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Pintura Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Adriana Honorato Gonçalves Revisão Textual: Profa. Ms. Rosemary Toffoli Pintura Contemporânea 5 • Introdução • Ruptura com a figuração • Pintura abstrata • Novo figurativismo • Ruptura com o suporte e a matéria • Novos meios na pintura • Geração 80 • Grafitti • Considerações sobre a pintura no século XXI · Nesta unidade, discutiremos a pintura contemporânea a partir da produção realizada em meados do século XX. Esse período se destaca por marcar as transformações ocorridas entre a arte moderna e contemporânea. · É importante perceber a ruptura que ocorreu com os elementos tradicionais da pintura (tema, suporte, matéria, instrumento) e a inclusão de novos meios. Essas abordagens permite-nos entender a liberdade conquistada pela pintura contemporânea. Vamos partir de movimentos contestadores do período moderno para entender a pintura realizada a partir da segunda metade do século XX. Você deve perceber as mudanças ocorridas no pensamento do artista, além das mudanças ocorridas no mundo. Para isso, o texto possui diversas referências a escritos de artistas e também oferece caminhos para que você amplie seu conhecimento. Pesquisar imagens de artistas citados ao longo do texto é fundamental para seu repertório. A pintura contemporânea é rica e uma das linguagens que mais aparece na produção artística atual. Consulte as referências bibliográficas e o material complementar para uma melhor apreensão dos tópicos explorados aqui. Um ótimo estudo para você! Pintura Contemporânea 6 Unidade: Pintura Contemporânea Contextualização Para iniciarmos este estudo sobre Pintura Contemporânea, convido você a refletir acerca do assunto com esta leitura que versa sobre a escolha de jovens artistas brasileiros pela pintura como principal meio expressivo. Mesmo que aparelhados com meios tecnológicos, jovens pintores resgatam valores tradicionais Por PAULA ALZUGARAY Não foram escassos os anúncios da morte da pintura. O primeiro alerta veio com a invenção da fotografia, há quase 200 anos. A fixação da imagem do mundo sobre o papel fotográfico gerou o grande dilema da pintura moderna, colocando em suspensão sua função de representação da realidade. A resposta das vanguardas foi implacável e começou com as três telas monocromáticas de Alexander Rodchenko, anunciando o fim dos valores tradicionais do ofício: não havia mais figura, fundo, nem representação. Depois, viriam outros demolidores de convicções, como Mondrian, Duchamp, até surgir, no Brasil, Aluísio Carvão e a geração de neoconcretistas que projetaram vibrações cromáticas para além da superfície plana da tela. Essa vontade de experimentação que nasceu com a fotografia, o cinema e o vídeo teria contaminado também a relação dos artistas com a pintura. Essa tese foi desenvolvida pela exposição Pintura reencarnada, em 2004, com curadoria da jornalista Angélica de Morais, que argumentava sobre a mutação da matéria pictórica contemporânea em pixels, feixes de luz, impulsos e sensores elétricos. Agora, o debate sobre a morte e a reencarnação da pintura pode ganhar novos contornos com a exposição do grupo 2000eoito, que reúne oito jovens pintores que não abrem mão de usar tintas sobre superfícies planas, mesmo que assimilem processos e temáticas importadas da fotografia e das câmera de vigilância. “Fomos contaminados pela discussão sobre a morte da pintura e também pelo Skype, GPS, vídeo, internet, etc. A tecnologia é nossa aliada, mas é na pintura que encontramos a melhor forma de dizer o que queremos”, diz o pintor Marcos Brias, um dos integrantes do grupo 2000eoito, que se formou há um ano com o objetivo de fazer uma exposição coletiva de pintura. “Todos nos sentíamos ilhados, pois éramos parte de uma minoria que pintava”, diz Rodolpho Parigi, que procura traduzir na pintura “a hibridização e a vibração da vida contemporânea”. A presença dessa