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TÍTULO Michella Matilde Caetano Brondino 2020 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL Michella Matilde Caetano Brondino TÍTULO Trabalho apresentado para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas-MS, sob orientação do Prof. Dr. Cláudio Ribeiro Lopes. Três Lagoas – MS 2020 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho: À minha mãe, Marcia Caetano Brondino; Ao meu pai, Ozorio Brondino; Ao meu avô, Manoel Caetano (in memoriam). AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Marcia e Ozorio, aqueles que são o verdadeiro significado de amor para mim. Agradeço por nunca terem medido esforços para que eu realizasse meus sonhos; por segurarem minha mão pelos caminhos que escolhi seguir, por acreditarem em mim e em meu potencial mais do que eu mesma acreditei. Agradeço por terem me ensinado tudo que hoje sei com amor, cuidado e paciência e por não me deixarem desistir. Agradeço por serem tudo que me mantém em pé e firme na caminhada, estando comigo em minhas derrotas e vitórias. Agradeço pelo amor incondicional que cultivamos entre nós três. Essa vitória (e todas as outras) é nossa. Agradeço aos meus padrinhos, Maria e Luiz, que durante toda a minha vida me amaram como se filha fosse e tanto me ensinaram. Agradeço aos meus primos, Mabile e Bruno, que considero como irmãos, e foram os maiores meus maiores exemplos para que eu chegasse onde estou. Agradeço ao Igor Lessa, meu namorado, por toda a paciência durante a produção do trabalho e pelo apoio incondicional em minhas escolhas. Agradeço por ser o equilíbrio que eu precisava para me apoiar nas adversidades e festejar as vitórias. Por ser quem me incentivou durante a caminhada e por todo o amor que me entrega diariamente, sendo meu par no sentido mais honesto da palavra. Ao Paulo Júnior, o irmão que a vida me deu, que percorreu os cinco anos dessa caminhada ao meu lado, sempre me incentivando a ser a melhor versão de mim. Agradeço pelo companheirismo do dia-a-dia, por enfrentar as dores de cabeça desse trabalho ao meu lado e por sido parte fundamental para que eu chegasse aqui. À família Orfanato que a universidade me deu. Agradeço a vocês por trilharem comigo esse caminho e, cada um à sua maneira, terem vibrado minhas vitórias. Cada um de vocês é responsável por melhorar a minha vida um pouco mais. Aos meus amigos de Universidade que não foram nominados aqui, mas sabem a importância que tiveram nessa trajetória que, certamente, eu não teria conseguido concluir sozinha. Aos meus amigos de infância e/ou adolescência que, embora também não identificados aqui, sabem que foram fundamentais para que eu chegasse onde estou. Ao meu orientador, Claudio Ribeiro Lopes, pelos conhecimentos que me transmitiu ao longo dos cinco anos de graduação, pelo auxílio ao desenvolver esse trabalho e, principalmente, por ter sido além de mestre, um amigo. À Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas – MS, por ter sido meu lar durante os cinco anos de maior evolução e aprendizado da minha vida; à todo o corpo docente pela dedicação em formar profissionais bons e humanos e a todos aqueles que trabalham em prol da Universidade que hoje é meu lar e de tantos outros acadêmicos. Eu chorei, sorri, ganhei, perdi, subi, desci, sofri Mas eu Vi, vivi, venci, voei, caí, gritei, ouvi E eu sigo com a certeza como o sol que vai surgir. (Marcelo D2). RESUMO SUMÁRIO INTRODUÇÃO (2 pg.) 1. DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA (3 pg.) 1.1.RESSOCIALIZAÇÃO E O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO (4 pg.) 1.2. DA SITUAÇÃO DOS PRESÍDIOS FACE À PANDEMIA DO COVID-19 (2,5 pg.) 2. DA REMIÇÃO DA PENA (2 pg.) 2.1.DA REMIÇÃO PELA LEITURA (4 pg.) 2.2. DA RESSOCIALIZAÇÃO PELA LEITURA (3 pg.) 3. HUMANIZAR PARA RESSOCIALIZAR (3,5) 3.1 OS REFLEXOS DA APLICAÇÃO DA REMIÇÃO PELA LEITURA 3.1.1. PROJETO “LER LIBERTA” (1,5 pg) 3.1.2. PROJETO “VIRANDO A PÁGINA” CONCLUSÃO REFERÊNCIAS FINAIS INTRODUÇÃO O encarceramento no sistema prisional brasileiro é uma problemática antiga. Ainda que as legislações garantam que aqueles que estão cumprindo pena deverão ser tratados com dignidade, assegurando a eles direito a um julgamento justo, bem como formas adequadas de sobrevivência dentro dos presídios, a realidade é outra. Os presídios do país se transformaram em zonas de conflito, desumanidade e ódio. As péssimas condições, a superlotação e a desocupação fazem com que aqueles que ali se encontrem sejam afetados psicologicamente. As políticas aceitas pelo ordenamento que ocasionam a humanização dos encarcerados nem sempre é aplicada, devido ao grande número de pessoas por presídio, bem como a desorganização. Dessa forma, sem estruturas suficientes para garantir que todos aqueles que estejam dentro dos presídios tenham acesso aos mecanismos de ressocialização, cada dia mais os presidiários se encontram desacreditados. A promessa de que ao ser encarcerado haverá atendimento necessário para que os condenados se reconstruam a fim de, posteriormente, se reintegrarem parece mentira para aqueles que ali estão. E é essa desumanização escancarada, essa desestruturação na qual o sistema carcerário do país está inserido, que transformam os presídios em ambientes nada propícios para dar novas chances aqueles que vieram a delinquir. Com isso, a descrença deles só se amplia, bem como o ódio para com a sociedade que o colocou naquela situação. Visto isso, é evidente que a problemática do sistema carcerário não gira em torno da legislação. Ao contrário, o ordenamento jurídico brasileiro assegura os direitos fundamentais a todos os presos, sem distinção, assim como medidas que tendem a incentivar a reinserção do indivíduo à vida real. Todavia, a aplicabilidade das normas é que tem sido falha e, em muitos casos, completamente ausente. É preciso, portanto, diminuir a superlotação e encontrar alternativas às medidas já criadas, a fim de abarcar um maior número de presos. Os direitos fundamentais dos presos devem ser assegurados e se não há possibilidade de abraçar a todos com os mecanismos criados pela lei, resta a necessidade de criar novos. Para que se atinja o fim da pena que se pauta na ressocialização do preso é necessário que haja antes a humanização dos encarcerados e do espaço prisional. Isso porque a falta de humanidade vista dentro desses estabelecimentos é prejudicial para o processo de ressocializar. Não há como reinserir à sociedade um indivíduo que não se sente humano. Pois, ao não se sentir humano, ele se sente distinto dos demais cidadãos e, portanto, não vê motivos para ter uma vida considerada normal. Para fins de ressocialização do preso e diminuição do tempo de ocioso, a Lei de Execução Penal (LEP) trouxe, reforçando direitos fundamentais já garantidos pela Constituição Federal, mecanismos como a remição penal. Ou seja, uma alternativa que, além de permitir ao indivíduo encontrar alternativas à sua vida fora do cárcere, permite que ele se aproxime da saída do presídio. Incialmente a remição era concedida apenas a partir do trabalho. Não podendo englobar a todos nesse mecanismo, bem como reconhecendo que a construção do indivíduocomo pessoa política, bem como estrutura só é possível por meio do estudo, adotou-se a remição pelo estudo. Ainda que a remição pelo trabalho e pelo estudo seja indispensável, ainda não poderia alcançar a todos os presos e, com base nisso, surgiram possibilidades de se estender as formas de remir a pena por meio do estudo. Passou-se, portanto, a conhecer a remição da pena pelo estudo. Mecanismo esse que teve início em apenas um estado brasileiro e, em pouco tempo, graças a Jurisprudência e ao Conselho Nacional de Justiça, se expandiu por todos os estados. A leitura é base fundamental para o estudo, sendo ela a melhor forma de compreensão de mundo. Para além do conteúdo técnico, a leitura ensina o essencial para que os indivíduos se constituam como pessoas que conhecem a realizada do mundo na qual estão inseridas e, portanto, consigam encontrar alternativas à suas realidades. Em síntese, a ressocialização do indivíduo deve ser a principal finalidade do encarceramento. A condenação, portanto, não se fundamenta apenas na retribuição para o delito praticado, mas sim na garantia de não reincidência. E, considerando os índices que serão apresentados, a prática de delitos é maior entre aqueles que não têm escolaridade e, consequentemente, possuem menos alternativas de vida. Prender e os deixar anos vivendo em uma realidade paralela onde o caos prospera evidentemente não soluciona o problema. Considerando isso, a concessão de ambientes adequados com mecanismos que permitem aos presos o trabalho, o estudo e a leitura são essenciais. Conforme dito, as práticas delitivas giram mais em torno daqueles que tem baixa ou nenhuma escolaridade e, permitir a eles acesso à educação, por meio de leitura de livros e resenhas é dar-lhes uma chance de alcançar o que não lhes foi dado, o acesso a cultura como forma de educação técnica e, essencialmente, cultural. 1. DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA NAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE A sociedade encontrou através das penas um mecanismo de responder a um fato típico que determinado indivíduo tenha vindo a praticar. Ou seja, a aplicação da pena nada mais é que uma reação aos delitos praticados. Conforme Prado (2020, pg. 267) “a pena é a mais importante das consequências jurídicas do delito. Consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com base na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal”. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, portanto, os fins da pena se pautam na retribuição e na prevenção que, embora distintas em alguns pontos, não se excluem. Ao analisar o lado retributivo da pena, como o próprio nome diz, tem-se a ideia de retribuir, de compensar o crime praticado pelo condenado. Nas palavras de Jesus (2020, pg. 541) “apresenta a característica de retribuição, de ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal”. Como dito, é uma compensação como resposta ao crime praticado. Em contrapartida, o caráter preventivo é mais complexo e se subdivide em geral e especial. O fim da pena preventiva geral relaciona-se a reafirmação à sociedade do Direito Penal, bem como demonstra o caráter intimidador do Estado, segundo Jesus (2020, pg. 541) “o fim intimidativo da pena dirige-se a todos os destinatários da norma penal, visando a impedir que os membros da sociedade pratiquem novos crimes”. Já em relação ao caráter preventivo especial tem-se duas subdivisões. Em seu aspecto positivo, a finalidade da pena tem relação com a ideia de reeducar e preparar o indivíduo para uma nova vida posterior ao cumprimento da pena. Por outro lado, o caráter negativo da prevenção especial diz respeito a manter o apenado em isolamento para que não volte a delinquir. O Código Penal adotou teoria mista, sendo tanto retributiva quanto preventiva, nos termos do caput do seu art. 59 (2020, online) ao trazer que: Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...) Dessa forma, o Código Penal atua em prol de proporcionar tanto a retribuição, de forma justa, quanto mecanismos suficientes para a não reincidência. Nas palavras de Marcão (2009, pg. 02, apud Moura et al 2008, pg. 02) a LEP adotou teoria na qual “a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Assim, constituem objetivos da execução penal tanto a punição como a humanização do condenado”. Por volta do século XIX surgia a pena privativa de liberdade, tornando-se rapidamente a principal resposta àqueles que descumpriam normas jurídicas, esperando que tal privação proporcionasse a recuperação do apenado. Ainda nos dias atuais, o ordenamento jurídico brasileiro continua a adotando, sendo ela a mais rígida das penas, tendo, em regra, o mesmo ideal de reinserção social. A ressocialização, portanto, surge como possibilidade de reintegrar o apenado à sociedade, permitindo que este, ao retornar ao convívio social, tenha adquirido conhecimento e tenha a oportunidade de viver de acordo com as normas. Nas palavras de Bitencourt (ANO, pg.), “é compromisso do Estado ao aplicar a pena privativa de liberdade promover a reeducação e a reinserção social do condenado”. Permitir ao infrator que retorne ao convívio social e não se torne reincidente é, como abordado, uma busca antiga nos ordenamentos. Em 1984, a Lei nº 7.210, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), surge para abordar especificamente acerca da execução penal, enfatizando que a finalidade da pena é a de permitir que ao preso sejam assegurados os direitos fundamentais do homem, bem como a oportunidade de que ele volte à sociedade. Logo em seu artigo 1º a Lei assegura que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social” (2020, online). Ao permanecer preso, o apenado se distancia do convívio social e tal distanciamento se não for usado para dar oportunidades de reinserção se torna prejudicial, ampliando a possibilidade de que este individuo ao cair em uma sociedade sem oportunidades se acabe por cair na reincidência. Resta, dessa forma, evidente a importância de mecanismos de ressocialização dentro dos presídios, como a própria LEP enfatiza em seu artigo 10 ao dispor que “assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (BRASIL, 2020, online). A privação da liberdade do indivíduo é a última das medidas adotadas e, ela por si, já viola um direito essencial do ser humano, a liberdade. Desse modo, faz-se importante que a este cidadão seja garantido o cumprimento da pena de forma digna, zelando assim que os seus direitos básicos sejam assegurados durante o tempo que vai permanecer cumprindo sua pena; bem como assegurar que essa a dignidade se prolongue para além do ambiente penitenciário, assegurando que o indivíduo seja recebido por uma vida de qualidade passado o cumprimento da pena. Nas palavras de Nucci “cremos ser fundamental à ideal ressocialização do sentenciado o amparo àquele que deixa o cárcere, em especial quando passou muitos anos detido, para que não se frustre, e retorne à vida criminosa” (2019, pg.). Se não encontrar alternativas que permitam seu sustento o encarcerado – em especial aqueles que estiveram por um longo período preso – acabam de volta ao crime. O encarceramento, quando não promove medidas de reeducação do preso e da sociedade que o receberá, não tem resultado. No ordenamento brasileiro, encontram-se duas importantes formas de reeducar e ressocializar o preso. Trata-se da remição pelo trabalhoe pelo estudo, tendo este, nos tempos modernos, se desdobrado em duas vertentes intimamente ligadas, a remição pelo estudo pela leitura. Por meio da inserção do trabalho, do estudo e da leitura no cárcere, espera-se que seja dado aos presos a possibilidade de encontrar alternativas de vida para além do crime. A oportunidade de se profissionalizar em conjunto com a de se educar – no sentido amplo da palavra educação, para além do conhecimento técnico – têm forte relação com a não reincidência, pois os permite conhecer áreas de atuação para quando forem libertos. Desse modo, a principal função dos mecanismos de ressocialização é proporcionar aos que estão distanciados da vida real uma boa bagagem de estudos e profissionalização, a fim de que, posteriormente, possam fazer uso das informações aprendidas para se reinserirem no convívio social. 