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ANÁLISE SOCIOLÓGICA DO FILME ‘‘CAPITÃO FANTÁSTICO’’ Discente: Gabriella Costa Nogueira Vieira (Matrícula: 499893) Docente: Antônio Cristian Saraiva Paiva Curso de Psicologia, UFC Capitão Fantástico O filme, dirigido por Matt Ross e lançado em 2016, narra a história de uma família que vive de um modo não tradicional em vários sentidos: sua localização, seus hábitos e comportamentos são tão singulares quanto os nomes escolhidos para os filhos. Em ordem decrescente de idade: Bodevan, Kielyr, Vespyr, Rellian, Zaja e Nai foram chamados assim pelos pais, Ben e Leslie, para que se tornassem ‘’únicos no mundo todo’’. Logo na primeira cena, em um ambiente bucólico e aparentemente afastado da cidade, um jovem coberto de lama caça um animal. Em seguida, cinco crianças e um homem mais velho aparecem na floresta, revelando que se trata de um ritual de passagem de transição do adolescente para a fase adulta. Embora, à primeira vista, esse episódio nos cause estranhamento, pois não é uma prática com a qual estamos habituados no nosso estilo de vida capitalista e ocidental, uma pesquisa sobre sociedades que possuem caças e ritos semelhantes ao mostrado no filme nos leva ao questionamento sobre o que é de fato o ‘’normal’’ e como a cultura na qual estamos inseridos determina quais práticas consideramos estranhas. Da mesma forma, situações que para a maioria de nós são triviais, como comprar um frango pronto no mercado, provavelmente seriam vistas com estranhamento por algumas tribos indígenas, por exemplo. A vida dos Cash Além da caça, a rotina do pai e dos filhos também abrange muitas outras atividades. Mesmo as crianças desenvolvem a espiritualidade pela meditação, treinam lutas, consomem literatura, estudam os mais diversos conteúdos e disciplinas, cantam, tocam instrumentos e praticam exercícios naquele território da floresta, habitado pelos seus pais há cerca de 10 anos. Além disso, eles não vivem totalmente isolados, visto que realizam trocas comerciais – de carne, por exemplo – com estabelecimentos próximos e possuem um amplo conhecimento político e histórico do mundo. Além disso, possuem seus próprios ritos, como a celebração do dia de Noam Chomsky, um sociólogo e ativista político norte-americano, no 7 de dezembro, e a passagem do adolescente para o homem, como já citado. Assim, embora vivam na floresta e tenham como única instituição a família, ainda estão parcialmente inseridos na sociedade, isto é, são seres sociais. Missão: Salvando mamãe Em uma ligação, Ben recebe a notícia de que sua esposa, que estava em um hospital na cidade tratando um grave transtorno afetivo bipolar, cometeu suicídio. Embora detenham fortes críticas ao modo de vida seguido pela família materna e pelo restante da sociedade como um todo, Ben e os filhos decidem ir para o funeral de Leslie, que abriu mão da carreira jurídica e da condição de morar entre a elite a fim de viver de uma forma alternativa. Assim, eles partem em seu trailer casa para cumprir o último desejo da matriarca: o de não ter um velório tradicional, mas de ser cremada após uma cerimônia de celebração da vida, colorida e com música. Diferente do caso de Kasper Hauser, que por ter sido criado sem o contato com outras pessoas – e, portanto, ter vivido contra a natureza social que é própria do homem – não conseguiu socializar-se totalmente mesmo após ser reintroduzido à cidade e seus habitantes, as crianças possuem ampla bagagem cultural e capacidade para conversar sobre diversos assuntos. No entanto, apresentam algumas dificuldades sociais com pessoas de fora da família, devido ao choque cultural. Por exemplo, estranham e atraem estranhamento na cidade, chamada por eles de ‘’tribo de fascistas capitalistas’’, pelo fato da filha mais nova, Zaia, não conhecer produtos usuais como a Coca-Cola e o tênis Nike, ou perguntar para a tia como ela matou a galinha do jantar, provocando a risada dos primos. Em outra cena, Bodevan pede Claire, uma garota que praticamente acabara de conhecer, em casamento, pelo fato de nunca ter se apaixonado antes e da ter pouca experiência nesse aspecto. Por outro lado, como Ben argumenta durante um discursão com os tios das crianças, embora não frequentem escolas, seus filhos possuem conhecimentos aplicáveis no mundo real que provavelmente não teriam aprendido no sistema educacional, tais como o tratamento de machucados, análise da natureza, agricultura, pesca, música, artes, entre outros. Tendo em vista o ponto levantado por Ben e as nossas próprias experiências, podemos refletir sobre quais conhecimentos aprendidos no colégio foram utilizados somente no vestibular e quantos deles aplicaremos, de fato, na vida