vibração contemporânea é perceptível na mostra, mesmo que os artistas façam um uso assumido de valores e gêneros pictóricos tradicionais: Rodrigo Bivar dedica- se ao retrato, Marina Rheingantz, Bruno Dunley e Renata De Bonis se debruçam sobre a paisagem, Ana Elisa Egreja trabalha sobre o valor decorativo da natureza-morta. Mas talvez onde a pintura efetivamente entre em fricção com a atualidade seja no trabalho de Regina Parra, que representa imagens captadas por câmeras de vigilância. “O uso da fotografia como intermediação entre a realidade e a pintura é o que diferencia essa geração da minha”, afirma o pintor Paulo Pasta, curador da exposição e ex-professor do grupo. Mas, segundo ele, a contemporaneidade, nesses artistas, não está no uso da fotografia. “Está na vitalidade, no ânimo, no entusiasmo com que eles se colocam diante da pintura”, afirma o pintor. Leia a matéria na integra em: http://www.terra.com.br/istoe-temp/edicoes/2024/imprime99153.htm. Acesso em 25/03/2015 http://www.terra.com.br/istoe-temp/edicoes/2024/imprime99153.htm 7 Introdução Nesta unidade você vai estudar alguns aspectos da pintura realizada a partir da segunda metade do século XX, período considerado, na arte, como pós-moderno ou contemporâneo. O estudo vai privilegiar as décadas de 60, 70 e 80 por ser o período que sublinha as transformações entre a pintura moderna e contemporânea. Para iniciarmos este estudo, é importante revisitar alguns momentos da história da pintura que nos permite entender de onde vieram as mudanças ocorridas na técnica e, principalmente, no pensamento do artista contemporâneo. Lembrando que a “história da arte não é a história do progresso na técnica, mas a história de ideias, concepções e necessidades em permanente evolução”. (GOMBRICH, 1999) Você poderá perceber, durante esta leitura, as transformações ocorridas na pintura partindo de seus elementos básicos tradicionais – o TEMA (tradicionalmente a figuração); o SUPORTE (tradicionalmente a tela); o INSTRUMENTO (tradicionalmente o pincel) e a MATÉRIA (tradicionalmente a tinta). Farão parte deste estudo alguns escritos de artistas, manifestos, biografias e textos complementares. Pesquise imagens de obras dos artistas citados ao longo do texto, este exercício vai aumentar seu repertório visual e é fundamental para a compreensão do estudo. Consulte as referências bibliográficas e o material complementar para uma melhor apreensão dos tópicos explorados aqui. 8 Unidade: Pintura Contemporânea Ruptura com a figuração Embora as academias de artes ainda pregassem os ideais da Renascença, opinando que “o tema da arte deveria ser nobre ou instrutivo e que o valor de uma obra de arte poderia ser julgado por sua parecença descritiva com os objetos naturais” (DEMPSEY, 2008, p.14), grupos contestadores surgiram, no século XIX, e rebelavam-se contra as convenções. Esses grupos deram origem às vanguardas artísticas. Um dos primeiros estilos desta época, imprescindível para entendermos a evolução da pintura, foi o IMPRESSIONISMO. Seu interesse em captar a impressão visual de uma cena, em pintar aquilo que o olho via, no lugar daquilo que o artista sabia, foi tão revolucionário quanto sua prática de trabalhar ao ar livre (e não unicamente no ateliê) com o intuito de observar o jogo da luz e das cores. Evitar temas históricos ou alegóricos e insistir nos momentos fugazes da vida moderna – a fim de criar aquilo que Monet denominava “um trabalho espontâneo, no lugar de um trabalho calculado” – marcou uma ruptura definitiva com os temas e os procedimentos até então aceitos. (DEMPSEY, 2008, p. 15) O impressionismo subverteu a hierarquia dos gêneros colocando a paisagem em seu topo. Dessa corrente, saem pintores de movimentos posteriores como Paul Cézanne, Georges Seurat, Paul Signat e Paul Gauguim. As ações e experimentos do impressionismo simbolizariam ruptura com as tradições artísticas e defenderiam a liberdade artística e a inovação. Segundo AMY