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Teoria da Constituição

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2. Teoria da Constituição 
Introdução: com o fim da I Guerra Mundial, os grandes impérios europeus desabam. Em 
seu lugar, se sucedem repúblicas, as quais se sujeitam a um novo processo constituinte. 
A emergência de novas constituições na cena europeia nos anos de 1920 leva ao 
desenvolvimento da Teoria da Constituição, sobretudo pela contribuição dos juristas de 
fala alemã, influenciados pela Constituição alemã de 1919 e a Constituição austríaca de 
1920. 
2.1. Conceito de Constituição 
Conceito etimológico de Constituição: constituição significa o modo de ser de 
determinada coisa. Na estrita perspectiva etimológica, todas as sociedades 
politicamente organizadas ao redor de uma “constituição”. Rodrigo Brandão designa 
essa leitura do fenômeno constituinte nas sociedades pré-modernas como “sentido 
antigo” de Constituição. 
Conceito moderno de Constituição: como se já se mencionou anteriormente, o 
constitucionalismo moderno é fenômeno historicamente recente e tem por elemento 
fulcral a legitimação pelo apelo à soberania popular. 
2.2. Conceitos doutrinários de Constituição 
2.2.1. Conceito sociológico (Lassalle) 
Ferdinand Lassalle era um sociólogo germânico, um dos precursores da 
socialdemocracia alemã em meados do séc. XIX. Naquele período eram vivas as 
discussões na cena intelectual germânica quanto ao papel da Constituição como fiador 
e catalisador do processo de unificação. O constitucionalismo ainda não havia se 
desenvolvido de forma significativa nesse período. Mas o tema suscitou viva atenção de 
Lassalle, que se tornou um dos mais ácidos críticos do movimento. 
Para o sociólogo germânico, a verdadeira Constituição das nações não se reduzia a uma 
mera folha de papel, mas aos fatores reais que poder ao redor dos quais as sociedades 
políticas se organizavam. Em outras palavras, Lassalle nega qualquer poder de 
conformação da realidade pelo texto constitucional. Ao revés, a Constituição sempre 
haveria de ceder se confrontada com a realidade política de uma nação, a verdadeira 
“Constituição”. A crítica de Lassalle às leituras normativas da Constituição se tornaram 
célebres graças ao livro “A essência da Constituição”, transcrição de uma conferência 
por ele ministrada em Berlim. 
2.2.2. Conceito hermenêutico-concretizante (Hesse) 
Mais de cem anos após à célebre conferência de Lassalle, Konrad Hesse, jurista alemão, 
reabriu a discussão proposta pelo sociólogo para contradita-lo quanto à alegada 
ineficácia da Constituição quanto aos propósitos de conformar a realidade social. Para 
Hesse, texto e realidade se imbricam numa relação de mútuos condicionamentos, que 
conferem à Constituição um âmbito, ainda que relativamente limitado, de intervenção 
sobre a realidade. A Constituição, portanto, diferentemente do que havia sustentado 
Lassalle, tem um poder de intervir sobre as relações de poder subjacentes ao texto, 
ainda que a própria eficácia do texto constitucional esteja relativamente enfeixada pela 
realidade que ela se pretende ordenar. 
2.2.3. Conceito decionista (Schmitt) 
Carl Schmitt era, por excelência, um antipositivista. Forte crítico do constitucionalismo 
liberal, se opunha veementemente a Hans Kelsen tanto a respeito de o texto 
constitucional compreender a Constituição quanto a se reservar a uma Corte 
Constitucional o controle jurisdicional das leis editadas. Para Schmitt, a verdadeira 
Constituição correspondia ao conjunto de decisões fundamentais de um povo. Por essa 
razão, não se poderia confundir a Constituição com as leis constitucionais. As leis 
constitucionais seriam produtos da democracia Parlamentar, e, com efeito, não podiam 
se sobrepor às decisões fundamentais da nação, que deveriam ser guardadas pelo chefe 
do Poder Executivo. 
2.3.4. Conceito normativista (Kelsen) 
Compreender a contribuição de Kelsen ao constitucionalismo requer que se remonte ao 
seu projeto intelectual fundamental: dar status de autonomia epistemológica à Ciência 
do Direito. Isso exigia a criação de uma linguagem conceitual absolutamente própria, 
desvinculada de outras disciplinas, como a história ou a política. Influenciado por 
Immanuel Kant, Kelsen restringe o âmbito de conhecimento racional do Direito às 
condições de possibilidade para a conceito da norma (estática jurídica) e a produção das 
normas (dinâmica jurídica). 
