Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Leitura de Imagens Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Maria Jose Spiteri Tavolaro Passos Revisão Textual: Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos Imagem e Documento • Conhecendo o Campo de Estudos – A Imagem Como Documento; • Positivismo; • Historicismo; • Sociologia. • Compreender o estudo da imagem como documento; • Conhecer os aspectos da metodologia positivista na leitura de imagem; • Conhecer os aspectos da metodologia historicista na leitura de imagem; • Compreender a importância do contexto social, histórico, político e cultural no estudo e leitura da obra de arte. OBJETIVO DE APRENDIZADO Imagem e Documento Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Imagem e Documento Conhecendo o Campo de Estudos – A Imagem Como Documento As imagens podem ser utilizadas como fontes documentais, ou seja, é possível construir o conhecimento a partir das imagens. Esse ponto de vista vem sendo adotado por pesquisadores de diferentes áreas, como a História, a Antropologia, a Sociologia etc., ainda que nem sempre os profissionais dessas áreas sejam “visual- mente alfabetizados” (SAMAIN, 1998). A História da Arte, como ciência, com seus próprios métodos de pesquisa e aná- lise dos dados, passou a se fundamentar cientificamente a partir da segunda metade do século XVIII, mas foi principalmente a partir do século XIX que ganhou maior independência, com o surgimento de linhas como o positivismo e o historicismo. Positivismo As ideias de Charles Darwin foram uma forte influência para um dos precursores na incorporação dos princípios do positivismo ao estudo da história da arte e das imagens, Hippolyte Taine (1828-1893). Para ele, fatores naturais, como a vegeta- ção, o clima e a topografia podem condicionar a formação das raças, influencian- do, desta forma, sua produção artística e cultural. Numa investigação sobre as imagens e as obras de arte, os princípios de Taine podem fazer sentido, considerando-se o contexto natural, espacial e urbano em que foram produzidas, como: • distinguir e identificar o “espírito” urbano do rural; • considerar a luminosidade da região em que o artista morou e como essa pode aparecer em uma obra ou em um conjunto das obras. Por exemplo, se foi pro- duzida numa região mais tropical ou mais fria, sombria ou de clima rigoroso, ou com forte presença da vegetação ou em regiões mais desérticas. Essas questões podem influenciar e contextualizar a leitura das obras. Para Jesús Viñuales, “o positivismo tampouco é uma metodologia concreta e exposta ponto por ponto em seus passos, enquanto crítica ou comentário da obra de arte”. Para ele, o positivismo tem a seu favor o “descobrimento de alguns conceitos fundamentais que podem ser aplicados” e foi, portanto, “a primeira concepção teórica que facilmente podia descender a uma interpretação prática” (VIÑUALES, 2010, p. 19). As teorias positivistas foram baseadas no conceito dos três estágios da huma- nidade – teológico, metafísico e científico - e foram dominadas pela ideia de “pro- gresso” como o motor da história do homem e a partir da aceitação das teses 8 9 evolucionistas. Calcado nos princípios da razão, o positivismo é contra os mistérios românticos e os idealismos cognitivos. O melhor conhecimento da história dos povos, da geografia, do meio ambiente, dos relatos de viagens, do descobrimento e contraste de povos exóticos em estágios de civilização primitiva, do avanço das ciências posi- tivas, da revolução industrial, etc., produz um entusiasmo na capacidade humana de explicação racional dos acontecimentos que conduzem à qua- se tirânica ideia de progresso. (VIÑUALES, 2010, p. 19.) O positivismo buscou abandonar o estágio religioso e o metafísico para chegar ao científico, no qual a indústria, a produção e a ciência são os pilares básicos em que se assenta a ordem de uma “humanidade feliz”. Para o positivismo, o artista é um observador da realidade e a arte se baseia no estudo filosófico do homem, da análise psicológica de seus atos e da investigação sociológica do meio. Os estudos ligados à estética com base no positivismo analisam os processos técnicos, as realidades histórico-sociais, os contextos biológicos, etc., como expli- cação para as obras de arte. Essa corrente de estudos parte de uma concepção do meio como contexto, contribuindo