DEMPSEY (2008), a qualidade abstrata das ninfeiasde Monet antecipa a produção da arte abstrata dos anos 40 e 50. Sobre Monet e suas ninfeias visite o blog: http://artenarede.com.br/blog/index.php/monet-e-suas-ninfeias-milionarias/ 9 Figura 1. Monet, Ninfeias (detalhe), 1923. No século XX, as novas mídias provocaram reavaliação do propósito da pintura. A fotografia, surgida na segunda metade do século XIX, teve papel relevante neste processo. Com o seu advento, a pintura não tinha mais a preocupação com a verossimilhança, abolindo, por exemplo, a necessidade da pintura de retratos. Posteriormente, o cinema desempenha papel fundamental na representação de cenas históricas e batalhas. Alguns autores chegaram a falar da “morte da pintura”, esquecendo-se do fato de que, em sua história, a pintura nunca se contentou em “representar o que vê”. “Recordemos como o artista primitivo costumava compor, digamos, um rosto a partir de formas simples, em vez de copiar um rosto de verdade; reportamo-nos frequentemente ao egípcios e seus métodos de representar uma pintura do que conheciam e não do que viam. As artes grega e romana insuflaram vida nessas formas esquemáticas; a arte medieval usou-as, por sua vez, para contar a história sagrada; a arte chinesa, para contemplação. Em nenhum desses casos o artista era solicitado a “pintar o que via”. (GOMBRICH, 1999, p. 563) Gombrich continua sua reflexão, dizendo que, mesmo na Renascença, com todos os meios que o artista dispunha para representar o mundo à sua volta, continuava existindo grupos de resistência que pintavam, aplicando formas que tinham aprendido em vez de pintarem o que realmente viam. Atenção Vamos entender as mudanças ocorridas com a figuração, verificando como se deu a evolução da pintura abstrata? 10 Unidade: Pintura Contemporânea Pintura abstrata No início do século XX, a figuração deixa de ser a única forma de representação da pintura. Elementos como a COR; a LINHA e a FORMA tornaram-se ferramentas para o artista expressar sua visão pessoal. Artistas como Vassili Kandinski (1866-1944), Franz Marc (1880-1916) e August Macke (1887- 1914) declaravam sua crença na eficácia simbólica das formas abstratas. Para estes artistas, a pintura deixa de representar cenas religiosas para ser ela mesma, “expressão daquilo que é espiritual” ou uma “atividade espiritual”. “Essa arte vindoura dará forma a nossas convicções científicas. Essa arte é nossa religião, nosso centro de gravidade, nossa verdade”. (Franz Marc apud DEMPSEY, 2008, p. 95) Figura 2. Vassili Kandinski, Improvisação no desfiladeiro, 1914. Você sabia? A partir do século XX, o ato de pintar tornou-se cada vez menos ligado à representação de objetos. “O movimento fortuito da mão sobre a tela ou o papel se tornou cada vez mais importante. As pinceladas, as manchas, as linhas, os borrões passaram a existir cada vez mais por conta própria, de maneira autossuficiente” (KAPROW apud COTRIM, 2006, p.39) 11 Abstração Geométrica (suprematismo) Os componentes essenciais da pintura – forma e cor purificadas foram elevados ao topo na pintura de Kasimir Maliêvitch (1878-1935). O artista explicou que “em 1913, tentando desesperadamente libertar a arte do peso do universo da representação, procurou refúgio na forma do quadrado” (Maliêvitch apud DEMPSEY, 2008, p. 103) Em 1918, ele apresenta a série Branco sobre branco, na qual pinta quadrados brancos suavemente delineados sobre o branco da tela, rompendo com a tradição da cor na pintura. Figura 3. Maliêvitch, Branco sobre branco, 1918. Abstração Pós-Pictórica Este termo foi criado pelo crítico de arte Clement Greenberg (1909-1994) para se referir aos artistas de pintura abstrata das décadas de 50 e 60, que reagiram contra o expressionismo abstrato de décadas anteriores. Para artistas como Frank Stella, Ad Reinhardt e Kenneth Noland a pintura era um objeto e não uma ilusão (DEMPSEY, 2008, p. 232). Frases como “A arte pela arte” e “O que você vê é o que você vê” afirmam a ideia de que o observador estava diante de um objeto pintado e não de uma experiência transcendental ou de um veículo de comentário social. 