Estudado pelo ângulo da dinâmica jurídica, a Constituição é a norma jurídica 
fundamental do Estado. Ainda que elas possam ter outras disposições normativas, o seu 
conteúdo próprio que a conceitua como Constituição é a disciplina da produção de 
outras normas, pelo estabelecimento de normas de procedimento e de competência. 
Nesse sentido, o fundamento de validade de uma norma sempre se reportaria a norma 
imediatamente superior, num sucessivo escalonamento até à Constituição. E que norma 
seria o pressuposto de validade da Constituição? Kelsen desenvolve um conceito teórico 
para responder a essa indagação, a grundnorm, a norma hipotética fundamental. O seu 
conteúdo se resume a uma única proposição: a Constituição deve ser cumprida. O 
próprio Kelsen assim reconhece que a validade normativa tem por pressuposto um 
mínimo de eficácia social, sem a qual ela não seria observada e, com efeito, perderia a 
sua vigência. 
2.3. Classificação das constituições 
São inúmeras as classificações constitucionais. Vejamos algumas delas. 
 Classificação quanto à forma: constituições escritas e não-escritas. Deve-se 
situar que as constituições não-escritas também são formadas por textos. 
Todavia, se diferem das constituições escritas porque o seu corpo textual se 
encontra disperso entre vários documentos normativos a que a jurisprudência e 
o costume atribuem valor de Constituição. É o caso da Constituição Inglesa. As 
constituições escritas se notabilizam por serem reunidas em um único texto. 
 Classificação quanto ao modo de elaboração: classificação bastante a fim à que 
fora anteriormente abordada. Enquanto as constituições dogmáticas são 
elaboradas em um processo especialmente reservado a esse fim, as 
constituições históricas são produzidas ao longo dos tempos, na medida em que 
se reconhece status constitucional a atos normativos distintos. Assim, as 
constituições dogmáticas são escritas, ao passo que as constituições históricas 
são não-escritas. 
 Classificação quanto à origem: as constituições se dividem essencialmente em 
dois tipos: outorgadas e promulgadas. Enquanto as promulgadas surgem de um 
processo de deliberação democrática, as constituições outorgadas prescindem 
de um processo prévio de deliberação, geralmente provenientes de um contexto 
político autocrático. A doutrina às vezes se refere às constituições cesaristas, 
cuja origem se remonta a uma edição autocrática, mas posteriormente vêm a 
ser chanceladas pelo sufrágio popular (plebiscito ou referendo). 
 Classificação quanto à estabilidade: elas podem ser rígidas, semirrígidas ou 
flexíveis. É uma classificação está diretamente associada à tensão fundamental 
do constitucionalismo entre permanência e modificação. As constituições rígidas 
são aquelas a sujeita a procedimento de alteração mais dificultoso do que o 
reservado à legislação ordinária. Não apenas o quórum qualificado denota a 
rigidez constitucional. Outras “dificuldades” extraordinárias que se ponham pelo 
processo de alteração do texto constitucional já exprimem a rigidez da 
Constituição (exemplo: votação em dois turnos). A contrario sensu, constituições 
flexíveis são aquelas cujo processo de alteração exige os mesmos requisitos 
observados para a alteração da legislação ordinária. As constituições 
semirrígidas são, por sua vez, aquelas que apenas parte do texto está sujeito a 
um processo mais complexo de alteração, ao passo que outra parte se sujeita ao 
mesmo processo de alteração da legislação ordinária. Exemplo mais recorrente 
de constituição semirrígida era a Constituição Imperial de 1824. 
Observação:existe uma relação íntima entre as constituições rígidas e controle 
jurisdicional de constitucionalidade. Pode-se dizer que o desenvolvimento das Cortes 
constitucionais reforçou a tendência contemporânea de Constituições rígidas. O 
contrário também é verdadeiro. Apenas se pode efetuar um genuíno controle 
jurisdicional da constitucionalidade das leis em relação a constituições rígidas. 
Constituições superrígidas: Maria Helena Diniz alude às constituições superrígidas como 
aquelas que deteriam um núcleo normativo insuscetível de alteração (cláusulas 
pétreas). Rodrigo Brandão sustenta, todavia, que essa classificação incorre em uma 
simplificação indevida. Ora, nada impediria que houvesse uma constituição com um rol 
limitado de cláusulas pétreas e, no entanto, ser a maioria do seu texto sujeito a 
modificações pelo mesmo procedimento ordinário reservado às leis ordinárias. 
