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Filosofia geral e juridica em Hegel e Marx

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Exercício para o dia 13/5 (Vale dois pontos da 
terceira menção) 
 
 Prefácio 
PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DO DIREITO 
G. W. F. Hegel 
 
LEIA AS SEGUINTES TRANSCRIÇÕES E RESPONDA AS DUAS QUESTÕES NO FINAL 
 
O primeiro motivo que me levou a publicar este esboço foi a necessidade de oferecer aos 
meus ouvintes um fio condutor para as lições que oficialmente ministro sobre a Filosofia do Direito. Este 
manual é o desenvolvimento mais completo e mais sistemático das idéias fundamentais sobre o mesmo 
assunto expostas na Enciclopédia das ciências filosóficas que dediquei também ao ensino (Heidelberg, 
1817). 
Um segundo motivo explica que este esboço apareça impresso e, assim, atinja também 
o grande público: o desejo de que as notas, que primitivamente não deviam passar de breves alusões a 
concepções mais próximas ou mais divergentes, a conseqüências longínquas, etc., e ulteriormente seriam 
explicadas nas lições, nesta redação se tenham desenvolvido umas vezes para esclarecer o conteúdo mais 
abstrato do texto, outras para tornarem mais explícita a referência a idéias atualmente correntes. 
Disso nasceu uma série de observações mais extensas do que as habitualmente 
abrangidas nos limites e no estilo de um resumo. No seu sentido próprio, um resumo tem por objeto uma 
ciência que se dá por acabada, e a sua singularidade reside essencialmente, a não ser alguma breve 
indicação suplementar aqui e ali, na composição e ordem dos momentos essenciais de um conteúdo dado, 
há muito admitido, conhecido e apresentado segundo regras e processos definitivos. Ora, de um esboço 
filosófico não se pode esperar esse caráter de definitivo, que mais não seja porque a filosofia, como obra, 
pode imaginar- se um manto de Penélope que à noite se desfia e todos os dias recomeça desde o princípio. 
O que, desde logo, diferencia este ensaio de um resumo é o método que o dirige. Supomos, 
porém, admitido que a maneira como a filosofia passa de uma matéria para outra ou fornece 
uma demonstração científica, que o que é conhecimento especulativo em geral se distingue de 
qualquer outro modo de conhecimento. Só reconhecendo a necessidade deste caráter singular 
se poderá arrancar a filosofia à vergonhosa decadência em 
 que a vemos nos nossos dias. É certo ter-se já reconhecido, ou, antes, ter-se sentido em vez de 
reconhecer-se, que as regras da antiga lógica, da definição, da classificação e do raciocínio que contêm as 
regras da intelecção não convêm à ciência especulativa. Rejeitaram-se essas regras, é certo, mas como 
se fossem simples cadeias, para se passar a dissertar arbitrariamente, de acordo com o sentimento e a 
imaginação e ao sabor das intuições. Como, por isso, não se pôde ir além da reflexão e das relações 
intelectuais, obedece-se inconscientemente aos desdenhados processos habituais de dedução e 
raciocínio. Na minha Ciência lógica desenvolvi completamente a natureza do saber especulativo. Neste 
presente ensaio, apenas acrescento, num ou noutro ponto, alguns esclarecimentos sobre a marcha das 
idéias e o método. E, como a matéria é tão concreta e contém tanta diversidade, não cuidei de sublinhar 
em todos os pormenores a continuidade lógica. Poderia isso ser considerado como supérfluo pois, por um 
lado, supõe-se conhecido o método científico e, por outro lado, será por si mesmo evidente que tanto o 
conjunto como o desenvolvimento das partes se fundam no espírito lógico. Queria eu, todavia, que se 
considerasse e julgasse este tratado tendo em especial atenção esse aspecto, pois aquilo de que se trata 
é a ciência e na ciência o conteúdo encontra-se essencialmente ligado à forma. 
Aqueles que parecem mais preocupados com o que há de mais profundo, esses poderão decerto dizer que 
a forma é algo de exterior e alheio à natureza da coisa, e esta é tudo o que importa; poderão dizer que a 
missão do escritor, e sobretudo do filósofo, é descobrir verdades, afirmar verdades, divulgar verdades e 
conceitos válidos. Mas, se depois de os ouvir, formos verificar como na realidade cumprem essa missão, o 
que encontraremos será sempre o mesmo velho palavreado, cozido e recozido. Terá esta ocupação o 
mérito de formar e despertar sentimentos, mas antes deverá considerar-se como uma agitação supérflua. 
"Têm eles Moisés e os profetas ouçam-nos" (Lc 16, 29). O que sobretudo nos espanta é o tom e a pretensão 
que assim se manifestam, como se o que sempre tivesse faltado no mundo fossem esses zelosos 
propagadores de verdades, como se a velha sopa recozida trouxesse novas e inauditas verdades, como 
se fosse sempre "precisamente agora" a ocasião de as ouvir. Por outro lado, verifica-se que um lote de tais 
verdades propostas aqui é submergido e abafado por outras verdades da mesma espécie divulgadas ali. 
