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Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Nefropatias hereditárias As anomalias congênitas do sistema urinario são frequentes, podem ser isoladas ou associadas a outras alterações em outros sistemas, as nefropatias hereditárias são um tipo restrito de lesão cística no rim, com caracteristicas únicas de evolução entre elas, mas com algumas semelhanças, as outras anomalias congênitas não fazem parte das nefropatias hereditárias. É importante relembrar que os defeitos do desenvolvimento renal são congênitos, mas não hereditários, sempre vamos identificar um defeito enzimático ou metabólico (como cistinúria e acidose tubular) e ciliopatias (as duas principais são as doenças renais policísticas autossômicas dominante e recessiva). Agenesia renal: Normalmente é bilateral e bastante associada com outros defeitos, unilateral é um tipo mais incomum (nessa há uma sobrecarga no rim remanescente por conta da ausência do outro órgão, pode levar a uma insuficiência renal cronica, quando o rim fica sobrecarregado, chamamos de rim vicariante). Hipoplasia renal: Quando é bilateral, leva a uma insuficiência renal crônica na criança, aqui há uma redução do número de lobos e pirâmides renais, e, normalmente, é unilateral. Rins ectópicos: Geralmente com implantação pelvica, pode levar a uma obstrução do ureter pelo posicionamento (provocada por uma torção) e mais suscetível a infecções (pielonefrites). Rim em ferradura: Fusão do polo inferior ou superior do rim, presente em síndromes genéticas e pode ser esporádico (bem menos comum). Displasia renal multicistica: Há uma diferenciação anormal metanéfrica, pode ser bilateral ou unilateral e pode ocorrer associada a obstrução ureteropiélica, agenesia ou atresia ureteral ou isolada. As estruturas se encontram imaturas, com fibrose, aparecimento de cartilagem e mesênquima. Como exibe a microscopia abaixo, vemos tecido imaturo entre os cistos, o que deflagra a displasia. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 As doenças renais císticas podem ser classificadas de diferentes formas, mas é importante ressaltas que, o tamanho do rim e localização dos cistos são aspectos muito importantes que ajudam para observação radiológica, pois pode favorecer o diagnóstico da doença, visto que, assim como na imagem ao lado, cada doença cística possui características distintas que facilitam a sua identificação via radiologia. A segunda imagem mostra algumas caracteristicas mais moleculares de cada tipo de cada doença, como a mutação que ocorre, qual o gene envolvido, etc. Prestar atenção nos genes e caracteristicas associados as doenças DRPAD (doença renal policística autossômica dominante) e DRPAR (doença renal policística autossômica recessiva). DRPAD: Desordem monogênica mais frequente do rim, ou seja, só um gene envolvido, genes PKD1 ou PKD2 (codificam policistina 1 e 2, respectivamente), com a prevalência de 1 para cada 400-1000 nascidos vivos (relativamente comum), as pessoas com essa doença evoluem com frequência para insuficiência renal terminal, necessitando de transplante e diálise, está dentro do grupo das ciliopatias, o cilio apical está presente no epitélio tubular renal, epitélio biliar, endotélio e ducto pancreático para funcionar como mecanorreceptor, deflagrando o fluxo do conteúdo que passa por esses locais, a função do cilio apical na vida intraútero está mais relacionada com a ..... Quando há lesão, há um aumento da proliferação celular e diminuição da apoptose, que vai levar o epitélio renal a proliferação, gerando a expansão cística, junto com a mudança do fenótipo absortivo para um fenótipo excretor. Há um defeito no transporte de cálcio via PC2 (PC2 é um canal de cálcio e responsável pela regulação de cálcio intracelular), há o aumento de células no tubulo, secreção de fluido, inflamação e fibrose da matriz extracelular (MEC). Os rins ficam aumentados de tamanho (nefromegalia) e com cistos hepáticos, pancreáticos, aneurismas intracranianos e na aorta, prolapso de válvula mitral (permite a instalação de uma infecção por microrganismos), e as complicações mais comuns são infecção (translocação de agentes entéricos), hemorragia, aumento progressivo (aumento da pressão intrabdominal, relação com hérnias), IRC (proteinúria, hipertensão e poliúria). Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Foto de necropsia com rim enorme com uma infecção que se estendeu para o peritônio, parece uma ascite, mas não é. Imagem mostrando o prolapso de valva mitral com um fígado cheio de cistos ao lado. Imagem mostrando alguns pequenos cistos pancreáticos. Imagem mostrando os dois rins ao mesmo tempo, reparar no aspecto cístico e no rim à direita conseguimos ver uma área meio hemorrágica. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Primeira imagem mostrando o aspecto do rim, e a segunda imagem mostrando o aspecto policístico assumido pelo fígado. Quando o cisto está infectado vemos pus dentro deles, assim como vemos na imagem ao lado, com um cisto contendo material purulento. Nas imagens abaixo, vemos o fígado com vários sinais de hemorragia antiga, é possível ver uma área ainda preservada de parênquima hepática normal na imagem da esquerda, e na da direita vemos os cistos renais, mas sem evidencia de hemorragia. Os sintomas frequentes dos pacientes com infecção de cistos renais ou hepáticos ou ambos era dor abdominal e febre (em todos os pacientes se mostrou presente), perda de peso, hematúria (não é tão frequente), disúria, diarreia, sintomas respiratórios e no caso de cisto hepáticos podemos ter sepse. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 É uma doença herdada em heterozigose, mas sua expressão depende do segundo golpe, que é a perda do alelo normal, uma perda somática, portanto ela se manifesta em homozigose, tem vários fatores que vão predispor a essa perda, e existem estudos mostrando que, além disso, há um fenômeno isquêmico associado, chamado de terceiro golpe. Normalmente esses pacientes vem a óbito por conta da IR ou pelas complicações extra-renais. DRPAR: Há um bebe filhos de pais heterozigotos, que nesse caso há 25% da prole acometida, o neném nasce homozigoto pro gene PKHD1, também está presente no cilio apical primário, há uma cistificação predominante em ductos corticais e medulares (na outra a cistogênese é mais cortical). Os cistos tem aspecto mais fusiformes (aspectos de salsichas), diferente da dominante, o rim aqui pode estar de tamanho normal, a fibrose hepática ocorre com frequência em crianças (pode ser mais tardio e depende da forma de expressão da doença, que pode ser perinatal, neonatal, infantil e juvenil), normalmente nascem prematuros, óbito Lucas Melo – Medicina Ufes 103 neonatal precoce e com insuficiência renal crônica até os 20 anos, se o rim for não funcionante, intraútero vai ter oligodrâmnio e hipoplasia pulmonar (como visto na foto acima, com o pulmão bem exprimido). Rins um pouco maiores ocupando mais a cavidade e quase não conseguimos ver o pulmão, e a segunda foto com um aspecto parecido com uma laranja, com aspecto radiado dos cistos. As imagens acimas mostram as alterações no figado, durante o período intraútero há uma formação de placa ductal, que é a camada de celulas formando ductos embrionários ao redor do espaço porta, que depois vai formar o ducto pancreático. A segunda imagem mostra a proliferação anômala desses ductos, eles não formam o ducto principal e somem, que é o normal, há um aspecto de fibrose portal associada com o aspecto de proliferação de ductos de forma anarca (não é uma proliferação bonitinha, vai ter uma imagem mais a frente mostrando uma proliferação anarca). Doença cística medular: É autossômica dominante no gene que produz a uromodulina (MCKD1 e MCKD2), proliferação de cistos medularesou corticomedulares, atrofia de túbulos, fibrose e inflamação. Há uma alteração da concentração da urina (o indivíduo perde sal), há poliúria e polidipsia. VHL: É autossômica dominante, a proteína VHL se associa com HIF1, degradando ele, ele está presente na célula em diversas funções e é responsivo a hipóxia, a mutação inativa a proteína VHL e há um acúmulo de HIF dentro da célula, isso gera um efeito de ciliogênese renal, com a proliferação e diferenciação dos túbulos renais. Além dos cistos renais e tendência para carcinomas de células renais, há um aumento da incidência de neoplasias, lesões cerebrais (hemangioblastoma), cistos pancreáticos, cistadenoma, tumores neuroendócrinos, feocromocitomas, etc. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Esclerose tuberosa: Autossômica dominante multissistêmica (relação com retardo mental, epilepsia e hamartomas), raramente é esporádica, as manifestações renais são tumores chamados de angiomiolipomas e cistos renais, possui manifestações extra-renais como nódulos subependimários, astrocitoma, pólipos intestinais, etc. Ocorre pela inativação da TSC1 e TSC2, proteína tuberina e hamartina (mutação com perda de função, provocando alteração da proliferação celular). Na imagem observamos 3 componentes, o componente de vasos (lembrar que não são vasos normais), o de músculo liso e o componente de gordura, e, eles podem estar presentes em graus variados. Rim da medula esponjosa: É uma doença congênita derivada de um defeito do desenvolvimento, tem associação com litíase renal, pode ser esporádico e a patogênese não é muito clara, a maioria dos casos é esporádica, mas pode estar associado a uma doença autossômica dominante familiar. Neoplasias Renais Quando falamos sobre elas, disparado temos os tumores malignos do rim com uma maior frequência, mas é importante ressaltar os benignos, que, normalmente, são raros, indolentes e não tem nenhuma complicação, possuem uma evolução tranquila. Os tumores malignos são bem frequentes, tem uma evolução variável e podem cursar com sintoma urinário com hematúria e dor lombar (quando a dor lombar não melhora em pacientes homens com 60 anos ou mais, sempre tem que pensar em tumor renal ou tumor de próstata metastático). Além disso, há tumores renais pediátricos, o nefroblastoma é o mais comum, que é uma massa abdominal percebida pelos pais ou pelo médico no exame. Adenoma papilífero: Histologicamente idêntico ao carcinoma papilífero, porém pequenos (menores que 0,5 cm), bem circunscritos, localizados no córtex, e a dúvida fica se é benigno ou maligno. São um achado comum de necropsia e por conta das semelhanças histológicas há uma hipótese de que ele seja precursor do carcinoma papilífero. OBS: Algumas pessoas consideram que o adenoma papilífero é um carcinoma que ainda não deu metástases. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Angiomiolipoma: Macroscopicamente tem o aspecto de gordura, tendência a serem bilaterais, assintomáticos e múltiplos algumas vezes (quando associados a esclerose tuberosa), há presença de hemorragia espontânea por conta desses vasos que vão existir no interior dele, a origem dele parece ser de células perivasculares epitelióides, pode ocorrer no fígado e no rim, e, como já dito anteriormente, são formados pelo componente de vasos, músculo liso e gordura. Oncocitomas: Representam de 5 a 15% das neoplasias renais, é um tumor bem circunscrito com cicatriz central, indolor, crescimento lento, provoca pouca sintomatologia, e por conta do crescimento lento a cicatriz ocorre por um fenômeno isquêmico, possui celulas de Hurthle com citoplasma amplo e eosinofílico com muita mitocôndria, na macroscopia isso apresenta uma coloração bronzeada, diferente da do rim normal. Malignos O brasil possui uma taxa de incidência intermediaria, pois estes são mais comum em países desenvolvidos, relacionado com algumas caracteristicas de fatores de risco, como medicamentos e estilo de vida, além da detecção dos tumores, é uma causa importante dos óbitos por neoplasias. Os fatores de risco são idade (64 anos em média), prevalência maior em homens, tabagismo, obesidade, HAS, uso prologado de AINES, DM, hemodiálise, pode ter relação com hereditariedade (VHL, BHD, esclerose tuberosa, carcinoma de celulas renais papilífero familiar), paciente em hemodiálise. Aspectos clínicos são hematúria macroscópica, dor lombar ou em flanco (a dor lombar pode simular uma dor óssea), perda de apetite, perda de peso, astenia e febre. Como primeiro exame, temos TC ou RNM , ultrassom não é um bom exame para rastreio nem caracterização de tumor renal, mas é utilizado. A patogênese pode estar relacionada com algumas alterações genéticas comuns (perde de 3p), a principal variação histologica é do tipo de céls claras (90 a 95% dos tumores de células renais), além dos carcinomas de celulas renais tem tumores mesenquimais, mas não são comuns. Nos carcinomas há uma perda cromossômica e alguns genes imputados na patogênese, isso varia bastante. VHL é um gene supressor tumoral, que vai fazer uma perda de função, a proteína de VHL regula o HIF (relacionado a hipóxia), 50 a 60% dos pacientes com mutação do gene vão ter carcinomas de celulas renais. