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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO Julia Duques dos Santos – 136.423 Relatório de Ensino de História, Estágio e Pesquisa I. Guarulhos 2020 Introdução Este relatório tem como propósito analisar as dinâmicas e experiências abordadas durante aulas remotas do ensino de História, tanto público quanto privado, durante a pandemia do novo Coronavírus do ano de 2020. Além disso, abordarei neste trabalho, as condições de trabalho, apoio pedagógico e adaptações dos professores durante a pandemia. A suspensão gradual de aulas nas escolas públicas e privadas no Brasil, diante a ameaça do vírus, após as orientações de quarentena e isolamento social da Organização Mundial da Saúde (OMS), afetou a rotina de alunos, professores e suas famílias. Segundo a pesquisa do Instituto da Península1, 83% dos professores se sentem despreparados para o ensino remoto. Esse número avançado se dá pelo fato de que a maioria dos professores nunca haviam dado aulas virtuais, além da falta de suporte das escolas, como treinamentos, apoio psicológico e institucional e ferramentas acessíveis para todos. Entre tanto, a situação se torna mais caótica ao depararmos com a falta de acesso dos alunos a Internet e a um local adequado para o estudo, levando também em consideração, alunos que trabalham, cuidam de suas famílias e muitas vezes tem filhos. Ambas escolas enfatizadas nesse estudo estão localizadas na zona Noroeste de São Paulo, Colégio Canello Marques (ensino privado) e E.E. Professor Manoel Ciridião Buarque (ensino público). Como base, utilizarei as entrevistas realizadas com duas professoras, Prof.ª Rosana (Colégio Canello Marques) e Prof.ª Mirtes (E.E. Professor Manoel Ciridião Buarque), para análise das condições de trabalho e experiências com aulas remotas, além de um levantamento virtual sobre o posicionamento de alunos de rede pública e privada sobre o mesmo tema. Para isso, será articulado conceitos de cultura escolar, forma escolar, disciplinas escolares e arquitetura escolar. Cultura escolar A cultura escolar conjectura que a escola não apenas transmite uma cultura acadêmica, que já é pré-estabelecida fora da escola, como também produz sua própria cultura escolar exclusiva moldada a realidade daquela instituição. Segundo Frago, cultura escolar é: Constituída por um conjunto de teorias, ideias, princípios, normas, modelos, rituais, inércias, hábitos e práticas sedimentadas ao longo do tempo em forma 1 Pesquisa feita em todo o Brasil entre 13 de abril e 14 de maio de 2020. de tradições, regularidades e regras de jogo não interditadas, e repartidas pelos seus actores, no seio das instituições educativas. (VIÑAO, 2007, p. 87) Ao falarmos de realidade individual de cada escola e seu corpo docente, assim como alunos e outros funcionários, fatores externos influenciam a cultura escolar daquela instituição. Podemos observar isso em diversos aspectos, como por exemplo, o bairro que ela escola está inserida, classe social predominante de funcionários em geral e estudantes. Por exemplo, a Professora Rosana do Colégio Canello Marques relatou em nossa entrevista que muitos alunos a auxiliaram com a adaptação a plataformas virtuais para realizar as aulas, dando apoio e ensinando como mexer em aplicativos e gravar vídeos, a escola disponibilizou computadores, orientações tecnológicas para os docentes e uma plataforma voltada exclusivamente para aulas online, a Plurall, mesmo assim a Professora sentiu uma queda no desenvolvimento dos alunos e também nas presenças virtuais. Já a Professora Mirtes da E.E. Professor Manoel Ciridião Buarque, relata a dificuldade dos próprios alunos acessarem as aulas por conta da falta de Internet e computadores, mesmo assim a escola criou um Google Drive e grupos no WhatsApp com representantes de sala para que o conteúdo fosse repassado para os demais alunos. Vale lembrar, que a E.E. Professor Manoel Ciridião Buarque está em um bairro privilegiado da zona Oeste de São Paulo e é uma escola dada como referência nas instituições públicas de ensino, a realidade em escolas de periferias é completamente diferente. Quando esses dados são apontados, não há intensão alguma de exaltar o ensino privado e sim apontar as desigualdades que professores e alunos da rede pública sofrem diariamente com a falta de diretos básicos e necessários para uma formação adequada. O ensino remoto descarta, quase que completamente, estudantes de baixa renda