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1 APS e Conferência de Alma-Ata: Alemanha (1847): Medicina Social - Rudolf Virchow, médico e político alemão do século XIX; Influenciado pelas idéias de Engels (direitos sociais), investigou uma severa epidemia de Febre Tifóide; Recomendações pouco convencionais à época (não falou somente de cuidados médicos): oferta de empregos, melhores salários, autonomia local de governo, criação de cooperativas agrícolas e uma estrutura progressiva de impostos; “Medicina em grande escala” (deixou de ser vista do ponto de vista individual para ações médicas e não médicas coletivas); Problemas de saúde de natureza multifatorial. Rússia (1864) - Projeto Zemstvo: A expressão vem da palavra russa Zemlia, ou “terra”, e significa “distrito”; Assembléias podiam deliberar sobre saúde pública, medidas contra a fome, construção de estradas, sistema educacional e cadeias; Foram responsáveis pelo estabelecimento de uma rede de centros de saúde em áreas rurais por toda a Rússia (regiões cuidariam da saúde de sua população) e da criação de centros para estudos epidemiológicos; A experiência sanitária obtida a partir do projeto Zemstvo foi mais tarde aperfeiçoada, sendo levada a cabo pelos bolcheviques após a revolução de 1917. Inglaterra (1920) – Regionalização: Relatório Dawson: regionalização dos serviços de saúde a partir da implantação de “Primary health centers” (centros de atenção primária com regionalização), vinculados a distritos/territórios; Médicos generalistas (general practitioners; não tinham muita importância política nessa época); Hierarquização: Centros de Saúde Primários como porta de entrada; centros secundários e hospitais-escola; Bases do “National Health System” – NHS (sistema nacional de saúde britânico; influenciou o SUS no Brasil), fundado em 1948; Os médicos generalistas constituíram-se em uma rede de médicos de família. China (1965) – Comitês Comunais: Maior proposta de APS antes da Conferência de Alma-Ata (saúde como direito elementar do ser humano pela ONU; a China era comunista e completamente fechada), em termos de volume de trabalhadores envolvidos (país continental); trabalhavam em territórios e distritos com conscientização quanto a limpeza das casas, ruas e quintais, orientação de hábitos higiênicos, instruções para manutenção e uso da água potável, construção de unidades rurais de saúde, preparação de insumos simples, como utensílios, pílulas e poções, e movimentos de massa contra as “quatro pestes” (rato, mosca, pardal e mosquito; doenças infectocontagiosas; medidas sanitárias, de limpeza e higiene); “Médicos descalços” (pessoas da comunidade treinadas pelos profissionais de saúde para levar conscientização, semelhante aos agentes comunitários; plantas, ervas). Canadá (1974) – Relatório Lalonde (Lalonde era médico e Ministro de Saúde): afirma que a saúde era consequência de estilo de vida (comportamento humano), condições biológicas (genótipo), ambiente (social, referente às condições de trabalho ou à contaminação dos recursos naturais como ar, água e alimentos) e serviços de saúde. Advertiu sobre a existência de conflitos entre as metas desejadas em saúde e o comportamento dos diversos atores com ela envolvidos (precisava de regulação e controle por parte do governo), como má distribuição territorial dos profissionais e controle de custos. EUA (1971): Medicina Familiar e Comunitária: Estudo publicado no New England Journal of Medicine avaliava a busca por hospitais universitários (superespecialização; métodos caros e 2 especializados), com ênfase nos agravos menos prevalentes e pouca atenção ao cuidado dos problemas mais comuns (75% eram problemas simples e que deveriam ser tratados em outros locais) - ineficácia do sistema de saúde americano em relação às necessidades de saúde de sua população; Fragmentação do cuidado, modelo flexneriano (estabeleceu um modelo com qualidade para as faculdades e cursos de medicina; hospitalocêntrico, curativista, biologicista, mecanicista, tecnificação, etc); Surgimento da especialidade de Medicina Familiar (enfoque clínico) e Medicina Comunitária (enfoque social). Medicina Comunitária: elementos estruturais para Alma-Ata. Coletivismo Restrito: resgatar a propriedade coletiva do objeto das práticas médicas; A integração de atividades promocionais, preventivas e curativas (integralidade do cuidado); Desconcentração de recursos, mediante a hierarquização da oferta de serviços; Uso de tecnologia adequada, evitando-se o uso de procedimentos e equipamentos sofisticados desnecessariamente; Práticas alternativas - legitimando conhecimentos da população; Equipe de saúde; Participação Comunitária. APS: APS utiliza capital e trabalho em menor intensidade do que as especialidades médicas, além de ser adaptável às mudanças das necessidades de saúde observadas em uma determinada sociedade. Trabalha com conhecimento prévio, pelo profissional de saúde, da situação de vários determinantes do processo saúde doença e esse conhecimento é importante para o entendimento de seus problemas (contra a vertente biomédica). Estudos demonstram a eficácia da APS em países desenvolvidos e segundo eles, países ocidentais industrializados que possuem sistemas de saúde fortemente direcionados para a APS apresentam melhores índices de saúde, maior satisfação da população, menor custo e taxas de mortalidade infantil mais baixas. Conferência de Alma Ata: Realizada em Alta Ata (Cazaquistão) no dia 12 de Setembro de 1978, organizada pela OMS e Unicef (já