1.1.RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO DO BRASIL O ordenamento jurídico brasileiro traz inúmeras garantias a serem dadas aos cidadãos. Dentre tais garantias encontra-se o acesso à educação, ao trabalho e, como princípio supremo da existência, a Dignidade da Pessoa Humana, elencada na Constituição Federal. Conforme indica o art. 38 do Código Penal, tais direitos são abarcados também aos encarcerados e, para eles, espera-se, através de tais normas, assegurar a possibilidade de retornarem ao convívio social quando conquistarem a liberdade. Em seu artigo 83 a LEP (Brasil, 2020, online) determina que “o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas de serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”. Dessa forma, tanto a Carta Magna, quanto leis infraconstitucionais asseguram que ao preso sejam concedidas medidas de reintegração social. Em contrapartida, embora o cenário apresentado pelas normas jurídicas pareça ideal, é evidente o colapso sob o qual vive o sistema carcerário brasileiro. Na última atualização do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), realizado no primeiro semestre do ano 2019, constatou-se que o número da população carcerária no território brasileiro era de 752.277 – incluindo presos em regime fechado, semiaberto, aberto, provisórios, os que estão em tratamento ambulatorial e os que cumprem medida de segurança. Visto isso, não restam dúvidas acerca da superlotação dos presídios e da grave deficiência estrutural que tal situação acarreta. Ausência de assistência, degradação, descaso, tortura e mortes se tornaram o cenário real das prisões brasileiras que se encontram em verdadeira falência. Segundo Bitencourt (2019, p. 623): Já não se tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional. (...) a prisão está em crise. E essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das criticas e questionamentos que se faz à prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter algum efeito positivo sobre o apenado. As precárias condições nas quais se encontram o sistema penal transformaram os presídios em um ambiente inapropriado à existência humana, levando em conta que a dignidade da pessoa é princípio supremo e deve ser assegurado a todos, sem qualquer diferença. Conforme pontua Costa (2011, pg. 05): Ao longo de todo o percurso histórico, as prisões relevam-se instituições nas quais a afirmação de cidadania sempre se mostrou difícil e intrincada. Mesmo quando existem alguns progressos no reconhecimento formal de direitos e garantias dos sujeitos privados de liberdade, tudo acaba diluindo-se num modelo desumano e segregacionista, no qual não há espaço para mais nada além de violências, grandes e carcereiros. Como visto, a problemática que envolve as condições desumanas do cárcere é uma realidade antiga. O segregacionismo, como citado, acarreta nos indivíduos encarcerados o sentimento de solidão e desperta a sensação de não pertencimento à sociedade, o que ocasiona aumento dos índices de reincidência. Em 2015 o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL – ajuizou a ADPF 347 que argumentava contra a violação de direitos fundamentais sob a qual se encontram os presos brasileiros. Dessa forma, o STF reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário brasileiro. Como aponta o relatório da ADPF 347 MC/DF: A superlotação e as condições degradantes do sistema prisional configuram cenário fático incompatível com a Constituição Federal, presente a ofensa de diversos preceitos fundamentais consideradas a dignidade da pessoa humana, a vedação da tortura e de tratamento desumano, o direito de acesso à Justiça e os direitos sociais à saúde, educação, trabalho e segurança dos presos. Diante desse cenário, é inegável a omissão do Poder Público que quase nada tem feito a respeito. O caos ao qual estão submetidos os encarcerados é descumprimento direito de direitos fundamentais, contrários não só a Constituição da República, mas também ao Pacto São José da Costa Rica, cujo qual o Brasil é signatário. Neste (2020, online) há garantia expressa no artigo 5º de que toda pena privativa de liberdade será cumprida com respeito à dignidade da pessoa humana. Em relação à atuação do Poder Público diante do cenário, diz Ministro Marco Aurélio, relator da ADPF 347: A inércia, como dito, não é de uma única autoridade pública – do Legislativo ou do Executivo de uma particular unidade federativa –, e sim do funcionamento deficiente do Estado como um todo. Os Poderes, órgãos, e entidades federais e estaduais, em conjunto, vêm se mantendo incapazes e manifestando verdadeira falta de vontade em buscar superar ou reduzir o quadro objetivo de inconstitucionalidade. Levando em conta o silêncio em relação a Políticas Públicas a serem desenvolvias com o propósito de humanizar o cárcere, favorecendo, desse modo, a ressocialização do preso, torna-se indiscutível que a realidade estrutural dos presídios se pauta em um modelo de vingança social. Isso se dá, pois presos estão submetidos a distanciamento social, péssimas estruturas, ausência de garantias básicas, ou seja, são colocados em situações não humanas. Portanto, a prisão deixa de ser uma medida de reintegração, tornando-se apenas um ambiente de não direitos que serve como resposta ao clamor social. Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (2018 pág. 102): (...) não obstante o quadro de horror dos presídios brasileiros, administrados obviamente pelas agências do Executivo, os juízes continuam a encaminhar homens e mulheres para esses espaços que violam os mais comezinhos direitos fundamentais. Autoridades judiciárias que deveriam velar pela preservação dos direitos humanos legitimam o horror carcerário e o fazem com apoio em posição institucional do Ministério Público, ou a requerimento dos integrantes desta instituição que, ao menos teoricamente, deveria velar pela defesa da legalidade e do regime democrático. Com o Sistema Penal como exposto tem-se o distanciamento das penas de sua finalidade de reabilitação. Para que a real finalidade seja alcançada o Estado deve proporcionar chances reais aos detentos de retornarem ao convívio social de modo diferenciado. Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (2018, pg. 114) “percebe-se que a prisão tem como escopo precípuo a defesa da sociedade, cuja estrutura, funcionamento e práticas daquele ambiente destoam do fito ressocializatório da pena privativa de liberdade (...)”. Ou seja, o cenário carcerário atual está distante do proposto acerca da reeducação do preso. Através das já pontuadas atividades – como o trabalho, o estudo, a leitura e atividades culturais – espera-se que haja reaproximação do encarcerado com a realidade fora do cárcere e que essa se dê de maneira humanizada.Ou seja, é função primordial do Estado o cumprimento de medidas apontadas pelas próprias legislações, a fim de desconstruir o “estado de coisas inconstitucionais”, reconhecido pelo próprio STF. E, em uma tentativa equivocada de responder à precariedade que envolve a superlotação, o Estado encontrou uma maneira de tentar se aproximar do verdadeiro caráter da pena. É notório que se tem utilizado o instituto da progressão penal para disfarçar o caos e diminuir a superlotação das prisões. A progressão penal é direito do preso e deve ser empregada em conjunto com condições de interação social, como as apontadas pela legislação. Como não se tem aplicado os meios de reintegração propostos, o Estado tem feito uso exclusivo da progressão, fazendo com que esta também perca sua verdadeira finalidade que tem relação direta com a humanização o preso para o ressocializar. Dessa forma, não será a mera progressão de regime por si só a garantir aos presos à reeducação necessária para que posteriormente não retorne ao crime por não ter escolhas. Afinal, de não soluciona nada deixar o preso submetido a condições sub-humanas e, posteriormente, permitir que este volte a rua sem qualquer Política Pública que o auxilie em uma vida digna. Portanto, não é apenas conceder ao preso à liberdade e solucionar o problema com a superlotação; é necessário dar a ele a liberdade e que junto dela ele carregue novas maneiras de viver honestamente, podendo, então, fazer uso da liberdade que lhe fora concedida. Pois, não é possível que um indivíduo sem expectativas usufrua de sua liberdade plena, devido aos problemas sociais que, possivelmente, o farão cair na reincidência. Nucci (2019, pg. 124) destaca o seguinte pensamento: Se o preso for ilusoriamente reeducado, poderá tornar à liberdade em situação piorada e a criminalidade somente experimentará incremento. Se o preso não aprender a trabalhar e a gostar