Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A LTA é uma doença de caráter zoonótico que acomete homem e diversos animais domésticos e silvestres, se manifestando através de diferentes formas clínicas. Enfermidade polimórfica e espectral da pele e das mucosas → manifestações classificadas de acordo com aspectos clínicos, patológicos e imunológicos. É uma doença muito antiga data desde o primeiro século d.C na Ásia Central, no Peru e Equador. A primeira observação dos parasitos foi feita por Cunnigham em 1885, em casos de leishmaniose visceral na índia. No Brasil, era conhecida por Cerqueira desde 1885. Em 1908, durante a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, muitos casos ocorreram, principalmente em Bauru, tornando-a conhecida por úlcera de Bauru. Em 1911, Gaspar Vianna denominou o agente etiológico como Leishmania braziliensis, e no ano seguinte introduziu o tártaro emético como terapia para leishmanioses. Gênero Leishmania Ross, 1903. É um protozoário digenético de ciclo biológico heteroxênico, realizado em um hospedeiro vertebrado e um invertebrado. Hospedeiros vertebrados → mamíferos: roedores, edentados (tatu, preguiça, tamanduá), canídeos, marsupiais e primatas, inclusive o homem. Hospedeiros invertebrados → insetos dípteros do gênero Lutzomya. Principais espécies no Brasil: Leishmania (Viannia) braziliensis; Leishmania (Viannia) guyanensis; Leishmania (Viannia) lainsoni; Leishmania (Viannia) shawi; Leishmania (Viannia) amazonensis. Formas amastígotas → ovoides ou esféricas; tamanho variável entre as espécies (1,5-3,0 x 3,0-6,5 µm). Visíveis: membrana citoplasmática, citoplasma corado em azul-pálido por Giemsa ou Leishman, e apresentando vacúolos; núcleo esférico ou ovóide corado de vermelho-púrpura; cinetoplasto em forma de bastão pequeno, corado na mesma cor; não há flagelo livre, apenas um rudimento presenta na bolsa flagelar. Leishmaniose Tegumentar Americana Definição e Histórico AGENTE ETIOLÓGICO MORFOLOGIA Formas promastígotas → formas alongadas com flagelo livre na região anterior. No citoplasma são observados granulações azurófilas e pequenos vacúolos. O núcleo é semelhante ao das formas amastigotas, normalmente situado na região anterior. As dimensões são variáveis: 16-40 x 1,5- 3,0 µm). Formas paramastígotas → ovais ou arredondadas com o cinetoplasto margeando o núcleo ou posterior a este e um pequeno flagelo livre. São encontradas aderidas ao epitélio do trato digestório do hospedeiro invertebrado pelo flagelo através de hemidesmossomas. Tamanho variável: 5-10 x 4-6 µm. Divisão binária; O primeiro sinal de divisão é a produção de um segundo flagelo pelas formas promastígotas, no trato digestivo do vetor → mudança no cinetoplasto → núcleo se divide em dois → cinetoplasto denso e compacto → também se divide em dois após a divisão do núcleo → corpo do parasito se separa longitudinalmente pela região anterior → produz duas formas promastígotas. A reprodução das formas amastigotas é semelhante e ocorre no interior dos fagossomas de macrófagos. Formas amastigotas → parasitam células do sistema mononuclear fagocitário (SMF), especialmente macrófagos da pele do hospedeiro vertebrado. Formas promastígotas e paramastígotas → encontradas no tubo digestivo dos flebotomíneos livres ou aderidas ao epitélio intestinal, respectivamente. CICLO NO VETOR Infecção do inseto: fêmea pica o hospedeiro vertebrado para exercer o repasto sanguíneo e ingere macrófagos parasitados por formas amastigotas. No estômago ou durante o trajeto pelo trato digestivo anterior, os macrófagos se rompem e liberam os amastigotas. Essas formas sofrem divisão binária e se transformam em promastígotas, que também sofrem sucessivos processos de divisão e multiplicam-se ainda no REPRODUÇÃO CICLO BIOLÓGICO sangue ingerido, envolto por uma membrana peritrófica secretada pelas células estomacais. Em cerca de três ou quatro dias da ingestão, essa membrana se rompe e as formas promastígotas ficam livres. Promastígotas continua a reprodução por divisão binária → aquelas pertencentes às espécies do subgênero Viannia dirigem-se para o intestino onde colonizam a seção peripilaria (íleo e piloro) → se transformam em paramastígotas, que se aderem ao epitélio intestinal através das hemidesmossomas dos flagelos. Metaciclogênese → promastígotas que migram para a parte anterior do tubo digestivo do vetor atingem um estágio infectivo → formas metacíclicas