para o pensamento mais direcionado e concentrado da obra de arte integrada socialmente. Segundo essa linha, a obra de arte se relaciona com “um conjunto de atuações e situações da humanidade, a qual é observada não em si mesma, fechada, solitária, transcendente, senão em um núcleo de influências, competências” (VIÑUALES, 2010, p. 21). Assim, esse estudo, sempre calcado na razão, na ciência, na técnica e no estudo do meio, faz com que a obra seja analisa- da por meio de comparações com dados da sociedade, sua localização no tempo e no espaço etc. Embora destacando que sendo ou não superada, devemos buscar explorar as melhores contribuições de cada metodologia, Viñuales observa que o entendimen- to do meio de forma muito restritiva (demasiadamente calcado na questão física, orgânica, biológica), conforme proposto pelo positivismo, acabou por limitar tais estudos em questões materialistas. Quando os materialismos crassos ou grosseiros têm sido abandonados inclusive nas teorias socialistas e materialistas de todo tipo, não podemos entender a influência do meio físico como única causa determinante de tal produção artística. Sobretudo quando temos comprovado que nos meios praticamente exatos surgem obras não só formalmente distintas, senão inclusive estruturalmente opostas. De todo modo a componente positivis- ta não se pode abandonar de todo, nem se pode colocá-la de lado defini- tivamente, pois tampouco se duvida na atualidade de que o meio, agora entendido de forma mais ampla, está na base de qualquer obra artística. (VIÑUALES, 2010, p. 22-23.) 9 UNIDADE Imagem e Documento De uma forma concreta e objetiva, a metodologia positivista aplicada à análise de uma ima- gem é esquematizada por Jesús Viñuales a partir da análise dos dados: • da geografia geral; • do clima em particular; • da história concreta; • da raça; • da religião;• da cultura (componentes ideológicos, antropológicos, costumes, tradições sociais, etc.) Ex pl or No entanto, é importante ficar atento para alguns detalhes: o ambiente natu- ral muitas vezes é estável e não passa por grandes alterações, já as sociedades podem passar por mudanças rápidas, constantes, e isso pode se refletir em sua produção imagética. Historicismo Chamamos de historicismo uma série de correntes teóricas diversas que buscam estudar o papel que o caráter histórico desempenha no homem. Considerado filho do positivismo, o historicismo tem como base a catalogação e a documentação, que contribuem para uma interpretação do homem e do seu entorno, constituindo, assim, uma história da cultura ou do “espírito humano”. Até esse momento, muito do que se estudava a respeito das imagens artísticas tinha como base a biografia de seus autores, sistema esse que vigorava desde o Renascimento, ou, ainda, tendências mais descritivas a respeito das obras. O historicismo vem fundamentar a historiografia da arte, trazendo-lhe uma inde- pendência, uma valoração, um caráter mais rigoroso e científico. Como método, dialoga com outras áreas do conhecimento, como a História Ge- ral, por exemplo. Suas bases estão calcadas na historicidade do homem e das suas produções, e em um modelo epistemológico que busca a compreensão da realidade, da criatividade artística do homem através do dado histórico (VIÑUALES, 2010). Por considerarem os campos da criação, imaginação e dos sentimentos algo muito questionável no campo do conhecimento, alguns teóricos ainda demons- tram certa resistência com relação ao uso das imagens para a pesquisa histórica, mas, ainda assim, o uso de imagens nessa área vem crescendo significativamente (CUNHA, 2001). Agora que já tivemos uma ideia mais geral a respeito do historicismo, vamos estudá- -lo a partir da classificação e definição das “teorias ou metodologias da interpretação”. Segundo Viñuales, a metodologia interpretativa, ou hermenêutica, transpas- sa as teorias fenomenológicas-positivistas e as socialistas, e se apresenta como a 10 11 vertente moderna do historicismo a partir da posição que compreendemos por “perspectiva histórica”. É sempre importante considerar que sob um ponto de vista historicista a leitura de uma imagem antiga, por exemplo, deve entendê-la como uma construção histó- rica, pensada e criada em um determinado tempo e lugar, ultrapassando em muito o esqueleto que se nos apresenta (CARDOSO e MAUAD, 1997). A tomada de fotografias e a