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85 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS COMO RECURSO NA INCLUSÃO SOCIAL E CULTURAL DO SURDO Sabrina Caires de Vasconcellos1 RESUMO O papel da Contação de História como auxílio na inclusão cultural e social do surdo. A pesquisa busca aprofundar a Contação de História para contribuir com a imaginação, a criatividade e o autoconhecimento da criança surda e ouvinte. O desenvolvimento da pesquisa pretende tornar-se uma ferramenta para área artística tão carente de materiais no que diz respeito à inclusão bilíngue do surdo. Palavras-chave: Contação de Histórias.Surdo. LIBRAS. ABSTRACT The role that storytelling is to aid in the cultural and social inclusion of the deaf. The research seeks to enhance history of storytelling to contribute to the creativity, imagination and self-awareness of the deaf and Deaf child. The research and development of a tool for artistic area so lacking in materials with respect to inclusion of the deaf bilingual. Keywords: Deaf People ; LIBRAS; Narrator History. 1 Especialista. Faculdade Paulista de Artes. sabrinacaires@hotmail.com 86 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 INTRODUÇÃO “Contar histórias é revelar segredos, é seduzir o ouvinte e convidá-lo a se apaixonar”… pelo livro… pela história… pela leitura. E tem gente que ainda duvida disso.” Celso Sisto2 Recentemente a Contação de História era vista na sociedade como algo de importância irrelevante ao auxilio da leitura e escrita. O entretenimento das pessoas daquela época era sentar em volta da fogueira e contar lendas e contos do imaginário popular e disseminar sua cultura e seus costumes. Assim, por muito tempo, essas histórias eram vistas como atos sem sentido ou sem valor. Já na Idade Média o contador passou a ser respeitado em todos os lugares aonde ia, passava a vida em palácios e aldeias e contava histórias de gosto populares. Muito mais tarde, essas histórias orais passaram a ser escritas, e com elas surgiram muitas outras histórias passadas de geração em geração. As histórias infantis foram nomeadas de Literatura Infantil, e a Contação de História é a origem da literatura, que passou a ser contada novamente da forma oral, entretanto com mais valor. Para Ristum; Bastos (2001), no Brasil, os meios de comunicação assumem o papel de formadores de consciência, representados por recursos de audiovisual, como o cinema, a televisão, o computador e a multimídia. Desse modo, a Contação de História , antes baseada apenas e exclusivamente na forma oral ou escrita, adquiriu novos recursos. Nos tempos atuais, podemos assistir à Contação de História através de imagens, sons, músicas e efeitos especiais. A função do contador de histórias é transmitir a sua verdade, por meio de gestos, expressões e recursos como áudios ou instrumentos musicais, de forma que 2 SISTO, Celso, escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) 87 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 aproxime seu público faça-o desenvolver a imaginação para que a história torne-se real e encantadora, segundo Abramovich , escritora de literatura infantil e juvenil. Cabe ao contador transpassar a criança para um mundo de fantasia, sem distanciar-se por completo do real. Para contar uma história é necessário um roteiro. A pesquisa é muito importante, para que o contador consiga selecionar corretamente a história que melhor se adapte ao público. A escolha define que tipo de mensagem será transmitida para o receptor. A maneira como é contada também é um fator que define e dá emoção à história; então, cabe ao contador transmitir toda a emoção contida na história, da melhor maneira possível, para que o ouvinte possa sentir também. Atualmente, a Contação de História é apreciada pela maioria das pessoas, embora não seja acessível a todos os públicos, o que resulta na exclusão do deficiente auditivo. Depois do surgimento de diversos recursos para melhorar e tornar mais viva a Contação de História, a necessidade agora é em relação à inclusão cultural e como podemos ser ativos na construção de uma