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Tradução - História, Teorias e Métodos

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CAPÍTULO I:
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, 
UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO
A torre de Nimrud foi construida de palavras. 
George Steiner, Language and Silence, 1966
1. Babel e a diversidade das línguas
Estima-se que atualmente se falem mais de 6.000 
línguas. Há quem diga que são menos, mas isso faz 
pouca diferença: seu número exato é tamanho que se­
ria quimérico pretender aprender todas elas. A torre 
de Babel constitui a figura emblemática dessa profu­
são, para além de suas diversas representações pictó­
ricas, e mesmo que a torre tenha realmente existido 
em Babilônia (seus vestígios ainda são visíveis no Ira­
que), um mito é feito de palavras. No livro do Gênesis 
(11,9), o relato se conclui assim:
Iáhweh os dispersou de lá para toda a superfície da terra, e eles 
pararam de constmir a cidade. Foi assim que passaram a chamá- 
-la de Babel, porque foi lá que Iahweh confundiu a linguagem de 
todos os habitantes da terra e foi lá que ele os dispersou por toda 
a superfície da terra
1 La Bible de Jérusalem. Paris: Editions du Cerf, 1998. Há edi­
ção brasileira: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
12 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
Em parte alguma, encontraremos referência à 
tradução, mas ler a Bíblia a pressupõe: raros são os lei­
tores capazes de ler o Antigo Testamento “no texto”, 
isto é, em hebraico.
E impossível falar de tradução deixando de levar 
em consideração os textos bíblicos, seja-se ou não cren­
te, especialmente porque eles foram e continuam a ser, 
de longe, o objeto do maior empreendimento de tradu­
ção na história da humanidade: atualmente, a Bíblia está 
traduzida em 2.233 línguas. Nenhum outro texto de 
igual importância é enunciado em tantos idiomas. A di­
versidade das línguas, é preciso ainda superpor a diver­
sidade de versões: mesmo que tenhamos tomado como 
referência a Bíblia deJerusalém, existem muitas outras.
Independentemente da dimensão religiosa, a tra­
dução da Bíblia faz surgirem três dados fundamentais 
que se aplicam a toda modalidade de tradução. Para co­
meçar, a questão, evidente, da mudança de língua: tra­
duzimos porque a língua original não é ou não é mais 
compreendida. Se, no século III a.C., a colônia judaica 
de Alexandria traduz para o grego a Bíblia dos Setenta 
é para torná-la acessível ao maior número possível, o 
que implica recorrer à língua dominante da época.
E por razões análogas que o Novo Testamento será 
redigido em grego e não na língua do Cristo, o aramaico. 
Inteiramente traduzidos ou redigidos em grego, os textos 
bíblicos serão, por sua vez, traduzidos para o latim, que 
se tornara a língua dominante da cristandade.
A primeira função da tradução é, então, de or­
dem prática: sem ela, a comunicação fica comprome­
tida ou se torna impossível. Vemos imediatamente
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 13
todo o proveito que podemos extrair dessa faculdade: 
os intérpretes tinham o status de príncipes no Egito, 
em razão da importância primordial que eles podiam 
assumir em matéria de diplomacia.
Em contrapartida, podemos compreender por 
que a tradução pode se revelar, na plena acepção do 
termo, como a condição de sobrevivência de uma lín­
gua. Se a pedra de Roseta não contivesse a tradução de 
um texto redigido em hieróglifos e em demótico (uma 
versão simplificada dos hieróglifos) para uma língua 
conhecida, o grego, Champollion não teria chegado a 
decifrá-los, e a língua dos faraós teria permanecido, 
sem dúvida, tão impenetrável quanto a dos etruscos. 
Uma língua que não se consegue mais traduzir é uma 
língua morta, antes de a tradição vir a ressuscitá-la.