realização de pinturas e gravuras muitas vezes são construídas a partir de uma intenção e, como base nesse propósito, elabora-se um cenário, selecionam-se objetos, poses... Além disso, há a escolha das técnicas de produção no momento da criação, que além de corresponderem a um determinado momento do desenvolvimento das tecnologias, também correspondem às perspec- tivas geradas por essas imagens nas pessoas em geral. Figura 1 – Imagem publicitária estadunidense da década de 1950 Fonte: pixabay.com Assim, uma imagem apresenta aspectos implícitos – estilísticos, iconográficos, representativos, técnicos, funcionais, etc., dentro de um contexto social concreto. Ao se apoiar em uma perspectiva histórica, o pesquisador compreenderá e estuda- rá a obra a partir do pressuposto de que o seu criador a produz em um determinado contexto, a partir de um nível cultural, um âmbito sociológico concreto, os quais possibilitam, exigem e consideram, a partir de determinados supostos, a necessida- de da produção (VIÑUALES, 2010). 11 UNIDADE Imagem e Documento Desse modo, a investigação da obra se dá pelo cruzamento de dados obtidos a partir de determinados pontos, como: • o lugar para o qual ela foi realizada; • a relação com o espaço para que ela foi pensada; • as motivações que determinaram sua realização; • as funções que desempenhou no lugar de origem. Tais pontos nos trazem possibilidades para refletir a respeito tanto das relações concretas, quanto novas. Mesmo investigando os elementos que determinam o meio (cultural, social, histórico, geográfico) em que a obra foi realizada, veremos que não será possível conhecê-los completamente. Nem sempre é fácil obter da- dos referentes ao contexto da realização de uma obra, porém a própria obra pode apresentar os signos que nos remetam à sua formação, constituindo, assim, um discurso interno da própria obra, que contribui para o aprofundamento de sua lei- tura e autenticação de sua historicidade. Para a pesquisadora Miriam Lifchitz Moreira Leite (1996), a imagem pode forjar realidades cujo conteúdo ultrapassa a primeira impressão e que só será compreen- dido por meio de uma disposição especial de sentidos, particularmente pela cons- tância do olhar. Desse modo, para se ter um bom domínio e exercício da leitura de imagem, são necessários dois elementos: um bom conhecimento de base técnica e uma boa dose de criação artística. As imagens guardam conteúdos manifestos, que envolvem aqueles mais explici- tamente detectáveis, e outros conteúdos “latentes”, ou seja, que estão guardados, e a sua leitura, que pode revelar as contradições e os conflitos dos significados, geralmente atinge as expectativas dos responsáveis pela imagem, sejam elas do seu produtor ou daquele que a encomendou. Por esse motivo, para atingir os con- teúdos latentes, devemos considerar informações fundamentais, que responderiam questões como: “quem gerou tal imagem?”, “como essa imagem foi produzida?”, “para quem?”, “a ‘que’ ou a ‘quem’ se destinava?” (LEITE, 1996). Para seguir no estudo das imagens dentro dessa linha, passamos a nos valer de trabalhos de documentação e de catalogação das imagens produzidas ao longo da história. Valle Gastaminza (2001) irá referir-se aos aspectos indicados para cata- logar uma imagem, destacando que uma boa leitura da imagem irá demandar as seguintes competências: • Iconográfica: reconhecimento de formas visuais; • Narrativa: estabelecimento de uma sequência narrativa entre elementos que aparecem na imagem e elementos de informação complementar, como título, data, local, etc.; • Estética: atribuição de sentido estético à composição; • Enciclopédica: identificação de personagens, situações, contextos e conotações; • Linguístico-comunicativa: atribuição de um tema; 12 13 • Modal: interpretação do espaço e tempo da imagem. Para Jesús Viñuales (2010), a análise de imagens sob uma perspectiva historicis- ta deve ser dividida em 4 fases, sendo que cada uma delas pode ser ainda subdividi- da em várias outras, de acordo com as particularidades de cada imagem: 1 Identi�cação da Obra 2 Estabelecimento de Cronologias 3 Interpretações Gerais 4 Experimentações Metodológicas Figura 2 – Fases da análise sob uma perspectiva historicista A identificação e o estabelecimento de cronologias envolvem tarefas como: do- cumentação, datação, classificação rigorosa, científica, exata. Elas