sociedade que abranja todas as pessoas e proporcione ao surdo a oportunidade de assistir a uma Contação de História e interagir diretamente com essa linguagem, em forma bilíngue. CONTAÇÃO DE HISTÓRIA COMO ARTE NO ÂMBITO EDUCACIONAL Se o aluno tivesse a oportunidade de realizar trabalhos artísticos, ele poderia desenvolver mais todas as suas funções: pensamentos, sensações, emoções e intuição. Jung (apud SILVEIRA, 1981). Falaremos de arte, aqui neste artigo representada pela Contação de História, como ferramenta na Educação sem antes trazer à tona uma problemática existente no 88 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 pensamento das pessoas do mundo contemporâneo, que encaram a arte em geral como lazer ou somente como disciplina de segunda categoria. É essencial propor uma quebra de paradigma, de modo a interpretar a arte como importante ferramenta na Educação, uma vez que a invasão tecnológica tem redimensionado o fazer artístico, em todos os seus meios: poesia, música, cinema, literatura, fotografia. Nesta civilização virtual, devemos refletir sobre as relações humanas, as quais são os sustentáculos da arte, pois fornecem ao artista todo o conteúdo com o qual ele traz ao campo da sensibilidade questões do mundo, aproxima a arte do contato humano presencial. A tecnologia é válida para o desenvolvimento da humanidade, contudo é a palavra (verbal ou não verbal) que aproxima as pessoas, conforme afirma Bamberger (1995, página?): ”a leitura é um dos meios mais eficazes de desenvolvimento sistemático da linguagem e da personalidade. Trabalhar com a linguagem é trabalhar com o homem”. A arte tem, então, duas difíceis metas: avançar contra o conservadorismo e equilibrar-se ante as novas invasões tecnológicas. Afinal, sem desmerecer um nem outro, o conhecimento é um bem renovável e não ocorre sem que se estabeleça a relação humana. Por incrível que pareça, o principal representante do conservadorismo em nossa sociedade é a escola. É difícil entender uma escola que não valorize a arte em primeiro plano, que utilize ou não utilize das obras artísticas musicais, televisivas, teatrais como conteúdo pedagógico dentro e fora da sala de aula. Para compreender um pouco essa questão é preciso retomar a História da Educação Brasileira para entendermos quando a arte se tornou obrigatória ao currículo. A inserção da arte como disciplina obrigatória no currículo só aconteceu com a entrada em vigor da Lei 5692/71, que exigiu o ensino de Educação Artística da 5ª série do 1º grau, hoje chamado de 6º ano do Ensino Fundamental II à 3ª série do segundo grau, hoje chamado de 3º ano do Ensino Médio. 89 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 A atividade de Educação Artística abordava os temas de teatro, dança, artes plásticas e musicais. E somente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), no art. 26, dispôs-se “a obrigatoriedade do "ensino de arte" nos diversos níveis da educação básica”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) dão à área de arte mais abrangência, e incluem as quatromodalidades artísticas: artes visuais, música, teatro e dança. Atualmente, podemos afirmar que a Arte-educação cresce após 12 anos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, conforme citam Galvão e Pacheco (CGC Educação - 12.07.2008): Os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica foram criados há 10 anos, incluindo a área de Arte, e desde então, o Brasil passa por um processo de evolução no ensino da disciplina nas escolas públicas do país. O ensino da Arte ganhou nova dimensão, novo olhar, modalidades específicas e adaptações que levaram em consideração as peculiaridades culturais de cada região. Mesmo assim, o MEC avalia a necessidade de aprofundar os estudos, as pesquisas e avaliações referentes ao ensino-aprendizagem da Arte nas escolas brasileiras. (GALVÃO; PACHECO, 2008) Essas adaptações ocorreram de maneira geral; entretanto houve ganho especial na Educação de Surdos, embora ainda inexistam publicações dedicadas à história da Educação para quaisquer deficiências,com a exceção do deficiente