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Oustinoff - Cap 2

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CAPÍTULO II:
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO
Poderíamos examinar, um a um, vários períodos 
na história da tradução: Antiguidade, Idade Média, 
Renascimento, os séculos XVII e XVIII, a época con­
temporânea. Uma abordagem desse tipo arrisca-se a 
mascarar as sobreposições que vinculam as épocas en­
tre si, de onde a necessidade de recorrer a uma apre­
sentação que seja mais temática que estritamente cro­
nológica. Os problemas de hoje são muito claramente 
os mesmos que se apresentaram ontem. As respostas é 
que variam. E daí é que vêm as diversas concepções da 
tradução que foi possível construir1.
1. O espírito e a letra
Na tradição ocidental, geralmente distinguimos 
uma dupla origem para a problemática da tradução, 
que se encarna na realidade em uma única língua, o 
latim. Por um lado, a tradução dos textos religiosos, e 
da Bíblia em particular, que tem são Jerônimo como 
figura tutelar. Por outro, a tradução dos textos literá-
1 Ver Michel Ballard, De Cicéron à Benjamín (1992). Lille: 
PUL, 1995.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 31
rios, na Roma antiga, e aqui lembramos a advertência 
de Cícero, em seu Libellus de optimo genere oratorum 
(46 a.C.), segundo a qual não se deve traduzir “verbum 
pro verbo”, “palavra por palavra”, e que será retomada 
por Horácio em seu A rs poética (10 a.C.). Essas duas 
perspectivas estão ligadas: Cícero anuncia são Jerô- 
nimo. Percebemos isso quando são Jerônimo escreve, 
em De optimo genere interpretandi (395): “Sim, quan­
to a mim, não apenas o confesso, mas eu o professo 
sem nenhum incômodo em alta voz: quando traduzo 
os gregos — exceto nas Sagradas Escrituras, onde a 
ordem das palavras também é um mistério —, não é 
palavra por palavra, mas uma ideia por outra ideia que 
exprimo”2. A distinção introduzida por são Jerônimo 
é essencial: ela destaca a diferença entre textos religio­
sos e textos seculares no que diz respeito à tradução. 
No primeiro caso, deve-se preferentemente avançar 
palavra por palavra. Esse é o método preconizado por 
Fílon (13 a.C.-54), membro da comunidade judaica de 
Alexandria: unicamente a tradução literal seria capaz 
de não alterar os textos sacros. E em nome da tradução 
literal que são Jerônimo critica a tradução grega dos 
Setenta.: por ser muito livre, ela é julgada como infiel 
ao original hebraico. Mas uma tradução estritamente 
literal também é rejeitada por são Jerônimo, de onde 
a eventual adoção dos princípios ciceronianos, que ele 
esclarece na fórmula célebre: “Non verbum de verbo, 
sed sensum exprimere de sensu”. A distinção entre a 
tradução de textos religiosos e a tradução de textos
Apud Valéry Larbaud, Sous l ’invocation de saint Jérôme. Pa­
ris: Gallimard, 1946, p. 15.
32 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
profanos não é, portanto, tão demarcada quanto pode­
ríamos achar à primeira vista.
De fato, os inconvenientes de uma tradução mui­
to literal nunca foram negligenciados. As traduções 
efetuadas pelos romanos remontam ao século III a.C., 
com Lívio Andrônico, primeiro tradutor europeu co­
nhecido. Cícero inscreve-se, portanto, em uma longa 
tradição de prática da tradução, que ele perpetua e 
aperfeiçoa, especialmente no plano das considerações 
teóricas, praticamente inexistentes antes dele. A esse 
respeito, uma passagem capital é a seguinte, a respeito 
de suas próprias traduções:
Eu não as fiz como simples tradutor (ut interpretes), mas 
como orador {sed ut orator), respeitando suas frases, com 
as figuras de palavras ou de pensamentos, às vezes usando 
termos adaptados a nossos costumes latinos. Por isso não 
considerei necessário verter toda palavra por uma palavra 
[verbo verhum reddere); contudo, naquilo que diz respeito 
ao gênio de todas as palavras e a seu valor, eu os conservei... 
Realmente, acreditei que aquilo que importava para o leitor 
era oferecer a ele não o mesmo número, mas, por assim di­
zer, o mesmo peso [Non enim adnumerare sed tanquam 
adpenderé)3.
Dessa maneira, Cícero distingue duas formas de 
tradução: em primeiro lugar, aquilo que poderíamos 
chamar de a tradução propriamente dita, a que é fei­
ta pelo “interpres”; em segundo lugar, a do “orador”.
3 Tradução francesa de Henri Bornecque, apud Inês Oseki- 
-Déprè, Théories et pratiques de la traduction littéraire. Paris: Ar­
mand Colin, 1999, p. 19.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 33
Com isso, ele faz essa forma superior de tradução pas­
sar para o campo da retórica — e, mais exatamente, da 
im itatio. Traduzindo em termos modernos, diríamos 
hoje que se trata de adaptação, e não mais de tradução.