12 Unidade: Pintura Contemporânea Figura 4. Frank Stella, Nunca passa nada, 1964 13 Novo figurativismo A figuração na pintura retorna na segunda metade do século XX, no período pós-guerra, em movimentos como o dos Pintores Figurativos da Escola de Londres na década de 50, Hiper-realismo e Neo-expressionismo das décadas de 60 e 70. O artista Francis Bacon (1909-1992) foi um dos mais famosos pintores britânicos do século XX. Suas pinturas eram dramáticas e expressavam, isolamento, brutalidade e terror. A maioria de suas pinturas era baseada em fotografias ou pinturas tradicionais que ele utilizava como ponto de partida para sua imaginação. Figura 5. Bacon, Estudo do retrato do papa Inocêncio x de Velázquez, 1953. Óleo sobre tela, 153x118cm. · Note como a tinta é espalhada e respingada na tela; · o gesto do pintor é livre e enfático; · a releitura mostra uma imagem devastadora da angústia existencial; · as diagonais parecem sublinhar a raiva do papa; · seu trono mais parece uma gaiola que o aprisiona. 14 Unidade: Pintura Contemporânea Os pintores do “novo figurativismo” não se limitavam à tradição, mas também não a negavam. Eles apresentavam a pintura figurativa com novos paradigmas. É possível perceber ecos das obras de artistas tradicionais como Van Eyck, Ingres, Watteau, Ticiano e Poussin em obras de artistas do século XX como Lucian Freud (1922-2011), Leon kossoff (n.1922), Frank Auerbach (n.1931), Malcolm Morley (n.1931), Chuck Close (n. 1940), Richard Estes (n. 1932) e Eric Fischl (n. 1948). Figura 6. Lucien Freud, autorretrato, 1985. · Lucien Freud passou por várias fases em sua pintura - desde pintura suave e linear com finas camadas de tinta e pincéis finos até pintura mais solta e vigorosa com pincéis mais duros e largos; · neste autorretrato, ele está em sua fase madura em que trabalhava de pé, utilizava pincéis largos e ásperos para criar texturas na pele e um pigmento pesado e granulado chamado “branco de creminitz” que lhe permitia pintar tons de pele com efeitos de empaste; 15 Transvanguarda Italiana: no interior do movimento neo-expressionista, surge a Transvanguarda Italiana com artistas como: Francesco Clemente, Mimmo Palladino, Enzo Cucchi, Sandro Chia e Nicola de Maria. As pinturas, na grande maioria figurativa, apresentavam o corpo humano em posição de destaque. A maioria das telas foram construídas com cores fortes, zonas escurecidas e pinceladas vigorosas. As referências e tendências não possuem uma única linha de pesquisa. Embora buscassem inspiração em mitos, lendas e nos grandes mestres, os artistas da transvanguarda fragmentavam a tradição pictórica e violavam a hierarquia entre as linguagens Figura 7. Sandro Chia, Aquário, 1981. Óleo e pastel sobre tela, 2017x170cm. A abordagem cerebral do abstracionismo geométrico e a preferência pela abstração purista sofreu rejeição dos neo-expressionistas, que desejavam prestigiar tudo aquilo que havia sido desacreditado na pintura – “a figuração, a emoção declarada, a autobiografia, a memória, a psicologia, o simbolismo, a sexualidade, a literatura e a narrativa”. ( DEMPSEY, 2008, p. 276). A artista Jenny Saville (n.1970) desenvolve esta nova abordagem pictórica em suas obras monumentais. Sua representação do nu feminino traz questões relacionadas ao estabelecimento do belo, violência e violação. 16 Unidade: Pintura Contemporânea Figura 8. Jenny Saville, Marcada, 1992. Óleo e técnica mista sobre tela. 209x179 cm. edicion-cys.com Importante! “A obra neo-expressionista caracteriza-se por aspectos técnicos e temáticos. O tratamento dos materiais tende a ser tátil, sensual ou tosco e as emoções são expressas com vibração. Os temas exibem um envolvimento com o passado e são explorados por meio da alegoria e do simbolismo”. DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas e movimentos. 