Superrígida seria uma constituição com um rol extenso de cláusulas pétreas e com um 
procedimento muito complexo para a alteração do seu texto. 
 Classificação quanto ao conteúdo ideológico: segundo esse critério as 
constituições podem ser simples ou compromissórias. Uma constituição simples 
reflete uma única ideologia triunfante. É o resultado típico de processos 
constituintes precedidos por uma vitória disruptiva de um grupo político-social, 
como em revoluções. As constituições precedidas de um processo deliberativo 
aberto à sociedade como um todo são, por sua vez, compromissórias. Os 
diversos interesses e contradições concorrentes no corpo social se transferem 
em cláusulas de compromisso para o texto constitucional. Exemplo: a ordem 
econômica na Constituição de 1988 consagra princípios de índole liberal (livre 
iniciativa) e social-democrático (a valorização do trabalho humano). Nas 
constituições compromissórias a técnica da ponderação assume especial 
importância para sopesar o alcance dos mais diversos princípios e regras. 
 Classificação quanto à extensão: podem ser sintéticas ou analíticas. 
Constituições sintéticas são de extensão reduzidas, ao passo que as constituições 
analíticas são longas e minudentes. As constituições contemporâneas tendem a 
ser mais longas. Em países em desenvolvimento, em que se depositam especiais 
esperanças no texto constitucional como instrumento de transformação social, 
as constituições se avolumam significativamente. 
 Classificação quanto à estrutura: nessa classificação, dividem-se as 
constituições em dois tipos ideais: constituição-garantia e constituição-dirigente. 
As constituições-garantia são típicas do Estado liberal, cuja função básica é 
estruturar e limitar o Estado. O modelo contemporâneo, todavia, é de 
constituições-dirigente. Essa expressão foi cunhada pelo jurista português José 
Joaquim Gomes Canotilho. As constituições-dirigentes têm por objetivo precípuo 
orientar a ação do Estado. E se vale, sobretudo, de normas programáticas, com 
o fim de fixar normativamente as metas que o Estado deverá perseguir, nos mais 
diversos campos, seja na economia, na redução das desigualdades sociais, no 
meio-ambiente, educação, cultura e etc. 
É importante destacar que a posição doutrinária de Canotilho se desenvolveu no 
contexto da própria história constitucional portuguesa e pode ser marcado em 
duas fases distintas. 
a) Dirigismo fechado: formulação original do conceito por Canotilho, 
especialmente tributária da redação original da Constituição portuguesa 
de 1976, fortemente influenciada pelo ideário socialista da Revolução 
dos Cravos. O dirigismo constitucional era marcadamente volvido a 
consecução de um projeto político-ideológico, a transição de Portugal 
para um regime socialista. 
b) Dirigismo aberto: com a integração de Portugal à União Europeia em 
1982, deu-se vazão à necessidade de adaptar o texto constitucional do 
país a um novo contexto socioeconômico, marcadamente mais liberal e, 
sobretudo, menos hostil à economia de mercado (Revisão Constitucional 
nº 1/1982). Canotilho reestrutura a sua teoria a um contexto de 
sociedade mais plural em que Portugal se inseria, franqueando aos 
poderes instituídos uma margem maior de discricionariedade para a 
consecução dos desideratos constitucionais programáticos. 
 Classificação quanto à efetividade (Loewenstein): Karl Loewenstein dividia as 
constituições em três tipos. 
a) Constituições normativas: são constituições com plena efetividade. Elas 
conseguiram se inserir na realidade político-social a que se pretendiam 
com relativo sucesso. Elas têm um maior grau de efetividade. 
b) Constituições nominais: são constituições ainda carentes de um grau mais 
expressivo de efetividade político-social, mas se situam em um processo 
de maior afirmação de seu poder de conformação. Seria o caso da 
Constituição de 1988. 
c) Constituições semânticas: são constituições com menor grau de 
efetividade. Elas sequer veiculam um verdadeiro projeto de limitação do 
poder político. Ao revés, elas se servem como um instrumento político 
de legitimação retórica de um governo autoritário. Há uma verdadeira 
dicotomia entre o que prega a Constituição e a vida político-social 
daquela nação. Marcelo Neves sugere uma classificação assemelhada a 
de constituição semântica, as constituições simbólicas. 