Contudo, isso significaria abstrair a função de 
que a tradução estava investida em Roma, função 
radicalmente diferente daquela que ela podia ter no 
mundo grego. A partir da morte de Alexandre (323 
a.C.), a irradiação da civilização helenística é tamanha 
que o grego se torna a língua dominante: a Setenta é 
traduzida em Alexandria muito naturalmente do he­
braico para o grego no século III; a pedra de Roseta, 
que permitirá a Champollion decodificar os hierógli­
fos, é uma tradução do egípcio para o grego, realizada 
em 196 a.C., no Egito ptolemaico; o Novo Testamento 
é redigido em grego, quando o Cristo se expressava em 
aramaico (o hebraico, língua da mesma família, não 
era mais de uso corrente)4. Roma não escapa a essa re­
gra: as elites são perfeitamente bilíngues e concedem 
o primeiro lugar, ao menos por um tempo, ao grego.
Não tendo, de início, nada de comparável no do­
mínio dos textos filosóficos ou literários, o empreendi­
mento de tradução, massiva, dos escritos gregos para 
o latim está perfeitamente subordinado, em Roma, à 
emergência de uma língua capaz de rivalizar com seu 
modelo, até mesmo de ultrapassá-lo, processo que se 
estende por vários séculos, fazendo do latim a nova 
língua dominante no seio do Império, papel que se 
perpetuará durante toda a Idade Média, e até mesmo
Ver Claude Hagège, Halte à la mortdes langues. Paris: Odile 
Jacob, 2002, cap. X, p. 255s.
34 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
para além dela. O termo “adaptação” pressupõe uma 
língua literária plenamente constituída, algo que, ini­
cialmente e em comparação com o grego, a língua la­
tina não era.
Uma vez concluída essa gestação, o termo “bi- 
linguis”, é o que Claude Hagège destaca, torna-se um 
termo pejorativo, sentido que, por sinal, ele guarda em 
francês medieval5: o grego vai sendo, pouco a pouco, 
abandonado, em proveito exclusivo do latim. Um ciclo 
desses não se dá isoladamente: encontramos numero­
sos exemplos dele na história. Trata-se de um esque­
ma semelhante ao que vamos reencontrar no Renasci­
mento, quando, dessa vez, é o latim que se vê suplan­
tado pelas línguas vernaculares. Na França, vê-se uma 
multiplicação das traduções das línguas clássicas para 
o francês e de “imitações” dos modelos gregos e lati­
nos, até mesmo italianos, fenômeno amplificado pelo 
desenvolvimento da tipografia. Também vemos Joa­
chim du Bellay, em Defense et illustration de la lan­
gue française (1549), desenvolvendo um raciocínio 
que retoma o raciocínio de Cícero, aplicado à língua 
nacional: a imitação dos antigos não deve ser servil, 
ela deve ser feita a serviço da língua francesa, igual, 
quando não superior a todas as outras. A época que 
vê a instauração do francês como a única língua do 
reino (ordenança de Villers-Cotterêts, 1539) é a mes­
ma na qual, por meio da tradução, são feitos massivos 
empréstimos das línguas estrangeiras, isso quando 
não são obtidos por imitação direta, como, por sinal,
Ibidem, p. 173-174.
HISTORIA DA TRADUÇÃO 35
Ronsard não hesita em recomendar em seu Abbregé de 
l ’art poétique (1565): “Tu comporás palavras intrepi­
damente, à imitação dos gregos, e latinos”6.
Esse terceiro aspecto da tradução, que não se 
contenta em “verter” palavra por palavra (“verbum de 
verbo”), ou sentido por sentido (“sensum exprimere 
de sensu”), mas ainda se permite transformar delibe­
radamente o texto original no quadro da “imitação”, 
não corresponde mais à ideia que habitualmente fa­
zemos da tradução hoje.E nesse sentido que Jacques 
Amyot, em sua célebre tradução das Vidas paralelas 
de Plutarco (1559), em vez de traduzir o grego “este- 
phanoi” pela tradução literal “adornados de flores”, 
prefere: “Com chapéus de flores em nossas cabeças”; 
em vez de se contentar com: “A alma está encerrada 
no corpo como em um moinho que roda sem cessar em 
torno da necessidade de alimento”, ele traduz: “A alma 
de muitos está escondida e contrafeita pelo medo de 
sofrer falta, dentro do corpo, como dentro de um moi­
nho, girando sempre em torno de uma mó depois de 
perseguir algum alimento”7. As transformações intro­
duzidas obedecem a uma lógica que Antoine Berman 
classifica como a “visada tradutória” do Renascimento 
— nesse caso preciso, “o esclarecimento e a adaptação 
apropriadora do original, considerado como um ‘tesou-
Citado por Mireille Huchon, Le français de la Renaissance 
(1988). Paris: PUF, 1998, p. 73.
