Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CÂNCER DE BEXIGA: O trato urinário é formado por um tipo celular de epitélio de células transicionais, como esse tipo de epitélio só existe no trato urinário, foi apelidado de Urotélio. O urotélio reveste internamente a pelve renal, os ureteres, a bexiga e os dois terços proximais da uretra e recebe a denominação de epitélio de células transicionais (fazendo referência à “transição” entre o epitélio cilíndrico simples do sistema tubular renal e o epitélio estratificado do terço distal da uretra). Cerca 92% dos tumores que se desenvolvem no epitélio transicional, são chamados de CARCINOMA DE CÉLULAS TRANSICIONAIS ou CARCINOMA UROTELIAL. Cerca de 90% desses tumores originam-se na bexiga, 8% na pelve renal e 2% no ureter e uretra proximal. Para cada 50 tumores uroteliais na bexiga existem 3 tumores na pelve renal e 1 no ureter. Eventualmente o epitélio que sofreu metaplasia escamosa pode originar Carcinoma Escamoso (Epidermoide) e o que sofreu metaplasia glandular pode gerar Adenocarcinoma, mas são mais raros. EPIDEMIO: Acomete principalmente o sexo masculino, na proporção de 2,5:1, predominando na terceira idade (pico de incidência entre 60-70 anos), porém, após os 40 anos já começa a ser encontrado. A raça branca é mais acometida do que a negra. ETIOLOGIA: Está associado aos carcinógenos presentes na urina, e como a bexiga está em maior contato com a urina, é onde ocorre mais o câncer. Os carcinógenos presentes na urina são constituídos à base de aminas aromáticas, relacionadas com tabagismo em 50% dos casos em homem e 40% em mulheres, e outras substâncias metabólicas como a Ciclofosfamida relacionadas a liberação na urina de substâncias carcinogênicas. Abuso de analgésicos derivados da fenacetina – ex.: paracetamol; cistites crônicas; cálculo vesical; irradiação pélvica no tratamento de tumores ginecológicos – aumenta em 60 vezes o risco; exposição industrial a aminas aromáticas – fábricas de tintas, borracha, couro, têxteis e gráficas;dietas muito ricas em carne e gordura; infestação pelo Schistosoma haematobium. O uso de altas doses de adoçantes a base de sacarina ou ciclamato ou de cafeína são outros fatores possivelmente implicados. PATOLOGIA: Tipo histológico mais prevalente → Carcinoma de células transicionais. A agressividade do tumor é dada pela graduação histológica, dada pelo patologista. Antigamente era graduado em bem diferenciado, moderadamente diferenciado ou anaplásico. Hoje só se usam 2 graduações: tumores de alto risco e de baixo risco. O carcinoma de células transicionais é dividido em invasivo da camada muscular (própria) e não músculo invasivo. Embora a extensão da neoplasia até a camada basal não deixe de ser uma “invasão”, é o acometimento ou não da muscular própria o fator determinante em relação à conduta e ao prognóstico. A maioria dos casos de carcinoma de células transicionais é diagnosticada ainda em fase não músculo invasiva (80%). Esta neoplasia pode crescer sob forma de tumor papilar, de tumor plano (carcinoma in situ) ou de tumor séssil (lesões sólidas). Os tumores de crescimento papilar (carcinoma papilar) é o principal tipo de tumor superficial, definido morfologicamente como uma massa exofítica na parede vesical; atualmente, são classificados em: neoplasia urotelial papilar de baixo potencial maligno, carcinoma urotelial papilar de baixo grau e carcinoma urotelial papilar de alto grau. A Neoplasia Urotelial Papilar de Baixo Potencial Maligno (NUBPM) é mais frequente em homens (5:1), apresenta recorrência de 20-40%, porém sua progressão (invasão de lâmina própria e/ou muscular própria) é de apenas 0-8%. O carcinoma urotelial papilar de baixo grau difere da NUBPM por ser multifocal, apresentar recidiva de 60% e uma taxa de progressão de até 13%. O carcinoma urotelial papilar de