real e no mercado de trabalho, que cada vez mais procura profissionais que, além de reproduzir técnicas, saibam aplicar a criatividade e a multidisciplinaridade na prática. Missão: Salvando mamãe e papai Apesar do berço católico e elitista (tal como o capítulo de Plummer: “Em um mundo que eu não construí”), Leslie, a mãe das crianças, era budista e crítica do sistema religioso, seus dogmas e tradições. Mesmo assim, seus pais decidem ir adiante na decisão de realizar uma missa tradicional, a qual é interrompida pela entrada de Ben com os filhos, usando roupas coloridas e extravagantes e não preto, como era esperado. Recebido com olhares estranhos e julgamentos, Ben se dirige ao púlpito, onde lê a carta deixada pela esposa, que expressa o seu desejo de ser cremada e ter suas cinzas jogadas em um vaso sanitário após a morte. Expulso da missa por seguranças e proibido de ir ao velório, Ben é confrontado por Rellian, que insinua que o modo de vida que ele escolheu teria levado a sua mãe ao suicídio e expressa o seu desejo de ser e ter uma vida ‘’normal’. De forma semelhante, seu filho mais velho, Bodevan, externaliza a sua insatisfação por ter tanto conhecimento sobre os livros, mas tão pouco sobre o que está fora destes, isto é, sobre relacionamentos e vida em sociedade na prática. Em seguida, Rellian foge para a casa do avô, onde Ben o encontra jogando vídeo game e desfrutando das condições luxuosas da família materna. Apesar do desejo do menino de ficar ali, Ben não desiste de resgatá-lo, oferecendo a uma das filhas a missão de subir no telhado para entrar no quarto do irmão e convencê-lo a voltar para casa com a família. No entanto, Vespyr pisa em uma telha quebrada e escorrega, tendo um sério ferimento na vértebra que, segundo o médico, poderia ter sido fatal. No hospital, o profissional que tratava Vespyr conversa com Ben sobre como a sua filha possui ossos fortes para a idade, característica que provavelmente foi reforçada pelas atividades físicas praticadas durante a vida na floresta. Embora nesse caso se trate de um caso ficcional, podemos deduzir como a nossa subjetividade e quem somos física e psicologicamente vai além dos aspectos biológicos, sendo, na realidade, uma grande soma destes com a forma que fomos criados e tudo que fizemos, vivemos e aprendemos ao longo da nossa trajetória. Envolvido pela culpa de ter submetido Vespyr a uma situação arriscada, Ben decide deixar as crianças na casa dos avós e ir embora, acreditando que se não fizer isso, arruinará as suas vidas como fez com a esposa. Porém, ao estacionar o ônibus em um lugar afastado e sair para ter contato com a natureza, Ben é surpreendido pelos filhos, que estavam escondidos no ônibus durante todo esse tempo. Dizendo que o amam e que acreditam que serão mais felizes com ele, anunciam o sucesso da missão ‘’salvar mamãe e papai’’ e decidem que é o momento de realizarem o último desejo de Leslie. ‘‘Nossos filhos serão reis filósofos’’ Enquanto estava na casa dos sogros, Ben leu uma carta de Leslie em que esta dizia que desejava permaneceronde estava, pois era extremamente satisfeita com o que eles tinham criado ali. Dizia, ainda, que tinha convicção de que sua saúde melhoraria, e de que seus filhos seriam ‘’reis filósofos’’, o que a tornava plenamente feliz, tal como o amor pelo seu esposo. Juntos novamente, Ben e os filhos desenterram o corpo de Leslie e o levam para um lugar na floresta, onde cantam sua canção favorita com danças e roupas coloridas, celebrando sua vida e trajetória. Depois, levam as cinzas para um vaso sanitário e dão descarga, dando uma risada enquanto se olham. Como Ben dissera no memorial da igreja, ‘’Leslie teria adorado isso. Pelo menos, ela tinha senso de humor’’. Uma situação que fora do contexto causaria horror a quem visse é, para aquela família, o pacífico fechamento de um ciclo e, ao mesmo tempo, o início de um novo. Após a jornada, Ben e os filhos parecem encontrar o equilíbrio entre continuar sendo a mesma família autêntica e a viver em sociedade. Agora, sem a barba, mas com roupas igualmente peculiares, Ben despede-se de Bodevan, que viajará para Namíbia a fim de conhecer, na prática, mais sobre o mundo e as pessoas. Em casa, toma o café da manhã com os filhos enquanto estes esperam pelo ônibus escolar. Em paz, olha pela janela enquanto tome um gole da xícara. O filme termina mas a vida, não. “Se você admite que não há esperança, então você garante que não haverá esperança. Se você admite que há um instinto para a liberdade, que existem oportunidades de mudar as coisas, então há a possibilidade de que possa contribuir para a construção de um mundo melhor." (Noam Chomsky)
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