Exemplos tomados de Antoine Berman, L’accentuation et le 
principe d’abondance en traduction, in: Palimpsestes, n° 5, editado 
por P. Bensimon, B. Vautherin. Paris: Presses de la Sorbonne Nou­
velle, 1991, p. 14.
36 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
ro’ que é preciso anexar à língua e à cultura nacionais”8. 
Para compreender a tradução em toda a sua diversida­
de, não basta opor as “palavras” aos “sentidos”.
2. As belas infiéis
Nessa mesma época, na Inglaterra, a situação é 
semelhante, com uma diferença a ser notada: o fran­
cês, por sua irradiação, desfruta de um prestígio com­
parável ao do latim e do grego. A tradução a partir do 
francês constitui uma soma de obras considerável. Al­
gumas marcam época: é o caso da tradução dos Ensaios 
de Montaigne por John Florio em 1603. Ela é destacada 
pelo The Cambridge History o f English and Am erican 
Literature (CH EAL ) em 18 volumes9 (o volume IV, 
consagrado ao período elisabetano, começa dedicando 
dois longos capítulos à questão da tradução, tamanha 
é sua influência). As transformações introduzidas por 
John Florio no texto de Montaigne parecem-se com as 
que são introduzidas por Amyot em sua tradução de 
Plutarco. Para traduzir “je n ’y vauls rien” ele utiliza 
o equivalente “I am nothing w orth”, mas acrescenta: 
“and I never can fadge f = ‘do’] well”10; para “soufflet”, 
ele vai recorrer a “whirret [ = ‘blow’] in the ear”11, 
exemplificando assim a tendência da época à verbor-
8 Ibidem, p. 12.
Ward e Trent et alii, The Cambridge History of English and 
American Literature. New York: Bartleby.com, 2000 < www.bar- 
tleby.com/cambridge >.
“Et je ne peux jamais bien faire” (tradução do autor).
11 Exemplos dados por Charles Whibley, CHEAL, vol. IV, 1, p. 12.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 37
ragia (Florio também é conhecido por seu dicionário 
italiano-inglês de título evocativo, A World ofWordes, 
“um mundo de palavras”) preconizada por Erasmo em 
De copia (“Sobre a abundância”) 12.
Contudo, a mais célebre das traduções elisabeta- 
nas não é essa: é, em todos os aspectos, a tradução de 
Plutarco feita por Thomas North, Lives o f the Noble 
Grecians and Romans (1579), na qual Shakespeare 
(que era acusado por seus detratores de não conhecer 
suficientemente o latim, muito menos o grego) se ins­
pirou para suas peças romanas {Júlio César, Antônio 
e Cleópatra, Coriolano) e Tímon de Atenas. Pelo fato 
de não dominar o grego, North faz sua tradução a par­
tir da tradução das Vidas paralelas de Plutarco feita 
para o francês por Amyot. Prática comum na época: 
em comparação com o latim e, com mais forte motivo, 
com o grego, o francês era de longe a língua que mais 
se sabia. O francês é, então, a “avenida” que terá per­
mitido aos clássicos penetrar na língua e na literatura 
da Inglaterra (“the avenue through which many of the 
classics passed into our language and our literature”) 13. 
Portanto, a tradução de Amyot serve de original para 
North. Por sinal, como enfatiza Montaigne, o texto de 
Amyot tem valor de modelo no que se refere à língua 
tradutora: “Eu dou com razão, me parece, a palma a 
Jacques Amyot, sobre todos os nossos escritores fran­
ceses [...]. Nós, outros ignorantes, estaríamos perdidos 
se esse livro não nos tivesse tirado do impasse; graças a
Ver Antoine Berman, L’accentuation et le principe 
(l’nbondance en traduction, art. cit., p. 12.
Charles Whibley, CHEAL, vol. IV, 1, p. 9.
38 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
ele, nós hoje ousamos falar e escrever: é nosso breviá­
rio” (Essais, livro II, cap. IV). A tradução de North 
também recebe o estatuto de obra literária, o que ex­
plica, sem dtivida, o fato de Shakespeare recorrer cons­
tantemente a ele em busca de suas próprias palavras.
De modo mais genérico, nessa época, as barrei­
ras que estabelecemos hoje entre original e tradução, 
autor e tradutor, eram bem mais fluidas, para não di­
zer francamente abolidas. A “apropriação”14, concei­
to chave do Renascimento, pôde tomar na Inglaterra 
proporções tão extremas que parecem remeter ao espí­
rito de conquista de navegadores elisabetanos, como 
Drake ou Hawkins, mas também a seus bem pouco 
recomendáveis métodos. Dessa maneira, as pessoas 
se apoderavam sem o menor escrúpulo das obras de 
outros, seja para transformá-las segundo seu próprio 
arbítrio, não recuando diante de nenhuma infideli­
dade, seja apossando-se delas, fazendo-se passar por 
seu autor. O caso é tão frequente que Charles Wibley 
não hesita em dizer: “Não parece que os elisabetanos 
tenham considerado o plágio como um pecado odio­
so. Se o tivessem feito, quem não teria sido declarado 
culpado?”15 Bem ao contrário, eles justificam esse pro­
cedimento invocando o exemplo dos romanos. Ao fa­
lar de sua tradução do De Officiis de Cícero, Nicholas 
Grimald afirma que ela é para ele o que são para Te- 
rêncio e Piau to as comédias que eles fizeram a partir 
do grego (“made out of Greek”) 16. Grande número de
Mireille Huchon, op. cit., p. 119.
