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Lívia Santos Análise Crítica – Um divã para dois O filme Um divã para dois expõe a vida de um casal, kay e Arnold em uma estrutura padrão de família nuclear (pai, mãe e filhos) e expansiva (nora, genro e netos), rígida e subordinada, casados há 31 anos, com filhos crescidos e já resolvidos. O marido Arnald trabalha fora como contador e a esposa Kay, além de trabalhar em uma loja de roupas,realiza trabalhos do lar. A família tem como um dos pilares e como sua verdade a privacidade, a ponto de cada um dormir em quartos separados. Kay é contida e aparentemente tímida, mas de certa forma assertiva nas suas atitudes, como por exemplo, em relação a decisão pela terapia que pode vir a salvar seu casamento. Já ele é aborrecido, age sempre de forma hostil e resistente a respeito de tudo, reclama o tempo inteiro, é ponderado e seus gastos, muitas vezes até de forma constrangedora. Como em toda a família, essa é formada por diversos subsistemas. Nesses subsistemas cada pessoa tem seus papéis e funções. No subsistema conjugal a formação do casal inicia o ciclo familiar. Assim, quando dois indivíduos se comprometem a ter uma relação estável e duradoura, doam-se reciprocamente de modo a constituir um modelo de funcionamento conjugal, ou seja, os dois elementos do casal têm que acordar a vivência a dois. Tal qual implica tomar uma série de decisões no dia a dia , mediante a isso, uma das funções deste subsistema é o desenvolvimento de limites/fronteiras que proteje o casal da intrusão de outros membros, no filme, Kay acredita que somente ela cede no relacionamento, sempre estando a mercê dos caprichos do marido, ela quem serve o café da manhã, cozinha, põe a mesa e nem sempre come juntamente com o Arnold, em seu ver enquanto faz as atribuições da casa, seu marido lê jornal ou assiste golfe na televisão, e até Arnold envolver-se com a terapia o filme leva o telespectador a crer que realmente a atual fase do casal é de responsabilidade maior de Arnold. Kay e Arnald concordam em ter passado com louvor pelo subsistema parental, já que é considerado como a crise mais importante na vida da mulher, implicando adaptações importantes e a curto prazo. Pela idade de seus filhos e por já terem família formada, deduz-se que desde cedo, Kay tornou-se mãe, teve que ter cuidados redobrados com o seu estilo de vida e hábitos, passando por transformações físicas e psicológicas e estando envolta pelo peso que a sociedade dá à maternidade, hoje os filhos já estão guiados e normatizados pelas regras da família e encaixados numa posição padrão da sociedade. A família como um todo é demarcada por fronteiras interpessoais invisíveis, as quais tem a função de colocar limites no contato um com os outros, nesta família, as fronteiras não foram trabalhadas adequadamente o que aumentou as possibilidades de terem problemas relacionais futuros. A fronteira é o conjunto de regras que determinam quais serão os participantes de cada subsistema da família, são as fronteiras que protegem a distinção do sistema e garantem sua particularidade, possibilitando o funcionamento eficaz do sistema familiar. No filme, inicialmente, fica nítido como o Arnold é restrito, apoiado em uma fronteira rígida e não permite interferência externa, resultando no distanciamento afetivo, caracterizando seu lado isolado e autônomo, dificultando a ajuda mútua, contudo a esposa insatisfeita com a situação, propõe ao marido o desejo de realizar terapia de casal intensiva, em outra cidade (a terapia de casal tem a capacidade de auxiliar na mudança de pensamento, no desenvolvimento da capacidade de negociação e de esclarecimento em qualquer fase do ciclo de vida). O marido, em um primeiro momento, não é favorável a ideia, entretanto acaba por participar da terapia de casal, pressionado pela esposa, quebrando um pouco da fronteira rígida e neste momento entrando na fronteira flexível (uma abertura ao diálogo com mais flexibilidade a escuta), porém sempre apoiado na fronteira rígida que está acostumado. Em um divã para dois, não há fronteiras emaranhadas (os papéis de pai, filhos e esposa são bem definidos) e como fronteiras difusas, vemos inicialmente o distanciamento da afetividade emocional, porém mais tendenciosa ao comportamento rígido de fechamento ás mudanças por parte de Arnold. Na primeira sessão após as apresentações, o terapeuta logo questiona a motivação do casal ao iniciar a terapia e percebendo o desinteresse de Arnold, o indaga quanto à situação de seu casamento, e comprovando o dito anteriormente Arnold não faz questão de responder e informa que não há problemas que necessitem de terceiros para resolução. Também questiona a Kay sobre o motivo pela busca de terapia e ela o responde dizendo que gostaria de ter um casamento de novo, relatando o que gostaria de modificar em sua vida conjugal, sempre demonstrando a necessidade de fortalecer uma fronteira flexível com o desejo de pertencimento familiar. Todavia no desenrolar do filme nas sessões seguintes vimos mais uma fronteira difusa (ambivalente) nos desejos de Arnold, quando este informa que pensa em um relacionamento a 3, incluindo