Como é que se pode distinguir dessas considerações informes e infundadas o que nesse turbilhão de 
verdades não é velho nem novo, mas permanente? Como isso se pode distinguir e assegurar, senão pela 
ciência? 
Aliás, no direito, na moralidade e no Estado, a verdade é tão antiga como o seu 
aparecimento e reconhecimento nas leis, na moral pública e na religião. Uma vez que o espírito que pensa 
não se limita a possuí-Ia nessas formas, imediatas, só pode ter para com ela a atitude de a conceber e de 
encontrar uma forma racional para um conteúdo que já o é em si. Em conseqüência, este conteúdo ficará 
justificado para o pensamento livre que, em vez de se encerrar no que é dado - esteja este dado apoiado 
na autoridade positiva do Estado ou no acordo entre os homens ou na autoridade do íntimo sentimento e 
do testemunho imediato da aprovação do espírito -, só a si mesmo toma como princípio e por isso tem de 
estar intimamente unido à verdade. 
A atitude do sentimento ingênuo é simplesmente a de se limitar à verdade publicamente 
reconhecida, com uma confiante convicção, e de, sobre esta firme base, estabelecer a sua conduta e a sua 
posição na vida. A esta atitude simples desde logo se opõe a dificuldade que resulta da infinita diversidade 
de opiniões, que não permite distinguir e determinar o que nelas poderá haver de universalmente válido; 
facilmente se pode, no entanto, imaginar que esta dificuldade, verdadeira e seriamente, provém da natureza 
das coisas. Mas, na realidade, aqueles que julgam tirar partido desta dificuldade ficam na situação de não 
ver a floresta por causa das árvores: estão em face de um obstáculo e de uma dificuldade que eles mesmos 
ergueram. Mais ainda: tal obstáculo é a prova de que o que pretendem não é o que é reconhecido e válido 
universalmente, não é a substância do direito e da moralidade objetiva. Pois se disso verdadeiramente se 
tratasse, e não da vaidade e da individualidade da sua opinião e do seu ser, não se afastariam do direito 
substancial, das regras da moralidade objetiva e do Estado, e a elas conformariam suas vidas. Mas o 
homem pensa e é no pensamento que procura a sua liberdade e o princípio da sua moralidade. Este direito, 
por mais nobre e divino que seja, logo se transforma em injustiça se o pensamento só a si mesmo 
reconhece e apenas se sente livre quando se afasta dos valores universalmente reconhecidos, imaginando 
descobrir algo que lhe seja próprio. 
Dir-se-ia que, atualmente, é nas questões que se referem ao Estado que se encontra a mais forte 
raiz daquelas representações segundo as quais a prova de que um pensamento é livre seria o 
inconformismo e até a hostilidade contra os valores publicamente reconhecidos e, por conseguinte, 
uma filosofia do Estado deveria ser especialmente formulada para inventar e expor mais uma 
teoria mas, bem entendido, uma teoria nova e particular. Quando se considera tal concepção, bem 
como os processos que dela resultam, chega a parecer-nos que nunca houve ainda sobre a Terra, 
como ainda não haverá hoje, nenhum Estado nem nenhuma Constituição Política. Seria a partir 
de "agora" (e este "agora" renova-se sempre indefinidamente) preciso recomeçar tudo desde o 
princípio, pois o mundo moral teria esperado atéo momento presente que fosse profundamente pensado 
e se lhe desse uma base. Quanto à natureza, concede-se que a filosofia deve conhecêla tal como ela é, 
que, se em algum lugar se oculta a pedra filosofal, sempre será a natureza que se encontra, que ela contém 
em si a sua razão, razão que a natureza deve conceber, não nas formas contingentes que à superfície se 
mostram, mas na sua harmonia eterna; é a sua lei imanente e a sua essência que a ciência deverá 
investigar. Pelo contrário, o mundo moral, o Estado, a razão tal como existe no plano da consciência de si 
nada ganhariam em ser realmente aquilo onde a razão se ergue ao poder e à força, se afirma imanente a 
essas instituições. O universo espiritual deveria ser abandonado à contingência e à arbitrariedade, ser 
abandonado de Deus, embora, segundo este ateísmo do mundo moral, a verdade se encontre fora deste 
mundo, de onde resulta que também a razão se encontra fora dele e que, portanto, a verdade tem uma 
existência problemática. Daí provém o direito e também o dever de cada pensamento levantar o seu vôo, 
mas não para procurar a pedra filosofal, pois na filosofia do nosso tempo a investigação é dispensável e 
todos têm a certeza de sem esforço poderem dispor daquela pedra. Acontece, então, que aqueles que 
vivem na realidade efetiva do Estado e nisso encontram a satisfação do seu saber e da sua vontade (e 
esses são muitos mais do que os que disso têm consciência pois, no fundo, todos aí vivem) ou, pelo menos, 
aqueles que conscientemente encontram a sua satisfação no Estado, desdenham de tanta presunção e 
segurança, tomam-nas como uma brincadeira sem sentido, mais ou menos séria, mais ou menos perigosa. 