de viver da força de sua atividade laborativa, não terá como sobreviver, fora do cárcere, de maneira honesta. Logo, retirar os serviços descritos no art. 83 da Lei de Execução Penal dos estabelecimentos penais somente merece crítica. Desse modo, a regressão da pena é um importante mecanismo que reforça a valorização da dignidade humana, facilitando a recuperação de um direito que lhe fora restrito, o direito à liberdade. Todavia, com a deficiência do Estado em garantir a ressocialização, a punibilidade perde parte significativa de sua finalidade. Em síntese, o sistema carcerário brasileiro nada mais é que um amontoado de corpos encarcerados sem perspectivas. Tais condições parecem dialogar com os presidiários e os dizer que, diferente do restante da população, eles não são dignos de terem boa qualidade de vida. Afastados do convívio social e sem qualquer meio de aprendizado que os incentive a crescer profissionalmente, é provável que, num futuro pouco distante, recorram ao crime para obter o próprio sustento. E o Estado, ao chamar para si a responsabilidade de responder aos crimes com base nos critérios da prevenção e repressão, é responsável por solucionar o embate. Sendo, desse modo, seu dever garantir à sociedade que dará a resposta necessária ao infrator e, em concordância, deve assegurar ao encarcerado que seus direitos não serão violados, bem como que ele tenha condições de um retorno digno à sociedade. 1.2.DA SITUAÇÃO DOS PRESÍDIOS FACE À PANDEMIA DO COVID-19 Constatado a caótica situação na qual se encontra os presídios brasileiros, evidente é a o despreparo para atuar no combate à pandemia do COVID-19. O colapso que a doença gerou pelo mundo afora já transparece o que aconteceu dentro dos presídios. Com o avanço da pandemia no Brasil, medidas começaram a ser adotadas para retardar a chegada da doença no sistema carcerário. No início do ano o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou a Recomendação nº 62 de 17 de março de 2020 orientando Tribunais e Magistrados acerca de medidas preventivas à propagação do novo coronavírus. Dentre as recomendações apresentadas pelo CNJ estão a suspensão das audiências de custódia, o adiamento das audiências de instrução ou a realização por meio de videoconferência, a transferência daqueles que são grupo de risco ou que estejam presos em estabelecimentos superlotados, em regime domiciliar, bem como medidas sanitárias e avaliação da possibilidade da progressão de regime para regime menos gravoso dependendo do caso. A preocupação com a chegada da COVID-19 ao cárcere era intensa, já que as estruturas dele permitiriam que a doença se propagasse rapidamente. Como esperado, em pouco tempo o novo coronavírus chegou as prisões brasileiras e teve um crescimento rápido. Em julho, segundo os dados coletados pelo CNJ, houve um aumento de 83,5% do número de casos em um período de 30 dias. De acordo com o último monitoramento realizado em 02 de setembro, o total de casos já passa de 29.403, sendo que destes 20.879 são de pessoas presas e 8.524 são de servidores. Considerando esse último relatório, notou-se um aumento de 50,6% dos casos. Destaca-se, ainda, que o número de mortes já passa de 183, sendo 104 de pessoas presas. Imagem retirada do Monitoramento Semanal Covid-19 do CNJ. Considerando que o primeiro caso foi registrado em 08 de abril de 2020, o sistema carcerário brasileiro registrou 20.879 casos em apenas 05 meses. Diante desse cenário, notório é que a aplicação das medidas preventivas não foi eficaz. Ocorre que como já mencionado anteriormente as estruturas dos presídios são terríveis. Além dos problemas com a superlotação que não proporcionam à conservação da saúde individual e coletiva dos presos, tem-se uma grande lista de outros situações que transformam o sistema carcerário brasileiro em máquina de moer gente. Conforme Sérgio Adono (pág. 08, 1991): As instalações sanitárias são precárias; é muito comum a ausência de água corrente para banhos e para asseio pessoal. A existência de restos de alimentação, guardados ou acumulados, contribui para a disseminação de insetos, sobretudo ratos e baratas dos quais os presos se veem assediados com picadas ou mordeduras. A iluminação precária, a má ventilação, a circulação de odores fétidos, a concentração das águas insalubres originárias da mistura de poças de chuvas ou encanamentos desgastados com lixo, o acúmulo de gases ensanguentados por cima do parco mobiliário traduzem o quadro crescente de deterioração das condições de vida. Como visto, o cenário contribui para a propagação do vírus. Constatando-se, ainda, que a alimentação fornecida aos presos é de baixa qualidade. Somados todos os fatores mencionados com os inúmeros outros não listados depara-se com uma cena de horror. Não só pela atual situação mundial, mas por todo o contexto no qual estão inseridos os presos no Brasil são diariamente deixados a mercê de doenças e, ademais, os recursos ambulatoriais são de extrema precariedade. Conforme a Constituição Federal traz em seu art. 196, a saúde é direito de todos e dever do Estado que deve tomar medidas necessárias para reduzir os riscos de doenças e oferecer acesso universal e igualitário. A garantia é dada a todos, inclusive aqueles que estão presos e, portanto, tem o Estado falhado desde antes da pandemia. Esse cenário de caos é antigo e agora tem se intensificado. Dessa forma, a saúde psíquica e física dos presidiários está cada dia mais comprometida e, outra vez mais, tem o Estado recuado no seu caminho rumo à ressocialização. 2. DA REMIÇÃO PENAL O instituto da remição penal caracteriza-se pela possibilidade que tem o apenado de reduzir o tempo de cumprimento de sua pena privativa de liberdade através do trabalho ou do estudo. Segundo Mirabete (2000, pg. 203, apud Leal, 2019, pg. 19): Pode-se definir a remição, nos termos da lei brasileira, comoum direito do condenado em reduzir pelo trabalho prisional o tempo de duração da pena privativa de liberdade cumprida em regime fechado ou semi-aberto. Trata-se de um meio de abreviar ou extinguir parte da pena. Oferece-se ao preso um estímulo para corrigir- se, abreviando o tempo de cumprimento da sanção para que possa passar ao regime de liberdade condicional ou à liberdade definitiva. Segundo Maria da Graça Morais Dias, trata-se de um instituto completo, pois “reeduca o delinquente, prepara-o para sua reincorporação à sociedade, proporciona-lhe meios para reabilitar-se diante de si mesmo e da sociedade, disciplina sua vontade, favorece a família e sobretudo abrevia a condenação, condicionando esta ao próprio esforço do penado”. Portanto, de acordo com a doutrina tradicional a remição funciona como mecanismo de reinserção social, proporcionando aos indivíduos apenados novas oportunidades de voltar à vida fora do cárcere, bem como diminui seu tempo de pena. A respeito da finalidade do instituto da remição e sua atuação como mecanismo de reeducação, conceitua Nucci (2019, pg. 264): Um incentivo para que o sentenciado desenvolva uma atividade laborterápica ou ingresse em curso de qualquer nível, aperfeiçoando a sua formação. Constituindo uma das finalidades da pena a reeducação, não há dúvida de o trabalho e o estudo são fortes instrumentos para tanto, impedindo a ociosidade perniciosa no cárcere. Visto isso, a remição funciona como incentivo às atividades educacionais e laborais, reaproximando o indivíduo que delinquiu da sociedade fora do cárcere, bem como diminui o tempo ocioso dos presos. Tal mecanismo originou-se através do Direito Penal Militar Espanhol, tendo este sido aplicado aos prisioneiros da Guerra Civil Espanhola, sendo, posteriormente, adotado pelo Código Penal Espanhol. Ainda em relação a definição de remição penal, Prado (2020, pg. 281) enfatiza “a remição, introduzida no ordenado jurídico brasileiro pela Lei 7.210/1984, alterada pela Lei 12.433/2011, busca abreviar, pelo trabalho e pelo estudo, parte do tempo da condenação”. Com o tempo, diferentes legislações passaram a adotar o instituto, dentre elas, o