alto grau, um tipo incomum, apresenta taxa de recidiva de até 76,5%, sendo que 36,5% sob forma de recorrência local e 40% sob forma de progressão... Metástases podem ser encontradas em 20% dos casos e geralmente 15% dos pacientes morrem dessa condição; os óbitos estão relacionados sempre à progressão da doença. Os carcinomas de células transicionais se disseminam por contiguidade e pelas vias linfática ou hematogênica, apresentando metástases preferencialmente para fígado, pulmão e ossos. O prognóstico depende de múltiplos fatores, dentre os quais: grau de diferenciação celular, número e tamanho das lesões, configuração macroscópica do tumor, presença de outras áreas com carcinoma in situ e alterações nos genes p53, p21 e RB (marcadores genéticos de risco). QUADRO CLÍNICO: Os tumores de bexiga quase sempre (em 80-90% dos casos) se manifestam com hematúria macroscópica indolor. ● A hematúria pode conter coágulos de sangue → pensar em causas urológicas de sangramento, pois nas causas glomerulares não há formação de coágulo (é sempre dissolvido por substâncias nos túbulos renais). ● A hematúria microscópica é uma manifestação incomum, mas possível (presente em apenas 2% dos casos)! Os sintomas irritativos vesicais (do tipo “cistite” – disúria, polaciúria e urgência urinária) ocorrem em 20% dos casos, e são a segunda manifestação clínica mais comum. Ocorrem principalmente em carcinoma in situ difuso ou se houver infecção associada. Deve-se pensar em tumor vesical quando são encontradas massa sólida ou falha de enchimento em exames de imagem como a USG ou urografia excretora. O diagnóstico deve sempre ser confirmado por cistoscopia com biópsia. TODO paciente >40/50 anos com hematúria macroscópica persistente deve ter como 1ª hipótese diagnóstica tumor de bexiga e deve ser investigado para tal!!!! Há 25% de chance de ser tumor, principalmente se esse paciente for tabagista. HISTÓRIA NATURAL E ESTADIAMENTO: O carcinoma papilar superficial – a forma mais comum – tem pequeno potencial invasivo, mas apresenta uma forte tendência à recidiva após ressecção (40-80% dos casos). O tumor recidiva em média após três meses da retirada, mas na maioria das vezes continua sendo superficial, mantendo um alto potencial de cura... Os tumores invasivos começam infiltrando a camada muscular da bexiga, atingindo a gordura perivesical e, em seguida, as estruturas vizinhas – parede pélvica, próstata, vesículas seminais, ductos deferentes, útero e vagina. Os linfonodos pélvicos (ilíacos e periaórticos) costumam ser os próximos “alvos”. As principais metástases à distância são para fígado, pulmões e ossos. DIAGNÓSTICO: 1. Cistoscopia – Padrão ouro. Exame invasivo que requer um especialista. Visualiza-se o tumor sólido ou vegetativo, sendo que a vegetação que lembra coral é mais papilar e deve ser superficial. Se há aspecto sólido deve ser infiltrativo. O aspecto endoscópico ajuda a diferenciar. 2. Exame de imagem – US, TC (com e sem contraste). A escolha depende da circunstância e do que se tem disponível. Na vigência da hematúria no momento da consulta, prefere-se conseguir fazer cistoscopia para estabelecer diagnóstico, e se não houver tumor é possível estabelecer a localização do sangramento. Se paciente tem história de hematúria, mas no momento da consulta já tem urina clara, sugere-se exame de imagem - geralmenteUS para iniciar, e depois realizar a cistoscopia. A citologia urinária deve ser feita de rotina, e sua positividade na ausência de massa visível à cistoscopia indica tumor de pelve renal ou ureter. A positividade na pesquisa de células neoplásicas na urina está em torno de 80% para tumores de alto grau histológico (III e IV), e de 15-40% para os graus I e II, respectivamente. O estadiamento começa pelo resultado da biópsia cistoscópica. O dado mais importante é se existe ou não invasão