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 O principal tumor maligno do rim é o carcinoma de celulas renais, que engloba uma classificação histologica enorme, eles têm um aspecto macroscópico, microscópico, molecular, sintomatológico diferentes, e por isso a diferenciação entre eles é importante, sendo que dessa classificação, 90 a 95% vai ser o carcinoma de celular renais do tipo células claras. Carcinoma de células renais do tipo células claras: Possuem o citoplasma claro por conta do acumulo de lipídeos, e macroscopicamente é um tumor amarelado, pode estar associado com áreas de necrose e hemorragia, não possui capsula e é moderadamente delimitado, tem uma apresentação variada, o tumor da foto está infiltrando o tecido perirrenal, isso é muito importante ser observado, pois isso define o estadiamento final que tem grande impacto no tratamento do paciente. As células claras podem formar estruturas variáveis. Carcinoma de células renais do tipo papilífero: Possui papilas preenchidas por macrófagos xantomizados (não confundir com celulas claras) e a papila é envolta por celulas basofílicas, macroscopicamente possui característica friável e papilar, é mais indolente que o outro e possui uma sobrevida melhor. Carcinoma de células renais do tipo cromófobo: As células são um pouco mais eosinofílicas e claras, essas células tem uma membrana celular muito bem definida, lembrando uma célula vegetal, essa demarcação está somada a proliferação vascular típica (vasos em pé de galinha). Macroscopicamente é mais bem delimitado, não tem característica papilifera e carece de áreas de necrose, se tiver, ele vai ter uma necrose isquêmica central. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Fatores prognósticos histológicos dos tumores malignos: Presença de diferenciação sarcomatoide (evento um pouco comum, elemento tão indiferenciado que parece uma célula sarcomatoide), presença de necrose tumoral e extensão do tumor (seio renal, tecido perinéfrico, fascia de Gerota, infiltração de via renal, sistema pielocalicial, outros órgãos). Além disso, os tumores malignos do rim possuem diferente grau histológico, usada a graduação nuclear de Furhman (não pe tão utilizada para cromófobos). Grau 1: Núcleo com menos de 10 micrometros, arredondado, com cromatina densa e nucléolo inconspícuo. Grau 2: Núcleo arredondado com até 15 micrometros, cromatina finamente granular e nucléolo pequeno, não visível no aumento de 10x. Grau 3: Núcleo arredondado ou oval, com até 20 micrometros, cromatina grosseira e nucléolo evidente, visível com objetiva de 10x. Grau 4: Núcleo pleomórfico ou multilobulado com mais de 20 micrometros, cromatina aberta e visívelcom objetiva de 10x. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Demostrando a infiltração da capsula renal, gordura do seio renal, pode ir para a gordura perirrenal também. O prognostico depende do tipo histológico, metástase, grau nuclear, alterações sarcomatoides e estadiamento. O estádio 1 é um tumor confinado ao rim, com até 7 cm em seu maior diâmetro. O estádio 2 é um tumor limitado ao rim, maior que 7 cm. O estádio 3 é o tumor que invade grandes veias, ou suprarrenal, ou tecido perirrenal ou um linfonodo regional. O estádio 4 é aquele que possui extensão direta aos tecidos perirrenais, atravessando a fáscia de Gerota, metástases a distância ou extensão direta aos órgãos vizinhos. Além disso, tumores do tipo de células claras tem um prognóstico de 5 anos ou mais em 50- 69% dos casos, o do tipo papilífero tem o mesmo prognóstico em 67-87% dos casos, o tipo cromófobo tem o melhor prognostico, com 90% dos casos em 5 anos. Tumores pediátricos Nefroblastoma é a principal entidade (85% de todos), acomete crianças de 2 a 4 anos de idade, muito raro abaixo de 6 meses e acima de 4 anos, pode haver uma associação sindrômica, como com a trissomia do 21 (sindrome de Down), BGD, etc. Raramente ele pode ser bilateral, que é um critério para mal prognóstico, e a apresentação se dá por uma massa abdominal palpável. Microscopicamente há componente blastematoso, um componente epitelial (presença de túbulos), e o outro componente mesenquimal, que pode ter cartilagem, etc. Eles podem estar presentes de forma variável. O estadiamento deles não é feito pelo padrão TNM, e sim pelo padrão COG, que consistem em Estádio 1 (limitado ao rim e completamente ressecado), Estádio 2 (Tumor além do rim), Estádio 3 (tumor residual), Estádio 4 (metástase) e Estádio 5 (bilateral). Lucas Melo – Medicina Ufes 103 OBS: Quando esse afeta os rins bilateralmente, além de receberem o estadiamento 5, cada rim também é estadiado separadamente. Assim como dito anteriormente, nesse tipo de tumor podem aparecer anaplasias, que são proliferações de células sem forma e função. A imagem ao lado mostra anaplasias num corte histológico de nefroblastoma.
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