Esta inquieta agitação da reflexão e da vaidade, o acolhimento e o favor de que goza seriam coisa sem 
importância que se manifestaria no seu ambiente e à sua maneira, se, por causa dela, a filosofia não se 
expusesse ao desprezo e ao descrédito. A forma mais grave de tal desprezo consiste, como se disse, em 
cada um estar convencido de saber, de uma vez por todas, algo sobre a filosofia em geral e estar em 
condições de a discutir. Nenhuma arte, nenhuma ciência está exposta a tão fundo grau de desprezo como 
quando qualquer um pode julgar dominá-la. 
Efetivamente, quando vemos o que, sobre o Estado, a filosofia contemporânea 
produziu com toda sua pretensão, temos de admitir que quem tiver a fantasia de se meter nesses 
assuntos com boas razões se pode persuadir de que facilmente tira de si mesmo qualquer coisa 
de semelhante, e assim concluir que está na posse da filosofia. Aliás, essa chamada filosofia 
expressamente declarou que a verdade não pode ser conhecida, ou é o que cada um ergue de 
dentro de si, do seu sentimento e do seu entusiasmo sobre os objetos morais, particularmente 
sobre o Estado, o Governo, a Constituição. O que não se disse a este respeito, sobretudo no gosto 
da juventude e que a juventude escuta de bom grado! A frase da Escritura: "Ele dá aos eleitos durante o 
sono" foi aplicada à ciência e não houve sonhador que não se contasse entre os eleitos. Os conceitos que 
assim recebem enquanto dormem deveriam, pois, construir a verdade. Um corifeu desta vil doutrina, que 
dá a si mesmo o nome de filósofo, um tal Fries, não se envergonhou de, numa solenidade pública que ficou 
célebre, fazer um discurso sobre o projeto do Estado e da Constituição, em que propunha esta idéia: "No 
povo onde reina um verdadeiro espírito comum, as funções de interesse público devem possuir uma vida 
que lhes vem de baixo, do povo. A tudo o que for obra de cultura popular e de serviço do povo se devem 
consagrar as sociedades, indissoluvelmente unidas pelos sagrados laços da amizade", e assim 
sucessivamente. Esta sensaboria consiste essencialmente em fundamentar a ciência não no 
desenvolvimento dos pensamentos e dos conceitos, mas no sentimento imediato e na imaginação 
contingente, e em dissolver no fervilhar do coração, da amizade e do entusiasmo a rica articulação íntima 
do mundo moral que é o Estado, a sua racional arquitetura, que, pela nítida distinção do que é a vida pública 
e sua respectiva legitimidade, pelo rigor do cálculo que segura cada pilar, cada arco, cada contraforte, 
constrói a força do todo, a harmonia dos seus membros. Como Epicuro faz com o mundo em geral, esta 
concepção abandona, ou, antes, deveria abandonar, o mundo moral à contingência subjetiva da opinião e 
da arbitrariedade. Este remédio caseiro, que consiste em tornar dependente do sentimento o trabalho 
muitas vezes milenar do pensamento e do intelecto, talvez sirva para dispensar todo o esforço de cognição 
e inteligência racional dirigidos pelos conceitos do pensamento. Em Goethe (uma boa autoridade), 
Mefistófeles diz o que já citei noutro livro: "Se desdenhares da inteligência e da ciência, que são os dons 
mais altos da humanidade, entregas-te ao diabo e estás perdido." Àquela concepção só faltava vestir 
também as roupagens da piedade. E que processos procuraram para se autorizar? Na santidade divina e 
na Bíblia julgaram encontrar a mais alta justificação para desprezar a ordem moral e a objetividade das leis. 
É que é, sem dúvida, a piedade que relaciona a verdade, que no mundo se explicita num domínio 
organizado, com a intuição mais simples do sentimento. Mas, se ela for de uma pura espécie, abandona a 
forma própria a esta região e logo sai do domínio interior para entrar na luz da renúncia, onde a riqueza da 
Idéia se revela. O que conserva da prática do serviço divino é o respeito por uma verdade e uma lei 
existentes em si e para si e elevadas acima da forma subjetiva do sentimento. 
Podemos também aqui observar a forma particular de má consciência que se manifesta na 
eloqüência com que aquela vulgaridade se enfatua. Em primeiro lugar, onde é menos espiritual é 
que fala mais do espírito; onde a sua linguagem é mais morta e coriácea é onde mais pronuncia as 
palavras "vida" e "vivificar"; onde manifesta mais amor-próprio e orgulhosa vaidade é onde tem sempre na 
boca a palavra "povo". 
Mas o mais característico sinal que traz na fronte é ódio à lei. O direito, a moralidade e a realidade jurídica 
e moral concebem-se através de pensamentos, adquirem a forma racional, isto é: universal e determinada, 
por meio de pensamento. É isso o que constitui a lei, e esta sentimentalidade que se arroga o arbitrário, 
que faz consistir o direito na convicção subjetiva, tem bons motivos para considerar a lei como o seu pior 
inimigo. A forma que o direito assume no dever e na lei aparece-lhe como letra morta e fria, como uma 