Charles Whibley, CHEAL, vol. IV, 1, p. 28.
Ver Charles Whibley, CHEAL, vol. IV, 1, p. 28.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 39
sonetos elisabetanos foram “feitos” assim por Wyatt, 
Lodge, Spencer e tantos outros, sem que ninguém se 
opusesse: dessa maneira, era possível traduzir e trair 
na maior impunidade.
O termo “plágio” só vai se tornar pejorativo no 
século XVIII, “isto é, no momento em que a originali­
dade passa a ser um valor literário”17. Com efeito, as 
fronteiras entre imitação, tradução e adaptação variam 
conforme as épocas. A “infidelidade” é, então, uma 
noção absolutamente relativa. Não que os tradutores 
nunca tenham criado para si regras a esse respeito, 
justo o contrário: um dos primeiros teóricos da tradu­
ção durante o Renascimento é Etienne Dolet (a quem 
devemos a palavra francesa “traduction”, surgida em 
1540). Não que as traduções dessa época se equiva­
lham todas, sejam quais forem as liberdades tomadas 
em comparação com o original. Em contrapartida, se 
as medirmos pela “visada tradutória” (A. Berman) da 
época, elas têm a pretensão de se mostrar fiéis. E por 
isso que Chapman defende sua tradução da Ilíada e da 
Odisseia declarando: “If my countrey language were 
an usurer, hee would thanke me for enriching him ” 
(“Se a língua de meu país fosse um usurário, ele me 
agradeceria por tê-lo tornado mais rico”) 18. A exemplo 
do elogio feito por Montaigne a Amyot, Keats expri­
mirá sua admiração pela tradução de Chapman, que 
lhe abre o “domínio” (“demesne”) de Homero e “sua 
serena pureza” (“its pure serene”), no poema On first
Sophie Rabau, Llntertextualité. Paris: Flammarion, 2002, p. 237.
Apud Charles Whibley, CHEAL, vol. IV, 1, p. 26).
40 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
looking into Chapm an’s Homer (“vendo pela primeira 
vez o Homero de Chapman”), composto em 1816. Com 
efeito, o que vemos nas traduções da época é o inglês 
elisabetano se configurando diante de nossos olhos.
Poderíamos dizer a mesma coisa das traduções 
na França, assim como nos outros países na época do 
Renascimento. Trata-se da consequência do princípio 
que Amyot enuncia nos seguintes termos:O ofício próprio de um tradutor [...] não está apenas em ver­
ter fielmente a sentença de seu autor, mas também em incor­
porar a forma de seu estilo e sua maneira de falar19.
Não poderíamos exprimi-lo mais claramente: a 
“fidelidade”, necessária, não é suficiente. E indispen­
sável acrescentar-lhe a beleza, sem a qual a tradução 
estaria condenada à exclusão do campo das letras.
O que vale para a linguagem literária vale tam­
bém para a língua como um todo. Efetivamente, a tra­
dução permite a compreensão de um número maior de 
pessoas: Erasmo é o primeiro a desejar ver os textos 
sagrados traduzidos, Lutero será seu primeiro grande 
artesão. Lutero afirma, com efeito:
Não é às palavras da língua latina que devemos perguntar 
como se deve falar alemão, como fazem esses asnos; mas é 
à mãe em seu lar, às crianças nas ruas, ao homem do povo 
na praça do mercado que é preciso perguntar, lendo em seus 
lábios como eles falam, e é depois disso que se deve traduzir,
Apucl Edmond Cary, Les grands traducteurs français. 
Génève: Georg, 1963, p. 17.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 41
porque assim eles compreenderão e se darão conta de que
lhes estamos falando em alemão20.
A tradução da Bíblia por Lutero foi além disso: ela 
representa o registro de nascimento da língua alemã, 
o mesmo que Dante representa para a língua italiana.
Diferentemente de Dante, que defende a causa 
da expressão em “língua popular” em De vulgari elo- 
quentia (1303-1305) e no decorrer de sua obra, Lutero 
forja a língua alemã no decorrer da tradução: como se 
trata da Bíblia, é evidente que a parte de “invenção” 
pressuposta pela im itatio dos latinos não tem vez. 