intelectual, publicado por Jannuzzi (1985) e o mais recente o livro de Mazzota (1996). No Brasil, a educação dos surdos teve início durante o Segundo Império, com a chegada do educador francês Hernest Huet. Em 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que inicialmente utilizava a Língua dos Sinais; depois, em 1911, passou a adotar o oralismo puro. Na década de 1970, com a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos da Universidade Gallaudet, chegou ao Brasil a filosofia da Comunicação Total; e, na década seguinte, o Bilinguismo passou a ser difundido, a partir das pesquisas da Professora Linguista Lucinda Ferreira Brito sobre a Língua Brasileira de Sinais e da 90 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 Professora Eulália Fernandes, sobre a educação dos surdos.. Atualmente, essas três filosofias educacionais coexistem paralelamente no Brasil. A LDB (Lei nº 9.394/96) definiu-a como modalidade de ensino e lhe dedicou um capítulo específico (Cap. V), fixou objetivos e metas a serem atingidos nos dez anos de vigência do plano para o atendimento inclusivo de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) e a formação de professores para tal. Destaca-se que o contexto mundial sofreu modificações voltadas para a atenção a uma Educação Inclusiva, por exemplo: a Declaração Mundial sobre Educação para todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994), considerada mundialmente um dos mais importantes documentos com foco na inclusão social e na consolidação da educação inclusiva – resolução das Nações Unidas que trata de princípios, política e prática em educação especial. A partir de então, com as políticas educacionais implementadas, outros paradigmas devem ser quebrados para alcançar o objetivo de levar à escola regular um currículo adaptado com o desafio de atender às necessidades educacionais de todos os alunos, dentre os quais se inclui o questionamento: Arte na Educação para quê? A arte é um meio de comunicação único e completo, capaz de derrubar as paredes existentes entre os sujeitos. Ao utilizar a arte como instrumento de interação permite-se socialização, inserção social e favorece a sua inclusão cultural. Uma vez quebrada essa barreira, acrescenta-se a Contação de História como mais uma forma de inclusão do surdo no Ensino Regular. Jean Piaget (1896-1980) acreditava que as estruturas cognitivas recebiam conteúdos que são somados às experiências já vivenciadas; Quando a criança escuta e repassa a história que acabou de ouvir, tem a liberdade de modificar trechos ao seu modo, estabelece laços entre a realidade e ficção,e exercita assim, a autoexpressão. Desse modo, quando conta, ouve ou executa uma história, o indivíduo compartilha a sua realidade com as outras pessoas e ainda traz à tona criatividade e imaginação. 91 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 A INCLUSÃO CULTURAL DO SURDO Segundo Edward Burnett Tylor, Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) consiste em práticas e ações sociais que seguem padrão determinado no espaço. Ao juntar a definição de inclusão com a de cultura chega-se a: Inclusão Cultural como o envolvimento de todos, numa prática ou ação social. Para isso, destacamos em especial a Contação de História como objeto deste estudo.cuja importância no nosso meio social, para todo e qualquer indivíduo, seja ele deficiente ou não, independentemente da classe social, garante o direito de expressão por meio das diversas expressões artísticas, que tanto auxiliam na fluência do pensar, criar, interagir, bem como facilitam a integração social. Existem muitas ações e movimentos, em busca dos direitos de expressão, movidos por diferentes grupos artísticos que lutam pela causa da inclusão em geral. Nesse quesito, a comunidade surda dispara na frente, pois muito engajada mobiliza-se há muito tempo, por meio de um movimento internacional pelos direitos das pessoas surdas. As origens desse movimento tiveram início com os artistas - os primeiros a desenvolverem ações despertadas pela nova consciência, derivada da obra de Stokoe (1960). Em 1967, esses artistas