são básicas, in- clusive para o desenvolvimento de qualquer outra metodologia que utilize os dados históricos, seja a iconologia, a formalista, a sociológica, etc. A interpretação e as experimentações envolvem questões como: a) estudo dos dados, documentos, etc., como base para a leitura da obra; b) relação dos acontecimentos artísticos com os políticos, culturais, religio- sos, econômicos; c) interpretação dessas relações através de uma explicação superior (espírito ou razão que se quer) que dê conta do sentido dessas rela- ções (intencionalidade); d) aplicação à obra concreta desse espírito, intenção, razão ou explicação superior que nos assinale o porquê da obra, suas causas, suas razões históricas, sua evolução, sua representação e sua interpretação sincrô- nica e diacrônica. (VIÑUALES, 2010, p. 34.) Vale ressaltar que a investigação histórica recebe contribuições de diferentes áre- as, como a geologia, a heráldica, a paleografia, a química e a física, entre outras. Também os avanços tecnológicos (os raios-x, a câmara de quartzo, a fotografia,o carbono 14, etc.) podem colaborar para a ampliação e aprofundamento dos estudos históricos. Paralelamente, alguns procedimentos de análise envolvendo questões mais formais, concentradas em detalhes específicos (representações da figura humana toda ou em partes, da paisagem, da arquitetura, do uso da cor etc.), podem trazer suas contribuições para determinadas leituras e, especialmente, no caso de se buscar autorias em obras de autores desconhecidos (VIÑUALES, 2010, p. 34-35). A hermenêutica, ou metodologia interpretativa, vem constituindo a linha histo- riográfica atual, que utiliza uma série de instrumentos. A hermenêutica, como uma teoria e uma prática de interpretação de textos e imagens, foi originada na leitura dos textos bíblicos e expandida para a análise cultural. Os autores mais importan- tes dessa teoria são Wilhelm Diltey (1831-1911), Martin Heidegger (1889-1976) e Hans-Georg Gadamer (1900-2002), os quais influenciaram outros pensadores 13 UNIDADE Imagem e Documento modernos, como Luigi Pareyson, Paul Ricoeur, Hanna Arendt, Jürgen Habermas, Jacques Lacan, Michel Foucault, Jacques Derrida, entre outros. Os historiadores modernos estudam e analisam todos os pontos que podem ser interpretados, re- correndo também a outras metodologias eficientes, incorporando-as para que se tenha um estudo mais aprofundado da arte. A teoria da hermenêutica considera que ao estarmos integrados num processo interpretativo, tudo o que falamos a respeito de alguma obra não se trata apenas do contexto histórico da obra, mas também do contexto histórico do intérprete. Observe que estamos trabalhando com uma noção de alguém que não está simplesmente recebendo uma mensagem de forma passiva, trata-se de alguém que recebe, lê e interpreta a imagem e, assim, se torna um agente ativo que conclui o trabalho iniciado na obra, pois faz da interpretação uma forma de co-autoria. Assim, esse receptor/leitor/intérprete é parte da interpretação. Para a hermenêutica, as obras não dialogam apenas com o seu contexto imedia- to, elas fazem a travessia do tempo por meio das suas tecnologias visuais e estabe- lecem diálogos para além do momento em que foram criadas. De acordo com Viñuales (2010, p. 36), um historiador da arte moderno começa por aplicar duas vertentes metodológicas: “uma como historiador” e outra corres- pondente “ao objeto, à obra de arte, à arte”. Para tanto, propõe que tal estudo, além de se apoiar sobre o ponto de vista historicista, recorra a outros segmentos da investigação, que virão contribuir para o aprofundamento da leitura. Desse modo, unem-se resultados de vertentes histórica e artística, que se comple- mentam para se alcançar uma análise mais abrangente da obra e de seus significados. Como associar o estudo de base mais histórica a um olhar mais apurado sobre o objeto: 1. Estudar questões envolvendo a natureza da obra, a linguagem artística utilizada pela imagem da obra e sua estrutura geral. 2. Realizar estudos relacionados à documentação, à datação, a “fontes literárias, artís- ticas, tratados, etc.”, que relacionados ao período de produção da obra possam trazer contribuições para a sua leitura e interpretação. 