Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE VETORES DE DOENÇAS: O vetor é uma entidade que possui mecanismos que permitem o carreamento do agente etiológico de uma doença entre um organismo e outro, podendo ser dividido em: Vetor biológico: participa ativamente do ciclo de vida do patógeno; Vetor mecânico: fator biótico ou não que carrega o patógeno, mas não atua em seu ciclo de vida (ex.: água e baratas); O ser humano nunca pode ser chamado de vetor, pois esse papel se restringe a artrópodes (mosquitos e moscas) e moluscos (caramujo, no caso da esquistossomose). Os vetores artrópodes apresentam desenvolvimento diferenciado em duas categorias, a saber: Holometabólicos: sofrem metamorfose completa, ou seja, cada fase de seu desenvolvimento apresenta morfologia distinta, culminando num adulto totalmente distinto de suas formas larvais (ex.: mosquitos). Seu ciclo de vida orienta-se em Ovo – Larva – Pupa – Adulto; Hemimetabólicos: sofrem metamorfose incompleta, com desenvolvimento semelhante em diferentes fases (ex.: triatomíneo transmissor da Doença de Chagas, o “barbeiro”). Seu ciclo de vida conta com as seguintes fases: Ovo – Ninfa – Adulto. Hospedeiro é um organismo que abriga um parasita em seu corpo, podendo ou não causar danos à saúde do indivíduo parasitado. Essa categoria divide-se em: Hospedeiro intermediário: o agente etiológico apresenta reprodução assexuada. Hospedeiro definitivo: o agente etiológico reproduz-se de forma sexuada. Reservatório é um hospedeiro de outra espécie, que alberga o agente etiológico de determinada doença e o elimina para o meio exterior com capacidade infectante, ou seja, é o animal que aloja algum tipo de parasita sem que esse seja obrigatoriamente prejudicado, sendo um exemplo desse tipo de organismo o macaco em caso de Febre Amarela. LEISHMANIOSE: O gênero Leishmania pertence a ordem Kinetoplastida, à família Trypanossomatidae e agrupa espécies de protozoários unicelulares, heteróxenos (completam seu ciclo de vida em dois hospedeiros), encontradas nas formas promastigota e paramastigota, flageladas livres ou aderidas ao trato digestivo dos hospedeiros invertebrados, e amastigota, sem flagelo livre, parasito intracelular dos vertebrados. A reprodução ocorre por divisão binária simples em ambos os hospedeiros. Os hospedeiros vertebrados incluem um grande número de mamíferos, principalmente canídeos e roedores, mas também são observadas infecções em marsupiais, tamanduás, guaxinins e primatas, destacando-se nesse grupo o homem. Como hospedeiros invertebrados são identificados, exclusivamente, fêmeas de insetos hematófagos conhecidos como flebotomíneos. A transmissão ocorre por mecanismo complexo, através da picada do inseto infectado, no momento da hematofagia. Esse parasita apresenta diversos estágios de desenvolvimento ao longo do ciclo de contaminação, fundamentais para a diferenciação entre as espécies abrangidas por esse gênero e para a compreensão de seu ciclo biológico, a saber: Amastigotas: presentes em células fagocitárias ou livres no sangue do Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE hospedeiro vertebrado, apresentam-se como ovais, esféricos ou fusiformes, sem a presença de flagelos; Promastigotas: encontradas no intestino do hospedeiro invertebrado, são alongadas, com um flagelo livre e longo emergindo da porção anterior do corpo do parasita; Promastigotas: são pequenas e arredondadas ou ovais. O flagelo é curto, exteriorizado na região anterior do corpo, com sua extremidade podendo estar aderida à superfície cuticular da porção anterior do trato digestivo do vetor através de hemidesmossomos; Promastigotas metacíclicas: forma infectante para os hospedeiros vertebrados, são versões de menor diâmetro dos promastigotas e apresentam flagelo muito longo, chegando ao dobro do comprimento do corpo. Possuem mobilidade intensa e são encontrados livres nas porções anteriores do trato digestivo do inseto. CICLO BIOLÓGICO: CICLO BIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR: 1. Ciclo no Vetor: A infecção do inseto ocorre quando a fêmea pica o vertebrado para exercer o repasto sanguíneo e juntamente com o sangue ingere macrófagos parasitados por formas amastigotas. Durante o trajeto pelo trato digestivo anterior, ou ao chegarem no estômago/intestino médio, os macrófagos se rompem liberando as amastigotas. Essas sofrem uma divisão binária e se transformam rapidamente em promastigotas, que também por processos sucessivos de divisão multiplicam-se ainda no sangue ingerido, que é envolto por uma membrana quitinosa que forma a matriz peritrófica, secretada pelas células do estômago do inseto. Após a digestão do sangue entre o terceiro e o quarto dias, a membrana se rompe e as formas promastigotas ficam livres. Nesta etapa do ciclo, os parasitas permanecem reproduzindo por divisão binaria, podendo seguir dois caminhos, dependendo da espécie do parasito. No primeiro, as formas promastigotas das espécies pertencentes ao subgênero Viannia dirigem-se para o intestino onde se colonizam nas regiões do piloro e íleo. Nestes locais ocorre a transformação das promastigotas em paramastigotas que permanecem aderidas pelo flagelo ao epitélio intestinal através de hemidesmossomas, onde ainda se dividem. Novamente ocorre transformação em promastigotas que migram através do estômago pela válvula estomodeal em direção à faringe do inseto. Além das alterações morfológicas das promastigotas durante o processo de migração no trato digestivo do vetor, há uma mudança da expressão estágio-específica de várias moléculas dessas formas durante o seu desenvolvimento, processo denominado metaciclogênese, onde as promastigotas que migram para a parte anterior do tubo digestivo do vetor atingem um estágio infectivo, ou seja, se transformam em formas metacíclicas infectantes. A principal transformação bioquímica observada ocorre com a variação do tamanho das porções glicídicas da molécula de lipofosglicano (LPG) ancoradas na superfície das membranas das promastigotas. No segundo tipo de parasita, as formas promastigotas das espécies pertencentes ao Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE subgênero Leishmania multiplicam-se livremente ou aderentes às paredes do estômago. Em seguida, ocorre migração dos flagelados para a região anterior do estômago onde transformam-se em paramastigotas, colonizando o esôfago e a faringe. Neste local, diferenciam-se novamente em pequenas promastigotas metacíclicas, semelhantes ao desenvolvimento anterior. O tempo necessário para que o ciclo se complete varia entre três e cinco dias para diferentes espécies. 2. Ciclo no Hospedeiro: Durante o processo de alimentação do flebotomíneo é que ocorre a transmissão do parasita. Na tentativa da ingestão do sangue as formas promastigotas são introduzidas no local da picada. A saliva do flebotomíneo possui neuropeptídios vasodilatadores que atuam facilitando a alimentação do inseto e ao mesmo tempo imunossuprimindo a resposta do hospedeiro vertebrado, desta forma, exerce importante papel no sucesso da infectividade das promastigotas metacíclicas. Essa forma parasitária é resistente ao processo de lise pelo complemento, situação possível graça a mudanças conformacionais no LPG. Após a ativação do complemento, fiações como C3, e C3b não se ligariam diretamente a membrana do parasito devido a cobertura desta pelo LPG, e assim, o acesso e a inserção do complexo C5b-9 ou a formação de C5 convertase seriam dificultados, impedindo seu rompimento. As promastigotas podem ainda interagir com outras proteínas do soro paraativar o complemento, facilitando a adesão a membrana do macrófago. Dentro de quatro a oito horas, estes flagelados são interiorizados pelos macrófagos teciduais, que estendem pseudópodes capazes de envolver os parasitas, introduzindo-os em seu interior e formando um vacúolo fagocitário. Durante o processo de endocitose do parasito, por causas fisiológicas, a célula hospedeira aumenta intensamente a sua atividade respiratória. Os produtos liberados deste processo, com a formação de óxido nítrico, dos radicais livres, óxidos, hidroxilas, hidróxidos e superóxidos, conhecidos por serem altamente lesivos para a membrana celular. Os parasitos necessitam da utilização de mecanismos de escape a este ataque, momento no qual novamente o LPG aparece como uma molécula protetora. Além disto, a saliva do inseto, presente neste ambiente, exerce ação inibidora da estimulação dos macrófagos, reduzindo a capacidade destas células de produzir óxido nítrico. Rapidamente as formas promastigotas se transformam em amastigotas, que são encontradas 24 horas após a fagocitose. Dentro do vacúolo fagocitário (parasitóforo) dos macrófagos, as amastigotas estão adaptadas ao novo meio fisiológico e resistem a ação destruidora dos lisossomos, multiplicando-se por divisão binaria até ocupar todo o citoplasma. Esgotando-se sua resistência, a membrana do macrófago se rompe liberando os parasitos aflagelados no tecido, sendo novamente fagocitados, iniciando no local uma reação inflamatória. O curso da infecção nos animais, incluindo o homem, é altamente variável, sendo dependente da espécie de Leishmania que o parasita, de características genéticas e da resposta imune do hospedeiro, o que origina diferentes quadros clínicos. Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE CICLO BIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL: 1. Ciclo no Vetor: No hospedeiro invertebrado, Lutzomyia longipalpis, são encontradas no intestino médio e anterior nas formas paramastigota, promastigota e promastígota metacíclica. A infecção do mosquito ocorre quando a fêmea realiza a hematofagia num hospedeiro contaminado, ingerindo macrófagos e monócitos parasitados. No interior do intestino médio, rapidamente ocorre a ruptura das células liberando as formas amastigotas que, após divisão binária, se transformam em promastigotas arredondadas e de flagelo curto, que se dividem intensamente, ou alongadas com um flagelo longo e cujo processo de divisão é bem menos intenso. Após 48 a 72 horas do repasto alimentar a matriz peritrófica se rompe, permitindo que as promastigotas livres migrem para o intestino anterior. Nas válvulas estomacais, esôfago e faringe são encontradas diversas formas parasitárias como paramastigotas, fixadas ao epitélio pelo flagelo, promastigotas longas com o flagelo também longo, em processo de multiplicação de pouca intensidade, e promastigotas curtas, dotadas de flagelo longo, ágeis na. Estas formas, as promastigotas metacíclicas, são infectantes para o hospedeiro vertebrado. 2. Ciclo no Hospedeiro: A transmissão do parasito ocorre quando as fêmeas infectadas se alimentam em vertebrados susceptíveis. Durante a alimentação, a saliva de Lutzomyia longipalpis é inoculada com as formas do parasito. Dentre outros fatores, a presença do maxidilam, um dos mais potentes vasodilatadores conhecidos, parece ser muito importante para os eventos que se seguem na modulação da resposta imune, determinantes da infecção. No hospedeiro vertebrado, de modo a evitar os ataques do sistema imune, as formas amastigotas do L. chagasi são encontradas parasitando células fagocitárias, principalmente macrófagos. No homem, localizam-se em órgãos linfoides, como medula óssea, baço, fígado e linfonodos, que podem ser encontrados densamente parasitados. O parasitismo pode envolver outros órgãos e tecidos, como os rins, placas de Peyer no intestino, pulmões e a pele. Raramente, as amastigotas podem ser encontradas no sangue, no interior de leucócitos, íris, placenta e timo. Dentro do fagossomo, no interior destas células, o parasito se diferencia em amastigota para a sua sobrevida fisiológica e inicia o processo de sucessivas divisões binárias. Quando os macrófagos estão densamente parasitados, rompem-se liberando as amastigotas que irão parasitar novos macrófagos tornando o hospedeiro infectado. FORMAS CLÍNICAS: LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA: Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE A leishmaniose tegumentar americana é uma doença causada por parasitas do gênero Leishmania, cujo ciclo de vida se divide entre hospedeiros vertebrados (roedores, marsupiais, canídeos e primatas) e invertebrados, representados principalmente por mosquitos flebotomíneos da espécie Lutzomya, conhecidos no Brasil por birigui, mosquito-palha e tatuquira. São diversas as espécies do parasita capazes de causar a doença, porém as mais recorrentes no Brasil são: Leishmania (Viannia) braziliensis; Leishrnania (Eannia) guyanensis; Leishmania (Viunnia) lainsoni; Leishmania (Ilannia) shawi; Leishmania (Eannia) naiffi Leishmania (Viunnia) amazonensis; A transmissão ocorre pela picada de fêmeas de mosquitos hematófagos que, ao exercer o hematofagismo, cortam com suas mandíbulas o tecido subcutâneo logo abaixo da epiderme, formando sob esta um afluxo de sangue, onde são inoculadas as formas promastigotas metacíclicas provenientes das regiões anteriores do trago digestivo: probóscide, cibário, faringe e esôfago. Graças a essa lesão formada no microambiente da epiderme, as formas parasitárias inoculadas pelo mosquito encontrarão diversas proteínas do soro, proteínas do sistema complemento, anticorpos (IgG) e fibronectina. A saliva contribui efetivamente na infecciosidade das formas promastigotas, por meio de substância vasodilatadora (Maxidilan). Essa substância imunossupressora parece inibir a apresentação de antígenos de Leishmania pelos macrófagos. Além disso, o vasoativo exerce um papel de imunomodulador da resposta imune, inibindo a secreção de citocinas tipo I (IL-12 e INF-γ). Desta forma, citocinas tipo II (IL-4 e IL-10) agem suprimindo a resposta imune celular favorecendo o sucesso da infecção. Os anticorpos da classe IgG e as fibronectinas participam do processo de adesão das promastigotas infectantes ao macrófago por meio de receptores para porção Fc das IgG. As diversas espécies de Leishmania são capazes de ativar o complemento tanto pela via clássica como pela via alternativa. Os fatores do complemento, principalmente o C3 e seus produtos de clivagem favorecem a fagocitose, uma vez que macrófagos possuem receptores específicos para os mesmos. O complexo lítico final do complemento (C5-9) é capaz de aderir a superfície dos promastigotas e provocar a lise dessas formas. Além do LPG, a glicoproteína gp63 e alguns carboidratos estão envolvidos com a ligação do parasito com a célula hospedeira. A penetração na célula por meio de receptores para estes ligantes resulta em uma forma de escape da Leishmania, uma vez que dessa forma o mecanismo microbicida de explosão respiratória dos macrófagos não será ativado. No interior do fagossomo as promastigotas transformam-se em amastigotas que sobrevivem e se multiplicam dando início à infecção. No organismo humano a reação ao parasita se desenvolve de forma polarizada entre os extremos Th1, pró-inflamatório, e Th2, que aumentam a susceptibilidade a infecções. Na forma cutânea localizada observa-se uma correção com a resposta do tipo Th1, histologicamente caracterizada como um processo granulomatoso tipo tuberculóide, com proliferação linfocitária e plasmocitária marcada por ausência ou escassez deparasitos. Na leishmaniose cutâneo-difusa, por sua vez, as respostas tendem ao tipo 2, na qual existe uma infiltração dérmica de macrófagos, geralmente inseridos em Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE vacúolos, repletos de amastigotas e com escassez de linfócitos, caracterizando um padrão de suscetibilidade em humanos. A imunidade celular é facilmente detectada, mas, ao contrário do que ocorre nas formas autorresolutivas, a doença progride, podendo evoluir para a forma cutâneo- mucosa, a qual apresenta expressão simultânea de citocinas Th1 e Th2, ou seja, um padrão Th0. A resposta imune celular é variável conforme o quadro clínico, estando presente nos pacientes acometidos pela forma cutânea, exacerbada nos casos de lesões mucosas e usualmente suprimida nos casos de leishmaniose difusa. É comum observar resposta imune celular contra antígenos de Leishmania nos indivíduos portadores mesmo após anos de tratamento, bem como naqueles com leishmaniose tegumentar que evoluíram para cura espontânea. A resposta imune humoral está normalmente presente em todas as manifestações clínicas de leishmaniose tegumentar. Os níveis de anticorpos observados nos casos da doença com acometimento difuso são elevados. Nos casos de leishmaniose cutânea e cutaneomucosa, os níveis de anticorpos são baixos ou discretamente aumentados quando ocorre acometimento de mucosa. Após cura clínica, os títulos de anticorpos decrescem, deixando de ser detectados alguns meses após a cura em alguns casos. No início da infecção, as formas promastigotas são inoculadas na derme durante o repasto sanguíneo do flebotomíneo. As células destruídas pela probóscide do inseto e a saliva inoculada atraem para a área células fagocitárias mononucleares, os macrófagos e outras células da série branca. Papel importante é desempenhado pelo macrófago, célula especializada em identificar e destruir corpos estranhos, incluindo parasitos. Certos macrófagos são capazes de eliminar os parasitos diretamente, enquanto outros necessitam ser estimulados. Somente macrófagos fixos não-estimulados