Ninguém aventaria “transform ar” a palavra divina, 
algo que, à época, levava diretamente à fogueira, des­
tino reservado a Etienne Dolet, enforcado e queima­
do em 1546 na praça Maubert, em Paris. Poderíamos, 
consequentemente, pensar que a exigência de litera- 
lidade se situa acima de qualquer outra considera­
ção. Durante a maior parte da Idade Média, aliás, era 
essa a maneira mais difundida de traduzir os textos 
religiosos, mas também os textos seculares. O Renas­
cimento toma o partido contrário, por conta da falta 
de elegância das traduções feitas desse modo21. Como 
Lutero não desconhecia o preceito de são Paulo: “A 
letra mata, mas o espírito vivifica” (2 Coríntios 3,6), 
uma tradução “literal” não deveria se reduzir ao estri­
to palavra por palavra, como fazia são jerônim o. Com 
efeito, Lutero escreve em 1530: “Eu não me afastei
Apiul Henri van Hoof, Histoire de la traduction en Occident. 
Paris: Duculot, 1991, p. 214.
21 Ver Inès Oseki-Dépré, Théoiïes et pratiques de la traduction 
littéraire. Paris: Armand Colin, 1999, p. 23.
42 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
muito deliberadamente das letras, antes tomei o maior 
cuidado, no exame de uma passagem, para ficar tão 
próximo quanto possível dessas letras, sem delas me 
afastar muito livremente. [...] preferi forçar a língua 
alemã, antes que me afastar da palavra”22. Aspectos 
semelhantes aos que se reencontram em língua inglesa 
na Authorized Version.
Ela é publicada em 1611, mas, na realidade, é 
obra essencialmente de William Tyndale (enforcado e 
queimado por heresia em Antuérpia em 1536, onde se 
refugiara). Tanto quanto Lutero, ele tem a intenção de 
ser entendido por todos e, em vez de traduzir a partir 
da Vidgata, como Wyclif o fizera no caso da primeira 
Bíblia traduzida para o inglês e publicada em 1388, 
Tyndale consulta os textos originais hebraicos e gre­
gos. Tyndale considera que o grego está mais em har­
monia com o inglês do que com o latim (“The Greek 
tongue agreeth more with the English than with the 
Latin”); quanto ao hebraico, ele combina “mil vezes 
mais” com o inglês (“And the properties of the He­
brew tongue agreeth a thousand times more with the 
English than with the Latin”), apesar de que em “mil 
passagens” basta traduzi-lo “palavra por palavra” em 
inglês (“The m anner of speaking is both one, so that 
in a thousand places thou needest not but translate it 
into the English word for word”)23. O raio de influên­
cia da Authorized Version sobre a lingua e a literatura 
anglo-saxônicas é impressionante:
Ver Michel Ballard, De Cicerón à Benjamin, op. cit., p. 143.
Citado por Albert S. Cook, CHEAL, vol. IV, 2, p. 53.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 43
Sua ação sobre todo o povo é imensa. Sua prosa compacta, 
mais aproximada do estilo oral que dos escritos latinos, a 
riqueza de suas imagens, que um erro aqui e acolá transfor­
ma em singulares ou misteriosas, marcarão muitos produtos 
da imaginação em um país onde a vida será frequentemente 
ritmada por sua leitura cotidiana24.
A conclusão é automática: a Bíblia “autorizada” 
pelo rei James I é um monumento da literatura de lín­
gua inglesa.
Se olharmos para o Renascimento, até mesmo as 
traduções que precisaram ser mais fiéis têm a virtude de 
serem belas. Em matéria de tradução, os séculos XVII 
e XVIII porão as considerações estéticas em primeiro 
plano. Realmente, a relação com a língua não é mais 
a mesma: na França, é criada a Academia Francesa 
(1634) e, seguindo Malherbe, que sistematiza e apura 
o francês, Vaugelas define o que deve ser o “bom uso” 
do francês em suas Remarques sur la langue françai- 
se2\ Logo, ninguém se admirará ao ver as traduções se 
dobrarem ao gosto clássico e se transformarem em “Be­
las Infiéis”26. Desse modo, Nicolas Perrot dAblancourt, 
que entrou para a Academia em 1637, transforma auto­
res latinos, gregos ou espanhóis ao traduzi-los, mesmo 
que considere que aquilo que ele faz não é “propria­
André Maisonneuve, Littérature anglaise, in: Histoire des 
littératures, vol. II, editor: R. Queneau. Paris: Gallimard, 1968, p. 
:î74.
Ver Claude Ilagège, Le Français, histoire d ’un combat. Paris: 
Le Livre de Poche, 1996, p. 57s.
Ver Roger Zuber, Les Belles Infidèles et le goû t classique. Paris: 
Albin Michel, 1968.
44 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
mente tradução” porque “vale mais que a tradução, e os 
Antigos não traduziam de outro modo”27.
Na época das Belas Infiéis, também existem de­
fensores da fidelidade ao texto. E o caso de Lemaistre, 
que estabelece a seguinte regra:
A primeira coisa a que é preciso estar atento lia tradução 
francesa: é ser extremamente fiel e literal, isto é, exprimir 
em nossa língua tudo o que está em latim e vertê-lo tão bem 
que se, por exemplo, Cícero falasse nossa língua, ele teria 
falado do modo como o fazemos falar em nossa tradução28.