Brasil. Como visto, a remição penal foi integrada ao dispositivo legal brasileiro a partir de 1984 com a Lei nº 7.210 – Lei de Execução Penal (LEP) – em seus artigos 126 a 130. Todavia, no princípio, considerava-se apenas a remição pelo trabalho. Foi apenas em 2011, por meio da Lei 12.433 que alterou a redação da LEP, que a remição pelo estudo passou a ser adotada de fato pelo ordenamento. Conforme o art. 126 da LEP (1984, online), a contagem do tempo remido se dá da seguinte forma: Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. §1º. A contagem de tempo referida no caput terá feita à razão de: I- 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; II- 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho. Salienta-se, ainda, que atualmente, através de portarias, os Tribunais têm considerado uma outra forma de remição, ainda não abarcada pelo texto do artigo anteriormente citado, a remição pela leitura. Esta surgiu no país por meio da Lei Estadual nº 17.392 de 2012 no Estado do Paraná e tem ganhado espaço nos demais estados. Considerando as variadas formas de remição, cabe enfatizar que poderá haver cumulação das atividades para fins de remição, desde que haja compatibilidade de horários. E, ademais, conforme art. 128 da LEP (1984, online) “o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos”. Conforme apresentando, o instituto da remição penal surge como um mecanismo capaz de remir o tempo de execução da pena pela participação em atividades que os aproxima da realidade fora do cárcere. Assim sendo, a legislação, ao garantir o direito à remição, concede aos apenados maneiras de ocupar o tempo ocioso que há dentro dos presídios. Ademais, adotar a remição não funciona unicamente como mecanismo que concede aos presos a diminuição da pena, mas permite que estes exerçam atividades laborais ou educacionais que, posteriormente, podem vir a ser suas ocupações quando estes estiverem de volta à realidade. Como define o art. 28 da LEP (1984, online), “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”. Desse modo, a legislação garante ao apenado que as atividades exercidas dentro do cárcere serão dignas e, ademais, atuarão diretamente na ressocialização da pena. Desta feita, a remição é um dos mecanismos com mais notável destaque na busca pela reinserção do preso à realidade fora dos presídios. 2.1.DA REMIÇÃO PELA LEITURA O instituto da remição originou-se no trabalho e, posteriormente, passou a admitir também o estudo. Atualmente, segundo a LEP existem variadas formas de se remir a pena pelo estudo e, nos últimos tempos, uma nova modalidade de remição complementar ao estudo passou a ser reconhecida pelos Tribunais Superiores, a remição pela leitura. Conforme traz a Jurisprudência: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL – REMIÇÃO PELA LEITURA – RECOMENDAÇÃO Nº 44/2013 DO CNJ E DA RESOLUÇÃO CONJUNTA SEDS/TJMG Nº 204/2016 – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO. Nos termos da Recomendação 44/2013 do CNJ e da Resolução Conjunta SEDS/TJMG nº 204/2016, embora inexista previsão legal expressa na LEP, é cabível a remição da pena pela leitura. (TJ-MG – AGEPN: 10301150005124001 MG, Relator: Júlio César Lorens, Data de Julgamento: 26/02/2019, Data de Publicação 11/03/2019). A remição pela leitura teve sua origem em 2012 por meio de uma lei do Estado do Paraná sendo considerada complementação a remição pelo estudo. Após acompanhar sua aplicação nos presídios paranaenses, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação nº 44 de 2013 que “dispõe sobre atividades complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura”. Reitera, ainda, a Jurisprudência a necessidade da remição pela leitura dentro do ambiente carcerário brasileiro: A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem admitido que a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso de analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal, como no caso, a leitura e resenha de livros, nos termos da Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça. (STJ – HC: 353689 SP 2016/0098251-5, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 14/06/2016, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/08/2016). A Recomendação nº 44 surge, portanto, como incentivo para que os estabelecimentos prisionais passassem a adotar o instituto da remição por meio da leitura. Assim sendo, esta recomenda aos Tribunais o estimulo a leitura como forma de atividade complementar, especialmente para apenados que não tenham assegurados os direitos ao trabalho e ao estudo. De acordo com o disposto na Recomendação, é indicado que os presos tenham de 21 a 30 dias para realizar a leitura da obra e, posteriormente, façam uma resenha acerca do tema que passará por avaliação. Aconselha, ainda, que sejam remidos quatro dias da pena para cada leitura aprovada, sendo possível remir, a cada 12 meses, 48 dias. Há, inclusive, um projeto de lei de 2014 proposto por Erika Kokay que tramita na Câmara dos Deputados a fim de estabelecer a definitiva mudança no artigo 126 da LEP, adicionando a remição pela leitura ao texto legal. Acerca da importância da alteraçãona LEP, destaca Erika Kokay (2014, online): Diversos Estados como o Paraná e São Paulo já estabeleceram por leis estaduais ou portarias dos Tribunais de Justiça determinação semelhante, que também já vem sendo adotada por portaria do Ministério da Justiça nos presídios federais. Logicamente, o correto é mudar a própria Lei de Execução Penal, conferindo legalidade a essas medidas, uma vez que legislar sobre a matéria é competência da União. Levando em consideração que diversos Estados já aderiram à remição pela leitura como mecanismo legal, não há motivos para que não haja a alteração no texto legal, ao contrário, a alteração do artigo 126 é necessária para reiterar a Jurisprudência. Com a alteração no texto da LEP, entrega-se ao encarcerado maior acesso aos seus direitos fundamentais que, em tantos casos, é desrespeitado dentro dos presídios. Ademais, a leitura é atividade essencial para a formação do indivíduo, tanto intelectualmente, quanto pessoalmente. Enfatiza, ainda, Kokay (2014, online) que “com certeza, o estímulo à boa leitura pode contribuir para a recuperação do preso e para reduzir os níveis de tensão nos estabelecimentos penais”. Assim sendo, a leitura dentro do cárcere assume importante lugar, pois ocupa espaços que deveriam ser ocupados pelas demais formas de remição, porém estão vagos. Além do mais, a prática da leitura impulsiona também as demais remições. A curiosidade despertada nos presos ao acompanhar o desenvolvimento daqueles que estão inseridos nos projetos de remição pela leitura pode ocasionar maior procura também para a alfabetização, para que, posteriormente, esses indivíduos possam também ler. Como dito, portanto, a remição supre as lacunas não atingidas pela remição pelo estudo e pelo trabalho. Isso porque, embora a obrigatoriedade de ambos mecanismos já seja antiga, as péssimas condições dos estabelecimentos em conjunto com a superlotação do cárcere não permitem o acesso a todos. Como aponta Onofre (2007, pg. 25, apud Costa, 2011, pg. 08): A escola é um espaço onde as tensões se mostram aliviadas, o que justifica sua existência e seu papel na ressocialização do aprisionado. Inserida numa ordem que “funciona pelo avesso”, oferece ao homem preso a possibilidade de resgatar ou aprender uma outra forma de se relacionar, diferente das relações habituais do cárcere, contribuindo para a desconstrução da identidade do criminoso. A educação é, portanto, o mecanismo mais eficaz na reeducação do preso. A remição pela leitura, desses modo, torna-se indispensável ao ordenamento jurídico brasileiro, pois atua diretamente na construção de uma mente consciente e voltada a novas alternativas de vida. De acordo com o INFOPEN de 2017, 51,3% dos encarcerados não possuem ensino fundamental completo. Ademais, somente 0,5% dos presos tinham diploma de curso superior, conforme evidencia o gráfico a seguir. Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN, Junho/2017 Destarte, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD) também de 2017, o percentual de brasileiros que não concluíram o ensino médio é o menor de todos, estando em 3,6%, demonstrando o preocupante cenário das penitenciárias. O gráfico reflete a realidade dos presídios brasileiros. Em sua maioria, os que acabam por infringir as normas têm baixa escolaridade, evidenciando que são frutos das inúmeras desigualdades sob ao qual vive o Brasil. Segundo Onofre (2007, pg. 12, apud Costa, 2011, pg. 05), “os presos fazem parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos excludentes e privados de seus direitos fundamentais de vida. [...] São, com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários.” Considerando que muitos dos encarcerados não tiveram acesso à educação devido a uma deficiência do próprio Estado que deveria assegurar que o acesso à educação e à uma vida digna chegue a todos, caberá, também, ao Estado adotar medidas que possam entregar aos privados da liberdade aquilo que lhes é de direito. Dessa forma, é função primordial do Estado garantir o acesso à educação fundamentado pelo art. 6º da Constituição Federal, realidade que, todavia, ainda é não abarca a todos. A seguir encontra-se os dados acerca do total da população prisional que está exercendo atividades relacionadas ao estudo dentro do cárcere: FONTE: Departamento Penitenciário Nacional – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, 2019 Conforme indica o gráfico, embora o número de presos sem escolaridade seja maioria, o acesso aos mecanismos de estudo ainda não atingiu nem metade da população carcerária. Cabendo ao Estado adotar medidas que possibilitem e incentivem esses encarcerados que ainda não acessam o estudo optarem por aprender. Assim sendo, a remição pela leitura é de extrema necessidade, pois funciona como complementariedade à remição pelo estudo, abrangendo um maior número de indivíduos, bem como é de grande relevância na transformação e evolução do encarcerando, sempre visando a não reincidência e a ressocialização. 2.2 . DA RESSOCIALIZAÇÃO PELA LEITURA A Constituição Federal traz em seu art. 205 que a educação é direito de todos, sendo dever do Estado e da família, devendo, ainda, ser incentivada em prol do desenvolvimento da pessoa, o preparo desta para exercício da cidadania e visando a qualificação para o trabalho. Ao afirmar, portanto, que a educação é para todos a Carta Magna inclui também a população carcerária. É preciso destacar que o instituto da educação abrange muito além da educação formal, conhecida como as matérias de sala de aula. Para além disso, a educação abre os horizontes para novas perspectivas. É por meio dela que o homem se descontrói acerca do mundo no qual está inserido. De acordo com o Parecer CNE/CEB nº 2/2010 (p. 14): Compreendendo a educação como um dos principais processos capazes de transformar o potencial das pessoas em competências, capacidades e habilidades e o educar como ato de criar espaços para que o educando, situado organicamente no mundo, empreenda a construção do seu ser em termos individuais e sociais, o espaço carcerário deve ser entendido como um espaço educativo, ambiente socioeducativo. Assim sendo, todos que atuam nestas unidades – dirigentes, técnicos e agentes – são educadores e devem estar orientados nessa condição. Todos os recursos e esforços devem convergir, com objetividade e celeridade, para o trabalho educativo. Como destacado, a educação deve ser vista como mecanismo de transformação tanto do indivíduo quanto da sociedade. É forma de empoderamento, pois aproxima o ser humano dos princípios e garantias fundamentais abarcados pela Lei Maior, dentre eles o princípio da dignidade da pessoa humana, disposto em seu art. 1º, inciso III. Levando em consideração a importância do zelo aos princípios basilares, é necessário que o sistema carcerário adote as devidas medidas para os fins de reinserção dos presos à vida fora do cárcere. É pensando em tal proteção que o art. 1º da LEP traz em sua redação que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do interno”. Como visto, a própria LEP assegura que o Estado deverá, por meio de leis e políticas públicas, implementar mecanismos que funcionem como garantia à dignidade dos encarcerados e, conforme apesentado, a educação é o mecanismo que melhor abrange os objetivos almejados. Como destacou Bitencourt (2019, pg. 660): O condenado é recolhido à prisão para ser ressocializado, e trabalhar e estudar na prisão são os melhores instrumentos de busca dessa almejada ressocialização do condenado.Estudar, especialmente encontrando-se recluso em uma prisão é tão nobre quanto trabalhar, pois ambos engrandecem e dignificam o ser humano, além de cumprir com os fins ressocializadores da pena. Bitencourt, portanto, reforça que o acesso ao estudo dignifica o ser humano. E o distanciamento deles disso em conjunto com as péssimas condições dos estabelecimentos penais acaba por transformar os indivíduos em reincidentes ainda mais violentos. Pontua Onofre e Julião (2013, pág. 54): As rotinas no interior das prisões se caracterizam em função de sua natureza punitiva, diluindo-se a sua perspectiva de instituição preventiva. A estrutura arquitetônica acentua a repressão, as ameaças, a desumanidade, a falta de privacidade, a depressão, em síntese, o lado sombrio da mente humana dominada pelo superego onipotente e severo. Nas celas úmidas e escuras, repete-se ininterruptamente a voz da condenação, da culpabilidade, da desumanidade. Como apresentado, o cárcere por vezes não só desrespeita garantias fundamentais, mas entrega seus apenados a situações desumanidade. Se lhes tiram a humanidade, poucas são as chances de que ao voltar as ruas não voltem para a criminalidade. As expectativas de uma nova vida que esses encarcerados venham a ter são massacradas pelo estado animalesco ao qual são submetidos. Visto isso, a política de repressão existente dentro dos presídios humilha aos que delinquiram e, posteriormente, os entregam despreparados para encarar a realidade fora do cárcere, ocasionando a reincidência. Conforme pontua Costa (2011, pg. 10): O período da estada na prisão provoca, nos sujeitos, graves consequências à sua personalidade e caráter, o que dificulta os esforços em favor de um processo educativo enriquecedor, porque, ao invés de devolver a liberdade aos sujeitos reeducados para a vida social, devolve, em muitos casos, para a sociedade, delinquentes mais perigosos, com elevado índice de possibilidade para a reincidência. Pautando-se em todos os problemas evidenciados pelo cárcere que a adoção da remição pela leitura como mecanismo de extensão ao estudo é um marco primordial. A educação como inicialmente trazida pelo texto da LEP por si só não abrangia todos os encarcerados, sendo sua expansão, portanto, fundamental para beneficiar maior número de presos. Considerando a importância de a leitura ser inserida dentro do cárcere a própria LEP garante, em seu art. 21, que “em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos”. Enfim, a própria LEP, em seu texto legal, garante que a leitura é para o ser humano parte tão fundamental de sua formação intelectual, assegurando, portanto, que todos os encarcerados tenham acesso a bibliotecas. Como visto, a leitura dentro e fora do cárcere é fenômeno capaz de mudar vidas, conforme destaca Candido (1995, p. 242 – 243, apud Lima e Melo, 2013, p. 315): Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contacto com alguma espécie de fabulação. (...) Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, é fator indispensável da humanização, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. Diante do exposto, é inegável que a leitura tem efeitos transformadores nos indivíduos e, portanto, sua adoção no meio ambiente carcerário permite que o indivíduo se capacite e descubra habilidades. A educação funciona como fonte de libertação, identificação e conscientização. Dentro do sistema carcerário a educação deve ser implementada como compreensão de vida, proporcionando aos apenados conhecimento da realidade em que vive, as questões sociais e suas mazelas e, desse modo, apresentando a eles como a sociedade funciona e, assim, os encarcerados poderão entender os porquês de estarem inseridos nesse meio. Pontua Onofre e Julião (2013, pág. 60) acerca da educação no cárcere: A educação no sistema prisional, assim como em outros espaços, não é apenas ensino, mas sobretudo desconstrução/reconstrução de ações e comportamentos. Ela lida com pessoas dentro de um contexto singular e deve ser uma oportunidade para que as pessoas decodifiquem sua realidade e entendam causas e consequências dos atos que as levaram à prisão. Conforme apontado, considerando que o fim da pena deve ser a reinserção do indivíduo à sociedade, cabe ao Estado fazer o uso de mecanismo que atuem em prol disso. O uso da leitura com tal finalidade é de inimaginável importância, pois, mais do que a instrução, a leitura visa propiciar aos indivíduos qualificação para o trabalho, entendimento do que é cidadania e consciência política. A leitura inserida no cárcere facilita que os indivíduos se reencontrem como sujeitos de direitos. Através do acesso obras literárias, bem como debates acerca dos livros e o desenvolvimento de resenhas, eles trabalham com liberdade e encontram sentido para o tempo que tem ali no cárcere e, principalmente, sentido para sua existência. Percebe-se que a leitura é, além de mecanismo educacional, um dos principais caminhos para que os indivíduos encarcerados se identifiquem como sujeitos inseridos em uma sociedade, com direitos e deveres. É por meio da compreensão de mundo que eles poderão se enxergarem, também, como pessoas políticas. Conforme indica Costa (2011, pg. 11): Reconhece-se que a educação é um dos requisitos para a reinserção social e para a contribuição ao desenvolvimento real e sustentável da sociedade que a põe em prática. É um direito humano e não uma ação terapêutica ou uma variável a mais de um tratamento. Um direito que permite às pessoas privadas de liberdade fazerem escolhas e desenvolverem trajetórias educacionais positivas, concretizando o direito humano a um projeto de vida. A educação é, portanto, um direito chave, que possibilita conhecer e exercer outros direitos, facilitando, inclusive, a resistência ao processo despersonalizador do encarceramento. Em síntese, resta evidente que a leitura permite a democratização das pessoas encarceradas, assegurando a elas direitos básicos e fundamentais da existência humana, como a dignidade, a educação. E, como destacado, aproxima os encarcerados da vida fora do cárcere, permitindo que eles sonhem com a vida que terão fora do cárcere e, para tanto, não voltem a reincidir. 3. HUMANIZAR PARA RESSOCIALIZAR Como já apresentado, a principal finalidade da pena deve estar relacionada com a ressocialização do preso. Ou seja, é direito dos apenados a chance de se reintegrarem ao mundo fora do cárcere com novas expectativas de vida. Para tanto, ressocializar conforme demonstrado durante o decorrer do trabalho é mais complicado do que parece. Ocorre que o cárcere no Brasil está distante de ser um ambiente com o mínimo para a sobrevivência digna. Conforme indicado anteriormente a ADPF 347 reconheceu o estado de coisa inconstitucional dos presídios brasileiros, e que o país precisa de providências acerca das estruturas do cárcere. Foi apresentada a importância da ressocialização através do estudo para o almejado fim da pena, todavia, para que a legislação se faça eficaz, de fato, é necessário mais do que a implementação dos mecanismos de ressocialização. É preciso, incialmente, encontrar medidas de humanizar o cárcere. A humanização do cárcere é princípio do direito penal e está assegurado a todos os apenados pela Constituição Federal, nos termos do art. 5º, inciso III, ao trazer que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. A privação da liberdade já é um fator que influencia negativamenteno psicológico dos que estão condenados. Além disso, os estabelecimentos penais aos quais estes são submetidos são degradantes. Os direitos mínimos de qualquer cidadão são reduzidos a nada e os que cumprem pena são submetidos a condições desumanas, diminuídos a um estado animalesco. Tal situação degradante é expressamente proibida, conforme indica as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos – Regras de Nelson Mandela (online, 2020) Regra 1: Todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade do ser humano. Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos reclusos, do pessoal do sistema prisional, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada. Para além das normas internas do país, tem-se também regras trazidas pelas Nações Unidas a fim de garantir que nenhum ser humano, esteja ele condenado por um delito ou não, seja submetido a qualquer forma de tratamento degradante. É necessário garantir a proteção e a segurança dos detentos a fim de manter assegurada suas dignidades. Como é sabido a Dignidade da Pessoa Humana é garantia constitucional assegurada pelo art. 1º, inciso III, como reitera Sarlet (2002, pg. 60, apud Rivabem, ANO, pg. 12): A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. Desse modo, o zelo à dignidade humana é dever do Estado, recaindo sobre ele a responsabilidade de atuar com urgência no sistema carcerário brasileiro a fim de garantir condições mínimas de existência. Muito embora as péssimas condições do cárcere deixem claro a necessidade de se considerar outras alternativas, a pena privativa de liberdade segue sendo o centro da legislação brasileira. Conforme indica Prado (2020, pg. 271): “é de ser observado que, conquanto se reconheça o fracasso da pena de prisão, esta última continua a ser o eixo em torno do qual gira todo o sistema penalógico somente por não ter ainda encontrado o modo de substituí-la integralmente”. Ou seja, ainda que a pena privativa de liberdade seja falha e não esteja nem próxima da realidade almejada pelos fins da pena sua aplicação ainda é necessária. Sua necessidade, portanto, não se deve pela sua qualidade, mas pela inexistência de alternativas eficazes. Visto isso, inicia-se uma incansável busca por um processo de humanização do cárcere para que, em seguida, a ressocialização por meio de mecanismos como a remição alcancem a eficácia prometida. Para tanto, o processo de humanização deve ser trabalho em partes. De início é necessário humanizar a pessoa do encarcerado para que eles se sintam indivíduos com suas individualidades, permitir que eles se sintam humanos. Posteriormente, deve-se humanizar o ambiente transformando-o de um espaço frio, de ódio e tortura, para um ambiente com condições mínimas de sobrevivência. Quando se permite ao apenado o reconhecimento de si mesmo, bem como suas capacidades e limitações este passa a se aproximar do entendimento da sociedade em que está inserido. Com maior percepção dos fatores que o rodeiam, o indivíduo consegue enxergar suas limitações e se construir a partir disso, reconhecendo a si mesmo como humano. Já a humanização do espaço carcerário esse dá através do cuidado para com o local, mantendo a higiene, possuindo espaços que permitam aos presos a sensação de acolhimento, diferente da atual sensação de rejeição a qual estão sujeitos. Conforme assegura a Regra 13 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos – Regras de Nelson Mandela (online, 2020): Todos os locais destinados aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e, especialmente, a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação. Medidas básicas de higiene e saúde, como indicado, deveriam ser priorizadas para que os encarcerados não se sentissem cada vez menos humanos. Todavia, a realidade do sistema carcerário brasileiro está completamente distante dessa realidade. Nas palavras de Dropa (pg. 01, 2004): Sanitários coletivos e precários são comuns, piorando as questões de higiene. A promiscuidade e a desinformação dos presos, sem