a sua vizinha. As técnicas de fixação de fronteiras são instrumentos utilizados pra mediar e solucionar conflitos localizados em sistemas e subsistemas familiares, e são desenvolvidas de acordo com a demanda de cada situação. O terapeuta deve conhecer bem os conflitos da família fazendo um mapeamento para identificar os problemas, e dessa forma propor ações efetivas e adequadas as demandas apresentadas. Neste ponto, identifica no terapeuta a pró atividade durante as sessões, questionando sobre a rotina do casal e propondo atividades para serem desempenhadas, de acordo com os objetivos da terapia. Para facilitar o trabalho do terapeuta em investigar a motivação, bem como a capacidade de regular o comportamento, auxiliando no entendimento dos reais motivos que levam as pessoas buscarem a terapia pode-se utilizar os seguintes passos: Espontaneidade: o terapeuta deve dominar a técnica e depois esquecê-la criando promoção de mudança, muitas vezes utilizando de metáforas, neste caso, o terapeuta utilizou com este casal a metáfora do nariz quebrado para exemplificar a necessidade de tocar nas dificuldades do casal para que a terapia tivesse êxito; a Coparticipação: O terapeuta deve marcar desde o princípio sua posição de liderança, estabelecer um limite para participação de cada um, no filme, é possível verificar que Kay é em muitos momentos interrompida por Arnold, e o terapeuta tem que intervir para que ela possa relatar sua opinião acerca do casamento, delimitando a vez de cada um falar; o Planejamento: Após investigar a demanda e a motivação do casal, o terapeuta então resume o objetivo da terapia: tentar resgatar a intimidade no casamento, encontrando formas de comunicação mais assertiva, cultivo da intimidade e desenvolvimento de meios de manter a intimidade fluindo, ao elaborar o plano de tratamento, o terapeuta formula uma hipótese explicativa dos problemas apresentados pelo casal ou família, cria uma lista de objetivos a cumprir contextualizando com os padrões do casal, neste filme foi chamado de passos; a Mudança: em determinados momentos das sessões, percebendo as dificuldades do casal em desempenhar as atividades propostas, que tocavam em questões dolorosas e delicadas da vida de casal, o terapeuta demonstrou empatia e incentivou o casal a prosseguir, quando o casal conseguia realizar a tarefa de se abraçarem, na sessão seguinte sentaram-se mais próximos, demonstrando intimidade, entretanto, quando em outra tarefa não obtiveram sucesso, os dois permaneceram afastados no sofá; o Reenquadramento: importante na medida em que traça os limites a informação é compreendida de uma maneira ou de outra, em função do contexto no qual ela é apresentada, ajustar a compreensãodo casal no momento da proposta de atividades e diretrizes foi pontuada pelo terapeuta; e Dramatização que é a etapa onde o tema ou o objetivo é especialmente abordado e fiscalizado. O terapeuta facilita a emergência dos conteúdos, um dos enfoques na terapia deste casal foi o tema da sexualidade, já que o casal dormia separado e não mantinha relações sexuais há mais de quatro anos, nem mesmo demonstravam outros comportamentos afetivos, quando de fato o casal segue as regras de se acariciar, momento em que eles “realiza a cena” de passar a mão um no outro, na qual gostariam que fosse o cotidiano do casal, de forma que o terapeuta no dia seguinte a “tarefa” solicita que descrevam, objetivando fiscalizar, em detalhes a resposta daquela experiência. Encerra o intensivo da terapia em Hope Springs e o último passo da lista não foi cumprido, porém o terapeuta em sua percepção da vida do casal, percebeu que ambos estavam investindo significativamente na reaproximação, conseguindo falar de seus medos, inseguranças e desejos, porém se deparando com dificuldades inerentes ao processo. Devido a essa perspicácia, o terapeuta deu um feedback positivo ao casal, explicitando que todos os casamentos passam por dificuldades e que Arnold e Kay tinham um grande potencial para melhorar a qualidade de vida em seu casamento, pedindo para acreditar nesse relacionamento e lutar para que restabeleça o amor e respeito, pediu ainda que realizassem terapia de casal na cidade deles. Ao retornar a cidade, nota-se Kay frustrada por a priori parecer não ter conseguido seu resultado esperado, a rotina novamente toma conta da família, retormando aquela fronteira mais rígida, contudo, o que observa-se é que a terapia ajudou Kay a pensar em si e tomar atitudes que antes não tinha coragem, mudando a sua conduta mediante as situações antes definidas como padrões, neste momento Arnold vendo que perderia seu grande amor absolve a fronteira flexível e aberto a diálogos e pertencimento familiar, mudando sua postura e acreditando no subsistema conjugal, onde os dois devem ser recíprocos em sua tentativa. Por fim, vimos como o trabalho terapêutico realizado com responsabilidade, planejamento e habilidades técnicas, mesmo não resolvendo de imediato torna aquele indivíduo em tratamento capaz de ouvir opiniões contrárias as suas e ponderar sobre elas para o seu bem e daqueles importante em sua vivência.
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