A fidelidade e a literalidade estão subordinadas 
ao respeito ao estilo da língua clássica: não se trata 
mais de a tradução “enriquecer”, como no século ante­
rior, a língua francesa, que nessa época já fora promo­
vida à categoria de modelo insuperável do bom gosto.
O fosso entre os adeptos da tradução literal e os 
adeptos da tradução “livre” irá se aprofundando, até che­
gar à polêmica que oporá, no século XVIII, Mme. Dacier 
e Antoine Houdar de la Motte, polêmica que posterior­
mente será chamada de segunda querela dos Antigos e 
dos Modernos29. Seria bastante difícil criticar Houdar 
de la Motte por seguir Homero ao pé da letra, nem na 
mais ampla escala: sua Illade en vers français (“Ilíada em 
versos franceses” — o canto I foi publicado em 1701, os 
outros em 1714) desbasta alegremente o texto homéri­
co, que passa de vinte e quatro para doze cantos, com
27 Citado por F. Horguelin, Anthologie de la manière de tradui­
re. Domaine français. Montreal: Linguatech, 1981, p. 94.
28 Citado por Inès Oseki-Dépré, op. cit., p. 33.
Ver George Mounin, Les Belles Infidèles (1955). Lille: PUL, 1994.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 45
a supressão das passagens qualificadas de supérfluas ou 
inconvenientes. Ele também não hesita em introduzir 
comentários de sua própria lavra, ou até em modificar o 
conteúdo ou a trama dos episódios, entre outras coisas30. 
Houdar de la Motte distingue as traduções “literais”, 
como a que foi feita, em prosa, por Mme. Dacier (1711), e 
as “imitações elegantes”, que “ficam a meiocaminho en­
tre a tradução simples (literal) e a paráfrase”31. Homero 
situa-se, segundo ele, muito longe das normas clássicas 
para ser “traduzido” de outra maneira.
Se, por comparação, a tradução de Mme. Dacier 
pode, sem grandes prejuízos, ser chamada de mais literal, 
falta muito para ela ser totalmente literal. Basta para isso 
cotejar a tradução de Leconte de Lisle (1967) de uma pas­
sagem do canto III (cena entre Páris e Helena) e a dela:
Vem! Deitemo-nos e amemo-nos.
O desejo nunca me fez arder assim, 
mesmo quando navegando ein minha 
nave rápida, depois de te ter tirado 
da feliz Lacedemônia, eu me uni 
em amor contigo na ilha de Kranaé, 
de tanto que amo agora e estou 
tomado de desejos. Ele falou assim e 
caminhou para seu leito, e a esposa 
o seguiu, e eles se deitaram no leito 
bem construído.
Leconte de Lisle32
E só pensamos em 
prazeres... Na ilha 
de Kranaé, você 
voluntariamente 
consentiu me tomar 
como marido... E me 
falando assim, ele 
se levantou para ir 
a outro aposento, e 
Helena o seguiu.
Mme. Dacier™
30 Ver Gérard Genette, Palimpsestes. La littérature au second de­
gré. Paris: Le Seuil, 1982, p. 442s.
31 Apud Gérard Genette, ibidem, p. 443.
32 Apud Inès Oseki-Dépré, op. cit., p. 17.
33 Ibidem.
46 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
Se as transformações introduzidas por Mme. Da- 
cier hoje nos parecem tão estranhas e as de Houdar de 
la Motte tão extravagantes, é porque elas não seriam 
mais consideradas traduções propriamente ditas, e sim 
adaptações. A linha divisória entre esses dois campos 
deslocou-se posteriormente, tornando impensável que 
alguém busque, por meio da tradução, “embelezar” ou 
“corrigir” as faltas de estilo pretensamente presentes 
em Homero, porque isso passou a ser considerado 
como um atentado à obra em si.
3. A época contemporânea
Em 1680, em seu prefácio às O vid’s Epistles34, 
Dryden dá uma definição decididamente moderna de 
tradução, em sua rejeição da imitação.
Dryden distingue três formas de tradução: a 
primeira é a tradução literal (que ele chama de “me- 
táfrase”); a segunda é a tradução propriamente dita 
(inicialmente chamada de “paráfrase”, mas rebatiza- 
da simplesmente de “tradução” no prefácio de 1697 a 
suas traduções de Virgilio35); a terceira, a “imitação” 
(posteriormente chamada de “paráfrase”).
A tradução literal é rechaçada por referência a 
Horácio e a seu “nec verbum curabis reddere, fidus
34 Dryden, Preface to Ovid’s Epistles, in: Dryden. A Selection, 
editado por John Conaghan. Londres: Methuen, 1978, p, 569-574.
35 Ver George Steiner, Après Babel. Une poétique du dire et de 
la traduction, trad.: Lucienne Lotringer. Paris: Albin Michel, 1978 
(After Babel Aspects of Language and Translation. Oxford: OUP, 
1975; ed. br.: Depois de Babel — Questões de linguagem e tradução, 
trad.: C. A. Faraco. Curitiba: Editora UFPR, 2005), p. 241.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 47
interpres”, que ele cita na tradução feita por Roscom­
mon (“Nor word for word too faithfully translate”), 
ela própria ilustração da melhor e única maneira ver­
dadeira de traduzir, a segunda, que consiste em se con­
centrar mais no sentido do que nas palavras.