prisão. Nela não se pode reconhecer, nela não se pode encontrar a sua liberdade, pois a lei é a razão em 
cada coisa e não permite que o sentimento se exalte na sua própria particularidade. A lei é também, como 
se verá no decurso deste manual, a pedra de toque com que se distinguem os falsos amigos e os pretensos 
irmãos daquilo a que chamam o povo. 
Ora, como estes trapaceiros do livre-arbítrio se apossaram do nome da filosofia e conseguiram convencer 
uma grande parte do público de que tal maneira de pensar é a filosofia, tornou-se quase uma desonra falar 
filosoficamente da natureza do Estado, e não podemos queixar-nos das pessoas honestas que manifestam 
a sua impaciência ao ouvir falar de uma ciência filosófica do Estado. Menos nos admiraremos de ver os 
governos acabarem por se acautelar de tal filosofia, tanto mais que entre nós a filosofia não é cultivada, à 
maneira dos gregos, como uma arte privada, mas possui uma existência pública ao serviço, principalmente, 
da coletividade ou até, exclusivamente, do Estado. 
Os governos que afirmaram a sua confiança nos sábios consagrados a esta 
disciplina, à responsabilidade deles, entregando completamente o desenvolvimento e a 
continuidade da filosofia, ou aqueles que, menos por confiança do que por indiferença para com 
esta ciência, certas cadeiras mantiveram por tradição (como, ao que sei, se mantiveram na França 
as cadeiras de metafísica), tais governos viram-semal pagos da confiança que os moveu; e se, 
em um ou outro caso, foi a indiferença que os terá movido, o resultado obtido, que é a decadência 
de todo o conhecimento profundo, poderá ser considerado como o castigo dessa indiferença. É 
certo que, à primeira vista, aqueles pensamentos vulgares serão perfeitamente conciliáveis com a 
ordem e a tranqüilidade exteriores, pois não chegam a aflorar, nem sequer a pressentir a 
substância das coisas e, do ponto de vista policial, de nada se poderão acusar. Mas o Estado 
contém em si a exigência de uma cultura e de uma inteligência mais profundas e carece da 
satisfação da ciência. Além disso, depressa aquele gênero de pensamentos por si mesmo cai, 
quando considera o direito, a moralidade e o dever, nos princípios que, em cada um desses domínios, 
constituem precisamente o erro superficial, os princípios dos sofistas que Platão nos transmitiu, os 
princípios que fundamentam o direito em finalidades e opiniões subjetivas, no sentimento e na convicção 
particulares, os princípios de que provêm não só a destruição da moralidade interior, da consciência 
jurídica, do amor e do direito entre pessoas privadas, como também a da ordem pública e das leis do 
Estado. 
Não podemos iludir-nos sobre a significação que tais fenômenos são suscetíveis de 
adquirir para os governos que podem deixar-se transviar pelo prestígio de títulos com os quais, e apoiando-
se na confiança concedida e na autoridade das funções, se exige do Estado que feche os olhos à corrupção 
dos princípios gerais, origem substancial dos atos, e que alimente assim a revolta como se isso não fosse 
contraditório. Um velho gracejo diz que "a quem Deus dá uma função dá também a competência"; hoje 
ninguém o tomará a sério. Se as circunstâncias despertaram nos governos o sentido da importância dos 
métodos e do espírito da filosofia, é preciso não desconhecer a proteção e o auxílio de que, em muitos 
outros aspectos, o estudo da filosofia hoje carece. 
Efetivamente, quando se lêem as produções de ciência positiva ou religiosas ou literárias, 
não só se verifica como ó desprezo da filosofia se manifesta em pessoas que, completamente 
desatualizadas quanto ao desenvolvimento das idéias e visivelmente estrangeiras à filosofia, a tratam como 
algo ultrapassado, mas também como abertamente se encarniçam contra ela e declaram que o seu 
conteúdo - o conhecimento conceituai de Deus e da natureza física e espiritual, o da verdade - é uma 
presunção louca ou pecaminosa. Sempre e incessantemente, a razão é acusada, diminuída e condenada. 
Sempre, pelo menos, se dá a entender que, na prática científica ideal, as reivindicações do conceito são 
incômodas. 
Quando nos vemos em face de tais fenômenos, é lícito perguntarmo-nos se a tradição 
ainda terá suficiente força para honrosamente assegurar ao estudo da filosofia a tolerância e a existência 
públicas'. Tais declarações e tais ataques, hoje correntes, contra a filosofia oferecem-nos pois este curioso 
espetáculo: por um lado, só são possíveis devido à degenerescência e degradação desta ciência, por outro 
lado têm a mesma base que essas idéias que assim atacam com ingratidão. 
Com efeito, essa chamada filosofia, ao dizer que o conhecimento da verdade é uma tentativa insensata, 
torna idênticos a virtude e o vício, a honra e a desonra, a sabedoria e a ignorância, nivelando todos os 
pensamentos e todos os objetos de modo análogo ao que o despotismo imperial de Roma utilizou para a 