da camada muscular própria (tumores músculo invasivos)!!!! Uma TC ou RNM de abdome e pelve pode detectar a invasão da gordura perivesical, estruturas adjacentes (reto, útero etc.), linfonodos pélvicos e metástases hepáticas. A radiografia de tórax é mandatória para investigar possíveis metástases pulmonares. Caso alterada pode-se realizar uma TC de tórax para melhor delinear as lesões. A cintilografia óssea só é indicada caso existam sintomas ósseos. Na prática interessa saber: -Tumor não músculo invasivo (antigamente denominado superficiais) – CIS, T0 e T1 -Tumor músculo invasivo (antigamente denominado infiltrativos) – T2, T3 -Metastático – T4 Carcinoma in situ: é plano, não vegetante, ou seja, não faz protrusão na luz do endotélio. Anaplásico. TO: Confinado ao urotélio, sem invasão da lâmina própria. Também chamado de papiloma (é vegetante, com comportamento benigno). A diferença dos dois é que: o vegetante é benigno com graduação baixa, o in situ é anaplásico, apesar de ser plano, podendo estar associado a algum tumor vegetante também. A maioria dos tumores que tratamos são tumores não músculo invasivos (recidiva em 40-60%, especialmente se o carcinógeno se mantém; 10-12% de chance de progressão para uma doença mais infiltrativa, mas não é a regra, geralmente esses já eram músculo invasivo desde o início). Pequena porcentagem são tumores invasivos, que se acredita ser originado diretamente do CIS que é plano agressivo/anaplásico, não passando pelas outras fases; mata 50% dos pacientes mesmo com tratamento. Os tumores podem sofrer dois processos na vida do paciente: recidiva (pode ser no mesmo local ou em diferente local do urotélio) ou progressão (a cada recidiva há maior chance de se tornar mais avançado o estágio, era sempre T1 e agora veio T2, por ex). Na maioria, tumores superficiais são de bom prognóstico e os infiltrativos já são infiltrativos, na maioria dos casos, desde o início do diagnóstico (músculo-invasivo). *Isso sugere que possam ser duas doenças, já que o tumor não músculo invasivo geralmente recidiva muito, mas não progride, enquanto o tumor músculo invasivo já é assim desde o início. **Carcinoma não músculo invasivo de alto grau (denominado antigamente de T1G3). Merece maior atenção, pois apresenta uma conduta especial; não infiltra músculo, mas é agressivo. TRATAMENTO: 1º passo: é sempre a RESSECÇÃO por via endoscópica ou transuretral fracionada – resseca todo o tumor e coloca-se no vidro 1, depois resseca-se a base do tumor e coloca no vidro 2 para ver se há infiltração da muscular. 2º passo: mandar tecido para o patologista: - Se vier sem invasão da musculatura, é de baixo grau: paciente está tratado; mas não curado (chance de recidivar 40-60%). O melhor método para tentar prevenir recidiva é a aplicação de BCG na bexiga do paciente 15 a 20 dias após ressecção (reduz a chance de recidivar para 30%, funciona como imunoterapia). A aplicação oferece risco de o paciente desenvolver tuberculose sistêmica, diante disso estabeleceram-se critérios para avaliar qual paciente apresenta maior chance de recidiva. Critérios: ➔ Tumor sempre superficial ➔ Maior que 3cm ➔ Já é a recidiva do tumor ➔ Anaplásico ➔ Tumor múltiplo com mais de 1cm - Se vier infiltrativo/ músculo invasivo quer dizer que a cirurgia não fez o tratamento completo do tumor do paciente; devemos complementar com cistectomia radical com ou sem quimioterapia adjuvante (em homem: retira toda a bexiga, próstata e linfonodos regionais / na mulher retira bexiga, útero, ovário e cúpula da vagina) podendo ou não fazer quimio adjuvante. Se for invasivo, mas bem localizado, poderia fazer cistectomia parcial. Mesmo assim, 50% desses pacientes acabam morrendo. Tumor especial T1G3 – não invasivo mas de alto grau: tem um risco de estar fazendo subestagiamento; Merece uma nova ressecção transuretral (re-RTU) mais ampla para averiguar se realmente não há invasão da muscular. TTO MEDCURSO: O carcinoma de bexiga está na lista dos cânceres com alta chance de cura! De uma forma geral, os tumores papilares superficiais podem ser apenas ressecados pela cistoscopia. Eles possuem elevado potencial para recidiva, porém, a continuidade do acompanhamento cistoscópico (e novas ressecções, se necessário) garante uma taxa de cura em torno de 90%. Tumores que invadem a muscular própria (T2), por outro lado, necessitam da cistectomia radical, sendo o potencial de cura próximo a 70%. Os tumores com invasão da gordura perivesical (T3) também podem ser curados pela cistectomia radical em 35-50% dos casos. A doença metastática (T4, N1-3 e M1) só é curada em 10-20% dos casos pela poliquimioterapia. TUMORES SUPERFICIAIS: Ta, Tis, T1 A base da terapia é a ressecção transuretral via cistoscopia. Esta deve ser complementada com a terapia intravesical quando houver elevado risco de recidiva ou invasão. A terapia intravesical consiste na injeção local de quimioterápicos ou agentes imunomoduladores. A quimioterapia intravesical pode ser recomendada em tumores Ta solitários e de baixo grau, em menos de seis horas após a realização da RTU. O Bacilo de Calmette-Guerrin (BCG) é a terapia empregada em casos de tumores Ta múltiplos ou recorrentes, em tumores T1 e no carcinoma in situ. Tem sido o principal agente em prevenir recidivas (redução de 50%). Seu mecanismo é imunomodulação (estimula a resposta imunitária local, aumentando a eliminação de células tumorais). O esquema mais empregado consiste em um instilação semanal por seis semanas, depois, uma instilação mensal por pelo menos um ano. O principal problema do BCG intravesical é o aparecimento de paraefeitos locais – cistite, disúria, hematúria, urgência – ou sistêmicos – febre, bacilemia, hepatite e pneumonite (estes últimos devem ser tratados com drogas tuberculostáticas). TUMORES LOCALMENTE INVASIVOS: T2, T3 A conduta de escolha é a cistectomia radical, e muitos autores na atualidade também preconizam a quimioterapia neoadjuvante (pré-operatória). A quimioterapia adjuvante (pós-operatória) pode ser considerada em pacientes com alto risco de recidiva (ex.: presença de invasão vascular na peça cirúrgica). O esquema mais estudado no pré-operatório é o M-VAC (o mesmo de pacientes com doença metastática – ver adiante). Diversos estudos demonstraram que o M-VAC prolonga a sobrevida de pacientes que serão submetidos à cistectomia radical (o mecanismo seria a eliminação precoce de micrometástases não evidentes no início do acompanhamento). No homem, a cistectomia radical inclui a retirada de toda a bexiga, próstata, vesículas seminais, vasosdeferentes e uretra proximal, sendo a impotência sexual uma complicação quase universal, a não ser que medidas sejam tomadas para tentar preservar os nervos pudendos. Na mulher, além de toda a bexiga, retiram-se uretra, útero, trompas, ovários e parede vaginal anterior. TUMOR METASTÁTICO: T4, N1-3, M1 O tratamento se baseia na quimioterapia sistêmica isolada (QT), mas existem protocolos experimentais de terapia multimodal (QT seguida por cirurgia para doença residual). O esquema de QT mais estudado é o M-VAC (metotrexato, vimblastina, adriamicina, cisplatina), com remissão em torno de 35-40%, porém, elevada incidência de paraefeitos graves (ex.: mucosite, neutropenia, disfunção renal e neuropatia periférica). Outros esquemas são: cisplatina e paclitaxel (PT); gencitabina e cisplatina (GC); gencitabina, paclitaxel e cisplatina (GTC). O mais utilizado na atualidade é o esquema GC, que se mostrou menos tóxico que o M-VAC em estudos comparativos. Vale ressaltar que esses esquemas são ativos contra os carcinomas transicionais, mas não atuam nos tumores epidermoides ou adenocarcinomas da bexiga...
Compartilhar