3. Estudar informações acerca do autor e sua produção para compreender a obra dentro da trajetória desse autor, identificando em qual fase ela está inserida, etc. 4. Estudar os aspectos técnicos, identificando-se o uso dos materiais e técnicas utilizados na execução da obra, se tais recursos foram inovadores, se alterados pelo artista, qual a sua influência no modo como a obra foi recebida em seu tempo etc. 5. Realizar um exame iconográfico (abordagem de elementos como temática, figuras, símbolos e alegorias) e, posteriormente, estudo iconológico (a ser estudado mais adian- te nesta disciplina). 6. Estudar os aspectos formais relacionados a questões compositivas e dos signos, que poderão ser apoiados por outros métodos, tais como o formalismo, a Gestalt, o estrutu- ralismo, a semiótica etc. Ex pl or 14 15 Importante! No Renascimento, a autoria passou a ser va- lorizada no campo da arte, pois até então, na maior parte das vezes, estava diluída entre os integrantes de um grupo. Mas com o pensamento Antropocêntrico da Renas- cença, veio a valorização do homem e no campo da criação, um forte destaque para os traços de personalidade individuais dos artistas, o que foi aliado aos estudos ligados ao temperamento e a como esses traços se apresentam na produção artística da época. O estudo dos aspectos biográfi cos dos ar- tistas tem sua origem em 1550, com a pu- blicação de uma obra considerada o marco inicial da história da arte, cujo título é “As vidas dos mais excelentes arquitetos, pin- tores e escultores italianos de Cimabue ao nosso tempo, descritas em língua toscana por Giorgio Vassari, pintor aretino, com uma introdução útil e indispensável para as diferentes artes”. Figura 3 – Leonardo Da Vinci, Homem Vitruviano, 1492 Fonte: Wikimedia Commons Esse livro, popularmente conhecido como “As Vidas”, apresenta os aspectos biográfi cos dos artistas relacionados aos princípios individualistas do humanismo. Hoje, de grandes artistas do período é possível identifi car as diferenças, como o caráter lírico da obra de Rafael (1483-1520), o racional de Leonardo Da Vinci (1452-1519) e o explosivo da obra de Michelangelo (1475-1564). Você Sabia? Fonte: VASARI, G. Vida dos artistas. São Paulo: Martins Fontes, 2011 Como o conhecimento a respeito do artista e de sua obra completa pode nos auxiliar? Os estudos de direcionamento historicista em muito nos beneficiam quando se tem aces- so aos dados biográficos do autor da obra, pois podem trazer informações ligadas aos contextos da sua vida, sua formação artística e profissional, com quem estudou, suas influ- ências artísticas, ideológicas, sociológicas... A partir dos dados biográficos, também é possível buscar compreender qual era o regime de trabalho da época, como o artista se inseria no “mercado”, como era remunerado, com quem se relacionava social e politicamente, suas convicções e relações com o universo re- ligioso etc. Essas informações podem, muitas vezes, ampliar a nossa compreensão acerca da obra. 15 UNIDADE Imagem e Documento Sociologia Qualquer reflexão acerca da arte e dos fenômenos artísticos, em sua mul- tiforme fenomenologia, não pode deixar de fundar-se em pressupostos teórico-metodológicos de caráter sociológico, os quais não esgotam em absoluto a complexidade dos objetos estudados, põem em evidência cer- tas coordenadas fundamentais, fora das quais qualquer interpretação da obra artística resulta irremediavelmente insuficiente (Alfredo de Paz apud VIÑUALES, 2010, p. 160). A leitura e compreensão de imagens a partir de uma abordagem sociológica dis- cute basicamente as relações da imagem e o contexto social em que foi produzida. Vale lembrar que ainda no século XIX, contrários ao positivismo, autores como Karl Marx (1808-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) fundaram o chamado socialismo científico ou marxismo. Entre outros pontos, discutiram as transfor- mações da história destacando a importância dos fatores econômicos nesse proces- so. Esta teoria influenciou de diferentes formas as gerações futuras de historiadores da arte e estudiosos da estética e filosofia da arte e até os dias atuais continua orientando as discussões sociológicas sobre a arte. Para o marxismo, todo modelo econômico (modo de produção – estrutura), seja o tribal, o feudal, o capitalista ou o socialista, e todas as sociedades que são dirigidas pelos que con- trolam as suas fontes de riqueza (meios de produção – infraestrutura) estão intimamente ligados com a produção cultural. Numa