pesquisavam como a saúde estava organizada pelo mundo e quais os métodos mais eficientes). Delegações de 134 governos e representação de 67 organizações não governamentais. Preconizada pela OMS - necessidade da celebração de um evento de caráter internacional com o objetivo de intercambiar ideias e experiências sobre o desenvolvimento da APS entre os países, bem como sobre a organização e suporte a uma assistência sanitária completa e eficaz para toda a população. Objetivos: Promover conceito de APS; Experiências sobre APS em sistemas e serviços de saúde; Situação da saúde e assistência sanitária no mundo; Princípios da APS; Função dos governos e organizações; Recomendações. Alma-Ata – Declaração (assinada por todos os países participantes): Saúde como um direito fundamental do ser humano (deveria ser proporcionada pelos estados); Saúde como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social,” e não somente a “ausência de afecções ou enfermidades”; Inaceitável o estado de saúde de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo pois mais da metade da população mundial não recebia assistência à saúde adequada à época (inexistência do cuidado). Atenção Primária: entendida como “um reflexo e uma consequência das condições econômicas e das características socioculturais e políticas do país e de suas comunidades”; “Atenção Primária à Saúde é a assistência sanitária essencial baseada em métodos e tecnologias práticas, cientificamente fundadas e socialmente aceitáveis, acessível a todos os indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam suportar em todas e em cada uma das etapas de seu desenvolvimento, em um espírito de auto responsabilidade e autodeterminação. A Atenção 3 Primária é parte integrante tanto do sistema nacional de saúde, do qual constitui a função central e o núcleo principal, como do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representa o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde e leva, na medida do possível, a atenção da saúde aos lugares onde as pessoas vivem e trabalham. Constitui o primeiro elemento de um processo permanente de assistência sanitária”. Documentos Alma-Ata: Declaração de Alma-Ata (obtenção de um maior nível da saúde influencia positivamente o desenvolvimento de uma nação); recomendações de Alma-Ata (vintee duas diretrizes para o desenvolvimento e a implantação da Atenção Primária na forma preconizada naquela declaração); Meta “Saúde para todos no ano 2000”. Recomendações - Divididas em 5 blocos: - Abordagens Estratégicas: recomendações sobre relações entre saúde e desenvolvimento, participação da comunidade na APS, coordenação entre saúde e setores correlatos, necessidades especiais de grupos vulneráveis e mais expostos e uso de tecnologia apropriada para a saúde. - APS como base para os sistemas de saúde (gerencial e administrativo): recomendações sobre o papel da administração nacional, a integralidade da APS no âmbito local, o apoio à APS dentro do sistema nacional de saúde, o suporte logístico e facilidades gerais, a administração e o gerenciamento da APS os serviços de pesquisa em saúde e estudos operacionais, recursos para a APS compromisso nacional e estratégias nacionais. - Elementos da APS: recomendações sobre o conteúdo da APS e a provisão de medicamentos essenciais; - Recursos Humanos para a APS: recomendações sobre as funções e categorias de pessoal de saúde e profissões afins à APS, a capacitação de profissionais de saúde e de profissionais afins à APS (educação continuada), incentivos para prestação de serviços em zonas remotas e desassistidas e cooperação técnica na APS (financeiro); - Suporte Internacional à APS: Recomendações sobre suporte internacional e o papel da OMS e da UNICEF no suporte à APS (compromisso e responsabilidade, principalmente nos países subdesenvolvidos). Alma-Ata – Conclusões: “Personalização” da APS: variações entre as condições econômicas, sociais, culturais e política das diversas nações. Saúde para todos no ano 2000 (Global Strategy): Abordagens mais adequadas de prevenção de agravos à saúde; crescimento e envelhecimento saudáveis e de uma morte natural e serena; melhor distribuição de recursos de saúde entre a população, ao acesso e aos cuidados essenciais de saúde por todos os indivíduos de forma aceitável e viável economicamente; que todas as pessoas conseguissem se cuidar (autonomia) evitando carga desnecessária e previnível de vários agravos a saúde. “O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000 e para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial” (viés econômico). “Os governos têm pela saúde de seus povos uma responsabilidade que só pode ser realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais. Uma das principais metas sociais dos governos, das organizações internacionais e de toda a comunidade mundial na próxima 4 década deve ser a de que todos os povos do mundo, até o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social” (justiça social é dar oportunidades diferentes para pessoas em contextos de vida diferentes, distinguindo-se de igualdade; influenciou a equidade). “Poder-se-á atingir nível aceitável de saúde para todos os povos do mundo até o ano 2000 mediante o melhor e mais completo uso dos recursos mundiais, dos quais uma parte considerável é atualmente gasta em armamento e conflitos militares. Uma política legítima de independência, paz, distensão e desarmamento pode e deve liberar recursos adicionais, que podem ser destinados a fins pacíficos e, em particular, à