nobreza e os escravos. 
Assim, os conceitos de verdade, as leis morais nada mais serão do que opiniões e convicções subjetivas 
e, enquanto convicções, os princípios criminosos são colocados na mesma categoria das leis. Não haverá, 
por conseguinte, objeto que, por mais pobre ou mais particular, nem matéria que, por mais vazia, não possa 
ter a mesma dignidade daquilo que constitui o interesse de todos os homens que pensam e dos laços do 
mundo moral. 
Todavia, devemos considerar como foi uma felicidade para a ciência (aliás, é isso que está de acordo com 
a necessidade das coisas) que tal filosofia, que podia ter se desenvolvido em si mesma como uma doutrina 
escolar, viesse se apresentar na mais íntima relação com a realidade, onde os princípios do direito e do 
dever acabam sempre por se afirmar com seriedade e onde sempre reina a luz da consciência. Aí a ruptura 
tinha, desde logo, de se manifestar. É por causa desta situação da filosofia perante a realidade que os erros 
se evidenciam, e repito o que já antes observei: porque é precisamente o fundamento do racional, a filosofia 
é a inteligência do presente e do real, não a construção de um além que só Deus sabe onde se encontra 
ou que, antes, todos nós sabemos onde está – no erro, nos raciocínios parciais e vazios. 
No decurso desta obra indicarei que A República de Platão, imagem proverbial de um ideal vazio, se limita 
essencialmente a apreender a natureza da moralidade grega. Teve Platão a consciência de um princípio 
mais profundo cuja falta era uma brecha nessa moralidade mas que, na consciência que dele assim 
possuía, apenas podia consistir numa aspiração insatisfeita e tinha portanto de aparecer como um princípio 
corrupto. Arrebatado por esta aspiração, procurou Platão um recurso contra isso; mas tal recurso, tal 
socorro só podia vir do alto e, por isso, nada mais podia fazer do que procurá-lo numa forma exterior e 
particular daquela moralidade. Julgando que assim se tornava senhor da corrupção, o que alcançava era 
apenas ferir intimamente o que havia de mais profundo: a personalidade livre infinita. No entanto, mostrou 
Platão o grande espírito que era pois, precisamente, o princípio em volta do qual gira tudo o que há de 
decisivo na sua idéia é o princípio em volta do qual gira toda a revolução mundial que então se preparava: 
O que é racional é real e o que é real é racional 
Esta é a convicção de toda consciência livre de preconceitos e dela parte a filosofia tanto ao considerar o 
universo espiritual como o universo natural. Quando a reflexão, o sentimento e em geral a consciência 
subjetiva de qualquer modo consideram o presente como vão, o ultrapassam e querem saber mais, caem 
no vazio e, porque só no presente têm realidade, eles mesmos são esse vazio. 
Quanto ao ponto de vista inverso, o daqueles para quem a Idéia só vale no sentido restrito 
de representação da opinião, a esses opõe a filosofia a visão mais verídica de que só a idéia, e nada mais, 
é real, e então do que se trata é de reconhecer na aparência do temporal e do transitório a substância que 
é imanente e o eterno que é presente. 
Com efeito, o racional, que é sinônimo da Idéia, adquire, ao entrar com a sua realidade 
na existência exterior, uma riqueza infinita de formas, de aparências e de manifestações, envolve-se, como 
as sementes, num caroço onde a consciência primeiro se abriga mas que o conceito acaba por penetrar 
para surpreender a pulsação interna e senti-Ia bater debaixo da aparência exterior. São infinitas as diversas 
situações que surgem nesta exterioridade durante a aparição da essência, mas não cumpre à filosofia 
regulá-las. Se o fizesse, misturar-se-ia com assuntos que não lhe pertencem, e pode portanto dispensar-
se de dar conselhos sobre eles. Bem podia Platão ter-se dispensado de recomendar às amas que nunca 
estivessem quietas com as crianças e incessantemente as embalassem nos braços, como Fichte de querer 
aperfeiçoar o policiamento das identificações a ponto de pretender que se pusesse nos bilhetes de 
identidade dos suspeitos não apenas os seus sinais, mas também os seus retratos. Em tais declarações 
não há o menor traço de filosofia, que antes deve despreocupar-se de tão extrema prudência, precisamente 
porque lhe cumpre mostrar-se liberal para com essa imensa espécie de pormenores. Assim se apresentará 
imune daquela hostilidade que uma crítica vazia dirige às circunstâncias e às instituições, hostilidade em 
que a mediocridade quase sempre se compraz porque nela obtém a satisfação desi mesma. 
É assim que este nosso tratado sobre a ciência do Estado nada mais quer representar 
senão uma tentativa para conceber o Estado como algo de racional em si. É um escrito filosófico e, portanto, 
nada lhe pode ser mais alheio do que a construção ideal de um Estado como deve ser. Se nele está contida 