infectantes. o Principal transformação bioquímica: variação do tamanho das porções glicídica da molécula de lipofosfoglicano presentes na superfície das membranas das promastígotas. Promastígotas pertencentes ao subgênero Leishmania → multiplicam-se livremente ou aderidas à parede do estômago (seção suprapilaria) → migração dos flagelos para região anterior do estômago → paramastígotas que colonizam esôfago e faringe → metacíclicas. Tempo para que o ciclo se complete: 3 a 5 dias, dependendo da espécie. CICLO NO Vertebrado Ao tentarem ingerir o sangue do hospedeiro vertebrado, os flebotomíneos introduzem formas promastígotas metacíclicas no local da picada. Em cerca de 4 a 8 horas essas formas são interiorizadas pelos macrófagos teciduais. Saliva do flebotomíneo → neuropeptídios vasodilatadores → facilitam sua alimentação e suprimem a resposta imune do vertebrado. As formas promastígotas se transformam rapidamente em formas amastigotas, que são encontradas dentro de 24 horas após a fagocitose pelos macrófagos. As amastigotas são resistentes à ação dos lisossomas e se multiplicam rapidamente nos macrófagos, chegando a ocupar todo o citoplasma, deslocando o núcleo da célula para dar lugar ao vacúolo com amastigotas. Membrana do macrófago se rompe → amastigotas livres no tecido → novamente fagocitadas → reação inflamatória local. Ocorre pela picada de insetos hematófagos do gênero Lutzomyia, conhecidos popularmente no Brasil como mosquito-palha, birigui e tatuquira. No ato do hematofagismo, a fêmea do vetor corta o tecido subcutâneo abaixo da epiderme, formando um afluxo de sangue, onde são inoculadas as formas promastígotas metacíclicas provenientes da região anterior do trato digestivo. TRANSMISSÃO Repasto sanguíneo da fêmea do flebotomíneo → células da derme destruídas pela probóscida do inseto e pela saliva inoculada → atraem células do SMF, especialmente macrófagos. Alguns macrófagos podem destruir os parasitos diretamente, mas outros precisam ser estimulados. Os macrófagos fixos (histiócitos) não estimulados são os únicos hábeis para o estabelecimento da infecção. Formas promastígotas fagocitadas → transformam-se em amastigotas → divisões sucessivas → mais macrófagos são atingidos para o local, onde se fixam e são infectados. Lesão inicial: infiltrado inflamatório composto majoritariamente de linfócitos e de macrófagos (cheios de parasitas) na derme. A lesão pode aparecer entre duas semanas a três meses após a picada do inseto. Lesões iniciais semelhantes para todas as espécies do parasito. Essas formas podem regredir espontaneamente, permanecer estacionárias ou evoluir para um nódulo dérmico denominado “histiociotoma”, localizado no sítio da picada do vetor. Histiocitoma → desenvolve-se em ritmos diferentes a depender da espécie. Nos estágios inicias, é caracterizado pela hipertrofia do extrato córneo e da papila, com acúmulo de histiócitos onde o parasito se reproduz. Gradativamente se forma um infiltrado celular circundando a lesão, consistindo em linfócitos e alguns plasmócitos Assim, se forma uma reação inflamatória do tipo tuberculóide. Também ocorre necrose resultante da desintegração da epiderme e da membrana basal → lesão úlcero-crostosa. Perda da crosta → úlcera com bordaslevemente salientes e fundo coberto por exsudato seropurulento ou seroso → evolui para úlcera leishmaniótica típica = circular, bordas altos, fundo granuloso, vermelha, recoberta por exsudato seroso ou seropurulento. Tratamento bem sucedido → cicatriz característica, com área cicatricial despigmentada, leve depressão na pele e fibrose sob a epiderme (fina). Estado imunológico do paciente e espécies de Leishmania → lesões autoresolutivas ou lesões desfigurantes. PATOGENIA EVOLUÇÃO FORMAS CLÍNICAS LEISHMANIOSE CUTÂNEA Caracteriza pela formação de úlceras únicas ou múltiplas confinadas na derme, com a epiderme ulcerada. Úlceras leishmanióticas típicas ou formas vegetantes verrucosas ou framboesiformes. Alta densidade de parasitos na úlcera nas fases iniciais da infecção, com tendência a escassez na cronicidade. Espécies responsáveis por essa forma: L. braziliensis → causadora da úlcera de Bauru, ferida brava, ferida seca e bouba. Lesões primárias normalmente únicas, mas grandiosas, com úlceras em formato de cratera. O curso da infecção é irregular e crônico. Essa espécie é responsável pela forma de LC mais destrutiva; L. guayanesis → causa lesões