2008, p, 279 17 Ruptura como suporte e a matéria O pintor Jackson Pollock (1912-1958) sai das convenções pictóricas e torna-se um revolucionário das técnicas tradicionais de composição. Nos anos 50, ele renova a pintura esticando as telas no chão e gotejando tinta sobre elas. Em suas reflexões ele nos deixa o seguinte comentário: Minha pintura não vem do cavalete. Eu raramente estico a tela no chassi antes de pintar. Prefiro fixar a tela diretamente na parede ou no chão. Preciso da resistência de uma superfície dura. Com a tela no chão, sinto-me mais à vontade. Sinto-me mais próximo da pintura, tenho a impressão de fazer parte dela, pois posso movimentar-me à sua volta, trabalhar nos quatro lados da tela, estar literalmente dentro da pintura. É um método parecido com o dos pintores índios que trabalhavam sobre a areia. (apud COTRIM, 2006, P.38) Figura 9. Jackson Pollock pintando. rocarassociats.com · Aqui, a tela perde o chassi e é esticada no chão; · a tinta a óleo é substituída por tinta doméstica extremamente diluída; · o pincel, por vezes, era substituído por tocos de madeira e outros instrumentos que facilitassem o respingo; · o gesto do pintor, de frente para o suporte, foi totalmente violado. · o ato de Pollock, de gotejar tinta sobre a tela, não é mais o velho ofício de pintar, torna-se uma dança. Chega perto de um ritual que, por acaso, usa a tinta como um de seus materiais. 18 Unidade: Pintura Contemporânea • Veja no material complementar indicação de filme sobre a vida e obra do artista Jackson Pollock. A ruptura com a superfície plana e bidimensional da pintura também pode ser percebida em colagens como as do artista italiano Alberto Burri (1915-1995). Figura 10. Alberto Burri, Sacco PV, 1954. Juta, algodão, cola, seda e tinta sobre suporte de algodão preto. adevaherranz.es · Burri evoca os poderes dos materiais; · sua pintura é matérica; · experiências do pós-guerra como sofrimento, pobreza e raiva foram expressas em suas obras. Outro artista que revolucionou as convenções foi Lucio Fontana (1899-1968). Em 1945, ele rasga a tela (suporte canonizado desde o renascimento) e expande o espaço bidimensional da pintura. O artista nomeia toda a produção que realizou dentro deste processo de Concetto Spaziale, Attese (conceito espacial, expectativas). 19 Figura 11. Fontana, Conceito espacial, 1961. Óleo e corte sobre tela, 97x130 cm. novaziodaonda.files.wordpress.com · A tela é violada; · o corte, feito por Fontana, funciona como o gesto do pincel, porém feito com navalha; · com este gesto, a tela deixa de ser vista apenas como suporte para a pintura, mas passa a ser um objeto artístico que pode ou não ser a escolha do artista para definir sua pintura. · a superfície da pintura não tem mais que ser relacionada à bidimensionalidade. Depois dele, Nelson Leirner (n. 1932) faz releitura de sua obra na série de trabalhos intitulada Homenagem a Fontana, de 1967, em que propõe ao público uma experiência sensorial dos cortes de Fontana por meio de zíperes fixados na superfície da obra que podem ser abertos ou fechados, revelando seu interior. Figura 12. Leirner, Homenagem a Fontana I, 1967. Lona e zíper, 180x126cm. flaviocro.blogspot.com 20 Unidade: Pintura Contemporânea · Aqui, já não há mais tinta sobre tela; · o artista estica tecido colorido, um sobre o outro no chassi; · o corte é simbólico, e acontece com a abertura do zíper; · o público é convidado a interagir com a obra. Posteriormente, a artista Adriana Varejão (n. 1964) também faz releitura da obra de Lucio Fontana. Na série Paredes com incisões a La Fontana, ela transfere as fendas da tela de Fontana para sua “parede de azulejos”. Esta série apresenta pinturas volumosas, muito próximas da escultura. Figura 13. Varejão, Parede com incisões a La Fontana, 2002. Óleo sobre tela e poliuretano em suporte de alumínio e madeira , 195 x 260 cm nuevomundo.revues.org 21 Novos meios na pintura Como vimos, todo