fundaram o Teatro Nacional dos Surdos que tem como missão produzir trabalhos desafiadores da mais alta qualidade, com vasta gama literária de todo o mundo, cujos originais eram produzidos em American Sign Language (Língua Americana de Sinal - ASL), palavra falada, e assim ser uma forma de empregar artistas surdos para oferecer à comunidade atividades para educar e esclarecer o público em geral, abrir olhos e ouvidos para a cultura surda, tendo como estilo de encenação o American Sign Language . Durante a longa história do Teatro Nacional dos Surdos ocorreram bem mais de dez mil performances que excursionaram por todo o mundo sempre com objetivo não só de entretenimento, mas de educar. 92 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 Em 1989, Lewis Hartland, ex-membro do canadense Teatro de Surdos, funda o Teatro Surdo Canadiano, sediado atualmente em Cranbrook. Essa companhia tem como filosofia: "A crença no interesse e na inerente e natural capacidade da população surda, de representar e divertir num nível profissional e sério oferecendo algo diferente do meio teatral ouvinte/falante" (MARQUES; SOUZA, 2012). Diferente do estilo de encenação do Teatro Nacional dos Surdos, o Teatro Surdo Canadiano apresenta seus espetáculos em mímica, mímica sinalizada, pantomima, palhaços teatrais e Língua Gestual Americana; assim, as peças são encenadas tanto para ouvintes como para surdos. A companhia desenvolve cursos de técnicas teatrais, contação de história, dinâmica da comunicação da mímica, entre outros. Em suas oficinas para crianças surdas, o objetivo era instigar-lhes o poder de percepção, extrair-lhes talentos e habilidades, para que pudessem expressar-se criativamente e sentirem-se satisfeitos com o fazer teatral, plenamente incluídos. No Brasil o primeiro ator surdo a profissionalizar-se foi Nelson Pimenta, nascido em Brasília em 1963. Pimenta estudou no National Theatre of the Deaf (Teatro Nacional dos Surdos), de Nova York. É pesquisador de Língua de Sinais e já atuou como instrutor de Teatro e de Língua de Sinais Brasileira em diversas instituições de ensino, entre elas o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS). Formou-se em Cinema pela Universidade Estácio de Sá e, atualmente, estuda Letras pela Universidade Santa Catarina, além de coordenar as ações de teatro e expressão corporal da Associação de Reabilitação e Pesquisa Fonoaudiológica (ARPEF), dirigir a empresa de educação LSB Vídeoe dar aulas de teatro no Centro Educacional Pilar Velazquez (CEPV). (PAULINAS) Destacamos também o trabalho realizado pelo Grupo Teatral Moitará que desde 1988 desenvolve pesquisa continuada sobre o trabalho do ator, busca compreender os princípios que fundamentam sua arte e têm nos estudos dos aspectos e funções da Máscara Teatral a base para a elaboração de metodologia própria, mais especificamente o projeto Palavras Visíveis: capacitação técnica para atores surdos com a linguagem da Máscara Teatral - Ponto de Cultura. Esseprojeto iniciou suas atividades 93 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 em abril de 2008 com 12 atores surdos capacitados na prática teatral através da linguagem com a máscara teatral. Segundo o grupo, o projeto “A Máscara Teatral”, com a surdez, transmite as experiências de vida por um canal visual, sem se apoiar em bases de oralidade, mas em uma linguagem que é, antes de tudo, construída corporalmente. As afinidades entre essas duas naturezas de discurso (a Máscara e a expressão do Surdo) é um potencial importante a ser desenvolvido como estratégia para integração social e cultural que toda nação busca. Nesse sentido, acreditamos que o teatro e a arte em geral é importante veículo para que os surdos possam manifestar-se e ser incluídos na sociedade de forma igualitária. De grande valia também é o trabalho da Cia. Arte & Silêncio, fundada pelos irmãos Sueli Ramalho e Rimar Romano que iniciam sua jornada em 2003 com um grupo de atores surdos e ouvintes, com o objetivo de desenvolver pesquisa da arte e da cultura de surdos, utilizando as técnicas da mímica e da linguagem do clown, adaptadas à Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), segundo Rimar Romano fundador da Cia. Arte & Silêncio. Neste artigo busca-se abordar como é importante a inclusão cultural e social do surdo e a autora buscou o auxílio da arte, especificamente da Contação de História, como entrada para o mundo da imaginação e do sonho tão permitido para criança ouvinte e agora para criança surda também. Assim, a inclusão cultural do surdo é efetiva quando todos compartilham da mesma expressão artística, como protagonista ou espectadores, na medida em que se oferece uma contação de historia por meio de teatro para todos. CONTAÇÃO DE HISTÓRIA BILINGUE SURDOS E OUVINTES ESPECTADORES “Quero entender o que dizem. Estou enjoada de ser prisioneira desse silêncio que eles não procuram romper. Esforço-me o tempo todo, eles não muito. Os ouvintes não se esforçam. Queria que se esforçassem”. 94 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 Emanuelle Labourit 3 A contação de histórias é um instrumento muito importante no estímulo à criatividade, pois desenvolve a Linguagem, seja ela qual for; é um passaporte para despertar o senso crítico e principalmente fazer sonhar. As histórias têm a função de transmitir conhecimento, educar, instruir, avisar - com o intuito de preparar e também promover a inclusão. Dentro desse estímulo do desenvolvimento encontra-se principalmente o estímulo à imaginação, uma vez que – tanto ao assistir, quanto ao reproduzir uma história – a imaginação é a principal ferramenta condutora. O contador transfere para o público todas as possibilidades gestuais e de expressão para demonstrar aquilo que é contado; utiliza-se do desenvolvimento do imaginário para ajudar a quem presencia a construção verdadeira. Segundo Abramovich (1989: 17): ‘é ouvir, sentir e enxergar com os olhos do imaginário’. A arte é um direito de todos, arte que pode ser universal, que possa ser vista, tocada, ouvida, sentida por qualquer ser, independentemente de raça, cor e credo. A inclusão é um desafio à sociedade, e como é grande o desamparo e a dificuldade de todos quando falamos sobre a inclusão de pessoas com deficiência. Aa barreiras humanas e sociais mantêm-nas seres segregados e impossibilitados de participarem ativamente da vida e exercerem dignamente sua cidadania. Desse processo de exclusão social resulta a exclusão cultural e o não acesso à cultura. Por isso é tão essencial refletir sobre a inclusão cultural para tornar acessível a arte ao deficiente auditivo, de tal modo que ele possa participar de uma contação de história e conviver com os ouvintes. O foco central deste artigo é mostrar que é possível proporcionar a vivência entre ouvintes e surdos. É fato que, no início, há dificuldade de expressar-se; na medida em que conhecem um ao outro percebem a relação com o mundo que os cerca, a relação entre o português e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Somente assim acontecerá o 3 LABOURIT, Emanuelle E. O vôo da gaivota. 1994, p.39. 95 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 estreitamento de linguagem, entre o surdo e o ouvinte, conscientizando-os do seu papel e valorizando os elementos humanos e a inclusão cultural de todos. Ao utilizar Libras, busca-se reduzir as dificuldades de exprimir em linguagens gestuais sentimentos, emoções e sensações. Ao conhecer o próprio corpo, relacionam movimento, espaço e ritmo e, pouco a pouco, expressam-se naturalmente. Em síntese, cada aluno situa-se no seu mundo. RELATO REAL, CONTAÇÃO DE HISTÓRIA BILÍNGUE. Por fim esta pesquisa traz o relato de vivência da autora com o grupodo qual faz parte: Rendeiros Contadores de Histórias. Grupo, formado em 2011, desenvolve pesquisa em contação de história, cujo amadurecimento decorreu da abordagem de temas a respeito da falta de disponibilidade cultural para as minorias - entendida aqui como determinado grupo humano que esteja em número inferior em uma determinada situação de subordinação. Essa minoria pode ser linguística, relacionada a condição física, cultural ou étnica. Em 2014, teve como tema central a Surdez e o desenvolvimento da