são hábeis para o estabelecimento da infecção. Ao serem fagocitadas, as promastigotas transformam-se em amastigotas e iniciam reprodução por divisões binárias sucessivas. Mais macrófagos são atraídos ao sítio, onde se fixam e são infectados. A lesão inicial é manifestada por um infiltrado inflamatório composto principalmente de linfócitos e de macrófagos na derme, estando estes últimos abarrotados de parasitas. O período de incubação, ou seja, o intervalo de tempo entre a picada e o desenvolvimento da primeira ferida, varia entre duas semanas a três meses. As lesões iniciais são Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE semelhantes, independentemente da espécie do parasito. Esta forma inicial pode regredir espontaneamente após um breve curso abortivo, pode permanecer estacionária ou evoluir para um nódulo dérmico chamado "histiocitoma", localizado sempre no sítio da picada do vetor infectado. Esse nódulo desenvolve-se em diferentes ritmos, dependendo da espécie de Leishrnania envolvida. Nos estágios iniciais da infecção, histologicamente a lesão é caracterizada pela hipertrofia do extrato córneo e da papila, com acúmulo de histiócitos nos quais o parasito se multiplica. Gradualmente forma-se um infiltrado celular circundando a lesão, consistindo principalmente em pequenos e grandes linfócitos, entre os quais alguns plasmócitos. Como resultado, forma-se no local uma reação inflamatória tuberculóide. Ocorre necrose, resultando na desintegração da epiderme e da membrana basal que culmina com a formação de uma lesão úlcero- crostosa. Após a perda da crosta, observa-se uma pequena úlcera com bordas ligeiramente salientes e fundo recoberto por exsudato seroso ou seropumlento. Esta lesão progride, desenvolvendo-se em uma típica úlcera leishmaniótica que, por seu aspecto morfológico, pode ser reconhecida imediatamente (ferida circular com bordos altos, fundo granuloso e de cor vermelha intensa, densamente recoberta por exsudatos em caso de infecções secundárias). As lesões podem assumir, entretanto, outras formas menos características: seca e hipercerastósica, vegetativa framboesiforme, com exsudato seropurulento. Simultaneamente ou em seguida ao aparecimento da lesão inicial pode ocorrer disseminação linfática ou hematogênica, produzindo metástases cutânea, subcutânea ou mucosa. Seguido a um tratamento com sucesso, forma-se no local, em substituição a úlcera, uma cicatriz característica. Em geral a área cicatricial está despigmentada, com uma leve depressão na pele, com uma fibrose sob a epiderme, que está fina. Manifestações clínicas: Um amplo espectro de formas pode ser visto na leishmaniose tegumentar americana, variando de uma lesão autorresolutiva a lesões desfigurantes. Esta variação está intimamente ligada ao estado imunológico do paciente e as espécies de Leishmania. De modo geral, os acometimentos podem ser agrupados em 3 categorias: leishmaniose cutânea, leishmaniose cutânea difusa e leishmaniose cutâneo-mucosa. Leishmaniose Cutânea: Caracterizada pela formação de úlceras únicas ou múltiplas confinadas na derme, com a epiderme ulcerada. Resultam em feridas leishmanióticas típicas, ou, então, evoluem para formas vegetantes verrucosas ou fiamboesiformes. A densidade de Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE parasitos nos bordos da úlcera formada é grande nas fases iniciais da infecção, com tendência a escassez nas úlceras crônicas. A leishmaniose cutâneo-disseminada é uma variação da forma cutânea e geralmente está relacionada com pacientes imunossuprimidos. No Brasil, as espécies que têm sido encontradas parasitando o homem são: o L. brasiliensis: provoca no homem lesões conhecidas por úlcera-de-Bauru, ferida brava, ferida seca e bouba. As lesões primárias são usualmente únicas, ou em pequeno número, mas frequentemente de grandes dimensões, com úlceras em forma de cratera. O curso da infecção é geralmente irregular e crônico; e a tendência para cura espontânea, que depende em parte do tipo e da localização das lesões, varia grandemente de uma região geográfica para outra. Esta espécie é responsável pela forma cutânea mais destrutiva dentre as demais conhecidas; o L. guyanensis: Esta espécie causa no homem lesões cutâneas conhecidas por pian bois. Pode apresentar-se sob a forma de Úlcera única do tipo "cratera de lua" e frequentemente dissemina-se dando origem a úlceras similares pelo corpo. Estas metástases são linfáticas, apresentando-se no início como nódulos subcutâneos móveis que mais tarde aderem a pele e ulceram. Linfagite e linfadenopatia são relativamente frequentes em indivíduos acometidos por essa espécie, podendo também ocorrer formas verrucosas vegetativas. Em muitos casos podem ocorrer úlceras múltiplas em decorrência de também múltiplas picadas do inseto vetor, que é encontrado em grande número e com alta taxa de infecção na natureza; o L. amazonenses: Em geral, esta espécie produz, no homem, lesões ulceradas simples e limitadas, contendo numerosos parasitos nos bordos da lesão. Não é um parasito comum do homem devido provavelmente aos hábitos noturnos do vetor. Leishmaniose Cutânea Difusa: É caracterizada pela formação de lesões difusas não-ulcerativas por toda a pele, contendo um grande número de amastigotas. No Brasil é causada pelo L. amazonenses. Afeta amplas áreas da pele, principalmente extremidades e outras regiões expostas, onde são vistas diversas erupções nodulares que não ulceram. Essa manifestação é resultado da disseminação linfáticado parasito ou da migração dos macrófagos infestados, também relacionada a um déficit imunológico do paciente, que está deprimido frente aos antígenos de Leishmania, levando o organismo a um estado de anergia para a infecção. A doença caracteriza-se por curso crônico e progressivo por toda a vida do paciente, não respondendo aos tratamentos convencionais. Leishmaniose Cutâneo-Mucosa: Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE Chamada também de espúndia e nariz de tapir ou de anta, é causada pelo Leishmania brasiliensis, com manifestações iniciais semelhantes aquelas observadas nos acometimentos cutâneos desse mesmo parasito. Um dos aspectos mais típicos dessa doença é a manifestação de lesões destrutivas secundárias em mucosas e cartilagens após meses ou anos da primeira ferida. Trata-se de um processo lento, de curso crônico. Estas lesões secundárias podem ocorrer por extensão direta de uma lesão primária ou então através da disseminação hematogênica. As regiões mais comumente afetadas pela disseminação metastática são o nariz, a faringe, a boca e a laringe. O primeiro sinal de comprometimento mucoso manifesta-se por eritema e discreta inflamação no septo nasal, resultando em coriza constante e posteriormente em um processo ulcerativo. Atinge depois o vestíbulo, as asas do nariz, o assoalho da fossa nasal, o palato mole e a úvula, daí descendo para a faringe, podendo comprometer a laringe e a traqueia. A destruição do septo provoca mudança anatômica e aumento do órgão, que se constitui no chamado nariz de anta. Em muitos casos ocorre completa destruição de toda a estrutura cartilaginosa do nariz. O processo ulcerativo pode atingir os lábios e se propagar pela face. Estas graves mutilações criam ao paciente dificuldades de respirar, falar e se alimentar. São frequentes, nesta fase, complicações respiratórias por infecções secundárias, podendo levar o paciente ao óbito. LEISHMANIOSE VISCERAL: A leishmaniose visceral é causada, em todo o mundo, por parasitos do complexo L. donovani que inclui três espécies de Leishmania, a saber: Leishmania (Leishmania) donovani; Leishmania (Leishmania) infantum; Leishmania (Leishmania) chagas. Nas Américas, Leishmania (Leishmania) chagasi é a espécie responsável pelas formas clínicas da leishmaniose visceral, porém cada um desses agentes etiológicos causa acometimentos com diferentes manifestações clínicas. O principal mecanismo de transmissão da L. chagasi nas condições naturais e de importância epidemiológica universal ocorre normalmente por meio da picada da fêmea de Lutzomya longipalpis. As formas promastigotas metacíclicas movimentando- se livremente na probóscide do vetor são inoculadas durante o repasto sanguíneo. Em decorrência do intenso parasitismo e de enzimas produzidas pelos parasitos no intestino anterior do inseto, podem ocorrer bloqueio e lesão da válvula proventricular, provocando a regurgitação dos promastigotas para a derme do vertebrado Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE no momento da alimentação do flebotomíneo. Alguns outros mecanismos de transmissão que merecem ser destacados são: Uso de drogas