aceleração do desenvolvimento social e econômico, do qual os cuidados primários de saúde, como parte essencial, devem receber sua parcela apropriada”. Ações elementares: 1. Educação sobre os principais problemas de saúde e métodos para sua prevenção e controle; 2. Promoção da distribuição de alimentos e de uma nutrição apropriada; 3. Abastecimento adequado de água potável e saneamento básico; 4. Assistência materno- infantil e planejamento familiar; 5. Imunização contra as principais doenças infecciosas; 6. Prevenção e controle das doenças endêmicas locais; 7. Tratamento adequado de doenças e traumatismos comuns; 8. Distribuição de medicamentos essenciais. APS Pós Alma-Ata: mudanças em Sistemas de Saúde com hierarquização e extensão da cobertura; encontros promovidos pela OMS para avaliar iniciativas e conhecer problemas operacionais; aceitação do conceito de equidade e justiça social; desenvolvimento de mecanismos para participação comunitária; aumento da cobertura de imunização e diminuição da mortalidade infantil; advento da discussão sobre a promoção da saúde; estruturação dos Sistemas Locais de Saúde; equidade declarada como princípio fundamental; equidade declarada como princípio fundamental; problemas ligados ao subdesenvolvimento como prioridade; verticalização de Programas Nacionais de Saúde; infrequência do uso de instrumentos epidemiológicos e de pesquisas em serviços de saúde. A discussão sobre a promoção da saúde – um dos pilares da APS – tomou vulto nos anos oitenta com a constituição do programa Cidades Saudáveis (Health Cities Network) em 1984, e com a realização da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Ottawa (Canadá), em 1986. Crise econômica (austeridade fiscal, com países em grandes dívidas) levou o Banco Mundial (financiava a saúde) a propor soluções na área da saúde, com um relatório. Relatório “Investindo em Saúde”: Aumento da renda familiar, escolarização, atenção às mulheres em todas as idades, crescimento econômico dos países mais pobres eram necessários. Afirmaram que era necessário a racionalização dos gastos em saúde com programas mais eficazes, com melhor custo-benefício e que atendessem melhor aos pobres. Limitação dos investimentos governamentais em saúde para os mais ricos (deveriam contratar assistência privada pois tinham condições), vinculados à assistência privada e pacote de serviços básicos para os mais pobres. Orientação do Banco Mundial: conjuntos de serviços básicos com programa de imunização, planejamento familiar, nutrição, cuidados pessoais, prevenção de zoonoses, auxílio à redução do consumo de tabaco, álcool e drogas ilícitas e programas de prevenção da AIDS, com ênfase nas DSTs. Atenção seletiva, para pobres de financiamento público e assistência médica privada para os mais ricos, com discurso de impossibilidade de saúde universal. 5 OPAS E OMS x Banco Mundial: Banco Mundial realizou redução do Direito Fundamental à uma questão econômica; OPAS e OMS aderiram ao discurso “racionalizador” do Banco Mundial com “pacote básico de serviços de saúde”; Papel do setor privado passou a ser explicitado em documentos oficiais e a proposta do Banco Mundial tornou-se hegemônica em APS. Assim, problemas de ordem econômica influenciaram postura da OMS em relação aos preceitos da Alma-Ata. APS - Entendimentos Incompletos ou Errôneos: APS como somente algumas atividades entre aquelas preconizadas como seus elementos essenciais; APS como uma atividade simplificada e relacionada apenas a áreas rurais, com o uso de intervenções de baixa tecnologia e trabalhadores com conhecimento precário X cuidados médico-hospitalares e de alta tecnologia; APS como um conjunto de ações de baixo custo (é na verdade baixa densidade tecnológica, mas também é complexo); APS baseada, exclusivamente, na oferta de determinados cuidados à comunidade (deve haver continuidade); APS exclusivamente como o primeiro nível de contato com o sistema de saúde; APS como ações destinadas às pessoas pobres que, nos países em desenvolvimento, não podem pagar por serviços médicos reais; conjunto de atividades com visão que guarda semelhanças com a concepçãode programa da OPAS e da OMS; um nível do cuidado à saúde; estratégia para organizar a atenção a saúde; uma filosofia que permeia o cuidado; referência ao caráter eminentemente teórico e conceitual da Carta de Alma Ata e à meta “Saúde para Todos”. Barbara Starfield: afirma que a APS é porta de entrada; foco na pessoa (não na enfermidade); fornece atenção para todas as condições (exceto as muito incomuns); coordenadora da atenção; tem responsabilidades em comum com outros níveis: acesso, qualidade, custos, prevenção, cura e reabilitação; trabalho em equipe; não é um conjunto de tarefas e sim uma abordagem que forma a base e determina o trabalho dos outros níveis. Definição de atributos essenciais (acesso de primeiro contato [porta de entrada], longitudinalidade [cuidado ao longo da vida], integralidade, coordenação da atenção [pode encaminhar a outros serviços mas há retorno]) e derivados (orientação familiar, orientação comunitária, competência cultural). Livro: "Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia" de Barbara Starfield; leitura das páginas: 30 a 33 ("contexto histórico da APS") e 207 a 217 ("acessibilidade de primeiro contato"). Contexto histórico da atenção primária: Em 1920, oito anos após a instituição do seguro nacional de saúde na Grã-Bretanha, foi divulgado um texto oficial (Lord Dawson of Penn, 1920) tratando da organização do sistema