que não tem acesso a rede Wi-fi ou a pacotes de dados móveis, computadores e locais calmos para estudar, isso os distancia cada vez mais de sua formação no ensino básico e também de qualquer contato com o ensino superior, já que com uma aula remota de baixa qualidade ou a falta de acesso total a essas aulas, a maioria dos alunos se veem sem em condições para prestar vestibulares. Com pesquisa realizada com alunos de ensino público e privado, conseguimos observar a diferença entre os dois públicos. Apesar de reclamações no geral sobre número de atividades e falta de suporte, como plantões de dúvidas, alguns alunos da rede privada mencionaram como essa experiência havia sido “inovadora” e teria “acrescentado conhecimento de vida”, enquanto estudantes de escolas públicas estão sem aulas ou até mesmo desistiram do ano letivo já que não haverá reprovações. Forma escolar A forma escolar nos torna participantes de uma determinada sociedade depois de passarmos pela escola, assim aprendemos nossa língua, a cultura e valores do meio que estamos inseridos. Segundo os autores Vincent, Lahire e Thin, falhamos ao não oferecermos educação escolar a todos, assim, inúmeras camadas sociais são excluídas desse cenário, principalmente na atual pandemia do Coronavírus. Como abordado anteriormente, alunos de não tem acesso a tecnologias estão sendo completamente cortados do ensino remoto. A escola e a escolarização foram desenvolvidas até se tornaram essenciais na produção e reprodução de nossas formações sociais, das hierarquias, das classes... que as constituem. Se no período anterior aos anos 60, “a origem social determinava diretamente o nível de inserção profissional e social, sendo que a escola desempenhava apenas um papel anexo”, hoje, as trajetórias sociais e profissionais são fortemente tributárias das trajetórias escolares. (VINCENT, LAHIRE e THIN, 2001, p 38). Podemos entender que a forma escolar exclui inúmeros indivíduos, com a analise proposta vemos essa situação com o número de alunos de desistiram do ano letivo de 2020, e como uma futura aprovação do ensino regular remoto pós-pandemia implicará ainda mais para que esses alunos concluam seus estudos e estejam aptos ao nível de inserção profissional e social que está diretamente ligado as trajetórias escolares. Disciplinas escolares e currículo Atualmente, durante a pandemia do COVID-19, não podemos notar claramente mudanças nas disciplinas escolares e currículos, até então, esses não foram afetados. André Chervel na obra “História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa”, afirma que a escola tem finalidades diversas, como formar culturalmente e literalmente disciplinar seus alunos. Podemos ver que temos uma seleção de matérias escolares, que segundo Chervel tem o poder de padronizar e efetivar a socialização. Antes de pautarmos os currículos, cabe uma citação de Tomaz Tadeu da Silva sobre o mesmo conceito. Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. (SILVA, 1999, p. 15). Contudo, nossaidentidade e subjetividade a qual Silva se refere como a terceira fase se teorias do currículo, está sujeita a mudanças com o “novo normal”, claramente podemos ver que as medidas tomadas para prevenção de aumento de contaminados como o isolamento social, mudaram fortemente nossa rotina e nossos gostos, além de mudanças também no papel da escola e em suas atividades como instituição. O relato da Professora Mirtes sobre a falta de acesso dos alunos da Internet e o depoimento de diversos alunos falando sobre a desistência o ano letivo, completamente o fato de que classes dominantes estão imersas em uma cultura dominante junto com a escola, excluindo as classes dominadas. (...) a escola não atua pela não atua pela inculcação da cultura dominante às crianças e jovens das classes dominadas, mas ao contrário, por um mecanismo que acaba por funcionar como um mecanismo de exclusão. O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante. As crianças das classes dominantes podem facilmente compreender esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram imersas, o tempo todo, nesse código. (...) Em contraste, para as crianças e jovens das classes dominadas, esse código é simplesmente indecifrável. Eles não sabem do que se trata. Esse código funciona como uma linguagem estrangeira: é incompreensível. A vivência familiar das crianças e jovens das classes dominadas não os acostumou a esse código, que lhes aparece como algo estranho e alheio. (SILVA, 