O segundo aspecto a considerar é a questão da 
língua — nesse caso específico, das línguas em pre­
sença. Não é a mesma coisa traduzir do hebraico, 
língua camito-semítica, para o grego, língua indo-eu- 
ropeia, ou do grego para o latim, línguas pertencen­
tes à mesma família, ou do espanhol para o francês, 
mesmo que o mecanismo de base permaneça o mes­
mo. E desse modo que, em Jona et le signifiant errant, 
Henri Meschonnic nos fornece a retranscrição do ori­
ginal hebraico “mechamrim / havlé-chav / / / hasdam 
/ y a ’zóvu” (Jonas 2,9) e sua tradução literal: “Guar­
diões orvalhos-vaidades sua piedade abandonarão”2,
Henri Meschonnic, Jona et le signifiant errant. Paris: Galli­
mard, 1981, p. 73.
14 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
tradução que pressupõe claramente o conhecimento 
do hebraico, mas que vai dar, em português, num dis­
parate. A Bíblia de Jerusalém traduz: “Os que servem 
a vaidades, é sua bênção que eles abandonam”. Po­
deríamos perfeitamente multiplicar os exemplos nos 
quais o “decalque” de uma língua sobre outra dá um 
resultado absurdo, quaisquer que sejam as línguas 
consideradas, sejam elas próximas ou distantes. Sem 
dúvida, é infinitamente mais difícil para um falante do 
português brasileiro ou do francês aprender o hebrai­
co do que o inglês ou o espanhol, mas a tradução não 
poderia ser reduzida, como vemos frequentemente, a 
essa única dimensão linguística. Segundo essa concep­
ção, bastaria ser, ao mesmo tempo, um bom linguista 
para conhecer a “língua de partida” (o hebraico, ou 
qualquer outra língua) e dominar suficientemente a 
“língua de chegada” (em nosso caso, o português bra­
sileiro) para chegar a uma tradução que representa o 
original sob uma forma equivalente, sem considerar a 
diferença das línguas. Trata-se de uma condição ne­
cessária, mas não suficiente.
Com efeito, à função comunicativa da tradução 
e a sua dimensão linguística acrescenta-se um tercei­
ro fator, vinculado aos anteriores, o da pluralidade 
das versões de um mesmo texto. O exame de outras 
traduções dadas por Iienri Meschonnic dá testemu­
nho disso. Além da tradução da Bíblia de Jerusalém, 
ele cita a do rabinato francês, sob a direção de Zadoc 
Kahn (1899): “Aqueles que reverenciam ídolos m en­
tirosos fazem pouco de sua salvação”; a de Louis Se- 
gond (1910): “Aqueles que se apegam a ídolos vãos /
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 15
Afastam de si a misericórdia”; a tradução dirigida por 
Édouard Dhorme para “La Plêiade” (1969): “Aqueles 
que reverenciam os ídolos vãos, / abandonam sua pie­
dade”; a da Tradução Ecumênica da Bíblia (1975): 
“Os fanáticos pelos ídolos vãos, / que renunciem a sua 
devoção!”. Por fim, duas traduções deliberadamente 
mais próximas da formulação hebraica, a de Choura- 
qui (1976): “Os conservadores das fumaças do pro­
blema sua dileção abandonam”, e a do próprio Henri 
Meschonnic (1981), cuja disposição gráfica busca re­
produzir a poética do ritmo do original:
“Sentinelas de vento vapores
Sua fé abando­
narão”.
Não é à luz de considerações de ordem unica­
mente linguística que podemos distinguir as versões 
entre si: não é quem quer que pode se lançar à tradu­
ção da Bíblia. A competência dos tradutores não está 
em causa na multiplicação das variantes.