arte inclusiva, Bilíngue – Libras e Português - A possibilidade de histórias para todos. O grupo refletiu a respeito do surdo como espectador, encontraram enorme barreira de acessibilidade, por isso o ponto de partida foi discutir as diferenças, as desigualdades e a segregação de minorias. Assim, o teatro inclusivo vem para questionar e buscar estratégias para levar ao surdo participação real, e não apenas colocar intérprete do lado dos atores, como convencionalmente existe hoje no âmbito cultural brasileiro, mas inseri-lo totalmente no contexto teatral, de modo que as personagens do espetáculo se comuniquem, em Português e em Libras. Para tanto, buscamos colocar o intérprete no espaço cênico, para além da sua função de intérprete de Libras, é ele também integrante do espetáculo. Assim, nas Contações de Historias ter a história falada, a cantada e a história em Libras. Isso tudo 96 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 no mesmo cenário, mesmo tempo e mesmo espaço. Isso sim é ter arte acessível para todos. CONCLUSÃO A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), língua gestual referenciada na Lei n°10.436, de 24 de abril de 2002, possibilitou a quebra de barreiras entre ouvintes e surdos, pois trouxe relevância ao tema. Ao mesmo tempo em que é uma língua viva e autônoma, reconhecida pela linguística, devemos prestar muita atenção à comunicação surda, e nas outras maneiras como surdos também se expressam. A educação escolar é oferecida na rede regular de ensino, para pessoas com necessidades educacionais especiais. Assim, a Lei 9394/96, a partir da lei e do fechamento das escolas com salas especiais para os alunos com deficiência e a inclusão deles em salas de aula regulares. Essa alteração foi mais uma oportunidade de estreitar relações entre alunos, professorese comunidade para o conhecimento da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), e mesmo antes do aprendizado da nova língua deu-se 97 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 mais atenção ao modo como o surdo utiliza o corpo para se expressar, porque muitas vezes pode comunicar através de gestos corporais. Interagir com a comunidade surda, conhecer sua cultura, eliminar estereótipos sobre o tema e facilitar a comunicação entre profissionais e surdos tornou-se uma conduta regular de pessoas, profissionais de educação e famílias. Para atingirmos os objetivos que propugnamos neste estudo destacamos o enfoque na Contação de Histórias como uma pertinente oportunidade de inclusão para os surdos. Após questionário aplicado à comunidade surda: 10 surdos de idade de 10 a 14 anos, do sexo masculino e feminino, verificou-se que a contação de história bilíngue é a forma que mais atinge o surdo no que diz respeito à inclusão cultural. Assim, pela tabulação das respostas, observou-seque, quando o surdo depara com uma ação cultural que o envolve e os ouvintes, eles se sentem mais inclusos na sociedade. A Contação de História reforça a expressão da criatividade e aumenta a comunicação e interação entre surdos e ouvintes, mesmo sendo uma comunicação pela linguagem de sinais ou não. Conclui-se que a Contação de História torna-se facilitador na inclusão cultural e social do surdo quando a pesquisa da autora torna-se viável, pois a Contação bilíngue (Libras /Português) propicia que todos compartilhem da mesma contação, sejam protagonistas ou espectadores, uma vez que o campo de visão, tanto do surdo como do ouvinte, é o mesmo, sem distinção e com participação simultânea. REFERÊNCIAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: Gostosuras e bobices. 2.ed. São Paulo: Scipione; 1991. 98 ARTEREVISTA, n. 3, jan./jun. 2014, p. 85-98 BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. DANESI, Marlene Canarim. O admirável mundo dos surdos. PUCMG: Edipuc, MG. 2007 Porto Alegre, RS. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Necessidades Educativas Especiais – NEE In: Conferência Mundial sobre NEE: Acesso em: Qualidade – UNESCO. Salamanca/Espanha: UNESCO 1994. HOLLANDA, Aurélio B. 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