de serviços de saúde. Distinguia três níveis principais de serviços de saúde: centros de saúde primários, centros de saúde secundários e hospitais-escola. Foram propostos vínculos formais entre os três níveis e foram descritas as funções de cada um. Esta formulação foi a base para o conceito de regionalização: um sistema de organização de serviços planejado para responder aos vários níveis de necessidade de serviços médicos da população. Este arranjo teórico forneceu, posteriormente, a base para a reorganização dos serviços de saúde em muitos países, os quais agora possuem níveis claramente definidos de atenção, cada um com um setor de atenção médica primária identificável e em funcionamento. Em 1977, em sua trigésima reunião anual, a Assembleia Mundial de Saúde decidiu unanimemente que a principal meta social dos governos participantes deveria ser a obtenção por parte de todos os cidadãos do mundo de um nível de saúde no ano 2000 que lhes permitir· levar vida social e economicamente produtiva. Hoje 6 conhecida como saúde para Todos no Ano 2000, esta declaração desencadeou uma série de atividades que tiveram um grande impacto sobre o pensamento a respeito da atenção primária. Os princípios foram enunciados em uma conferência realizada em Alma Ata e trataram do tópico da atenção primária à saúde. O consenso alcançado foi confirmado pela Assembleia Mundial de Saúde em sua reunião subsequente, em maio de 1979. A atenção primária ‡ saúde foi definida como: Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual a função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção ‡ saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada ‡ saúde. (Organização Mundial da Saúde, 1978) A atenção primária ‡ saúde foi reconhecida como uma porção integral, permanente e onipresente do sistema formal de atenção ‡ saúde em todos os países, não sendo apenas uma coisa a mais (Basch, 1990). A conferência de Alma Ata especificou ainda mais que os componentes fundamentais da atenção primária ‡ saúde eram educação em saúde; saneamento ambiental, especialmente de aguas e alimentos; programas de saúde materno-infantis, inclusive imunizáveis e planejamento familiar; prevenção de doenças endêmicas locais; tratamento adequado de doenças e lesões comuns; fornecimento de medicamentos essenciais; promoção de boa nutrição; e medicina tradicional. Embora estes conceitos de atenção primária ‡ saúde tenham sido pensados para serem aplicados em todos os países, h· discordâncias a respeito da extensão na qual eles são aplicáveis nas áreas industrializadas, bem como a respeito dos impedimentos ‡ sua aplicação (Kaprio, 1979). O conceito de atenção primária ‡ saúde, em sua Ênfase sobre a proximidade com as pessoas, parece estranho em países com sistemas de saúde baseados na tecnologia, na especialização, na supremacia do hospital e no currículo das escolas de Medicina que estão sob o controle de especialistas que trabalham em hospitais. Além disso, o princípio de que a atenção ‡ saúde deve ser relacionada ‡s necessidades não É facilmente entendido em países com sistemas de saúde bem estabelecidos, mas sem nenhum sistema de informação para documentar sistematicamente as necessidades de saúde ou avaliar o impacto dos sérvios de saúde sobre eles. A orientação para a comunidade tem pouca base histórica nos sistemas de saúde da maioria dos países industrializados. Entretanto, alguns países reorganizaram seus sérvios de saúde para consolidar os aspectos médicos e de saúde da atenção primária. Por exemplo, os novos médicos de família, em Cuba, residem onde trabalham. São, portanto, membros da comunidade ‡ qual servem e É em seu benefício que atuam como agentes de mudança, quando existem circunstâncias ambientais ou sociais que necessitam de melhoria (Gilpin, 1991). Esta integração dos sérvios médicos convencionais com sérvios sociais e ambientais se encaixa no modelo previsto em Alma Ata. Muitas das metas específicas definidas em Alma Ata j· foram alcançadas em países industrializados (Vuori, 1984). A maioria destes países pode ressaltar com orgulho seus programas de longa duração para a maior parte das atividades: fornecimento de alimentos, fornecimento de água potável, saúde materno-infantil, imunizáveis e controle de doenças endêmicas, tratamento básico de problemas de saúde e fornecimento de medicamentos essenciais. Quando a atenção primária em saúde É vista como sérvios acessíveis, muitos destes países podem, com justiça, assegurar que alcançaram 7 as metas devido ‡ disponibilidade de sérvios de atenção médica. Apenas quando as naÁıes encaram a atenção primária ‡ saúde como uma estratégia para integrar todos os aspectos dos sérvios de saúde É que ela se torna igualmente aplicável como uma meta em naÁıes industrializadas. Esta visão requer que um sistema de atenção ‡ saúde seja organizado para enfatizar a justiça e a equidade social, a auto responsabilidade, a solidariedade internacional e a aceitação de um conceito amplo de saúde (Vuori, 1984). As mudanças necessárias para converter a atenção médica primária convencional nas naÁıes industrializadas em uma atenção primária ‡ saúde mais ampla, conforme a definição elaborada em Alma Ata, estão descritas na Tabela 1.1. Todas as orientações de mudanças fazem parte das metas de atenção primária de acordo com a concepção neste livro, o qual utiliza o termo atenção primária para denotar a atenção médica primária convencional lutando para alcançar os objetivos da atenção primária ‡ saúde. A intenção É sugerir que, ao