Realmente, essas variações são impressionantes, 
como também destaca Julien Green, escritor e po­
liglota. Ele registra em Le langage et son double que, 
ali onde a Vulgata de são Jerônimo trazia: “Nam et 
si ambulavero in medio umbrae mortis, non timebo 
mala” (Salmo 23,4), que ele traduz como: “E mesmo 
que eu ande em meio às sombras da morte não temerei 
mal algum”, a Bíblia de Lutero dá: “Und ob ich schon 
wanderte im finster Tal, fürchte ich kein Unglück” (“E 
mesmo que eu vague pelo vale das trevas não temerei 
mal algum”), enquanto a Authorized Version traduz 
por: “Yea, though I walk through the valley of the sha-
16 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
dow of death, I will fear no evil” (“Sim, mesmo que eu 
ande no vale da sombra da morte, não terei medo do 
mal”). A versão latina contém “a sombra da morte”, 
mas não “o vale”, a versão alemã contém o “vale”, mas 
não “a sombra da morte”, enquanto a versão inglesa 
contém os dois3.
Diante dessas diferenças, podemos adotar várias 
atitudes. A primeira consiste em concluir pela intra- 
duzibilidade radical de toda língua por outra. Paraos 
muçulmanos do mundo inteiro, o Corão não deveria 
ser traduzido: ele deve ser lido na língua original, seja 
o leitor falante do árabe ou não. Podemos também 
concluir pela relativa intraduzibilidade das línguas: 
traduzir é, forçosamente, trair, para retomar o adágio 
italiano traduttore, traditore. A tradução arrisca-se, 
assim, a ser considerada como um mal menor, m an­
tendo-se a consulta direta ao original como melhor 
que qualquer outra forma de acesso, mesmo quando 
existam traduções que todos concordem em classifi­
car como excelentes. Uma terceira solução consiste 
em inverter a interpretação habitual do mito de Babel 
e em ver na diversidade das línguas qualquer coisa, 
menos um dado negativo.
2. Línguas e visões do mundo
“Jamais deveríamos calar a questão da língua na 
qual se põe a questão da língua e se traduz um discurso
3 Julien Green, Le langage et son double. Paris: Le Seuil, 1987, 
p. 184-187.
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 17
sobre a tradução”, diz Jacques D errida4. A questão da 
língua é, realmente, determinante, em vários sentidos. 
Na Escócia, no século XVI, ao lado do gaélico, a língua 
nacional era o escocês (língua falada ainda hoje, que 
está para o inglês assim como o português está para o 
espanhol ou o holandês para o alemão, ou até mesmo
o dinamarquês para o sueco) e que desfrutava de um 
prestígio comparável pelo menos ao do inglês britâni­
co até a introdução, em 1560, da Bíblia traduzida por 
protestantes ingleses refugiados em Genebra. A tra­
dução para o escocês veio tarde demais. E essa foi sua 
perdição5: ele figura no Bureau européen des langues 
moins répandues [European Bureau for Lesser-JJsed 
Languages (EBLUL)] entre as línguas “m inoritárias” 
(1.500.000 falantes), enquanto, se as coisas tivessem 
se desenrolado de outro modo, teria, não há dúvida, 
permanecido como “majoritário” (o gaélico, sim, está 
em vias de extinção: 67.000 falantes em 1991, 55.000 
em 2001): o escocês não estaria listado entre as cerca 
de cinquenta línguas que devem ser protegidas no seio 
da União Europeia. Se o impacto da tradução, às ve­
zes, se apresenta como salvador, sua ausência é quase 
sempre fatal, o que representa um problema de vulto 
quando pensamos que 96 % das línguas existentes são 
faladas por apenas 4% da população do globo. As ex­
pressões “língua majoritária” e “língua m inoritária”
4 Jacques Derrida, Des tours de Babel, in: Difference in Trans­
lation. Org.: Joseph F. Graham. Ithaca: Cornell University Press, 
1985, p. 210.
5 Ver Tom McArthur, The Status of English in and furth 
of Scotland, in: A. J. Aitken, T. McArthur (orgs.), Languages of 
Scotland. Edirnburgo: Chambers, 1979.
TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
são completamente relativas: a equação pode muito 
bem se inverter, a depender da época considerada. O 
contraste oferecido pelas línguas célticas a esse respei­
to é surpreendente, quando recordamos que no século
I a.C. elas se estendiam pela maior parte do continente 
europeu, atingindo até a Ásia M enor6. Por isso, antes 
de dar exemplos em línguas majoritárias, e até mesmo 
internacionais, como o francês ou o inglês, a seguinte 
pergunta, feita pelo escritor italiano Andrea Camille- 
ri, merece ser respondida em um quadro mais geral:
[...] será que não sobreviveu um único tradutor, um só intér­
prete dessas línguas desaparecidas, alguém que pudesse con­
tar aos outros o que essas palavras significavam para aquele 
que as pronunciava?7
E exatamente essa a pergunta inicial que todo 
leitor de uma tradução está no direito de fazer, a per­
gunta pela diferença que distingue o original do tex­
to traduzido. Se a tradução da Bíblia suscita tantos 
problemas de interpretação e de variantes, o que di­
zer de outras formas de textos? As divergências não 
serão menores quando as línguas em presença forem 
da mesma família? Uma tradução é capaz de evocar a 
mesma coisa que o original? São todas interrogações 
que exigem que comecemos pela questão da língua, 
avançando depois também pela questão das línguas.
Com efeito, uma língua, a exemplo da torre de 
Babel, não é feita exclusivamente de palavras: cada
Ver Henriette Walter, L’aventure des langues en Occident. Pa­
ris: Robert Laffont, 1994, p. 66-67.
Andrea Camilleri, Le destin de Babe). Courrier internatio­
nal, n° extra, março-abril-maio de 2003, p. 12.
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 19
uma encerra uma “visão” de mundo própria (“Welt- 
ansicht”), concepção elaborada por Wilhelm von 
Humboldt no século XIX e retomada por Edward Sa- 
pir e Benjamin Lee W horf no século seguinte e que 
veio a dar naquela que costumamos chamar a hipótese 
“Sapir-Whorf”8.
O exemplo tipo para ilustrar o “recorte” específi­
co que toda língua efetua sobre o “real” é o das cores. 
Ao termo português “azul” o russo faz corresponder 
“goluboj” (“azul-claro”) ou “sinij” (azul-escuro”); por 
sua vez, nas línguas célticas, a “verde” e a “azul” cor­
responde apenas um termo, “glas”. E é fato que aquilo 
que se aplica ao léxico das cores aplica-se ao conjunto 
da língua. A incidência disso sobre a tradução é evi­
dente: se Marie Bonaparte traduz por L ’inquiétante 
étrangeté o texto de Freud intitulado Das Unheimli- 
che, isso não está desvinculado do fato de que Freud 
indica não ter encontrado equivalente exato em latim, 
em grego, em inglês, em francês, em espanhol, regis­
trando que o português e o italiano se contentam com 
“perífrases”, que em árabe e em hebraico “unheim li- 
ch” coincide com o demônico (“dámonisch”), aquilo 
que causa calafrios [“schaurig”]. Ele conclui: “Chega­
mos até a pensar que, em muitas línguas, essa nuance 
do aterrorizante não existe”9.
Em chinês, “China” se diz “zhõngguó”, mas um 
sinófono pode aqui reconhecer as palavras “zhõng”
Ver Benjamin Lee Whorf, Language, Thought and Reality. 
Cambridge (Mass.): The MIT Press, 1956.
Sigmund Freud, Das Unheimliche and andere Texte / 
L’inquiétante étrangeté et autres textes, trad.: F. Cambon. Paris: 
Gallimard, 2001, p. 34-37.
20 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
(meio) e “guó” (“país”): a China é “o país do Meio” 
ou, como se dizia na época da China Imperial, “o im­
pério do Meio”. O poder de evocação de “China” e de 
“zhõngguó” não é, então, completamente semelhan­
te. Jacques Derrida assinala, mas em um quadro de 
análise diferente, que “Babel” não é apenas um nome 
próprio, porque ele também significa “confusão”, e 
também pode ser lido como “ba” (“pai”) e “bei” (“ci­
dade”): Babel, mas também confusão, cidade do pai, 
cidade de Deus Pai10. Temos aqui algo bem diferente 
de uma mera questão vocabular.