injetáveis; Transfusão de sangue; Transmissão congênita; Acidentes em laboratório. Na infecção por L. donovani sabe-se que a multiplicação dos parasitos dentro dos macrófagos depende de mecanismos imunes regulatórios, como a capacidade da célula de prevenir a apoptose, estimular o complexo maior de histocompatibilidade classe II (MHC II), modular a expressão de citocinas do próprio macrófago e sua ação sobre os linfócitos T. A estimulação da produção de fator de formação de colônia de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) parece ser um dos mecanismos de controle da apoptose. As células T estimuladas pela apresentação antigênica podem desenvolver-se em duas subpopulações de linfócitos auxiliares (helper – Th), as de tipo 1 (Th1) secreta grande quantidade de TNF-γ associado a produção de citocinas pró-inflamatórias, enquanto que as células do tipo 2 (Th2) produzem grande quantidade de IL-4, associada a citocinas promotoras da produção de anticorpos produzidos por linfócitos B. É reconhecido que a resposta Th1 está associada a capacidade do hospedeiro em controlar a infecção e a resposta Th2, é mais correlacionada com o processo progressivo da doença. A indução preferencial das células T helper depende de alguns fatores, como a dose infectante, o mecanismo de apresentação pela APC, a via de inoculação e o padrão genético do hospedeiro. A leishmaniose visceral é caracterizada pela incapacidade do macrófago em destruir as amastigotas. Nos doentes, tem sido observada a produção de níveis elevados de IL-10 que, em sinergismo com IL-4, parece ser fundamental na progressão da doença, uma vez que ambas são capazes de inibir a ativação de macrófagos pelo INF-γ produzido pelas células TCD4, a transcrição do TNF-α e a produção de oxidantes respiratórios. A produção de anticorpos, principalmente IgG, é muito elevada. Entretanto, como a ativação de linfócitos B é policlonal, a maioria das imunoglobulinas são inespecíficas. A presença de anticorpos específicos contra Leishmania é importante, principalmente para o diagnóstico. Todos esses acontecimentos perpetuam a infecção, tomando a doença progressiva e eventualmente letal, se não controlada. O curso da infecção é dependente, ainda, da capacidade do hospedeiro em estabelecer uma resposta imune mediada por células. Indivíduos assintomáticos ou pós-tratamento apresentam resposta celular do tipo hipersensibilidade tardia (Teste de Montenegro), positiva para antígenos do parasita. Após a terapêutica específica, os níveis de anticorpos caem drasticamente. A L. chagasi é um parasito de células fagocitárias, principalmente do baço, fígado, linfonodo e medula óssea. Entretanto, no curso da infecção outros órgãos e tecidos podem ser afetados, como intestino, sangue, pulmões, rins e pele. Nas fases mais avançadas da doença são raros os órgãos onde não se encontra o parasito. A pele é a porta de entrada para a infecção. A inoculação das formas infectantes é acompanhada da saliva do inseto vetor, que é rica em substâncias com atividade inflamatória. Esta atividade é muito importante para o aumento de células fagocitárias neste local e crucial para a instalação da infecção. Lesões nodulares Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE locais podem existir, principalmente em infecções por L. donovani, mas esse sinal é transitório, mediado por reações inflamatórias. Na infecção por Leishmania chagasi, o local da inoculação dos parasitos normalmente passa desapercebido. O processo pode evoluir para a cura espontânea ou, a partir da pele, ocorrer a migração dos parasitos, principalmente para os linfonodos, seguida da migração para outros órgãos. A via de disseminação de Leishmania pode ser a hematogênica elou linfática. Leishmania chagasi raramente tem sido encontrada no sangue periférico humano de indivíduos considerados imunocompetentes. No entanto, em cães ou raposas este achado é frequente. A patogenia da doença é determinada por múltiplos fatores que envolvem os hospedeiros os parasitos, além de fatores genéticos determinantes da susceptibilidade para a infecção e para a cura, o estado imunológico e nutricional do indivíduo. Nas vísceras, os parasitos induzem uma infiltração focal ou difusa de macrófagos não- parasitados, além de infiltrado de linfócitos e células plasmáticas, com focos de plasmacitogênese. As alterações mais particulares são descritas nos tecidos esplênico, hepático, sanguíneo, pulmonar e renal. Alteraçõesesplênicas: a esplenomegalia é o achado mais importante e frequente no calazar, podendo ser discreta nas fases iniciais da doença, mas na fase crônica torna-se uma constante. Há infartos no parênquima do órgão, que se tona inflamado e fibrótico. As células fagocitárias encontram-se ricamente parasitadas na polpa vermelha, enquanto que na polpa branca há menor incidência de parasitas; Alterações hepáticas: a hepatomegalia é uma característica marcante na leishmaniose visceral, com manutenção de sua consistência e ocasional congestão passiva. É frequente a presença de infiltrado difuso de células, plasmáticas e linfócitos, intraparenquimal. Podem ser observadas fibrose septal e portal, leve ou moderada, ao longo do infiltrado inflamatório; Alterações hematológicas: a medula óssea é em geral encontrada com hiperplasia e densamente parasitada. A eritropoese e granulopoese são normais no início do processo infeccioso. Durante as fases mais adiantadas da infecção, ocorre desregulação da hematopoese, caracterizada pela diminuição da produção celular. A anemia é o achado mais frequente nos indivíduos doentes. As contagens de eritrócitos nesses casos são muito baixas. Verifica-se plasmocitose, embora no sangue periférico seja comum níveis baixos de linfócitos B, pois estas células produtoras de imunoglobulinas encontram-se sequestradas nos órgãos linfoides; Alterações pulmonares: há proliferação linfática e de células septais no pulmão, compondo um quadro de fibrose que pode afetar a função respiratória. As formas amastigotas são pouco frequentes; Alterações no TGI: há excessiva proliferação de células fagocitárias, especialmente no jejuno e íleo, com presença de amastigotas. Ocorre edema e alongamento das vilosidades, sem ocorrência de alterações na arquitetura da mucosa e dos vasos linfáticos; Alterações nos linfonodos: os linfonodos encontram-se frequentemente aumentados. Ocorre reatividade nos centros germinativos dos folículos linfoides, reflexo do aumento na celularidade perifolicular. Na zona paracortical há depleção de células T e presença de plasmócitos e macrófagos Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE parasitados. A presença destes plasmócitos explica em parte a hipergamaglobulinemia presente durante a infecção; Alterações cutâneas: os parasitas podem ser encontrados na pele dos pacientes, formando nódulos não ulcerosos e causando queda de cabelo; Alterações renais: a principal alteração que ocorre nos rins está relacionada com a presença de imunocomplexos circulantes. Em muitos casos ocorre glomerolonefrite proliferativa e nefrite intersticial, culminando em distúrbios na formação de urina, como excreção proteica e hematúria. Manifestações clínicas: A doença pode ter desenvolvimento abrupto ou gradual. Os sinais sistêmicos típicos estão associados a febre intermitente, palidez de mucosas, esplenomegalia associada ou não a hepatomegalia, e progressivo emagrecimento com enfraquecimento geral do hospedeiro. A tosse não-produtiva, a diarreia e a dor abdominal são queixas frequentes na fase aguda da infecção. Progressivamente, no curso da doença, o paciente pode apresentar anemia, epistaxes, hemorragia gengival, edema, icterícia e ascite. A anorexia e a desnutrição aumentam a debilidade do paciente. Nestes pacientes, o óbito pode ser decorrente do parasitismo, porém geralmente é determinado pelas hemorragias e infecções intercorrentes. As hemorragias digestivas e a icterícia são sempre indicadoras de gravidade. A relação parasito-hospedeiro no calazar assume caráter espectral e é possível atribuir diversas formas clínicas, variando de uma forma silenciosa assintomática, considerada subclínica, ou oligossintomáticas, forma aguda até a forma crônica ou de evolução clássica. Forma assintomática: Os indivíduos podem desenvolver sintomatologias pouco específicas, que se manifestam por febre baixa recorrente, tosse seca, diarreia, sudorese, prostração e apresentar cura espontânea ou manter o parasito, sem nenhuma evolução clínica por toda a vida. O diagnóstico pode ser acidental ou epidemiológico. Acredita-se que esta represente a maior parcela da população infectada em área endêmica. O equilíbrio apresentado