uma lição, não se dirige ela ao Estado, mas antes ensina como o Estado, que é o universo moral, deve ser 
conhecido: Hic Rhodus, hic saltus. 
A missão da filosofia está em conceber o que é, porque o que é a razão. No que se refere aos indivíduos, 
cada um é filho do seu tempo; assim também para a filosofia que, no pensamento, pensa o seu tempo. 
Tão grande loucura é imaginar que uma filosofia ultrapassará o mundo contemporâneo como acreditar 
que um indivíduo saltará para fora do seu tempo, transporá Rhodus. Se uma teoria ultrapassar estes 
limites, se construir um mundo tal como entenda dever ser, este mundo existe decerto, mas apenas na 
opinião, que é um elemento inconsciente sempre pronto a adaptar-se a qualquer forma. 
Um pouco modificada, a fórmula expressiva seria esta: Aqui está a rosa, aqui vamos danar. 
O que há entre a razão como espírito consciente de si e a razão como realidade dada, o que separa a 
primeira da segunda e a impede de se realizar é o estar ela enleada na abstração sem que se liberte para 
atingir o conceito. Reconhecer a razão como rosa na cruz do sofrimento presente e contemplá-la com 
regozijo, eis a visão racional, medianeira e conciliadora com a realidade, o que procura a filosofia daqueles 
que sentiram alguma vez a necessidade interior de conceber e de conservar a liberdade subjetiva no que 
é substancial, de não a abandonar ao contingente e particular, de a situar no que é em si e para si. 
Isso é também o que constitui o sentido concreto do que já designamos, de maneira abstrata, como unidade 
da forma e do conteúdo. Com efeito, em sua mais concreta significação, a forma é a razão como 
conhecimento conceitua) e o conteúdo é a razão como essência substancial da realidade moral e também 
natural. 
A identidade consciente do conteúdo e forma é a Idéia filosófica. Uma grande obstinação, mas que dá 
honra ao homem, a de recusar reconhecer o que quer que seja dos nossos sentimentos que não esteja 
justificado pelo pensamento, obstinação característica dos tempos modernos. É esse, aliás, o princípio do 
protestantismo. O que Lutero começara a apreender, como crença, no sentimento e no testemunho do 
espírito é o que o espírito, posteriormente amadurecido, se esforçou por conceber na forma de conceito 
para assim no presente se libertar e reencontrar. Uma frase célebre ensina que meia filosofia afasta de 
Deus é aquela metade que atribui ao saber uma aproximação da verdade), mas que a verdadeira filosofia 
conduz a Deus, e o mesmo acontece com o Estado. Assim também a razão não se contenta com uma 
aproximação, que não é nem quente nem fria e portanto tem de ser vomitada (Ap 3, 16). Tampouco se 
contenta com aquele frio desespero que, reconhecendo que neste mundo tudo está mal, mais ou menos 
mal, acrescenta que nada pode haver de melhor, e conclui que o que é preciso é viver em paz com a 
realidade; ora, a paz que nasce do verdadeiro conhecimento é uma paz mais calorosa. 
Para dizermos algo mais sobre a pretensão de se ensinar como deve ser o mundo, 
acrescentaremos que a filosofia cega sempre muito tarde. Como pensamento do mundo, só 
aparece quando a realidade efetuou e completou o processo da sua formação. O que o conceito 
ensina mostra-o a história com a mesma necessidade: é na maturidade dos seres que o ideal se 
ergue em face do real, e depois de ter apreendido o mundo na sua substância reconstrói-o na 
forma de um império de idéias. Quando a filosofia chega com a sua luz crepuscular a um mundo já a 
anoitecer, é quando uma manifestação de vida está prestes a findar. Não vem a filosofia para a 
rejuvenescer, mas apenas reconhecê-la. Quando as sombras da noite começaram a cair é que levanta vôo 
o pássaro de Minerva. É tempo de terminar este prefácio. Como prefácio, apenas pretendeu indicar, exterior 
e subjetivamente, o ponto de vista do escrito que precede. Se filosoficamente se tem de falar de um assunto, 
o único método adequado é o científico e objetivo e, por isso, o autor considerará como acréscimo subjetivo, 
comentário arbitrário e, portanto, indiferente toda a refutação que não assuma a forma de um estudo 
científico do objeto. 
Berlim, 25 de junho de 1820. 
Responda às seguintes questões: 
1) Em que medida pode-se relacionar universidade e razão na filosofia do direito moderno e como tal relação se 
distingue ou se aproxima dos pensamentos jurídicos anteriores, clássico e medieval? 
2) Como se deve entender o seguinte texto de Hegel nos "Princípios da Filosofia do Direito"? Neste texto em específico 
contra que Filosofia do direito ele fala e o que propõe? Por quê? 
"Em certo tempo, falou-se muito da oposição entre a moral e a política, e da exigência de a primeira dirigir a 
segunda. Apenas devemos mostrar que o bem do estado tem uma legitimidade muito diferente da do bem 
dos indivíduos e da substância moral, que o Estado adquire imediatamente a sua existência, quer dizer, o 
seu direito em algo concreto e não abstrato." 
 