A imitação consiste em tomar a liberdade de não 
reproduzir nem as palavras, nem o sentido, mas “se 
autores [...] são tratados dessa maneira, não podemos 
mais dizer que ainda se trate de suas obras”, porque 
isso equivale a substituir o original “por algo de novo, 
que é quase a criação de algo diverso”36.
Isso significa assinar a sentença de morte das Be­
las Infiéis.
Uma reviravolta de perspectiva, na verdade, vai 
se operando progressivamente:
A questão da pertinência do texto literário, a valorização da 
individualidade e da originalidade na criação artística são o 
resultado de uma estética romântica que remonta ao fim do 
século XVIII37.
De imediato, a imitação, mesmo leve, surge como 
um travestimento, o que Montesquieu ridiculariza em 
suas Cartas persas:
As traduções são como essas moedas de cobre que têm o 
mesmo valor de uma moeda de ouro [...] mas elas são sempre 
frágeis e de má qualidade38.
Isso é a inversão da metáfora do enriquecimento 
usurário da língua pelo viés da tradução utilizada por
Dryden, op. cit., p. 572 (nossa tradução).
Sophie Rabau, op. cit., p. 145.
Carta CXXVIII, citada por Inês Oseki-Dépré, op. cit., p. 35.
48 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
Chapman na época de Shakespeare: a depreciação do tex­
to traduzido em comparação com o “original” é evidente.
O movimento de pêndulo no rumo da imitação 
estava concluído; ele passará a vir no rumo oposto 
no século XIX, o século das traduções literais. A mais 
marcante é a tradução de Paraíso perdido, de Milton, 
feita por Chateaubriand em 1836 e que em suas Ob­
servações indica sua recusa em efetuar uma tradução 
“elegante”, acrescentando imediatamente:
E uma tradução literal na mais forte acepção do termo a que 
eu empreendi, uma tradução cujo texto uma criança ou um 
poeta poderão seguir, linha a linha, palavra a palavra, como 
um dicionário aberto diante de nossos olhos39.
Ninguém conseguiria ser mais explícito.
“Eu decalquei Milton num espelho”, diz ele em 
uma formulação marcante. Mas trata-se realmente, 
como pretende Chateaubriand, de uma tradução “pa­
lavra por palavra”? A resposta é não. Para convencer- 
-nos disso, basta comparar um extrato do original como
His spear, to equal which the tallest pine, / Hewn on Norwe­
gian hills to be the mast / Of some great ammiral, were but a 
wand, / He walk’d with to support uneasy steps / Over the 
burning marie [...]
com o texto de Chateaubriand:
A lança de Satã (perto da qual o mais alto pinho cortado nas 
colinas da Noruega para ser o mastro de alguma grande nau
Citado por Antoine Berman, Chateaubriand traducteur de 
Milton, in: A. Berman et alii, Les tours de Bahel. Mauvezin: Trans- 
-Europ-Repress, 1985, p. 115.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 49
almiranta não passaria de um junco) serve-lhe para firmar 
seus passos inseguros na marga ardente [...]40.
Uma tradução palavra por palavra, ao alcance de 
qualquer pessoa munida de um dicionário, daria:
Sua lança, para igualar a qual o mais alto pinho / cortado nas 
norueguesas colinas para ser o mastro / de alguma grande nau 
almiranta, não passaria de uma varinha, / Ele andava com 
ela para apoiar seus penosos passos / Pela marga ardente [...].
A tradução de Chateaubriand vai muito além 
de um palavra por palavra mecânico, como se vê na 
tradução da Ilíada e da Odisseia, realizada mais tar­
de por Leconte de Lisle, “graças à literalidade mais 
escrupulosa”41. Na verdade, o empreendimento de 
Chateaubriand aproxima-se da terceira modalidade de 
tradução, distinguida por Goethe no D ivã ocidental- 
-oriental (1819) e que ele considerava a mais superior.
Na época dos românticos alemães, a tradução de­
sempenha um papel comparável ao que ela desempe­
nhou na Antiguidade em Roma ou no Renascimento 
no Ocidente42. Goethe distingue um ciclo de três tipos 
de tradução. O primeiro se limita a transm itir a obra tal 
como ela se encontra na língua original; é o que teria 
feito Lutero ao traduzir a Bíblia. O segundo apresenta 
a obra de tal maneira que ela parece ter sido composta 
na língua da cultura receptora, a exemplo das elegantes
Citado por George Steiner, op. cit., p. 295-296.
Citado por Robert Larose, Théories contemporaines de la tra­
duction. Sillery: Presses de l’Université du Quebéc, 1989, p. 9.