Em um artigo célebre, Emile Benveniste demons­
trou que as categorias de Aristóteles, enquanto “cate­
gorias de pensam ento”, são manifestamente o espelho 
das categorias da língua grega:
Ele pretendia definir os atributos dos objetos; ele só estabe­
lece seres linguísticos: é a língua que, graças a suas próprias 
categorias, permite reconhecê-los e especificá-los11.
Quanto à noção do “ser”, ela foi construída a par­
tir de um verbo grego, igualmente presente nas outras 
línguas indo-europeias. Mas o que teria acontecido, 
questiona-se Emile Benveniste, se Aristóteles tivesse 
se expressado em uma língua semelhante ao jeje, fa­
lado no Togo e no qual o verbo “ser” se divide entre 
cinco verbos, “nyê”, “le”, “wo”, “fa” e “di”, que ge­
ralmente nada correlaciona no seio dessa língua? Isso
10 Des tours de Babel, op. cit., p. 210-211.
Émile Benveniste, Catégories de pensée et catégories de lan­
gue, in: Problèmes de linguistique générale, t. 1. Paris: Gallimard, 
1966, p. 70.
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 21
não quer dizer que Aristóteles não teria conseguido 
conceber sua filosofia se o grego obedecesse a outras 
estruturas, mas que ela teria tomado caminhos dife­
rentes: a língua dá forma ao pensamento.
Portanto, a língua não é um simples instrum en­
to, uma operação intransitiva entre o pensamento e 
sua expressão. Tomar consciência dessa densidadeda língua certamente não estava ao alcance da Grécia 
antiga, visto que ela possuía uma “visão de m undo” 
essencialmente monolíngue, como indicado pela eti­
mologia de “bárbaro”: aquele que pronuncia sílabas 
incompreensíveis (“bar-bar”) porque fala uma língua 
estrangeira. Não que os gregos não tivessem tido con­
tatos com outras línguas, mas simplesmente porque 
eles consideravam sua própria língua como superior a 
todas as demais. Outra razão, mais fundamental, é que 
há a tendência de cada um identificar sua língua com 
a realidade, algo que André M artinet nos leva a obser­
var12, o que explica que tenha sido necessário esperar 
o fim do século XIX para ver surgir uma disciplina que 
se atribui a língua como objeto de estudo autônomo e 
para chegar ao Curso de linguística geral de Ferdinand 
de Saussure, publicado em 1916, depois de sua morte13. 
E mais fácil tomar consciência desse etnocentrismo 
linguístico quando entramos em contato com línguas 
e culturas distanciadas das nossas, como o basco ou o
André Martinet, Éléments de linguistique générale. Paris: Ar­
mand Colin, 1980, p. 2.
Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale, edi­
tado por Tullio de Mauro. Paris: Payot, 1982. Há edição brasileira: 
Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006. Doravante cita­
do abreviadamente como CLG.
22 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
kavi (língua malaio-polinésia) no caso de Wilhelm von 
Humboldt, figura emblemática dessa posição.
Ao retomar uma distinção aristotélica, W. von 
Humboldt insiste no fato de que a língua não é um “er- 
gon” (raiz indo-europeia “*werg”, que encontramos 
no inglês “w ork”: “uma obra realizada”), mas uma 
“energeia” (“uma atividade em vias de se fazer”)14. As 
concepções humboldtianas têm implicações epistemo­
lógicas e filosóficas consideráveis, que transbordam o 
quadro da presente obra, mas têm também repercus­
sões não menos essenciais para a tradução.
A mais fundamental é, não há dúvida, a seguin­
te: não existe tradução “neutra” ou “transparente” 
através da qual o texto original apareceria idealmen­
te como em um espelho, identicamente. Por isso, aqui 
não há espaço para “decalque”, em razão do próprio 
trabalho (“energeia”) da língua, seja aquele que se 
opera 110 interior da língua “tradutória” ou aquele que 
se produz no próprio seio da língua original. Desse 
ponto de vista, escrita e tradução devem ser situadas 
exatamente no mesmo patamar.