 
Agora leia atentamente o texto e identifique 
resumidamente as principais críticas entabuladas 
por Marx à Filosofia do Direito de Hegel: 
 
Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel 
Karl MARX 
 
I N T R O D U Ç Ã O 
 
No caso da Alemanha, a crítica da religião foi em grande parte completada; e a crítica 
da religião é o pressuposto de toda a crítica. A existência profana do erro está 
comprometida, depois que a sua celestial oratio pro aris et focis foi refutada. O homem, 
que na realidade fantástica do céu, onde procurara um ser sobre-humano, encontrou 
apenas o seu próprio reflexo, já não será tentado a encontrar a aparência de si mesmo 
– um ser não humano – onde procura e deve buscar a sua autêntica realidade. 
 
É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião; a religião não faz o 
homem. E a religião é, de facto, a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que 
ou ainda não se conquistou ou voltou a perder-se. Mas o homem não é um ser abstracto, 
acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este 
Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, 
porque eles são um 
mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, 
a sua lógica em forma popular, o seu point d’honneur espiritualista, o seu entusiasmo, 
a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua base geral de consolação e de 
justificação. 
 
É a realização fantasmal da essência humana, porque aessência humana não possui 
verdadeira realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é indirectamente a luta 
contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. 
A miséria religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão da miséria real e o protesto contra 
a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o âmago de um mundo sem 
coração e a alma de situações sem alma. É o ópio do povo. 
 
A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua 
felicidade real. O apelo para que eles deixem as ilusões a respeito da sua situação é o 
apelo para abandonarem uma situação que precisa de ilusões. A crítica da religião é, 
pois, em germe a crítica do vale de lágrimas de que a religião é a auréola. A crítica colheu 
nas cadeias as flores imaginárias, não para que o homem suporte as cadeias sem fantasia 
ou sem consolação, mas para que lance fora as cadeias e colha a flor viva. A crítica da 
religião liberta o homem da ilusão, de modo que ele pense, actue e configure a sua 
realidade como homem que perdeu as ilusões e recuperou o entendimento, a fim de 
que ele gire à volta de si mesmo e, assim, à volta do seu verdadeiro sol. A religião é 
apenas o sol ilusório quegira à volta do homem enquanto ele não gira à volta 
de si mesmo. 
 
 
Por isso, a tarefa da história, depois que o além da verdade se desvaneceu, é estabelecer 
a verdade do aquém1. A imediata tarefa da filosofia, que está ao serviço da história, é 
desmascarar a autoalienação humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi 
desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transformase deste modo em 
crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica 
da política. 
 
A seguinte exposição2 – um contributo para semelhante empreendimento – não se 
ocupa directamente do original, mas de uma cópia, a filosofia alemã do Estado e do 
direito, pela simples razão de versar sobre a Alemanha. Se se pretendesse começar pelo 
próprio status quo na Alemanha, mesmo da maneira mais adequada, isto é, 
negativamente, o resultado seria ainda um anacronismo. A própria negação do nosso 
presente político é já um facto poeirento na arrecadação histórica dos povos modernos. 
Posso negar as perucas empoadas, mas fico ainda com perucas desempoadas. Se nego 
a situação alemã de 1843 dificilmente chego, segundo a cronologia francesa, ao ano de 
1789, e ainda menos ao centro vital do período actual. 
 
A história alemã orgulha-se, de facto, de um movimento que nenhuma outra nação 
antes realizou ou virá alguma vez a imitar no firmamento histórico. Participámos nas 
restaurações de povos modernos, sem termos tomado parte nas suas revoluções. 
Fomos restaurados, primeiro, porque houve nações que ousaram fazer revoluções e, em 
segundo lugar, porque outras nações sofreram contrarevoluções; no primeiro caso, 
porque os nossos governantes tiveram 
medo e, no segundo, porque nada recearam. Nós, com os nossos pastores à frente, só 
uma vez nos encontrámos na sociedade da liberdade, no dia do seu enterro. 
 
Uma escola que legitima a infâmia de hoje pela infâmia de ontem, uma escola que 
considera todo o grito do servo sob o látego como grito de rebelião, desde que o látego 
se tornou um látego venerável pela idade, ancestral e histórico, uma escola à qual a 
história, como o Deus de Israel ao seu servo Moisés, só mostra o seu a posteriori, a 
Escola histórica do direito3, teria, pois, inventado a 
história alemã, se ela não fosse realmente uma invenção da história alemã. Um Shylock, 
mas um Shylock servil, que jura por cada libra de carne cortada do coração do povo, pela 
sua caução, pela sua caução histórica, pela sua caução germano-cristã. 
 
 
1A contraposição é aqui entre ‘além’ – ‘aquém’, isto é, entre o ‘outro mundo’ e ‘este mundo’, como 
pressuposto na visão religiosa, sobretudo judeocristã – objecto da crítica marxiana. 
 
2Alusão de Marx ao seu projecto de um escrito crítico da Filosofia do Direito de Hegel, a que estas páginas 
serviriam de introdução. 
 
3O corifeu da Escola histórica foi F. K. von Savigny (1719-1861), sobretudo com o seu programa expresso 
no livro Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (Da vocação da nossa época 
para a legislação e a jurisprudência), Heidelberg, 1814. Marx assistiu às suas lições na Universidade de 
Berlim em 1836-7; atraíram-no mais, porém, as lições de Eduard Gans (1798-1839), hegeliano liberal 
influenciado por Saint-Simon que, no seu ensino e nos seus escritos, realçava o papel da razão na evolução 
do direito, além de ser o principal opositor de Savigny em Berlim. 
 