conhecidas por pian bois. Pode apresentar-se como úlcera única do tipo “cratera de lua” e comumente dissemina-se dando origem a outras úlceras pelo corpo → metástases linfáticas, que no início são nódulos subcutâneos móveis e depois aderem à pele e ulceram. É frequente linfagite e linfadenopatia em pacientes parasitados por esta espécie; L. amazonensis → causa lesões ulceradas simples e limitados, com alto número de parasitos nas bordas da lesão. Não é comum do homem, provavelmente devido aos hábitos noturnos do vetor; L. laisonsi → nova espécie isolada em oito pacientes com lesões cutâneas no Pará. Provoca úlcera cutânea única, sem evidências de envolvimento nasofaríngeo. LEISHMANIOSE CUTANEOMUCOSA Conhecida por espúndia e nariz de tapir ou de anta. Seu agente etiológico é o L. braziliensis, sendo assim, o curso inicial da infecção ocorre semelhantemente à forma cutânea. Meses e anos após a lesão primária o parasito ainda produz lesões destrutivas secundárias que envolvem mucosas e cartilagens. Essas novas lesões podem ocorrer por extensão da lesão inicial ou por disseminação hematogênica. Regiões mais afetadas pela disseminação → nariz, faringe, boca e laringe. Primeiro sinal de comprometimento da mucosa → eritema e infiltrado inflamatório discreto no septo nasal → coriza constante, seguida de processo ulcerativo → posteriormente atinge o vestíbulo, as asas do nariz, o assoalho da fossa nasal, o palato mole e a úvula → faringe, laringe e até traqueia. Nariz de anta = destruição do septo com mudança anatômica e aumento do tamanho do órgão. Pode ocorrer destruição completa da cartilagem nasal. Processo ulcerativo → pode atingir os lábios e a face → dificuldade de alimentação, fala e respiração → complicações respiratórias secundárias podem levar a óbito. LEISHMANIOSE cutânea difusa Caracterizada pela formação de lesões difusas não-ulceradas por toda a pele, contendo numerosos amastigotas. É provocada por parasitos do complexo mexicana, cujo agente etiológico no Brasil é o L. amazonensis. Envolve amplas áreas da pele, especialmente as extremidades e outras regiões expostas, onde surgem numerosas erupções papulares e nodulares não-ulceradas. O estágio inicial da infecção é semelhante aos anteriores, com aparecimento de uma úlcera única. A multiplicidade de lesões não ocorre devido a múltiplas picadas do vetor infectado, mas sim por metástases do parasito de um local para outro através da circulação linfática ou pela migração de macrófagos infectados. Ocorre principalmente em pacientes com deficiência imunológica, e caracteriza-se por curso crônico e progressivo, não respondendo aos tratamentos convencionais. Estimativas da OMS em 2015 → 1,5 milhões de casos anualmente; Prevalêcia → 88 países, sendo 76 subdesenvolvidos ou em desenvolvimento; LTA = enzootia de animais silvestres; A transmissão ao homem ocorre quando este penetra em áreas onde o ciclo ocorre em animais → caráter zoonótico. Acredita-se que as formas promastígotas de Leishmania sejam parastios primitivos dos flebotomíneos ou de seus antecessores que provavelmente se adaptaram aos mamíferos durante a evolução do hematofagismo desses insetos. Hospedeiros mamíferos → reservatórios naturais do parasito → raramente desenvolvem a doença. Hospedeiros acidentais → homem e animais domésticos, como cães e burros. Muitas espécies de flebotomíneos preferem apenas um hospedeiro e podem não ser atraídas pelo homem, restringindo assim a doença humana. Espécies que parasitam o homem no Brasil → diferentes reservatórios e diferentes vetores. Distribuição geográfica → LTA é endêmica em todos os países da América do Sul, exceto no Chile. No Brasil, ocorre em todos os estados, principalmente na Região Norte. *Homem tem adquirido a doença por devastação das florestas. LTA é de difícil controle nas vastas áreas florestais do Brasil. Uso de inseticidas nas florestas → antieconômico, além de representar EPIDEMIOLOGIA PROFILAXIA perigo biológico (destruição da população de pequenos mamíferos). Dedetização do ambiente domiciliar e peridomiciliar → não reduz a incidência da doença. Desmatamento de florestas para o desenvolvimento de agricultura e pecuária → reduz as áreas endêmicas, mas está associado a um alto nº de casos durante o processo. Uso de proteção individual → repelentes, mosquiteiros de malha fina → pode evitar a picada dos mosquitos. Construção de casas a 500 m da mata, devido a baixa