aumentar a orientação dos sérvios de atenção primária em direção ‡ resposta das necessidades, tanto das comunidades como dos indivíduos que buscam atenção, a atenção médica primária convencional se aproximar· da visão de atenção primária ‡ saúde de Alma Ata e em direção a uma maior equidade. ACESSIBILIDADE E PRIMEIRO CONTATO: A PORTA. Quando eu era residente, tive umaexperiência que mudou minha carreira. Comecei na cirurgia e, frequentemente, os pacientes vinham ‡ clínica com dores e padecimentos e não apresentavam qualquer problema cirúrgico, então eu os encaminhava para a clínica apropriada e lhes dava um número de telefone para ligar. Presumi que eu tinha cuidado do problema. Mas, um dia, eu telefonei para aquele número só para ver o que os pacientes estavam passando. A primeira vez que telefonei, a ligação caiu. Então tentei novamente, e a ligação caiu mais uma vez e na vez seguinte fui colocado em espera, e na outra me disseram que iriam transferir minha ligação. Acabei por fazer 14 ligações para marcar uma consulta. E eu falo inglês. Então comecei a me preocupar sobre como eu estava encaminhando meus pacientes, onde eles estavam indo e o que estávamos fazendo com eles. Funcionamos bem porque conhecemos o sistema, mas a maioria das pessoas vai para casa e logo encontra barreiras e não sabem como lidar com elas. Mudei de cirurgia para Medicina de família e agora farão tudo o que posso por eles. Apenas quando sinto que não posso fazer mais nada eu os encaminho, e não os deixo partir até que a consulta esteja marcada. Estou disponível para cuidar de enfermidades, mas isso não É tudo o que farão. Meus pacientes são muito mais complexos que suas enfermidades. Agora sinto que realmente estou fazendo alguma coisa pelos pacientes ñ que realmente h· algo de extraordinário na prática da Medicina. O melhor que podemos fazer pelos pacientes É entender o que dizem, e um pré-requisito É ouvir. É Óbvio que cuido de suas enfermidades ñ 8 estou disponível para fazê-lo da forma que eles necessitarem ñ mas essa É uma pequena parte do que farão. Dr. C., médico. A ideia de que existe um ponto de entrada cada vez que um novo atendimento É necessário para um problema de saúde e que este ponto de entrada deve ser de fácil acesso É inerente ‡ organização de sérvios de saúde por nível de atenção (primária, secundária, terciária). Em linguagem mais clara, este ponto de primeiro contato É conhecido como porta de entrada. A ideia de uma porta faz sentido. Primeiro, a pessoa não conhece suficientemente os detalhes técnicos da atenção médica para avaliar de maneira informada a fonte e a Época apropriadas para atenção a muitos de seus problemas. Os indivíduos que acreditam que tem um problema de saúde deveriam poder consultar com um profissional que pudesse ajuda·-los a entender se o problema É sério o suficiente para necessitar de atenção adicional ou se É um problema autolimitado que não necessita de atenção adicional. A ausência de um ponto de entrada facilmente acessível faz com que a atenção adequada possa não ser obtida ou seja adiada, incorrendo em gastos adicionais. É esperado que o conselho e orientação de um médico de atenção primária facilite a seleção da melhor fonte de atenção. Nem todo médico pode estar igualmente habilitado em todas as facetas da atenção médica, e o nível de entrada da atenção oferece desafios especiais. Os problemas trazidos pelos pacientes são geralmente vagos e não relacionados a sistemas orgânicos específicos. Devido aos limares variados para busca da atenção, alguns pacientes procuram atendimento antes do que outros, no curso de sua doença. Portanto, os médicos de atenção primária defrontam-se com uma variedade muito maior de formas de apresentação da doença do que os especialistas, que, geralmente, vivem os pacientes em estágios posteriores e mais diferenciados da doença. Os médicos de atenção primária trabalham na comunidade em que as manifestações de doenças são grandemente influenciadas por seu contexto social. Em contraste, outros especialistas, especialmente aqueles que trabalham em hospitais, lidam com problemas mais afastados de seu contexto social. A evidência para os benefícios de um primeiro contato bem-sucedido É importante para apoiar sua inclusão como uma característica-chave da atenção primária. BENEFÕCIOS DA ATENÇÃO AO PRIMEIRO CONTATO: A importância do fácil acesso ‡ atenção para reduzir a mortalidade e morbidade É reconhecida h· muitos anos. A natureza da evidência foi resumida para a saúde infantil (Starfield, 1985); tipos similares de evidências estão disponíveis para adultos. Por exemplo, devido aos déficits orçamentários, muitos indivíduos não tiveram permissão para receber sérvios como pacientes externos do Veterans Administration Hospital [Hospital de Administração dos Veteranos], por eles, anteriormente, utilizado como fonte de atenção. Quando questionados, a probabilidade de que relatassem ter acesso ‡ atenção médica necessária e de que estivessem de fato recebendo atenção foi muito menor. Também foi mais provável que relatassem que estão com a saúde debilitada e apresentavam maior probabilidade de mau controle da pressão arterial um ano depois do que os indivíduos que continuaram em tratamento, embora estes ˙últimos estivessem, inicialmente, mais doentes (Fihn e Wicher, 1988). Quando a Califórnia acabou com os benefícios de atenção ‡ saúde, para muitos adultos indigentes, houve um declínio no uso dos sérvios e uma deterioração da condição de saúde que persistiu pelo menos por um ano (Lurie et al., 1986). A maximização do acesso para uma fonte de atenção primária também É importante. Vários estudos indicam que os pacientes deveriam ver um generalista antes de consultar um especialista. Evan R. É um menino de 15 anos que, um dia, voltou da escola para casa com um pé inchado, depois de passar várias horas jogando basquete com os amigos. A mãe de Evan levou-o a um ortopedista que ela conhece, o qual tirou uma radiografia que mostrou uma possível fratura fina. O ortopedista decidiu enviar Evan a um reumatologista, 9 que o atendeu imediatamente e mencionou a possibilidade de sarcoidose. Evan fez uma radiografia torácica (normal) e teve sangue coletado para vários exames, incluindo enzima conversora de angiotensina (ECA), um exame utilizado para o diagnóstico de sarcoidose em adultos. O nível de ECA estava elevado. Isto sugeria que Evan fosse acompanhado por seis meses para confirmar ou descartar o diagnóstico de sarcoidose. A mãe de Evan ficou apavorada, achando que este era um problema fatal. Evan passou por uma tomografia Óssea para descartar um possível câncer Ósseo. Antes de voltar para casa, ele voltou ao ortopedista para que seu tornozelo fosse engessado. Uma semana depois, seu tio (um pediatra) visitou- os e o encontrou fazendo arremessos na entrada de casa, com o pé engessado. O pediatra mencionou ‡ me que o sarcÛide raramente se apresenta desta forma e que o exame de ECA É inespecífico e altamente sensível ‡s mudanças hormonais da puberdade. Evan estava na puberdade. A enfermidade que deveria ter sido tratada com uma bolsa de gelo e elevação do pé resultou em uma conta de milhares de dólares por exames diagnósticos desnecessários. Uma semana depois, o pediatra convenceu o ortopedista a remover o gesso. B.G. (1994) Utilizando dados de uma pesquisa em grupos envolvendo uma amostra nacional de indivíduos nos Estados Unidos, Forrest e Starfield (1998) demonstraram que uma melhor acessibilidade aos sérvios estava associada a uma maior probabilidade de atenção ao primeiro contato e continuidade com o médico de atenção primária. A acessibilidade foi medida por intermédio de respostas a uma pergunta sobre barreiras geográficas (tempo de viagem maior do que 30 minutos), uma pergunta sobre barreiras financeiras (nenhum seguro durante todo o ano, ou parte dele) e três perguntas referentes a barreiras organizacionais (disponibilidade de atenção depois do horário comercial no centro de atenção primária, cinco ou mais dias de espera para obter uma consulta e mais de 30 minutos de espera no consultório). O próprio componente da atenção, depois do horário comercial, possui cinco componentes: horário de emergência, chamadas domiciliares, horário noturno, horário nas manhãs de sábado, outros horários durante o fim de semana). O primeirocontato foi avaliado pela proporção de consultas em um ano para qualquer dos 24 tipos de problemas agudos, nas quais a primeira consulta no episódio foi com o auto identificado médico específico, que geralmente É consultado no centro de atenção primária. A continuidade foi avaliada pela medição da proporção de todas as consultas no ano que foram realizadas com o médico, não importando onde ocorreram. Um aumento no número de barreiras ao acesso foi associado a menos atenção ao primeiro contato e continuidade mais baixa, mesmo depois do controle de várias características influentes do paciente, tipos de centro de atenção primária e tipos de profissionais de atenção primária. Um experimento solicitou que os pacientes registrados em um programa de seguro saúde recebessem atendimento primeiro de um médico generalista; nenhuma hospitalização ou consulta a um especialista era permitida sem o encaminhamento de um médico de atenção primária. Depois de um ano de inscrição, aqueles incluídos no programa passaram menos dias no hospital do que aqueles cujo seguro permitia que buscassem atenção inicial em qualquer lugar (Moore, 1979). Entretanto, uma avaliação subsequente n„o conseguiu demonstrar qualquer diferença nos custos de sérvios de pacientes internados ou externos, principalmente porque a porta de entrada da atenção primária n„o foi capaz de controlar os sérvios de outros especialistas que foram pagos com base em taxas por serviÁo, sem nenhum risco financeiro. Na verdade, 70% das hospitalizações foram controladas por especialistas outros que n„o médicos de atenção primária (Moore, 1983). Estudos no Canadá mostraram que as indicações apropriadas para tonsilectomia e/ou adenoidectomia estavam mais presentes em crianças que tinham sido encaminhadas por um pediatra ou que tiveram alguma consulta pediátrica do que no caso de crianças que 10 consultaram apenas especialistas de ouvido, nariz e garganta. Os resultados da atenção também foram melhores para as crianças vistas inicialmente por um pediatra; estas crianças tiveram menos complicações pós-operatórias, uma maior diminuição de episódios respiratórios após cirurgias e uma maior diminuição em episódios de otite média após cirurgia (Roos, 1979). Em um estudo comparativo das taxas de consultas em dois sérvios em grupos pré-pagos (Starfield, 1983), as crianças, no plano de prática de grupo que necessitaram de encaminhamento de prestadores de atenção primária antes de consultas com outros especialistas, tiveram menos consultas com estes especialistas do que as crianças no plano que não exigia encaminhamento. Não h· evidências de que consultas adicionais neste ˙último plano tenham levado a uma melhor saúde das crianças. A solicitação de uma