mudança de recursos, como a passagem de uma economia agrária para a comercial ou da comercial para a industrial, os grupos econômicos emergentes sempre desafiam o po- der dos dominantes anteriores, surgindo a luta de classes, a qual se transforma num motor que vai impulsionando as transformações dahistória. A arte, inserida neste contexto, irá se expressar num constante diálogo. São os modos de interação social que constituem a superestrutura cultural, dando estabi- lidade e legitimidade à estrutura econômica. Por meio de entendimentos ou coerções das concepções políticas, jurídicas, religiosas, educacionais e artísticas – dentro de instituições culturais, como escolas, igrejas, associações de moradores, sindicatos – que a sociedade se organiza e funciona. São valores e normas que são cultivados pelas sociedades, sintetizando os interesses das classes dominantes. Figura 4 – Karl Max Fonte: Wikimedia Commons Figura 5 – Friedrich Engels em 1891 Fonte: Wikimedia Commons Ex pl or 16 17 Para o estudo das imagens, essa concepção teórica contribui com a defesa da importância do conceito de ideologia, como um conjunto de ideias e concepções culturais que podem mascarar as diferenças sociais e inibir as lutas de classes. Figura 6 – Criança trabalhadora em Newberry, Carolina do Sul, EUA – 1912 (fotografi a retocada) Fonte: Wikimedia Commons Os estudos da problemática arte-sociedade e suas correlações ou interrelações surgiram em meados do século XIX como consequência da industrialização, da so- cialização, da divisão do trabalho, das lutas de classes, etc. Desde então, conforme aponta Fernández Arenas, “nem a obra de arte nem o artista criador podem ser estudados separadamente. A arte é o resultado de uma série de fatores coletivos muito complexos, tanto do ponto de vista criador como contemplador” (ARENAS apud VIÑUALES, 2010, p. 160). Em meio a tantas discussões acerca das transformações que vinham surgindo na sociedade a partir do século XIX, surge a arte engajada, que teve suas bases fi losófi cas desenvolvi- das por George Lukács (1885-1971). A arte engajada mantém uma estreita relação com a arte proletária, que busca romper com os processos de alienação que infl uenciam o campo artístico. Nesse contexto, o artista pode utilizar diferentes linguagens, transmitindo seus pensamentos e posicionamentos como forma de protesto ou como forma de denúncia. Sua posição diante da sociedade é a de um sujeito ativo, envolvido com os problemas que atingem a humanidade e, portanto, suas obras envolvem refl exões a respeito da realidade social e do momento histórico em que se insere, bem como a respeito da cultura. Um exemplo importante na história é a obra Guernica, de Pablo Picasso, em que o artista utiliza como tema os horrores da guerra. Em 1937, Picasso, que havia sido indicado para representar a Espanha em uma importante exposição internacional a ser realizada em Paris, se depara com o trágico bombardeio das forças nazistas sobre Guernica, um vilarejo espanhol. Revoltado contra o ocorrido, que se somava a outros episódios que ocorriam na época, o pintor realiza Guernica como um verdadeiro protesto contra o autoritarismo e a violência dos governos fascistas que cresciam na Europa na década de 1930 e que apoiavam o general espanhol Francisco Franco. Ex pl or 17 UNIDADE Imagem e Documento Figura 7 – Pablo Picasso, Guernica, 1937 Fonte: Wikimedia Commons Diversos autores, como Walter Benjamin, Ernst Gombrich, Giulio Carlo Argan, Pierre Bourdieu, entre outros, se interessaram pelo estudo das possíveis relações entre concepções sociológicas e a arte, embora entre eles haja diferentes posições, inclusive contrárias entre si. Em seus estudos dirigidos à análise de obras de arte, Jesús Viñuales buscou reu- nir elementos dessas concepções para elaborar uma metodologia prática que possa contribuir para uma leitura de base sociológica da obra de arte. Partindo dos estudos do historiador Valeriano Bozal Fernandez, o qual formula uma proposta de análise dividida em 4 etapas, Viñuales realizou um detalhamento das mesmas, enfatizando um olhar sociológico sobre uma imagem. Segue a pro- posta apresentada por Viñuales: Descrição sumária dos elementos linguísticos: temáticos, técnicos, formais a) Temáticos i. Temos que especificar o gênero artístico: se é uma pintura, uma escultura, arquitetura, cerâmica, gravura, etc. ii. Uma