capacidade de voo dos flebotomíneos. Medidas coletivas → limpeza de quintais e terrenos, evitar acúmulo de lixo orgânico e impedir a proliferação dos flebotomíneos e aproximação de roedores e marsupiais sinantrópicos. Solução ideal → VACINA. Clínico → característica da lesão + anamnese. Diagnóstico diferencial de outras dermatoses granulomatosas, como tuberculose cutânea, hanseníase, infecções fúngicas (blastomicose e esporotricose), úlcera tropical e neoplasmas. Laboratorial → a pesquisa do parasito pode ser feita do material obtido da lesão existente através de: o Exame direto de esfregaços corados → biópsia ou curetagem nos bordos da lesão → fragmento com o qual é feito uma lâmina por aposição, corado por Giemsa ou Leishman. o Exame histopatológico → fragmento de pele obtido de biópsia é submetido a técnicas histológicas de rotina e exame por um patologista experiente → encontro de amastigotas ou de infiltrado inflamatório compatível é sugestivo. o Cultura → realizada com fragmentos do tecido ou de aspirados dos bordos da lesão e de linfonodos infartados de áreas próximas a esta. Meios NNN e LIT suplementado com antibióticos é o mais utilizado, pois aumenta possibilidade de isolar o parasito. Deve-se realizar três repiques sucessivos com intervalo de 10 dias. o Inóculo em animais → o hamster é o mais utilizado. Inocula-se via intradérmica, no focinho ou nas patas, um triturado do fragmento com solução fisiológica. Método limitado às instituições científicas. Pesquisa de DNA do parasito: o PCR → alta sensibilidade. É possível identificar o gênero do agente etiológico a partir do material clínico obtido para os exames convencionais (biópsias das bordas das lesões). DIAGNÓSTICO Métodos Imunológicos: 1. Avaliação da resposta celular o Teste de Montenegro → avalia a reação de hipersensibilidade retardada do paciente. É utilizado para diagnóstico ou para monitorização de programas de vacinação contra LTA. Antígeno padronizado: usa formas promastígotas mortas; concentração de 40 µg de nitrogênio/mL.Consiste no inóculo de 0,1 Ml de antígeno intradermicamente na face interna do braço → positividade: reação inflamatória local formando um nódulo ou pápula que atinge o auge dentro de 48 a 72 horas, regredindo posteriormente. Forma cutânea simples → a reação é variável com a evolução da doença, sendo maior em úlceras crônicas; Forma mucosa → reação pode ser intensa levando a flictemas e necrose, devido a hiper- reatividade do paciente; Forma difusa → resposta é usualmente negativa, pois o paciente está em estado anérgico. Pacientes tratados → imunidade celular duradoura → positivo por tempo indefinido. 2. Avaliação da resposta humoral o Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI) → as quantidades de anticorpos são normalmente baixas nas fases iniciais da infecção, mas podem aumentar nas formas crônicas da LTA, especialmente quando há envolvimento mucoso. Esse teste não é espécie-específico e pode ocorrer reações cruzadas com outros tripanossomídeos → uso comprometido em áreas endêmicas para doença de Chagas e calazar. LSH cutânea ECO Teste: 1912 → Gaspar Vianna introduz o antimonial tártaro emético como a primeira arma terapêutica da LTA, que foi a única durante muitos anos e utilizada em todo mundo. Atualmente: Glucantime (antimoniato de N-metilglucamina): Posologia – 17 mg Sb5+/kg peso/dia, intramuscular, durante dez dias. Intervalo de dez dias e inicia-se novamente outra série de tratamento por dez dias. O número de séries necessárias vária de acordo com a cura da lesão. Dose máxima por injeção – 10 mL, independente do peso do paciente. Apesar da via de administração principal ser a intramuscular, também podem ser usadas a via endovenosa ou local. tratamentO Contraindicações: pacientes cardíacos (provoca alterações eletrocardiográficas) e em gestantes (abortivo). Ministério da Saúde → 20 mg Sb5+/kg peso/dia, durante 20 dias, para a LSH cutânea e 30 dias para a LSH cutaneomucosa → pode causar alto índice de recidivas. Medidas não farmacológicas associadas: limpeza das lesões com água e sabão e se possível compressas com permanganato de potássio na diluição de 1/5000 mL de água. Isotianato de pentamidina ou anfotericina B → casos de resistência ao tratamento. Miltefosina → 2,5 mg/kg/dia para adultos, via oral, durante 28 dias. Dose máxima: 150 mg/dia. Deve ser ingerida com alimentos para minimizar a irritação gástrica.
Compartilhar