consulta a um ponto de entrada antes que uma consulta possa ser realizada em qualquer lugar est· associada ‡ utilização reduzida tanto de outros sérvios especializados como de consultas em sala de emergência. Em um estudo em que os novos inscritos foram aleatoriamente encaminhados para um sistema que exigia uma consulta numa porta de entrada ou para um com benefícios iguais mas sem exigência de porta de entrada, os pacientes do plano com exigência de porta de entrada tiveram uma média de 0,3 menos consultas a um especialista no período de um ano do que os pacientes do outro grupo (Martin et al., 1989). Em outro estudo de amostras aleatórias estratificadas de pacientes inscritos em quatro programas demonstrativos do Medicaid que exigiam uma porta de entrada, os pacientes tiveram grandes reduções na proporção de pacientes com, pelo menos, uma consulta em sala de emergência, variando de 27 a 37% para crianças e de 30 a 45% para adultos (Hurley et al., 1989). Um estudo nacional em grupo de experiências com doenças e utilização de atenção médica forneceu uma boa base para estimar a economia nos custos de atendimento ao primeiro contato com um médico de atenção primária. Todos os episódios de atenção para 24 consultas de prevenção e doença aguda foram estudados no que se refere ao local no qual se buscou, inicialmente, o atendimento. Os episódios que começaram com consultas a prestadores de atenção primária auto identificados pelo indivíduo foram, em geral, 53% menos onerosos: 62% para doenças agudas e 20% para atenção preventiva depois do controle de muitas outras características associadas aos custos da atenção. A economia foi quase a mesma, inclusive depois que as consultas em sala de emergência (que são caras) tinham sido excluídas (Forrest e Starfield, 1996). A relação entre a atenção ao primeiro contato e uma porcentagem inferior do produto interno bruto gasto em sérvios de saúde foi confirmada utilizando-se dados de um grande estudo internacional. Os países europeus foram classificados de acordo com a porcentagem de especialistas médicos que eram diretamente acessíveis ‡s pessoas no país (Crombie et al., 1990). Os países com uma porcentagem mais alta dedicaram uma proporção maior do produto interno bruto ‡ saúde do que os países com porcentagens inferiores (ou seja, os que exigiam encaminhamento por um profissional de atenção primária) (Fry e Horder, 1994). Um pequeno estudo em um grande hospital infantil urbano confirmou os benefícios da atenção ao primeiro contato em crianças com doença aguda (apendicite). Estas crianças, cujos pais contataram seu prestador de atenção primária antes da chegada ao hospital, apresentaram uma menor probabilidade de perfuração do apêndice do que aquelas que não o fizeram, independente da cobertura ou do tipo de seguro. Se elas se apresentaram em um fim de semana, também tiveram maior probabilidade de ser imediatamente operadas. As consultas por telefone foram tão efetivas quanto o exame pessoal realizado pelo médico no alcance destes benefícios (Chande e Kinnane, 1996). Outro estudo de crianças com apendicite mostrou os mesmo achados gerais. As crianças que pertenciam a uma organização de manutenção da saúde (com exigências de que os pacientes 11 consultem com seu médico de atenção primária antes de buscar atenção em outros lugares) tiveram uma menor duração dos sintomas antes de se apresentarem no hospital e períodos menores de hospitalização do que as crianças em programas de saúde sem uma consulta exigida com um médico de atenção primária. A consulta não apenas não retardou o atendimento, como também facilitou-o (OíToole et al., 1996). Por que estes benefícios aumentam na atenção ao primeiro contato? Era uma vez, um Porteiro e uma Feiticeira. O trabalho do Porteiro era decidir quem poderia ver a Feiticeira. A maioria das pessoas que viam o Porteiro não viam a Feiticeira. Geralmente elas estavam apenas um pouco doentes ou com a preocupação de estarem doentes e o Porteiro era muito bom em decidir quem precisava ver a Feiticeira. A maioria das pessoas que a viam estavam muito doentes e ela poderia lançar seus feitiços para fazer com que melhorassem. A Feiticeira e o Porteiro precisavam um do outro. O problema foi que quanto mais pessoas ouviam a respeito das poções mágicas da Feiticeira, mais queriam vê-la, e as filas de espera tornaram-se cada vez mais longas. Algumas vezes, o Porteiro tinha de mandar algumas pessoas de volta ‡ Feiticeira, porque elas não pegaram poções mágicas suficientes. As pessoas ficaram muito bravas e contaram ‡ Rainha. A Rainha disse, Deixe as pessoas que desejam ver a Feiticeira ir diretamente a ela e que elas mesmas a paguem. As pessoas que podiam pagar ficaram muito felizes. O problema era que as filas de espera ficaram maiores porque a Feiticeira passava mais e mais tempo vendo aqueles que podiam pagar. Na verdade, a maravilhosa bola de cristal começou a dar mais e mais respostas erradas. Descubra o que est· acontecendo, gritou a Rainha. O Porteiro teclou o DataSpell em sua bola de cristal e l· apareceu a mensagem: O valor de um exame diagnóstico depende da prevalência da condição na população examinada. A Feiticeira É muito boa ao decidir quem est· muito doente,mas nada boa ao decidir quem est· bem. O Porteiro É muito bom ao decidir quem est· bem, mas não tão bom ao decidir quem est· muito doente. Os Porteiros usam os exames e testes para determinar se as pessoas estão normais ou não, enquanto a Feiticeira usa os testes para detectar a doença. Se a bola de