esse experimentalismo e a chegada de novas mídias abriram um leque de possibilidades para a pintura. Novas linguagens foram incorporadas à pintura, assim, na arte contemporânea, procurar uma linguagem pura como “Pintura”, “Escultura”, “Desenho” é tarefa muito difícil. As linguagens se misturam. A pintura articula-se com a dança, a música, a fotografia, o teatro, a escultura, a literatura, o vídeo e a tecnologia. A pintura expande-se, torna-se híbrida. Importante! Allan Kaprow, um artista da segunda metade do século XX, quando escreve seu texto “O legado de Jackson Pollock”, na década de 60, anuncia: “Os jovens artistas de hoje não precisam mais dizer Eu sou um pintor ou Um poeta ou Um dançarino. Eles são simplesmente ARTISTAS”. Escritos de artistas: anos 60/70 – Seleção e comentários Glória Ferreira e Cecília Cotrim. Rio de Janeiro: zahar, 2006, p.18. Até as décadas de 50|60, as novas técnicas de pintura apareciam como que para quebrar regras e romper tradições. A partir daí, todo este experimentalismo é incorporado e passa a ser teoria na pintura contemporânea. Richard Rauschenberg, em 1958, pinta sobre uma colcha de retalhos e depois acrescenta um travesseiro, pendura o objeto e o chama de “Cama”. Ele afirma: “A pintura diz respeito à arte e à vida. Nenhuma das duas pode ser criada (tento atuar na brecha existente entre as duas)”. (Rauschenberg apud DEMPSEY, 2008, p. 205) Figura 14. Richard Rauschenberg, Cama. 1958. studyblue.com 22 Unidade: Pintura Contemporânea Yves Klein, em 1960, Lambuza uma de suas modelos com a tinta azul criada e patenteada por ele (International Klein Blue) e pressiona seus corpos sobre determinadas superfícies esticadas no chão ou na parede, ao som de sua Sinfonia Monótona. E afirma: “isto é o novo realismo”. Figura 15. Ives Klein em seu processo pictórico. theartandlife.blogspot.com 23 Geração 80 No Brasil, o experimentalismo pictórico circulava em grupos de jovens artistas que saiam de diversas universidades, principalmente do Rio de Janeiro e de São Paulo. Suas pesquisas artísticas giravam, principalmente, em torno da tradicional linguagem da pintura. A bad painting norte-americana, o neoexpressionismo alemão e a transvanguarda italiana faziam parte do cenário internacional de então e serviam de alimento para esta geração de novos pintores de artistas que ficou conhecida como Geração 80. As principais características da pintura deste grupo eram: · trabalhos em grandes formatos; · pintura em telas sem o chassis; · uso pastoso e quase escultórico da tinta; · experimentalismo e gestualidade; Os artistas da Geração 80 tinham poucas conexões com os pintores brasileiros de gerações antecessoras, como Flávio de Carvalho (1899-1973), Flávio Shiró, Iberê Camargo (1914- 1994), Ivan Serpa (1923-1973), ao contrário do que foi sugerido em algumas exposições de pintura daquela década, em especial a mostra ‘Entre a mancha e a figura’, realizada em 1982 no MAM, sob a curadoria de Federico Morais. Fonte: Revista Ciencia Hoje, Número 321, Volume 54, Dezembro de 2014. Em São Paulo, um grupo de novos artistas que pertenceram à Geração 80, monta um ateliê coletivo chamado Casa 7. Juntos, eles realizam cinco exposições, a última delas no 18ª Bienal Internacional de São Paulo. Seus trabalhos eram produzidos com tinta industrial sobre papel Kraft. Por causa da natureza dos materiais utilizados, estas pinturas aparentavam certa despreocupação com o acabamento do trabalho e com sua durabilidade. Figura 16. Grupo casa 7,Sem título, 1980. territorioeldorado.limao.com.br 24 Unidade: Pintura Contemporânea Entre os artistas que surgem e se afirmam na década de 1980, Rodrigo Andrade parece ser o mais ligado à estética neoexpressionista. No fim da década de 1990, sua pintura orienta-se para uma crescente economia plástica. Da pintura, Paulo Monteiro caminha na direção do desenho e da escultura, primeiro em ferro (1987), depois em chumbo fundido (1998), sem nunca abandonar as telas. A obra deNuno Ramos, por sua vez, desdobra-se em direções variadas: pintura, escultura e literatura. O crítico de arte Alberto Tassinari localiza o ano de 1991 como o momento final da trajetória de Nuno como pintor. A partir daí, a escultura e as palavras - presentes nas obras plásticas e nos livros - assumem a cena principal. Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3751/casa-7 O artista brasileiro Leonilson também foi um expoente da chamada Geração 80. Suas pinturas apresentavam cores fortes e grandes formatos. Entre as décadas de 80 e 90, ele realiza trabalhos intimistas e autobiográficos, utilizando, de início, tinta acrílica sobre tela e lona e, posteriormente, costuras, bordados e aplicações com pedras sobre tela ou tecidos variados. Sua produção transita entre o desenho, a pintura e trabalhos manuais. Ele inclui palavras, letras e números em suas pinturas. Segundo a crítica Lisette Lagnado, “suas peças são construídas como cartas para um diário íntimo”. Figura 17. Leonilson, São Tantas as Verdades, 1988. Tinta acrílica, pedras semi-preciosas bordadas e fio de cobre sobre lona, 213 x 106 cm. Galeria Leonilson Sobre o artista Leonilson: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8742/leonilson http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3751/casa-7 http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8742/leonilson 25 Grafitti O graffiti pode ser considerado um desdobramento da pintura contemporânea. Ele floresceu em Nova York, na década de 1970, com nomes como Keith Haring e Jean-Michel Basquiat. Nos anos 80, suas pinturas foram adaptadas para as telas e adentraram a galeria, oferecendo novo status ao grafite ou arte de rua. A pintura de Basquiat possui pinceladas violentas e aparência inacabada. Nas ruas, ele grafitava palavras cifradas que assinava com o pseudônimo de SAMO. Figura 18. Basquiat, Pyro, 1984. Técnica mista sobre tela. bridgemanimages.com Keith Haring fazia desenhos nas estações de metrô, usando giz branco em painéis cobertos com papel preto. Ele produziu centenas de desenhos rítmicos. O metrô era seu laboratório. Haring também desenhava sobre objetos encontrados na rua, pintava camisetas e cartazes. Sua pintura era divertida e, ao mesmo tempo, crítica, irônica e ousada. Misturava rabiscos, garatujas e formas simples com cores fortes e contrastantes. 26 Unidade: Pintura Contemporânea O principal instrumento do graffiti é a tinta Spray. Giz, carimbos e pincéis são eventualmente utilizados. Em São Paulo, Alex Valuri destaca-se, na década de 80, com imagens de figuras em quadrinhos, carrinhos de super-mercado, jacarés etc. intervencaourbanaribeirao.blogspot.com Posteriormente, a cidade de São Paulo torna-se uma das principais referências no graffiti mundial. Artistas como Zezão, Os Gêmeos, Nunca, Speto, Binho Riberio, Alex Senna e Eduardo Kobra inundam a cidade com seus trabalhos e são reconhecidos internacionalmente. Explore: http://www.guiadasemana.com.br/turismo/noticia/conheca-alguns-dos-maiores-grafiteiros-do-brasil http://www.guiadasemana.com.br/turismo/noticia/conheca-alguns-dos-maiores-grafiteiros-do-brasil 27 Trocando Ideias A definição e reconhecimento dessa nova modalidade artística impõem o estabelecimento de distinções entre graffiti e pichação, corroboradas por boa parte dos praticantes. Apesar de partilharem um mesmo espírito transgressor, a pichação aparece nos discursos críticos associada a uma produção essencialmente anônima, sem elaboração formal e realizada, em geral, sem projeto definido. No graffiti , os artistas explicitam estilos próprios e diferenciados, mesclando referências às vanguardas e outras relacionadas ao universo dos mass midia. Cabe lembrar que vários artistas modernos - Brassaï (1899-1984), Antoni Tàpies (1923-2012), Alberto Burri (1915-1995) e Jean Dubuffet (1901-1985), entre outros - também incorporam elementos do grafitti em suas obras. Trecho retirado