1999, p. 35). Assim podemos levantar diversas reflexões e como, evidentemente podemos observar na nossa realidade durante pandemia, como a classe dominada está sendo excluída do ensino remoto, além de já ter sido excluída em diversos pontos antes da quarentena. Arquitetura escolar Sendo esse, um dos elementos mais afetados pelo ensino remoto, a arquitetura escolar afeta diretamente o desenvolvimento. A falta de um espaço destinado exclusivamente ao estudo, impede que consigamos nos focar. A arquitetura escolar, além de ser um programa invisível e silencioso que cumpre determinadas funções culturais e pedagógicas, pode ser instrumentada também no plano didático, toda a vez que define o espaço em que se dá a educação formal (...). (ESCOLANO, 1998, p. 47). Em um país como o Brasil, a arquitetura escolar é privilegiada em escolas de classes dominantes, isso resulta em péssimas condições da arquitetura de escolas públicas, não apenas em bairros periféricos, mas em zonas rurais e em comunidades indígenas mais afastadas, onde vemos escolas em situações precárias. Não podemos romantizar a realidade de profissionais da educação que, inclusive antes de pandemia, não tem acesso a equipamentos e materiais adequados para receber os alunos. Fui aluna de ambas as escolas trabalhadas no relatório. Na E.E. Professor Manoel Ciridião Buarque, havia um laboratório de ciências, porém ele nunca foi usado pelas turmas mais novas, já que a escola perdeu o patrocínio que recebia para manter o laboratório. Já no Colégio Canello Marques, tive o privilégio de ter aulas práticas constantes no laboratório, onde realizávamos experimentos, inclusive que eram solicitados pela apostila utilizada na escola como uma atividade complementar ao conteúdo de sala. Podemos observar constantemente o comentário referente a escolas públicas que parecem “prisões”, seria isso proposital? A intensão de manter a classe dominada no mesmo status, é nítida. A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos. (ESCOLANO, 1998, p. 26). Conclusão A partir dos dados coletados, uma reformulação sobre a educação é mais do que urgente, uma reformulação mais inclusiva. Durante a pandemia, podemos observar como as desigualdades sociais – e não somente essas – se fortaleceram nesse período. O acesso ao ensino remoto é mínimo, e cada vez mais temos crianças e jovens de classes dominadas extremamente distantes da educação. A precarização do ensino e a qualidade de trabalho dos professores, infelizmente, não são pautas recentes. No ensino público de todo o Brasil podemos ver mobilizações constantes de docentes e alunos pela melhor qualidade de trabalho e ensino nas escolas. Precisamos nos posicionar contra um governo que não nos apoia e não valoriza a educação brasileira, principalmente o ensino de História, e contra o atual presidente da República que deseja evitar ao máximo que o povo brasileiro conheça sua história. Podemos concluir com base na pesquisa, que as professoras ressaltam a diminuição de aproveitamento dos alunos no conteúdo disponibilizado, mas vale ressaltar que a cultura individual de cada escola também reflete diretamente nesses dados, reforçando as diferenças de recursos e experiências de uns para os outros. Bibliografia CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. in Teoria & Educação. 1990. ESCOLANO, Agustín. Arquitetura como programa. Espaço, escola e currículo. in VIÑAO, Antonio e ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura escolar como programa. RJ: DP&A, 1998. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. VIÑAO FRAGO, Antonio. Sistemas educativos, culturas escolares e reformas. Portugal, Mangualde: Edições Pedago, 2007. VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard e THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 33, pp. 7-48, jun. 2001. Fontes documentais Em quarentena: 83% dos professores ainda se sentem despreparados para o ensino virtual. Instituto Península. 27 de maio de 2020. Disponível em <://https://www.institutopeninsula.org.br/em-quarentena-83-dos-professores-ainda-se-sentem- despreparados-para-ensino-virtual-2/>. Último acesso em 05 de outubro de 2020, às 20:10. https://www.institutopeninsula.org.br/em-quarentena-83-dos-professores-ainda-se-sentem-despreparados-para-ensino-virtual-2/ https://www.institutopeninsula.org.br/em-quarentena-83-dos-professores-ainda-se-sentem-despreparados-para-ensino-virtual-2/
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