cristal da Feiticeira estiver funcionando de forma adequada, ela deveria ver apenas as pessoas que o Porteiro suspeita que estão doentes o suficiente para precisar de mais atenção. E o Porteiro veria as pessoas que ele pensa estarem doentes e tentaria descobrir se realmente estão. E então o sistema funcionar·. Longe de ser um arranjo para privar as pessoas de escolha e acesso ‡ Feiticeira, É a forma mais eficiente de cuidar de pessoas doentes. A Rainha descobriu, entretanto, que persuadir as pessoas disso era muito mais difícil ñ uma vez adquirido o gosto pelo acesso direto ‡ bola de cristal e ‡s poções mágicas, ele não É facilmente esquecido. Adaptado de Mathers e Hodgkin (1989) A razão pela qual o primeiro contato É importante É que o treinamento dos médicos de atenção primária ocorre com pacientes que tem baixa probabilidade de estarem doentes com problemas raros ou sérios. O treinamento de outros especialistas, entretanto, se d· com pessoas que apresentam grande probabilidade de ter um problema raro ou sério em sua ·área de especialização. A probabilidade de que um determinado exame diagnóstico diagnosticar· corretamente uma condição em um determinado paciente depende da frequência provável daquela doença nos pacientes que o médico examina. Se o problema for incomum, o exame dar· vários resultados falso-positivos em relação aos resultados corretos. Os exames que os subespecialistas usam são calibrados para um bom desempenho em pacientes com maior probabilidade de ter a enfermidade. Se muitas pessoas com baixa probabilidade da enfermidade (como aquelas não encaminhadas por médicos de atenção primária) forem submetidas ao exame, na maioria das vezes ele não ter· resultados precisos. Assim, as pessoas estarão, desnecessariamente, sujeitas a uma cadeia de exames diagnósticos, cada um dos quais com uma probabilidade finita de produzir 12 um efeito adverso, sendo que os custos não serão justificáveis devido ao seu baixo rendimento. A Dr™ G. É uma cirurgiã„ que primeiro procurou atendimento de um especialista em ouvido, nariz e garganta (ONG) por causa de terríveis dores de cabeça e um autodiagnostico de sinusite. O médico ONG pediu uma tomografia computadorizada e, depois, receitou esteroides para a sinusite, mas as dores de cabeça da Dr™ G. pioraram, a ponto de ela ser incapaz de continuar a operar. Neste Ínterim, ela procurou seu ginecologista para um check-up de rotina, que a aconselhou a parar de tomar suas pílulas anticoncepcionais e a encaminhou a um neurologista que diagnosticou enxaqueca e receitou medicamentos para este problema. Logo ela desenvolveu falhas na fala, o que levou o neurologista a aumentar a dose. A não-remissão dos sintomas fez com que ela consultasse seu internista generalista, que pediu exames para a função da glândula tireoide. Diagnostico: Hipertireoidismo. A Dr™ G. agora est· assintomática e voltou a trabalhar, tomando medicamentos para seu problema. Para qualquer sintoma ou queixa apresentados, a probabilidade de verdadeira enfermidade ser· mais baixa na população de atenção primária do que nas práticas de outros especialistas, por causa da frequência maior da doença nestas ˙últimas práticas (Sox, 1996). Assim, encarando os mesmos problemas de pacientes que os especialistas, os médicos de atenção primária pedirão menos exames e procedimentos e ainda assim obterão os mesmos resultados, ou até melhores, em termos de diagnósticos precisos, da variedade de condições na atenção primária (Rosser, 1996). Steven C. É um menino de 5 anos de idade que desenvolveu dor articular em várias articulações. Seus pais o levaram ao seu médico, que além de ser pediatra era professor acadêmico, especializado em hematologia. Preocupado com a presença de artrite reumatoide, o pediatra realizou uma bateria completa de exames de sangue e radiografias; todos eles foram relatados como normais vários dias mais tarde. Steven não precisava ter passado por este caro exame completo, que foi desconfortável para ele e produziu ansiedade em seus pais; ele tinha recebido imunização contra sarampo alemão na semana anterior, mas este pediatra especialista não estava ciente da ocorrência, razoavelmente comum, de dores migratórias nas articulações em crianças após a imunização. Na medicina ocidental, julgar que uma pessoa doente est· bem É considerado mais notório do que julgar se uma pessoa que est· bem est· doente. Assim, as características mais altas de falso positivo dos diagnósticos na atenção subespecializada são consideradas mais aceitáveis do que as características mais altas de falso-negativo de diagnósticos na atenção primária. H· muitos anos, Scheff (1964) descreveu o impacto adverso destas suposições sobre a saúde dos pacientes. Suas advertências receberam pouca atenção nos anos de intervenção, pelo menos parcialmente, porque a tendência surpreendente dos médicos preferirem aceitar um diagnóstico exagerado do que um diagnóstico fraco É altamente compatível com os incentivos econômicos para o uso da tecnologia cada vez mais sofisticada e cara. Ainda assim, os fortes argumentos de Scheff, a grande quantidade de evidências para uma grande carga de doença iatrogênica e a predominância de danos médicos resultantes de erros por realização, e não omissão, de procedimentos, oferecem a justificativa teórica para os benefícios da atenção ao primeiro contato com os profissionais da atenção primária. A definição de uma pessoa saudável É alguém que não passou por exames suficientes.
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