Em Crise des vers, Mallarmé diz: “Sendo as lín­
guas imperfeitas pelo fato de serem muitas, falta a su­
prema”. E adiante, ele acrescenta:
A diversidade, na terra, dos idiomas impede toda pessoa de 
proferir as palavras que, de outro modo, se encontrariam, por 
uma cunhagem só, ela-mesma materialmente a verdade15.
14 Wilhelm von Humboldt, Sur le caractère national des langues 
et autres écrits sur le langage, editado por D. Thouard. Paris: Le 
Seuil, 2000, p. 171.
15 Stéphane Mallarmé, Œuvres complètes. Paris: Gallimard, 
1945, p. 363-364.
D IVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 23
Portanto, não deveríamos censurar a tradução 
pelo fato de ela proceder a todo um conjunto de trans­
formações: isso está na própria natureza da linguagem.
3. A tradução, operação fundamental 
da linguagem
Em um artigo fundamental, “Aspectos linguís­
ticos da tradução” — o título exato em inglês é “On 
Linguistic Aspects of Translation” —, Roman Jakob- 
son atribui à tradução um valor primordial que até 
então geralmente passava despercebido. Para chegar 
a isso, ele distingue três espécies de tradução: a “tra­
dução intralingual” ou “reformulação” (em inglês, 
“rewording”); a “tradução interlingual”, de uma para 
outra língua, ou “tradução propriamente dita”; a “tra­
dução intersemiótica”, que “consiste na interpretação 
dos signos linguísticos por meio de sistemas de signos 
não linguísticos”16. De fenômeno marginal, a tradução 
passou a ocupar um lugar central: “Tanto para o lin­
guista quanto para o usuário comum da linguagem, o 
sentido de uma palavra não é nada além de sua tradu­
ção por outro signo que possa substituí-lo”17.
A terceira modalidade de tradução supõe um exa­
me à parte: ela será examinada no capítulo VI. Contu­
do, convém esclarecer desde já vários pontos. Roman
Roman Jakobson, Aspects linguistiques de la traduction 
(1959), in: Essais de linguistique générale, trad. Nicolas Ruwet. Pa­
ris: Éditions de Minuit, 1963, p. 71-86.
17 Ibidem, p. 79.
24 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
Jakobson parece limitar seus exemplos ao domínio 
artístico, onde a “transposição criadora” permitiria 
passar “da arte da linguagem à música, à dança, ao 
cinema ou à pintura”18.
Essa não é uma extensão abusiva da noção de tradu­
ção? Começaremos dizendo que esse conceito tem valor 
operacional claro. Por meio dele, a obra Ponto e linha sobre 
plano, de Kandinsky, pode ser lida como um verdadeiro 
tratado de “tradução intersemiótica”: o termo “tradução” 
é utilizado várias vezes para estabelecer correspondên­
cias, esquemas de apoio, entre as diferentes artes19.
Mais fundamentalmente, podemos nos interro­
gar sobre o fato de saber se todo sistema de signos não 
é, por sua própria natureza, intersemiótico. Ao postu­
lar que o sentido de um signo é sua tradução por outro 
signo, pouco importa que ele seja visual (língua escri­
ta ou “língua de sinais”), fonética (língua oral), tátil 
(alfabeto braile) etc., isto é, ele é resultante de vários 
sistemas de signos ao mesmo tempo.
Essa terceira dimensão, sempre presente, aparece 
com uma intensidade toda particular no caso da tradu­
ção da poesia chinesa:
Na China, as artes não são compartimentadas: um artista 
se aplica à tríplice prática poesia-caligrafia-pintura como a 
uma arte completa na qual todas as dimensões espirituais
18 Ibiâem.
Ver Wassily Kandinsky, Point et ligne sur plan (1926), trad.: 
S. e J. Leppien. Paris: Gallimard, 1991, p. 52-53.166s. Há edição bra­
sileira: Ponto e linha sobre plano - Contribuição à análise dos elementos 
da. pintura. Trad.: E. Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2011],
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 25
de seu ser são exploradas: canto linear e figuração espacial, 
gestos encantatórios e falas visualizadas20.
