N ão se pode fazer edu cação sem "paixão". Agir, em educação, como burocrata é fazer o jogo de decisões alheias,- muitas vezes, decisões que nem mesmo o agente aceitaria se delas estivesse consciente. U m a prática burocrá tica poderia ser exemplificada com a figura daquele profissional que diz que não gosta de "política", que não se preocupa com isso, apenas dá sua aula e pronto. Isso significa não estar consciente de que, de uma maneira ou de outra, voluntária ou involuntariamente, faz-se uma opção política ao ensinar. Ao repetir fórmulas consagradas de fracasso, o professor faz o papel de burocrata,- ao buscar fundamentos para a prática, preparar-se filosófica, científica e tecnicamente para o exercício da profissão, ele está politicamente engajado com a educação transformadora. E quanto à paixão de ensinar, não se deve confundi-la com doação, com talento nem com vocação. A ideia de que o professor é antes de tudo um amigo, tio, terapeuta, menos profissional, e que o aluno precisa mais de carinho do que de ensino atende aos interesses da classe que se beneficia da 35 pouca escolarização, do baixo saber e da baixa conscientização da sociedade brasileira. Professores são profissionais e c om o tais devem ser tratados e se assumir. 1.4 A aula como elemento fundamental Ensinar, organizar atividades, desenvolver capacidades, esti mular atividades mentais, aprender, enfim, quase tudo que diz respeito ao ensino escolar se materializa na aula, a tualm ente considerada e lem ento fundam ental do processo de ensinar e aprender. Reside aí a im portância de considerá-la uma uni dade sólida da didática e que m erece algumas considerações. Entre as diferentes acepções da palavra aula, Houaiss e Villar (2009) registram: "exposição sobre determ inada área de conhecim en to , feita por professor e dirigida a um ou mais alunos, ger. em estabelecim ento de ensino" e "sala em que um professor leciona,- sala de aula, classe". Soares (1981, p. 10, c itado por Silva, 2008, p. 49) assim a define: "ato de ensinar, que se desenvolve com o apo io de recursos técnicos e sp e cíficos, em salas adequadas, laboratórios, oficinas e, fora do estabelec im ento de ensino, em lugares especiais". A aula é o m o m e n to de m ateria lização do ensinar e do aprender. C o m p õ e - s e de re lações que se es tabe lecem entre professor e aluno e de todo o trabalho que a antecede, t raba lho este de p lane jam en to e o rgan ização das ações a serem desem penhadas po r cada um. É um ato program ado, intencional, s istematizado, uma forma de com unicação. A ideia de aula está mais ligada às relações que se es ta belecem entre os sujeitos dessa ação - professor e aluno - e às trocas que nela oco rrem do que p rop riam en te ao lugar o nde acontece. N ão é a sala de aula com o espaço físico que 36 determina as experiências e as interações que caracterizam a aula, mas a organização e a produção do ensinar e do aprender, que podem ocorrer em vários lugares, não somente na sala de aula convencional. A aula "é o espaço onde o professor faz o que sabe, expressa o que sente e se posiciona quan to à concepção de sociedade, de homem, de educação, de escola, de aluno e de seu p róprio papel" (Veiga, 2007 , c itado por Veiga, 2008, p. 8). Nesse espaço, o professor torna ato e cena suas certezas e incertezas, suas crenças pensadas e automatizadas, seus valores e sua criatividade. A produção da aula envolve pensar a relação com o tempo, pois este tem um papel defi nidor. Na educação escolar, o tempo é dividido, delimitado, preestabelecido,- ou seja, não é o tempo que se quer, porque ele está sempre fracionado em horas, em aulas e em matérias. O tem po dividido e fragmentado deve, então, ser pen sado e organizado de forma que seja de qualidade. Eis o ponto em que a criatividade, a formação e a preparação do professor fazem toda a diferença,- na habilidade para a transformação de problem a (questão quantitativa) em solução (questão qualitativa). Isso demanda saber usar o tem po - o pouco que se tem — de forma construtiva, produtiva, não no sentido capitalista de se produzir mais em um período menor, mas no sentido de tornar útil o tem po que se tem. Não desper diçar tem po útil e planejar bem como gastá-lo são atitudes imprescindíveis para se ter tem po de qualidade. Planejar uma aula ou várias implica necessariamente pensar qual é o tem po de que se dispõe,- quem é o sujeito dessa ação, ou seja, para quem essa ação está voltada, quem são os alunos concretos, suas características, suas facilidades 37
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