de: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3180/graffiti 28 Unidade: Pintura Contemporânea Considerações sobre a pintura no século XXI É importante frisar que, em pleno século XXI, a pintura ainda é uma das principais linguagens artísticas. Jovens artistas como Eduardo Berliner, Marina Rheingantz, Bruno Dunley, Renata De Bonis e Ana Elisa Egreja fazem questão de utilizar a pintura como meio expressivo. Eles se valem da fotografia ou vídeo como ponto de partida para suas pinturas. A foto ou a imagem captada seria a matriz da pintura. Mesmo com toda a gama de possibilidades da pintura contemporânea, diversos artistas fazem questão de se deter à pintura em sua manifestação mais purificada, utilizando elementos da própria tradição pictórica para se comunicar. A esse respeito, recomento um vídeo no qual o artista contemporâneo Paulo Pasta, realiza uma leitura das pinturas de outros artistas, expostas na 30ª Bienal Internacional de São Paulo. Ele fala da escolha pela abstração ou figuração, do uso da cor, do tipo de pincelada e outras sutilezas das pinturas expostas. Paulo Pasta comenta pintura da 30ª Beinal de São Paulo https://www.youtube.com/watch?v=rxT8tYdJ-l4 Em síntese · A pintura contemporânea desenvolve-se em meados do século XX, época do pós-guerra, conquista espacial e crescimento tecnológico; · a grande característica da pintura contemporânea é a liberdade, o artista pode desenvolver sua obra sem a necessidade de determinar cunho religioso ou político; · o pintor, agora simplesmente ARTISTA, pode transitar em diversas linguagens, misturar vários estilos e técnicas; · a pintura contemporânea pode ser rigidamente figurativa, ou se abstrair até o caos, pode utilizar desde suportes tradicionais até os mais inusitados suportes e materiais, podendo, inclusive, abster-se do uso da matéria; · ela não atua apenas por elementos concretos, mas também por meio de ideias e atitudes pictóricas. A unidade chegou ao fim. Você deve entender que a pintura é uma linguagem complexa e abrangente, o caminho escolhido aqui é apenas um dentre as várias possibilidades de entender a produção pictórica na época atual. Este texto serve como veículo para que outras pesquisas aconteçam. https://www.youtube.com/watch?v=rxT8tYdJ-l4 29 Material Complementar Vídeos: Paulo Pasta comenta pintura da 30ª Bienal de São Paulo https://www.youtube.com/watch?v=rxT8tYdJ-l4 Livros: Arte: Artista, obras, detalhes, temas. 1960 em diante. São Paulo: Publifolha. 2012. DEMPSEY,Amy. Estilos, escolas e movimentos: guia enciclopédico da arte moderna. 2008. Escritos de artistas: anos 60/70 – Seleção e comentários Glória Ferreira e Cecília Cotrim. Rio de Janeiro: zahar, 2006. Jacqueline. A pintura-Vol. 01: O mito da pintura. São Paulo: Ed. 34. 2006. MARQUES, Maria Eduarda. Mira Schendel. São Paulo: Cosac&Naify, 2001. Filmes: Pollock | Ano: 2001 | Direção: Ed Harris Sobre a vida e obra do artista A obra de arte | Ano: 2010| Direção: Marcos Ribeiro O filme é um documentário longa-metragem sobre a criação artística por meio dos ateliês e ideias de sete artistas brasileiros: Beatriz Milhazes, Carlos Vergara, Cildo Meireles, Eduardo Sued, Ernesto Neto,Tunga e Waltércio Caldas. https://www.youtube.com/watch?v=rxT8tYdJ-l4 30 Unidade: Pintura Contemporânea Referências ARGAN, G. C. Arte Moderna: Do Iluminismo Aos Movimentos Contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. CHIPP, H. B. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1999. CUMMING, Robert. Arte em detalhes. São Paulo: Publifolha, 2007. GOMBRICH, E. H. A Historia da Arte. Rio de Janeiro: Ltc-Livros Técnicos e Científicos, 1999. LICHTENSTEIN, Jacqueline. A pintura-Vol. 1 ao 10. São Paulo: Ed. 34. 2006. PEDROSA, I. Da Cor a Cor Inexistente. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2010. SMITH, R. Manual prático do artista: Equipamento, materiais, procedimentos, técnicas. 2. Ed. São Paulo: A&C, 2012. WOLLHEIM, R. A Pintura Como Arte. São Paulo: CosacNaify, 2002. 31 Anotações