Ao operar sobre signos, a tradução não decorre 
apenas da linguística, mas de um domínio mais vasto, 
o domínio do estudo de seus signos, a semiótica.
Ao utilizar o termo “semiótica”, Roman Jakob- 
son inspira-se explicitamente nos escritos de Charles 
Sanders Peirce21, mas, ao falar de “signos”, de “signi­
ficantes” e de “significados”, ele se inscreve na linha­
gem de Ferdinand de Saussure.
Nesse aspecto, a obra de J.-P. Vinay e J. Darbelnet, 
Slylislique comparée dufrançais et de Vanglais (“Esti­
lística comparada do francês e do inglês”, doravante ci­
tada como VD), publicada em 1958, marca época22: com 
efeito, trata-se do “primeiro método de tradução basea­
do em uma análise científica”23. Quase todos os manuais 
de tradução atualmente disponíveis lhe são devedores. 
Mas, mesmo tendo marcado época, ele também ficou da­
tado: tributário das concepções da época, os avanços da 
linguística operados a partir de então são tantos que boa 
parte das análises desses autores estavam condenadas 
à obsolescência. Mas sua contribuição, nem por isso, é 
menos considerável, como veremos adiante.
François Cheng, L’écriture poétique chinoise. Paris: Le Seuil, 
1996, p. 15.
Ver Anne Hénault (org.), Questions de sémiotique. Paris: 
PUF, 2002.
Jean-Paul Vinay e Jean Darbelnet, Stylistique comparée du 
français et de l ’anglais (1958). Paris: Didier, 1977.
Inès Oseki-Dépré, Théories et pratiques de la traduction litté­
raire. Paris: Armand Colin, 1999, p. 56.
26 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
Assim como R. Jakobson (os textos “On Linguis- 
tic Aspects of Translation” e VD foram publicados pra­
ticamente ao mesmo tempo), Vinay e Darbelnet se vin­
culam a Ferdinand de Saussure. As considerações sobre 
a tradução estão praticamente ausentes do CLG, novos 
conceitosprecisam ser elaborados, entre os quais um 
dos mais importantes é o das “unidades de tradução”.
Exatamente como evidencia Saussure, a “delimi­
tação” das unidades é fundamental: contrariamente à 
opinião corrente, ela não deveria se reduzir a fazer das 
“palavras” as unidades básicas. Com efeito, uma con­
cepção dessas tem como consequência fazer da língua 
uma simples “nomenclatura”, isto é, “uma lista de ter­
mos correspondente a tantas outras coisas”24. Contudo, 
a noção de “palavra” tem de ser levada em consideração:
Seria necessário pesquisar sobre que se funda a divisão em 
palavras — porque a palavra, a despeito da dificuldade que 
temos para defini-la, é uma unidade que se impõe ao espíri­
to, algo de central no mecanismo da língua25.
Em tradução, não se traduzem as palavras isola­
damente umas das outras: a tradução “palavra a pala­
vra” é muito frequentemente impossível. Para Vinay e 
Darbelnet, a unidade essencial é, no plano dos signifi­
cados, a “unidade de pensamento”, 110 plano dos signi­
ficantes, a “unidade lexicológica”, à qual corresponde, 
em perfeita simetria, a “unidade de tradução”, com 
esses três termos sendo considerados como “equiva­
lentes”. Desse modo, eles chegam à seguinte definição:
CLG, p. 97.
CLG, p. 154.
DIVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 27
Poderíamos ainda dizer que a unidade de tradução é o me­
nor segmento do enunciado, com uma coesão de signos tal 
que eles não devem ser traduzidos separadamente26.