acompanhamento pscio-social, levam à transmissão de AIDS entre os presos, muitos deles sem ao menos terem conhecimento de que estão contaminados. Muitos chegam ao estado terminal sem qualquer assistência por parte da direção das penitenciárias. Indivíduos apenados são condenados para mais do que cumprir a pena pelo delito praticado, mas também condenados ao descaso da sociedade e, posteriormente, o ódio será retribuído com a reincidência. Reitera ainda Dropa (pg. 01, 2004) que: Muitos presos não recebem qualquer assistência visando prover suas necessidades básicas de alimentação e vestuário. Muitos sofrem com o frio, outros acabam se molhando em dias de chuva e permanecem com a roupa molhada no corpo, causando doenças como gripes fortes e pneumonias. Para diminuir esta escassez, muitos guardas são “subornados” por parentes dos detentos que lhes providencia mais comida e roupas em troca de dinheiro. São situações aterrorizantes e inimagináveis de serem vivenciadas por serem humanos. Todavia, são mais comuns do que parecem. As situações espantosas não param por aí, pois a falta de higienização necessária e o ódio que vivenciam diariamente influencia no convívio dos encarcerados. Dessa forma, as situações de espancamentos e demais cenas de violência se multiplicam dentro dos presídios, entre presos e, também, entre presos e funcionários em uma tentativa fracassada de dominar. Visto isso, a ressocialização do preso é medida fundamental, mas só terá o efeito esperado quando, primeiramente, os presos sejam tratados como seres humanos para, então, se enxergarem dessa forma. Humanizar, embora esteja tão distante da realidade do cárcere do Brasil atualmente não é tão complicado. Basta a adoção de ambientes dignos, com higienização, fornecimento de vestuário e condições básicas para a sobrevivência, bem como a adoção de atendimento médico e, principalmente, psicológico para que os presos possam cuidar de suas saúdes mentais. Para tanto, a humanização não depende de nada além do que já está assegurado pela legislação brasileira, conforme indica o art. 12 da LEP (online, 2020): “a assistência material ao preso e ao interno consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.”. Ademais, a LEP garante ainda que em sua sessão III do Capítulo II que será fornecido ao preso assistência à saúde, consistindo em todo o tratamento médico necessário e, quando não o tiver, deverá o preso ser atendido em outro lugar. Em síntese, para que a ressocialização atinja sua função plena de reintegrar o indivíduo à sociedade e afastar as possibilidades de reincidência, cabe aos estabelecimentos penais a adoção de mecanismos que atuem em prol disso, mas, para tanto, é necessário, primeiro garantir que os indivíduos que ali estão sejam humanizados e assim se reconheçam. Pois, em muitos casos, o desinteresse paracom os mecanismos de ressocialização como leitura, educação e trabalho parte do não reconhecimento desses presos deles como seres capazes de aprender e evoluir. O sentimento de abandono e rejeição trazido pelo cárcere influencia negativamente e é preciso reverter a situação. 3.1.OS REFLEXOS DA APLICABILIDADE DA REMIÇÃO PENAL PELA LEITURA 3.1.1. PROJETO “LER LIBERTA” A Faculdade de Direito de Vitória (FDV) iniciou, em 2018, um projeto de extensão visando incentivar a cultura e o aprendizado levando a leitura para dentro do sistema prisional capixaba. O projeto, que é uma parceria entre a FDV e a Secretaria de Estado da Justiça do Espírito Santos – SEJUS/ES, pretende efetivar o direito fundamental à educação, elencado pelo art. 11, inciso IV da LEP. O projeto se desenvolve semestralmente sendo que a cada semestre formam-se grupos de 20 leitores e a cada mês é disponibilizada uma leitura e, a partir dessa leitura, deve os presos realizarem resenhas das obras lidas. Dente as obras escolhidas pode-se encontrar “a menina que roubava livros” de Markus Zusak, “o vendedor de sonhos” de Augusto Cury e “a cabeça do santo” de Socorro Acioli. A finalidade da iniciativa não se pauta simplesmente em permitir que os presidiários possam remir suas penas. Para além disso, o principal objetivo está relacionado com o incentivo da leitura como forma de expressão crítica, bem como um mecanismo que as portas da conscientização das pessoas que foram privadas de suas liberdades, permitindo melhores condições posteriores ao cárcere. A leitura proporciona inúmeros pontos positivos que podem ser reconhecidos naqueles que participaram das atividades. De acordo com Leal (2019) nota-se um caráter humanizador devido as leituras, e isso pode ser observado por meio das resenhas realizadas. Ademais, nota- se sentimento de gratidão, reeducação dos aprisionados, superação, vontade de fazer o bem e abre a mente dos indivíduos. Nas palavras da autora (2019, pg. 31) “o leitor consegue entender melhor a vida em sociedade. Ele se insere na vida social através da leitura e consegue “aprender” a se ver como um indivíduo capaz de respeitar os outros e a lidar melhor com seus sentimentos”. Como visto, a leitura proporciona ao indivíduo se conhecer como pessoa humana e identificar seu lugar na sociedade. Enxergando isso, os pesos podem entender seus erros e a origem deles e, consequentemente, se interessarem pela mudança. Ademais, a leitura é uma forma de se expandir, derrubando preconceitos e afins. Ainda de acordo com Leal (2019, pg. 32), o sentimento de gratidão é descrito pelas próprias resenhas. Segundo ela “alguns leitores escreveram mensagens de agradecimento pelo projeto e pela iniciativa de promover a leitura dentro dos presídios o que significa que eles estão tendo condições de pensar na importância que tem praticar o bem”. Além do mais, a aplicação da remição pela leitura funciona como uma rede de incentivos. Conforme os leitores passam a ir às bibliotecas e expande seu conhecimento intelectual e pessoal, influenciando aos demais presos, deixando-os curiosos a partir da leitura. 3.1.2. PROJETO “VIRANDO A PÁGINA” Virando a página é um projeto de extensão desenvolvido por meio de uma parceria entre a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo com a Faesa-Centro Universitário e tem como finalidade levar a remição pela leitura aos presos do Complexo Prisional de Xuri (ES). O projeto estabelece-se conforme as condições para a aplicação da remição penal, ou seja, os leitores deverão ler as obras e posteriormente produzir uma resenha acerca dela. Nessa resenha verão os indivíduos tirarem no mínimo nota seis para conseguirem remir a pena. A priori foram escolhidas seis obras literárias, sendo elas: “o pequeno príncipe” de Antonie de Saint-Exupery, “o menino do pijama listrado” de Jhon Boyne, “o caçador de pipas” de Khaled Hosseini, “o fio das missangas” de Mia Couto, “o guardião” de Nicholas Sparks e “o menino do dedo verde” de Maurice Druon. Com o decorrer do projeto é notável a evolução dos leitores na realização das resenhas, demonstrando maior conhecimento acerca de questões sociais, como justiça, solidariedade e cidadania. Segundo Almeida (2020, pg. 10): Os internos do Xuri vêm intensificando o senso crítico e a percepção de si mesmos como sujeitos de direitos e deveres, cidadãos de fato, com os conhecimentos adquiridos pela leitura, o exercício da relação dialógica com os pesquisadores e com os pares, valorizando suas experiências e cultura, havendo o empoderamento, melhoria da autoestima, potencializando assim o exercício da cidadania. Nota-se, portanto, que o projeto desperta o prazer pela leitura e, por meio desta, fortalece-se a ideia de solidariedade. Ademais, a leitura humaniza os cidadãos que, com isso, passam a repensar suas escolhas e desperta o desejo de mudança para poderem se encaixar na vida fora do cárcere. Ainda nas palavras de Almeida (2020, pg. 12), “a educação libertadora tem esse potencial, qual seja, o de transformar pessoas”. Ou seja, a inserção de formas de educar os presos os transforma e concede, enfim, a finalidade primordial da pena, a de ressocializar, evitando, assim, a reincidência. CONCLUSÃO