vez determinado, devemos especificar um pouco mais: ce- râmica (vaso, prato, urna funerária, etc.). iii. Reconhecimento do tema: se é natureza-morta, paisagem, históri- co, religioso, arco comemorativo, funcional, etc. iv. Dentro deste reconhecimento, levamos em conta o nível iconográfi- co. Identificar do que se tratam e quais são seus antecedentes e conse- quentes, relacionando-os entre si. Por exemplo, a obra A Última Ceia, 18 19 de Tintoretto (Fig. 8) - antecedentes: Idade Média, Girlandaio (Fig. 9), Leonardo da Vinci, etc.; e consequentes até hoje (Salvador Dalí, etc.). Novidade: se o tema se introduz por primeira vez, em que época e por quê. Simbologia: reconhecimento dos símbolos e sua interpretação (re- lação com a iconologia). Figura 8 – Tintoretto, A Última Ceia, 1594 Fonte: Wikimedia Commons Figura 9 – Domenico Guirlandaio, A Última Ceia, 1480 Fonte: Wikimedia Commons 19 UNIDADE Imagem e Documento b) Técnicos i. Materiais: madeira, pedra, ferro, bronze, porcelana, etc. (importân- cia e necessidade de que a obra seja feita em tal material e não em ou- tro. Por exemplo: importância e necessidade de a Torre Eiffel ser feita em ferro e não em mármore, etc.) ii. Suportes: linho, muro, papel, cartão, cobre, etc. (importância e neces- sidade de que a pintura afresco seja mural e não em linho, por exemplo). iii. Elementos arquitetônicos: muros, colunas, capitéis, coberturas, vãos, etc. (importância das impostas da arquitetura românica que sepa- ram os diferentes pisos, etc.) iv. Técnicas e procedimentos: policromado, esfumado, dourado, afres- co, a seco, esmaltado, etc. Sempre procurando identificar estas técnicas não só por erudição, mas porque introduzem uma nova linguagem ou sig- nificado na obra. Assim, por exemplo, o aspecto almofadado do Palácio Pitti introduz um jogo de luzes e sombras. Afresco: técnica de pintura feita sobre argamassa ainda fresca de cal queimada e areia, utilizando pigmentos à base de água. Trata-se de uma das mais antigas técnicas de pin- tura, tendo sido utilizada desde a Roma Antiga para a decoração de paredes e tetos. Foi amplamente aplicada nas decorações de igrejas durante toda a História da Arte, tendo no Pré-Renascimento e no próprio Renascimento alguns de seus mais famosos exemplares, executados por nomes como Giotto, Masaccio, Piero dela Francesca, Tiepolo, entre outros. Ex pl or Afresco: pintura artística na parede. Disponível em: https://youtu.be/WEBsGIPs7bY. Ex pl or c) Formais i. Espacialidade: tipos de planos e classes de perspectivas. Contrastes de tamanho, sobreposição, transparência, tensão espacial, etc. ii. Tipos de composição: diagonal, triangular, cíclica. Uso de várias perspectivas de uma única vez. Peso dos objetos por sua situação, cor, intensidade de luz, etc. Equilíbrio axial, radial. Distribuição de massas e volumes, etc. iii. Classes de iluminação: realista, convencional, irreal, fantasmagó- rica, etc. Saturação. iv. Estrutura da obra: relação com o método estrutural. Realismo- -irrealismo. Verossimilhança ou não, etc. 20 21 Figura 10 – A mesma imagem com duas situações de saturação Fonte: pxhere.com Relação destes elementos com outras linguagens anteriores ou posteriores a) Comparar os elementos com outros da época - por exemplo, a veros- similhança, se esta se dá em tal época ou não como prática dos artistas. b) Identifi car se existem novos elementos formais. Por que e o que sig- nifi cam? Por exemplo, em uma obra abstrata é importante a negação da representação fi gurativa. c) Se valorizam o realismo ou o simbolismo. Por que razões? O que signifi cam? Etc. 21 UNIDADE Imagem e Documento d) Naturalismo-antinaturalismo. Teatralidade, afetação, expressividade. e) Relação com a realidade através da associação de imagens. f) Outros valores estéticos novos ou pré-existentes na linguagem artísti- ca: imitação,simetria, proporção, antecipação, etc. Conexões entre o tema e o meio – Vinculação sócio-histórica Buscar informações que expliquem a obra, como, por exemplo, documentos de época que talvez tenham direcionado um modo de pensar ou agir. É possível que a obra apresente influências dessas orientações. Figura 11 – Em uma época em que a fotografia ainda não existia, umas das funções dos pintores era registrar o mundo que o cercava. Quando os holandeses liderados por Maurício de Nassau se instalaram no Nordeste do Brasil, no século