Vamos dar um exemplo concreto, o da citação de 
George Steiner escolhida como epígrafe para este capí­
tulo: “Nim rud’s tower was built of words”. Ao dividi- 
l a em “unidades de tradução”, chegamos a “Nim rud’s 
tower / was built of / words”. Se a compararmos a 
sua tradução brasileira, encontramos a mesma divi­
são: “A torre de Nimrod / era feita de / palavras”27. 
Uma “decupagem” dessas tem um alcance prático evi­
dente: ela permite, uma vez que as unidades estejam 
delimitadas, proceder à análise das relações que vin­
culam o original e sua tradução (relações que serão 
examinadas no capítulo IV: a relação entre a unidade 
de tradução n° 2, “was built of” e sua tradução por 
“era fe ita de” destaca a tendência do inglês de recor­
rer a um termo específico (ou “hipônimo”) no mesmo 
lugar em que o português ou o francês manifestam a 
tendência inversa, ao traduzir por um termo genérico 
(ou “hiperônimo”): em vez de utilizar “construir” (“to 
build”), o tradutor preferiu “fazer”. Como cada língua 
tem sua própria visão de mundo, logo, sua própria 
“decupagem” da realidade, essas correspondências 
são sistematizáveis. O mesmo método pode, então, ser 
aplicado tanto no nível puramente linguístico quanto 
no estilístico. Fatos de língua, fatos de estilo e fatos de 
tradução, a partir disso, se reúnem.
2B VD, p. 37.
Tradução citada porjacques Vicari, La tour de Bahel. Paris: 
PUF, 2000, p. 5.
28 TRADUÇÃO - HISTÓRIA, TEORIAS E MÉTODOS
A despeito de suas vantagens de ordem prática, 
uma abordagem desse tipo suscita dois grandes in­
convenientes. O primeiro é aquele que consiste em 
conceder espaço demasiado aos aspectos linguísticos 
da tradução, de onde vem a crítica formulada por Ed- 
mond Cary: “A tradução literária não é uma operação 
linguística, é uma operação literária”28.
O segundo inconveniente é deixar de ter na devi­
da conta a noção das “unidades linguísticas” no pró­
prio Ferdinand de Saussure. Os Escritos de linguística 
geral (ELG ), publicados originalmente na França em 
2002, acentuam todo o tempo a importância que deve 
ser atribuída à dimensão diferencial da linguagem:
Como não existe nenhuma unidade (de nenhuma ordem e de 
nenhuma natureza que possamos imaginar) que repouse sobre 
algo além das diferenças, na realidade a unidade é sempre 
imaginária, só a diferença existe29.
Sem dúvida, a noção de “unidade diferencial” pa­
recerá abstrata e difícil de delimitar, mas voltamos a 
encontrá-la quando se trata de estabelecer “unidades 
de leitura” em um texto, que são chamadas por Roland 
Barthes de “lexias”:
Essa decupagem, deve-se dizê-lo, será sempre mais arbitrá­
ria; [...] A lexia compreenderá ora poucas palavras, ora algu­
mas frases30.
28 Comment faut-il traduire? (1958), apud Georges Mounin, 
Les problèmes théoriques de la traduction. Paris: Gallimard, 1963.
Ferdinand de Saussure, Écrits de linguistique générale, éd.:
S. Bouquet, R. Engler. Paris: Gallimard, 2002, p. 83. Há edição 
brasileira: Escritos de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 2004.
30 Roland Barthes, S/Z. Paris: Le Seuil, 1970, p. 20.
D IVERSIDADE DAS LÍNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUÇÃO 29
Se a tradução é justam ente uma “propriedade 
fundam ental” da linguagem31, ela pode, por razões 
práticas, ser considerada de maneira linear, fazendo 
intervir apenas unidades simples. Mas não se pode es­
quecer, contudo, que, tanto quanto a língua, a tradu­
ção também faz intervirem “unidades diferenciais”. Se 
não fosse assim, não se poderia compreender por que 
as maneiras de praticá-la e de apreendê-la puderam va­
riar tanto ao longo da história.
31 Ver Claude Hagège, La structure des langues (1982). Paris: 
PUF, 2001, p. 10.

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