 Classificação quanto à origem de instituição: dividem-se entre 
autoconstituições e heteroconstituições. Enquanto as autoconstituições são 
inteiramente editadas por um órgão político vinculado ao Estado a que elas se 
destinam (exemplo: Constituição de 1988), as heteroconstituições são 
produzidas por poderes estranhos ao da unidade política que venham a reger 
(exemplo: Lei Fundamental de Bonn de 1949, cuja edição foi viabilizada pelos 
Aliados Ocidentais). 
 Classificação quanto à permanência: dividem-se entre provisórias e definitivas. 
Constituições provisórias são geralmente editadas para regimes de transição 
política. As constituições definitivas valem de modo indeterminado, até que 
venham a ser revogada por uma nova constituição. Exemplo significativo de 
constituição provisória é a Constituição provisória da África do Sul, que vigeu 
entre 1994 até 1997, com o advento da Constituição definitiva. É uma técnica 
interessante de pacificação social para assegurar a transição de um regime em 
grave colapso. No caso sul-africano, o principal objetivo era evitar que a 
transição pós-Apartheid não se degenerasse em um conflito civil. 
 Classificação quanto ao grau de vinculação do legislador (Alexy): para Alexy, 
após a II Guerra restou inequivocamente consolidado o entendimento de que as 
Constituições são necessariamente observáveis pelos legisladores. Importa 
saber, portanto, em que medida os legisladores se encontram vinculados ao 
texto constitucional. 
a) Constituição puramente procedimental: constituição que se preocupa, 
sobretudo, em dispor como as normas jurídicas devem ser produzidas, 
mas com poucas ou nenhumas normas substantivas. A principal crítica às 
constituições puramente procedimentais é a insuficiência de seus 
critérios para limitar os poderes do Estado, seja em face das maiorias, 
seja em face das minorias. As democracias constitucionais requerem, 
portanto, mais do que uma constituição puramente procedimental. 
b) Constituição puramente material: é uma constituição cujo escopo se 
afirma predominantemente em normas de direito material, garantidoras 
de direitos. O risco de um modelo puramente substancial é a fragilização 
dos procedimentos em face à pressão crescente pela concretização 
desses direitos materiais. É algo que se dá com especial agudeza no 
contexto constitucional brasileiro, sobretudo pelo modo como o Poder 
Judiciário foi alçado a uma posição de protagonismo na cena política 
brasileira. 
c) Constituição como ordem-moldura (Posição intermédia): Alexy entende 
que o ideal é um amálgama entre as concepções procedimental e 
material. Um núcleo de permanência conviveriacom uma margem de 
atuação dos poderes democraticamente eleitos. A saúde das 
democracias constitucionais dependeria justamente desse fino equilíbrio 
entre as normas de procedimento e as normas materiais. É necessário 
buscar uma justa medida entre a atuação contramajoritária do Poder 
Judiciário e atuação majoritária dos demais Poderes. 
2.4. Classificação das normas constitucionais (Barroso) 
 Normas de organização, definidoras de direitos e programáticas: é uma 
classificação clássica, baseada na doutrina mais tradicional. 
a) Normas de organização: são as normas por meio das quais o Estado é 
organizado. Geralmente são normas que dispõe sobre os Poderes do 
Estado, bem como quanto às suas competências e procedimentos para 
exercício desses poderes. 
b) Normas definidoras de direitos: são normas que comportam direitos 
subjetivos aos indivíduos contra o Estado. 
c) Normas programáticas: são normas que definem programas ou fins 
serem perseguidos e realizados pelo Estado. 
 Princípios fundamentais, gerais e setoriais: classificação se singulariza pelo grau 
de abrangência dos princípios constitucionais. 
a) Princípios fundamentais: são as decisões políticas essenciais de uma 
comunidade; Estado de Democrático de Direito, federalismo, 
presidencialismo, enfim, normas que organizam e estruturam a 
sociedade política ordenada por aquela Constituição. 
b) Princípios gerais: os princípios gerais se encontram em um nível de 
abstração menor. São concretizações dos princípios fundamentais, mas 
aplicáveis a todo ordenamento jurídico. Exemplo: legalidade e igualdade. 
São princípios de incidência universal, mas não dizem diretamente a 
respeito da estrutura do Estado. 
c) Princípios setoriais: princípios cuja incidência se restringe a determinados 
segmentos regidos pelo texto constitucional. Exemplo: os princípios 
constitucionais que estruturam o Sistema Tributário Nacional.

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