XVII, trouxeram consigo artistas que tinham como tarefa registrar a paisagem, as pessoas, a fauna e a flora locais. O pintor Frans Post foi um deles. Frans Post (1612-1680) – Paisagem com plantação: o engenho – c. 1660 Fonte: Wikimedia Commons Análise das conexões entre significado e meio histórico Se na etapa anterior são buscadas as relações entre o tema e o meio, aqui buscam-se relações entre o significado e esse mesmo meio histórico. Por exemplo: o cangaço foi um movimento que ocorreu no nordeste brasileiro em que homens e mulheres, inconformados com as políticas locais, reuniam-se em bandos e vivendo de modo “marginal” buscavam agir segundo os seus próprios princípios de justiça, o que poderia envolver ações bastante violentas. 22 23 A imagem de Lampião e seu bando (Fig. 12) demonstra um grupo aparente- mente seguro de si, pronto a enfrentar qualquer batalha. A presença do fotógrafo junto ao grupo representa alguém que conseguiu penetrar nesse seleto grupo de “justiceiros”. Figura 12 – Benjamim Abrahão Boto - Retratos do cangaço - O encontro de Abrahão com o bando de Virgulino, em foto tirada pelo cangaceiro Juriti. Da esquerda para a direita: Vila Nova, não identifi cado, Luís Pedro, Benjamin Abrahão (à frente), Amoroso, Lampião, Cacheado (ao fundo), Maria Bonita, não identifi cado, Quinta-Feira Fonte: Wikimedia Commons Importante! A respeito da abordagem sociológica, conforme vimos neste tópico, as etapas de leitura social da imagem começam com uma descrição formal e técnica da obra e, gradativamen- te, surgem questões mais voltadas para o contexto social do artista e do meio em questão. Em Síntese 23 UNIDADE Imagem e Documento Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Sociologia - Auguste Comte e o Positivismo STOODI. Sociologia - Auguste Comte e o Positivismo. https://youtu.be/EHnMYR23nCI Caçadores da Alma – Ep. 10 - Fotografia e História TENDLER, Silvio. Caçadores da Alma – Ep. 10 - Fotografia e História. Publicado por Caliban Cinema e Conteúdo. https://youtu.be/FyhWmjf_mX8 Leitura A fotografia como fonte histórica SÔNEGO, Márcio Jesus Ferreira. A fotografia como fonte histórica. Historiæ, Rio Grande, 1 (2): 113-120, 2010. https://goo.gl/FJpzU6 A fotografia como documento da história das cidades AZEVEDO, Maria Helena; MOURA FILHA, Maria Berthilde. A fotografia como documento da história das cidades. In: I Seminário Nacional Fontes Documentais e Pesquisa Histórica: Diálogos Interdisciplinares. Anais. Campina Grande: Programa de Pós-graduação em História da UFCG, 2009. https://goo.gl/bqYtj5 24 25 Referências ARGAN, G. C.; FAGIOLO, M. Guia de história da arte. Lisboa: Editorial Estam- pa, 1994. AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 2011. BOSI, A. Reflexões sobre a arte. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2003. CARDOSO, C. F.; MAUAD, A. M. História e imagem: os exemplos da fotografia e do cinema. In: Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997. COSTELLA, A. F. Para apreciar a arte: roteiro didático. 3ª ed. São Paulo: Senac, 2002. CUNHA, L. N. O documento fotográfico: um caminho a mais para o conhe- cimento da presença negra na escola pública brasileira. [20--]. Disponível em: <http:// www.anped.org.br/0203t.htm>. Acesso em: 3 ago. 2015. FARTHING, S. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. FELDMAN-BIANCO, B.; LEITE, M. L. M. (Org.). Desafios da imagem: fotogra- fia, iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. Campinas: Papirus, 1998. GERVEREAU, L. Ver, compreender e analisar as imagens. Portugal: Edições 70, 2007. HAUSER, A. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fon- tes, 1998. JOLY, M. Introdução à análise da imagem. 9ª ed. Campinas: Papirus, 2005. LEITE, M. L. M. Imagem e educação. In: Seminário Pedagogia da Imagem na Pedagogia, 1996, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: UFF, 1996. SAMAIN, E. (Org.). O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. TREVISAN, A. Como apreciar a arte: do saber ao sabor. Uma síntese possível. 3ª ed. Porto Alegre: Age, 2002. VALLE GASTAMINZA, F. del. La documentación de los medios informativos. In: GALDÓN LÓPEZ, G. Perfil histórico de la documentación en la prensa de información general. Pamplona: Eunsa, 2002. p. 179-205. VIÑUALES, J. El comentario de la obra de arte (metodologías concretas). Ma- drid: Unes, 2010. 25
Compartilhar