Ver Antoine Berman, L’Epreuve de l ’étranger. Culture et tra­
duction dans l ’Allemagne romantique. Paris: Gallimard, 1984.
50 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
traduções à francesa, quando a tradução vem a subs­
tituir o original. Na Alemanha, Wieland é o perfeito 
exemplo disso. O terceiro tipo é uma síntese dos dois 
tipos anteriores. A tradução, nesse caso, não está mais 
“no lugar do” (“anstatt”) original, mas em seu lugar 
próprio (“an der Stelle”) no seio da língua tradutora, 
permitindo assim transferir o original de uma língua 
para outra. E quando se produz um cruzamento entreas duas línguas, um tertium quid. Chateaubriand pro­
cede assim. Ele traduz: “Many a row / Of starry lamps 
[...] yielded light / As from a sky” (livro I, 727-730) 
por: “Várias fileiras de lâmpadas estreladas... emanam 
a luz como um firmamento”43, sabendo pertinente­
mente que “um firmamento não emana a luz , a luz 
emana de um firmamento; mas traduza assim e o que 
se torna a imagem? Pelo menos o leitor penetra aqui 
no gênio da língua inglesa”44. Para Goethe, a tradução 
pode então ser “idêntica” ao original.
A terceira modalidade de tradução é a melhor, 
segundo Goethe, mas é também aquela que encontra 
a maior resistência entre os leitores, que se aborrecem 
com expressões idiomáticas estrangeiras: as versões 
da Odisseia (1781) e da Ilíada (1793) efetuadas por 
Johann Heinrich Voss foram, de início, acolhidas com 
ceticismo, antes de passarem a ser consideradas como 
grandes traduções. E necessário acrescentar que as 
traduções, ainda mais literais, de Hõlderlin tiveram 
de esperar o século XX para serem reconhecidas por
Citado por George Steiner, op. cit., p. 295.
Citado por George Steiner, op. cit., p. 295.
HISTÓRIA DA TRADUÇÃO 51
seu justo valor. Tanto quanto em Roma ou na época 
do Renascimento, a tradução “literal” era considerada 
como o meio de enriquecer a língua, a literatura e a 
cultura da Alemanha, permitindo assim “fecundar o 
Próprio pela mediação do Estrangeiro”45.
Robert Larose fazia o balanço seguinte:
Competirá ao século XX fazer a distinção entre o que Mou- 
nin chama os vidros coloridos (tradução literal) e os vidros 
transparentes (tradução livre). “A letra mata e o espírito 
vivifica”, dizia Voltaire. O século XX marca, com efeito, a 
vitória do espírito sobre o literalismo do século anterior46.
E nos dias de hoje, o que ocorre? Essa afirmação 
vai ser ainda mais fortemente matizada.
Primeiramente porque ainda encontramos no sé­
culo XX e no século XXI adeptos do “literalismo” na 
linha dos românticos alemães, como Antoine Berman, 
Henri Meschonnic ou Jacqueline Risset; depois porque 
tradutores (quase sempre teóricos) como Ezra Pound, 
Octavio Paz, Haroldo de Campos ou Efim Etkind, por 
considerarem a tradução como uma forma de “recria­
ção” literária, deveriam ser classificados na categoria 
da “imitação” no sentido em que Dryden a entendia.
Se é que podemos falar de vitória, temos m ani­
festamente, se não prestarmos maior atenção, a vitória 
do “Próprio” sobre o “Estrangeiro”: a tradução repre­
senta apenas de 2 a 4 % das obras publicadas nos Esta­
dos Unidos ou na Grã-Bretanha, enquanto representa
45 Antoine Berman, L’Épreuve de l ’étranger, op. cit., p. 16.
46 Robert Larose, Théories contemporaines de la traduction, op. 
cit., p. 9.
52 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
8 a 12% na França, em torno de 14% na Alemanha, 
chegando a 25 % na Itália e a 39 % no Brasil. Contudo, 
o inglês é, desde o final da Segunda Guerra Mundial, 
a língua mais traduzida no mundo. O desequilíbrio é 
flagrante117, e é ainda mais agravado pelo fato de que a 
tradução no mundo anglo-saxônico (menos em outros 
lugares, mas essa é a tendência dominante) obedece a 
normas de legibilidade e de elegância que devem dar ao 
leitor a impressão de que aquilo que ele está lendo foi 
escrito diretamente na língua tradutora. Essa “transpa­
rência” reforça ainda mais o efeito uniformizador do 
etnocentrismo, em detrimento das demais culturas. A 
tradução é, nesses tempos de globalização, uma ques­
tão que não deveria deixar ninguém indiferente.
Em contrapartida, existe uma vitória com a qual 
podemos nos alegrar: o século XX marca o surgimento 
das primeiras verdadeiras teorias da tradução, e sua 
influência só aumenta nos mais diversos países. Esta­
mos mais bem apetrechados para compreender a tra­
dução e seus desafios.
Ver Lawrence Venuti, The Translator’s Invisibility. Londres: 
Routledge, 1995, p. 12-14.

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