por estes indivíduos pode, entretanto, ser rompido pela desnutrição ou por um estado imunessupressivo, como na AIDS ou decorrente do uso de fármacos pós- transplante, situações que rompem a barreira funcional linfocitária. o Forma aguda: Corresponde ao período inicial da doença. Observam-se febre alta, palidez de mucosas e hepatoesplenomegalia discretas. A evolução em geral e não ultrapassa dois meses. Muitas vezes o paciente apresenta tosse e diarreia. Esse quadro pode ser facilmente confundido com o de outras doenças febris que apresentem visceromegalia. Há presença Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE elevada de imunoglobulinas G anti- Leishmania. Calazar clássico (forma sintomática crônica): Forma de evolução crônica caracterizada por febre irregular e associada ao agravamento dos sintomas. O emagrecimento é progressivo, encaminhando o paciente para uma condição de desnutrição calórico- proteica e caqueixa acentuada, mesmo que o apetite se mantenha preservado. O abdome torna-se aumentado pela hepatoesplenomegalia e pela ascite. É comum a presença de edema generalizado, dispneia, cefaleia, mialgia, perturbações digestivas, epistaxes e retardo da puberdade. Uma vez que o calazar é uma doença de caráter debilitante e imunodepressivo, as infecções bacterianas são especialmente importantes na determinação do óbito, com os principais acometimentos sendo representados por pneumonia, tuberculose, disenteria e gripe. Leishmaniose dérmica pós-calazar: Manifestação cutânea da leishmaniose causada pelo L. donovani que ocorre após o tratamento da manifestação visceral. Mais frequente na Índia e Sudão, as lesões aparecem de seis meses a cinco anos após a cura do calazar. As lesões têm aparência variada e são caracterizadas pelo surgimento de áreas hipopigmentadas, pápulas, manchas e nódulos, acometendo principalmente a face, o tronco e membros. Embora o parasitismo cutâneo seja intenso, a medula óssea e vísceras em geral são negativas e não há febre ou outro sintoma de envolvimento visceral. As lesões podem levar meses ou anos para desaparecerem e o tratamento é sempre muito prolongado. Métodos diagnósticos: 1. Diagnóstico para leishmaniose tegumentar americana: Diagnóstico laboratorial: A demonstração do parasito pode ser coletada por meio da análise de materiais colhidos nas regiões lesionadas em diversas formas, como: o Exame direto de esfregaços corados: após anestesia local, pode-se fazer biópsia ou curetagem nos bordos da lesão. Retira-se um fragmento com o qual é feito esfregaço em lâmina, posteriormente corado. A avaliação de microscopistas bem-treinados não afeta a sensibilidade do exame, que apresenta 83% de acuidade no processamento dos resultados; o Exame histopatológico: o fragmento de pele obtido pela biópsia é submetido a técnicas histológicas de rotina e exame por um experiente patologista. O encontro de amastigotas ou de um infiltrado inflamatório compatível pode definir ou sugerir o diagnóstico, respectivamente; o Cultura: pode ser feita a cultura de fragmentos do tecido ou de aspirados dos bordos da lesão e de linfonodos infartados de áreas próximas a esta. O exame é altamente sensível, mas Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE pode ser facilmente contaminado por bactérias que coabitam o sítio da lesão; o Inóculo em animais: restrita a instituiçõescientíficas devido ao alto custo de manutenção, consiste na aplicação de preparado das amostras do paciente nas patas e focinhos de hamsters, observando o desenvolvimento de lesões locais. Pesquisa do DNA do parasita: A PCR (reação em cadeia da polimerase) tem se mostrado como uma nova opção de diagnóstico de leishmaniose tegumentar, principalmente em função de sua grande sensibilidade. Assim sendo, busca-se suprir eventuais deficiências dos métodos que pesquisam a forma amastigota do parasito no material obtido da lesão. Diagnóstico por métodos imunológicos: o Métodos para avaliação da resposta celular: Teste de Montenegro: avalia a reação de hipersensibilidade tardia do paciente e é utilizado para o diagnóstico ou para monitorização de programas tratamento da doença. Sua sensibilidade varia entre 82,4 e 100% conforme a preparação antigênica usada. O material é inoculado na face interna do braço. No caso de rações positivas, verifica-se o estabelecimento de uma reação inflamatória local formando um nódulo ou pápula que atinge o auge em 48 a 72 horas, regredindo então. Na interpretação dos resultados devem ser observados os seguintes aspectos: Na forma cutânea simples da leishmaniose, a reação inflamatória pode variar de acordo com a evolução da doença, sendo maior nas úlceras crônicas; Na forma mucosa, a reação inflamatória pode ser tão intensa a ponto de provocar flictemas e necrose, devido ao estado hiper-reativo do paciente; n Na forma difusa, a resposta é usualmente negativa devido ao estado anérgico em que se encontra o paciente; Em pacientes tratados, instala-se uma imunidade celular duradoura, permanecendo teste positivo durante muitos anos e, em alguns casos, indefinidamente. o Métodos para avaliação da resposta humoral: Reação de Imunofluorescência Indireta: é o mais usado dentre os métodos sorológicos para detecção do Leishmania, sendo um dos motivos sua sensibilidade parcialmente elevada. Os títulos de anticorpos são normalmente baixos em casos com lesão cutânea recente, mas podem estar aumentados nas formas crônicas da doença, especialmente em casos de envolvimento mucoso. Como o teste não é espécie-específico, ocorrem reações cruzadas com outros Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE tripanossomatídeos, dificultando o seu uso em áreas endêmicas onde ocorrem a doença de Chagas e o calazar. 2. Diagnóstico para leishmaniose visceral: Diagnóstico laboratorial: o Pesquisa do parasita: O diagnóstico parasitológico baseia- se na observação direta do parasito em preparações de material obtido de aspirado de medula óssea, baço, fígado e linfonodo, através de esfregaços corados em lâmina de vidro, inoculados em meio de cultura ou em animais de laboratório. Quando obtidos por biópsia podem ser elaborados cortes histológicos de fragmentos dos órgãos para a pesquisa do parasito. É principalmente realizada por meio de punção medular, com sensibilidade entre 60 e 70%. o Testes imunológicos: Reação de Imunofluorescência Indireta: o Utiliza como antígeno formas promastigotas fixadas em lâmina. Trata-se de método de simples execução e que apresenta uma sensibilidade alta na detecção de casos de leishmaniose visceral, porém fornece reações cruzadas com outros tripanossomatídeos. Entretanto, no calazar os títulos de anticorpos são muito mais altos durante a doença. E o teste mais usado, inclusive na avaliação da resposta a terapêutica. Ensaio Imunoenziático (ELISA): o Trata-se de metodologia que permite a realização de grande número de exames em curto espaço de tempo. Os antígenos utilizados são solúveis e o teste mostra sensibilidade muito alta na detecção de casos de calazar. Contudo, como o antígeno utilizado é produzido a partir de lisados de formas promastigotas do parasito, mostra reações cruzadas com outros tripanossomatídeos. Reação de Fixação do Complemento: o Trata-se de um método que foi muito utilizado no diagnóstico do calazar humano ou canino. O antígeno empregado é obtido de extrato alcoólico de Mycobacterium (BCG). A sensibilidade da técnica é relativamente baixa comparada com os outros testes. As reações cruzadas são encontradas em títulos muito baixos, com a doença de Chagas, tuberculose, sífilis e blastomicose, o que confere ao teste melhor especificidade, considerando a elevada titulação de anticorpos no soro em caso de calazar. Testes rápidos imunocromatográficos: o Trata-se de testes com base em imunocromatografia de papel, onde se utiliza o antígeno recombinante fixado na superfície do filtro. Este antígeno reconhece anticorpos específicos anti-Leishmania, do complexo donovani. Trata-se de um método sensível, específico e de rápida execução (5- 10 min) que pode ser usado nas condições de campo. ESQUISTOSSOMOSE: Na classe Trematoda encontramos a família Schistomatidae, que apresenta sexos separados e são parasitos de vasos Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE sanguíneos de mamíferos e aves. Essa família é dividida em duas subfamílias: Bilharzielinae e Schistosomatinae. Na primeira encontramos os vermes sem dimorfismo sexual, que parasitam aves e alguns mamíferos domésticos ou silvestres (patos, gansos, búfalos, bovinos etc.), portanto, sem interesse médico direto. Na segunda, estão incluídos os que apresentam um nítido dimorfismo sexual e com espécies que parasitam o homem e animais, tendo profundo valor para a medicina. Diversas são as espécies pertencentes à família Schistosomatinae, porém a única relevante para o quadro epidemiológico brasileiro é a Schistosoma mansoni, agente da esquistossomose intestinal, que aflige a África, Antilhas e América do Sul. No Brasil, a doença é popularmente conhecida como "xistose", "barriga-d'água" ou "mal-do- caramujo", atingindo milhões de pessoas, numa das maiores regiões endêmicas dessa doença em todo o globo. As espécies do gênero Schistosoma que afetam o homem chegaram às Américas durante o tráfico de escravos e com os imigrantes orientais e asiáticos (nos quais foram detectados numerosos indivíduos parasitados pelo S. haematobium e S. japonicum). Entretanto, apenas o S. mansoni aqui se fixou, seguramente pelo encontro de bons hospedeiros intermediários e pelas condições ambientais semelhantes As da região de origem. Em relação à morfologia desse animal, é necessário estudar suas várias fases, dada a importância epidemiológica delas, a saber: Ovo: tem forma oval e uma espícula voltada para trás. A principal característica que permite identificar essa estrutura como pertencente à espécie Schistosoma mansoni é a presença de um miracídio formado, visível pela transparência da casca; Miracídio: estrutura cilíndrica e ciliada, capaz de se mover em ambiente aquático. Várias estruturas internas estão contidas no meio líquido do interior da larva. A extremidade anterior apresenta uma papila apical, ou terebratorium, que pode se amoldar em forma de uma ventosa. No terebratorium encontram-se as terminações das glândulas adesivas e da glândula de penetração. Também são encontrados no terebratorium um conjunto de cílios maiores e espículas anteriores, provavelmente importantes no processo de penetração nos moluscos e, finalmente, terminações nervosas, que teriam funções tácteis e sensoriais; Cercária: uma cauda bifurcada e duas ventosas estão presentes. A ventosa oral apresenta as terminações das chamadas glândulas de penetração: quatro pares pré-acetabulares e quatro pares pós- acetabulares, e abertura que se conecta com o chamado intestino primitivo,primórdio do sistema digestivo. A ventosa ventral, ou acetábulo, é maior e possui musculatura mais desenvolvida. É principalmente através desta ventosa que a cercaria fixa-se na pele do hospedeiro no processo de penetração; Adulto: o Macho: medindo cerca de 1cm, tem cor esbranquiçada e tegumento recoberto de projeções (tubérculos). Apresenta o corpo dividido em duas porções: anterior, na qual se encontra a ventosa oral e a ventosa ventral Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE (acetábulo), e a posterior (que se inicia logo após a ventosa ventral), onde se localiza o canal ginecóforo, que nada mais é do que dobras das laterais do corpo que permitem o albergue e fecundação da fêmea. É nesse canal também que se abrem as massas testiculares liberadoras de espermatozoides; o Fêmea: mede 1,5cm e se apresenta com coloração mais escura devido ao ceco com sangue semidigerido, com tegumento liso. Na metade anterior, encontramos a ventosa oral e o acetábulo. Seguinte a este temos a vulva, depois o útero (com um ou dois ovos), e o ovário. A metade posterior é preenchida pelas glândulas vitelogênicas (ou vitelinas) e o ceco. 1. Ciclo biológico: O Schistosoma mansoni apresenta um complexo ciclo biológico que descreve uma notável interação adaptativa entre o parasito e seus hospedeiros (intermediários e definitivos) com o ambiente no qual todo esse processo ocorre. O Schistosoma mansoni, ao atingir a fase adulta de seu ciclo biológico no sistema vascular do homem e de outros mamíferos, alcança as veias mesentéricas, principalmente a veia mesentérica inferior, migrando contra a corrente circulatória e atingindo a camada submucosa do intestino, na qual a fêmea faz a postura de seus ovos. Cinco anos é a vida média do S. mansoni; embora alguns casais possam viver mais de 30 anos eliminando ovos. Os ovos colocados nos tecidos levam cerca de uma semana para tomarem-se maduros (miracídio formado). Da submucosa chegam à luz intestinal, sendo alguns fatores determinantes para a passagem: Reação inflamatória (imunossuprimidos apresentam acúmulo de ovos nas paredes do intestino); Bombeamento (pressão dos ovos uns sobre os outros); Produção de enzimas proteolíticas pelos miracídios; Adelgaçamento do vaso pela presença do casal na sua luz; Perfuração da parede venular, estimulada pela descamação resultante da passagem fecal pelo intestino. A migração demora dias, isto é, desde que o ovo é colocado, até que atinja a luz intestinal, decorre um período mínimo de seis dias, tempo necessário para a maturação da estrutura. Se, decorridos cerca de 20 dias, os ovos não conseguirem atingir a luz intestinal, ocorrerá a morte dos miracídios. Os ovos podem ficar presos na mucosa intestinal ou serem arrastados para o fígado. Os ovos que conseguirem chegar à luz intestinal vão para o exterior junto com o bolo fecal e têm uma expectativa de vida de 24 horas (fezes líquidas) a cinco dias (fezes sólidas). Alcançando a água, os ovos liberam o miracídio, estimulado pelos seguintes fatores: temperaturas mais altas, luz intensa e oxigenação da água. A atração dos miracídios pelos caramujos do gênero Biomphalaria ocorre graças a emissão de substâncias excitatórias para os parasitas, promovendo sua concentração e migração para as proximidades do molusco. A capacidade de penetração restringe-se a cerca de oito horas após a eclosão e é notavelmente influenciada pela temperatura. O contato com o tegumento do molusco faz com que o terebratorium assuma a forma da Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE ventosa, ocorrendo, quase que simultaneamente, a descarga do conteúdo das glândulas de adesão. O miracídio agita- se intensamente, com movimentos contráteis e rotatórios, comandados pelas vibrações ciliares e pela ação da musculatura subepitelial. Neste meio tempo, o conteúdo da glândula de penetração é descarregado e as enzimas proteolíticas iniciam sua ação de digestão dos tecidos. A ação combinada dos intensos movimentos do miracídio e da ação enzimática constitui o elemento que permite a introdução do miracídio nos tecidos do molusco. O epitélio é ultrapassado e a larva se estabelece no tecido subcutâneo. O local de penetração pode ser representado por qualquer ponto das partes expostas do caramujo, sendo, porém, a base das antenas e o pé os pontos preferidos. O processo de penetração tem duração entre 10 e 15 minutos. A larva, após a perda das glândulas de adesão e penetração, continua a perder outras estruturas no processo de penetração. Desta forma, o passo seguinte será a perda do epitélio ciliado e a degeneração do terebratorium. Em seguida dar-se-á o desaparecimento da musculatura subepitelial e, por último, do sistema nervoso, que pode persistir por mais alguns dias. Com exceção do desaparecimento do sistema nervoso, todas as alterações citadas ocorrem num período de 48 horas. Assim sendo, o miracídio transforma-se, na verdade, em um saco com paredes cuticulares, contendo a geração das células germinativas ou reprodutivas que recebe o nome de esporocisto. Inicialmente, o esporocisto apresenta movimentos ameboides, que diminuem com o tempo, até a completa imobilidade da larva. As células germinativas, em número de iniciam, então, um intenso processo de multiplicação (poliembrionia), fazendo com que, após 72 horas, a larva, chamada esporocisto primário, esporocisto-mãe ou, simplesmente, esporocisto I, dobre de tamanho. Em condições ideais de temperatura, entre 25 e 28°C, ocorre a formação dos esporocistos secundários, que se inicia a partir do 14º dia após a penetração do miracídio. Esta evolução pode ser significativamente retardada em temperaturas abaixo de 20°C. A formação do esporocisto secundário inicia-se com um aglomerado de células germinativas nas paredes do esporocisto primário, verificando- se uma vacuolização acentuada na parte central da larva. Esses aglomerados se reorganizam e dão origem a septos, ficando o esporocisto primário dividido em 150 a 200 camadas, cada septo ou camada já podendo ser considerado um esporocisto secundário, esporocisto-filho ou esporocisto II. As paredes desse esporocisto apresentam uma dupla camada muscular logo abaixo da camada cuticular, apresentando fibras musculares longitudinais e transversais. Esta musculatura, associada a formação de espinhos na parte mais extrema da cutícula, terá papel fundamental na motilidade e na capacidade de migração intratissular das larvas. A migração dos esporocistos secundários inicia-se em tomo do 18* dia de infecção do molusco. A saída dos esporocistos do local de penetração do miracídio, onde a maioria se desenvolve, até as glândulas digestivas, ou hepatopâncreas, leva de dois a três dias. A localização final dos esporocistos será nos espaços intertubulares da glândula digestiva, local com riqueza nutritiva onde começam, então, a sofrer profundas modificações anatômicas no seu conteúdo de células germinativas. O ovotéstis, ou glândula reprodutiva, poderá também abrigar os esporocistos migrantes, mas com frequência menor, principalmente nas infecções com poucos miracídios. Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE Os esporocistos secundários, algum tempo depois de terem atingido o seu destino final, apresentam três áreas estruturais bem definidas. A primeira seria o chamado poro de nascimento. A segunda área apresentaria cercárias desenvolvidas ou em desenvolvimento. Por fim, a terceira teria células embrionárias, que poderão representar um outro tipo de reprodução. Esses esporocistos de segunda geração dão origem a mais uma linhagem, os esporocistos III, que explicama capacidade de liberação constante de cercárias pelo caramujo infectado. A formação cercariana inicia-se com a disposição das células germinativas em uma mórula, em cujo centro encontra-se uma grande célula basófila, com um núcleo grande e vesicular. Com o crescimento da mórula, esta célula central se multiplica, constituindo o primórdio das glândulas de penetração. As células externas da mórula vão originar as duas camadas celulares da cercária, constituída de fibras longitudinais e circulares. Ao mesmo tempo, observa-se a formação de uma cutícula acelular, bem como das duas ventosas. A formação completa da cercária, até sua emergência para o meio aquático, pode ocorrer num período de 27 a 30 dias, em condições ideais de temperatura. A emergência das cercárias ocorre com a saída dos organismos dos esporocistos- filhos. A migração das cercárias faz-se tanto pelos espaços intercelulares, cheios de hemolinfa, como através do sistema venoso do caramujo. A passagem para o meio exterior processa-se pela formação de vesículas no epitélio do manto e pseudobrânquia. Entretanto, algumas cercárias migram por muito tempo nos tecidos antes da emergência. Foram descritas glândulas que só existem na cercária intracaramujo. Estas glândulas atuam na emergência cercariana, sendo assim denominadas glândulas de escape. A emergência segue um ritmo circadiano, regida por fatores exógenos, cujos elementos sincronizadores são a luz e a temperatura, bastando, porém, a ação isolada de um desses fatores para a manutenção do ritmo. Apesar de as cercárias poderem viver por 36 a 48 horas, sua maior atividade e capacidade infectiva ocorrem nas primeiras oito horas de vida. Nadam ativamente na água, não sendo, entretanto, atraídas pelo hospedeiro preferido. As cercárias são capazes de penetrar na pele e nas mucosas. Ao alcançarem a pele do homem, se fixam preferentemente entre os folículos pilosos com auxílio das duas ventosas e de uma substância mucoproteica secretada por suas glândulas acetabulares. Em seguida, tomam a posição vertical, apoiando-se na pele pela ventosa oral. Por ação Iítica (glândulas de penetração) e ação mecânica (movimentos vibratórios intensos), promovem a penetração do corpo cercariano e a concomitante perda da cauda. Este processo dura de cinco a 15 minutos. A penetração e migração coincidem com o esvaziamento das glândulas pré- acetabulares ricas em enzimas proteolíticas. Quando ingeridas com água, as que chegam ao estômago são destruídas pelo suco gástrico, mas as que penetram na mucosa bucal desenvolvem-se normalmente. Após a penetração, as larvas resultantes, denominadas esquistossômulos, adaptam- se as condições fisiológicas do meio interno, migram pelo tecido subcutâneo e, ao penetrarem num vaso, são levadas passivamente da pele até os pulmões, pelo sistema vascular sanguíneo, via coração direito. Dos pulmões, os esquistossômulos se dirigem para o sistema porta, podendo usar duas vias para realizar essa migração: uma via sanguínea e outra transtissular. A migração pela via sanguínea seria feita da Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE seguinte forma: das arteríolas pulmonares e dos capilares alveolares os esquistossômulos ganhariam as veias pulmonares (pequena circulação) chegando ao coração esquerdo, acompanhando o fluxo sanguíneo, seriam disseminados pela aorta (grande circulação) para mais diversos pontos até chegar a rede capilar terminal: aqueles que conseguissem chegar ao sistema porta intra-hepático permaneceriam ali, os demais ou reiniciariam novo ciclo ou pereceriam. Já pela via transtissular, os esquistossômulos seguiriam o seguinte caminho: dos alvéolos pulmonares perfurariam ativamente o parênquima pulmonar, atravessando a pleura, o diafragma e chegariam a cavidade peritoneal, perfurando a cápsula e o parênquima hepático, alcançando, finalmente, o sistema porta intra-hepático. Uma vez no sistema porta intra-hepático, os esquistossômulos se alimentam e se desenvolvem transformando-se em machos e fêmeas 25-28 dias após a penetração. Daí migram, acasalados, para o território da veia mesentérica inferior, onde farão oviposição. Os ovos são depositados nos tecidos em tomo de 35" dia da infecção, imaturos, e a formação do miracídio (ovo maduro) demanda seis dias. Os primeiros ovos são vistos nas fezes cerca de 42 dias após a infecção do hospedeiro. 2. Transmissão: A transmissão ocorre por meio da penetração ativa do parasita em sua forma de cercária na pele ou nas mucosas, sendo as regiões mais susceptíveis os pés e pernas, que apresentam maior contato com águas contaminadas. O horário em que são vistas em maior quantidade e com maior atividade é entre 10 e 16 horas, quando a luz solar e o calor são mais intensos. Os locais onde se dá a transmissão mais frequente são os focos peridomiciliares: valas de irrigação de horta, açudes (reservatórios de água e local de brinquedo de crianças) e pequenos córregos. 3. Imunopatologia: A esquistossomose é basicamente uma doença que decorre da resposta inflamatória granulomatosa que ocorre em tomo dos ovos vivos do parasito. Os antígenos são secretados principalmente pela membrana interna da casca do ovo maduro, chamada "envelope de Von Lichtenberg", que apresenta toda a maquinaria de síntese proteica, núcleo próprio, inúmeras mitocôndrias e uma extensa rede de reticulo endoplasmático rugoso indicando alto nível de síntese de proteínas. Esses antígenos, chamados antígenos solúveis dos ovos, atravessam os poros das estruturas, disseminando-se nas circunvizinhanças destes, sendo capazes de induzir tanto a resposta imunológica humoral quanto a celular, representando papel fundamental na formação do granuloma e da doença de fato. A produção granulomatosa é distinta nas fases aguda e crônica da doença, sendo que na primeira as lesões são maiores e mais exacerbadas, enquanto que na forma recorrente o acometimento é mais controlado. Admite-se que principalmente a produção de IL-10 medeia a passagem da fase aguda para a fase crônica no fenômeno da imunomodulação. Os indivíduos de áreas endêmicas, com as formas graves da doença Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE (hepatoesplênica), não teriam esta capacidade de imunomodulação. A formação de imunocomplexos oriundos de antígenos do parasita também apresentam um importante foco de atenção, uma vez que ao se depositarem na membrana basal dos glomérulos podem afetar drasticamente a função renal do acometido 4. Patogenia: A patogenia da esquistossomose varia conforme a cepa do parasita, a carga parasitária adquirida, idade, estado nutricional e resposta imune do indivíduo, sendo que este último e a parasitemia se enquadram como os mais importantes. A ação de cada fase evolutiva do parasita no corpo é diferente, a saber: Cercária: a dermatite cercariana pode ocorrer quando as cercárias do Schistosoma penetram a pele humana, caracterizada por sensação de comichão e erupções urticantes, seguida, após 24h, por eritema, edema, pequenas pápulas e dor. É, em geral, mais intensa nas reinfecções (hipersensibilidade), nas quais há interferência de mastócitos, sistema complemento, eosinófilos e IgE. A dermatite cercariana é, portanto, um processo imunoinflamatório, muito importante para a imunidade concomitante; Esquistossômulos: cerca de três dias após a penetração das cercárias na pele, os esquistossômulos são levados aos pulmões. Na segunda semana após a infecção, podem ser encontrados nos vasos do fígado e, posteriormente, no sistema porta intra-hepático. Nessa fase, pode haver linfadenia generalizada, febre, aumento volumétrico do baço e sintomas pulmonares; Vermes adultos: s a maturação dos vermes adultos, nos ramos intra- hepáticos do sistema porta, os mesmos migram principalmente para a veia mesentérica inferior (ou mesmo, ectopicamente, para outras localizações). Os vermes permanecem aí por longos anos e não produzem lesões de monta. Já os vermes mortos podem provocar lesões extensas, embora circunscritas. Essas lesões ocorrem principalmente no figado, para onde os parasitos são arrastados pela circulação porta. Além dessas lesões, os vermes adultos espoliam o hospedeiro devido ao seu alto metabolismo; Ovos: são os elementos fundamentais da patogenia da esquistossomose. Quando apenas pequeno número de ovos viáveis consegue atingir a luz intestinal, as lesões produzidas são mínimas, com reparações teciduais rápidas; quando em grande número, podem provocar hemorragias, edemas da submucosa e fenômenos degenerativos, com formações ulcerativas pequenas e superficiais; essas lesões são em geral reparadas, com reconstituição da integridade dos tecidos. Os ovos que atingem o fígado, lá permanecem e causam as alterações mais importantes da doença. O antígeno solúvel excretado pelos poros do ovo vivo provocará a reação inflamatória granulomatosa. Portanto, a deposição dos ovos do parasito nos tecidos do hospedeiro é o evento fundamental de um complexo fisiopatológico que promoverá a formação do granuloma, desenvolvido nas seguintes fases: o Fase necrótica-exsudativa: aparecimento de uma zona de necrose em volta do ovo, circundada por exsudação de eosinófilos, neutrófilos e histiócitos com deposição de material eosinofílico conhecido como fenômeno de Hoeppli; o Fase produtiva (reação histocitária): reparação da área necrosada; Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE o Fase de cura ou fibrose: o granuloma se torna endurecido, recebendo o nome de nódulo. Em seguida, poderá haver calcificação do ovo ou mesmo absorção e desaparecimento do granuloma. 5. Manifestações clínicas: A evolução da esquistossomose pode ocorrer das seguintes formas: Esquistossomose aguda: o Fase pré-postural: é uma fase com sintomatologia variada, que ocorre cerca de 10-35 dias após a infecção. Neste penodo há pacientes que não se queixam de nada (forma assintomática) e outros reclamam de mal-estar, com ou sem febre, problemas pulmonares (tosse), dores musculares, desconforto abdominal e um quadro de hepatite aguda, causada, provavelmente, pelos produtos da destruição dos esquistossômulos; o Fase aguda: aparece em torno de 50 dias e dura até cerca de 120 dias após a infecção. Nessa fase pode ocorrer uma disseminação miliar de ovos, principalmente na parede do intestino, com áreas de necrose, levando a uma enterocolite aguda e no fígado (e mesmo em outros órgãos, e no pulmão pode simular tuberculose), provocando a formação de granulomas simultaneamente, caracterizando a forma toxêmica que pode apresentar- se como doença aguda, febril, acompanhada de sudorese, calafrios, emagrecimento, fenômenos alérgicos, diarreia, disenteria, cólicas, tenesmo, hepatoesplenomegalia discreta, linfadenia, leucocitose com eosinofilia, aumento das globulinas e alterações discretas das funções hepáticas (transaminases). Pode haver até mesmo a morte do paciente na fase toxêmica ou, então, como ocorre com a maioria dos casos, evoluir para a esquistossomose crônica, cuja evolução é lenta. Esquistossomose crônica: pode apresentar grandes variações clínicas, dependendo de serem as alterações predominantemente intestinais, hepatointestinais ou hepatoesplênicas. o Forma intestinal: o paciente apresenta diarreia mucossanguinolenta, dor abdominal e tenesmo. Nos casos crônicos graves, pode haver fibrose da alça retossigmóide, levando à diminuição do peristaltismo e constipação constante. Entretanto, a maioria dos casos crônicos é benigna, com predominância de alguns granulomas nodulares, e o paciente queixando-se, algumas vezes, de dores abdominais, como fase de diarreia mucossanguinolenta e, outras, de constipação, intercaladas de longos períodos normais. A diarreia é causada pela passagem de múltiplos ovos para a luz intestinal, ocasionando pequenas, mas numerosas hemorragias e edema local. o Forma hepática: as alterações hepáticas típicas surgem a partir do início da oviposição e formação de granulomas. Em consequência, teremos um quadro evolutivo, dependendo do número de ovos que chega a esse órgão, bem como do grau de reação granulomatosa que induzem. No início, o fígado apresenta-se aumentado de volume e bastante doloroso a palpação. Os ovos prendem-se nos espaços porta, com a formação de numerosos granulomas. Com o efeito acumulativo das lesões Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE granulomatosas em torno dos ovos, as alterações hepáticas se tornarão mais sérias. O fígado, que inicialmente está aumentado de volume, numa fase mais adiantada pode estar menor e fibrosado, com a retração de sua cápsula formado lobulações e saliências palpáveis. A manifestação mais típica e mais grave é a hipertensão portal, que poderá intensificar-se com a evolução da doença, causando no paciente uma série de alterações, como a esplenomegalia; o Esplenomegalia: ocorre uma hiperplasia do tecido reticular e dos elementos do sistema monocítico fagocitário (SMF) que é provocada por um fenômeno irnunoalérgico. Observa-se, predominantemente na polpa vermelha e centro germinativo dos folículos linfoides, uma proliferação basofílica que coincide com um aumento de imunoglobulinas e posteriormente, devido principalmente a congestão passiva do ramo esplênico (veia esplênica do sistema porta) com distensão dos sinusoides. Varizes: são decorrentes do desenvolvimento da circulação colateral intra-hepática e nas regiões do umbigo, região inguinal e esôfago, buscando compensar e diminuir a hipertensão portal. O rompimento de varizes esofágicas pode ser fatal; Ascite: visto nas formas hepatoesplênicas mais graves e decorre das alterações hemodinâmicas, principalmente a hipertensão; Lesões em localizações difusas: através das circulações colaterais anômalas ou mesmo das anastomoses utilizadas (principalmente da mesentérica inferior ligando-se com a pudenda interna e essa dirigindo-se para a cava inferior), alguns ovos passariam a circulação venosa, ficando retidos nos pulmões. Nos capilares desse órgão, os ovos dão origem a granulomas pulmonares, que podem levar a duas consequências: primeira, dificultando a pequena circulação e causando o aumento do esforço cardíaco, que poderá chegar até a insuficiência cardíaca; segunda, viabilizando ligações arteriovenosas (shunts), que permitem a passagem de ovos do parasito para a circulação geral e encistamento dos mesmos em vários órgãos, inclusive no SNC. A esquistossomose deve ser encarada como uma doença de múltiplos mecanismos, com lesões diretamente ligadas a presença local do agente etiológico (cercárias, esquistossômulos, vermes adultos, ovos), alterações hemodinâmicas, alterações da reatividade imunológica, lesões a distância devidas a imunocomplexos, e repercussões gerais sobre o organismo, além de interagir e favorecer outras patologias por agentes infecciosos. 6. Diagnóstico: A avaliação clínica de um paciente com suspeita de esquistossomose deve levar em conta as múltiplas fases da doença e contar Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE com uma anamnese detalhada, considerando origem do indivíduo e hábitos de vida. O diagnóstico laboratorial da esquistossomose é feito por meio de exames parasitológicos de fezes (método de sedimentaçãoespontânea, centrifugação ou concentração por tamização [Kato-Katz]) na tentativa de encontrar ovos do parasita, apresentando baixa sensibilidade (é necessária carga parasitária grande para confirmação), além de poderem ser empregados a análise de biópsias retais e hepáticas (menos usuais) e métodos imunológicos, empregados na fase crônica da doença, descritos por fixação do complemento, ELISA e imunofluorescência direta, analisando a criação de anticorpos específicos em infecções de parasitemia baixa. A biópsia retal é um mecanismo diagnóstico que causa inegável desconforto ao paciente, mas que tem como principal vantagem a maior sensibilidade e a possibilidade de avaliação da terapêutica em curso. A biópsia hepática, para o diagnóstico exclusivo da esquistossomose, não pode jamais ser recomendada. Só se justifica procurar ovos em tecido hepático quando existem suspeitas de outras etiologias que demandem biópsia hepática; neste caso, um pequeno fragmento poderia ser enviado para o exame parasitológico.
Compartilhar