 
Em contrapartida, entusiastas bonacheirões, chauvinistas alemães pelo sangue e liberais 
esclarecidos por reflexão, buscam a nossa história de liberdade para lá da nossa história, 
nas primitivas florestas teutónicas. Mas qual a diferença da história da nossa liberdade 
em relação à história da liberdade do javali selvagem, se apenas se encontrar nas 
florestas? Além disso, como é sabido: o 
que na floresta se grita, a floresta o ecoa. Por isso, paz às primitivas florestas teutónicas! 
 
Guerra à situação na Alemanha! Sem dúvida! Semelhante situação está abaixo do nível 
da história, abaixo de toda a crítica; mas continua a ser um objecto da crítica, tal como 
o cristianismo, que está abaixo do nível da humanidade, continua a ser objecto do 
carrasco. Na luta contra esta situação, a crítica não é uma paixão da cabeça, mas a 
cabeça da paixão. Não é um bisturi anatómico, 
mas uma arma. O seu alvo não é um inimigo que ela procura refutar, mas destruir. Pois 
o espírito de tal situação já foi refutado. 
 
Não é em si e por si um objecto digno do nosso pensamento; é uma existência tão 
desprezível como desprezada. A crítica já não necessita da ulterior elucidação do seu 
objecto, porque já chegou a um acordo. A crítica já não é fim em si, mas apenas um 
meio; a indignação é o seu pathos essencial, e a denúncia a sua principal tarefa. Trata-
se de descrever a pressão sufocante que as diferentes esferas sociais exercem umas 
sobre as outras, o mau humor universal, mas passivo, a estreiteza de espírito 
complacente, mas que se ilude a si própria; incorporada num sistema de governo que 
vive pela conservação da indigência e que é a própria indigência no governo. 
 
Que espectáculo! A sociedade encontra-se infinitamente dividida nas mais diversas 
raças, que se defrontam umas às outras com suas mesquinhas antipatias, má 
consciência e grosseira mediocridade; e que precisamente por causa da sua situação 
ambígua e suspeitosa, são tratadas sem distinção, embora de modos diferentes, como 
existências apenas toleradas pelos senhores. E vêem-se forçadas a reconhecer e a 
admitir o facto de serem dominadas, governadas e possuídas como uma concessão do 
céu! Do outro lado encontram-se os próprios governantes, cuja grandeza está numa 
relação 
inversa ao seu número! 
 
A crítica que se ocupa deste assunto é a crítica num combate corpo a corpo; e 
semelhante combate não oferece vantagem para saber se o adversário é da mesma 
categoria, se é nobre ou interessante – o que conta é atingi-lo. Trata-se de recusar aos 
Alemães um instante sequer de ilusão e de resignação. A pressão deve ainda tornar-se 
mais urgente pelo facto de se despertar a consciência dela, e a ignomínia tem ainda de 
se tornar mais ignominiosa pelo facto de se trazer à luz pública. Cada esfera da 
sociedade alemã deve descrever-se como a partie honteuse da sociedade alemã; e estas 
condições sociais petrificadas têm de ser compelidas à dança, fazendo-lhes ouvir o canto 
da sua própria melodia! O povo deve aprender a aterrar-se de si mesmo, de modo a 
ganhar coragem. 
 
Satisfazer-se-á assim uma imperiosa necessidade da nação alemã, e as necessidades dos 
povos são justamente as causas finais da sua satisfação. 
Mesmo a respeito das nações modernas, a luta contra o teor limitado do status quo 
alemão não carece de interesse; para o alemão, o status quo constitui a evidente 
consumação do ancien regime e o ancien régime é a imperfeição oculta do Estado 
moderno. A luta contra o presente político dos Alemães é a luta contra o passado dos 
povos modernos, que ainda se vêem continuamente 
importunados pelas reminiscências do seu passado. Para as nações modernas, é 
instrutivo ver o ancien régime, que na sua história representou uma tragédia, 
desempenhar um papel cómico como espectro alemão. A sua história foi trágica, porque 
era o poder preexistente do mundo, ao passo que a liberdade era uma fantasia pessoal; 
numa palavra, enquanto acreditou e tinha de acreditar na sua própria legitimidade. 
Enquanto o ancien régime, como ordemdo mundo existente, lutou contra um mundo 
que estava precisamente a emergir, houve da sua parte um erro histórico, mas não um 
erro pessoal. O seu declínio, portanto, foi trágico. 
 
Em contrapartida, o actual regime alemão, que é um anacronismo, uma flagrante 
contradição em face de axiomas universalmente aceites – a nulidade do ancien régime 
revelada a todo o mundo -, supõe apenas que acredita em si e pede a todo o mundo 
para compartilhar a sua ilusão. Se acreditasse na sua própria natureza, tentaria ele 
ocultá-la sob a aparência de uma natureza estranhae buscar a salvação na hipocrisia e 
num sofisma? O moderno ancien régime é apenas o comediante de uma ordem do 
mundo cujos heróis reais já estão mortos. A história é sólida e passa por muitas fases, 
ao levar uma formação antiga ao sepulcro. A última fase de uma formação histórico-
mundana é a comédia. Os deuses gregos, já mortalmente feridos na tragédia de Ésquilo, 
Prometeu Agrilhoado, tiveram de suportar uma segunda morte, uma morte cómica, nos 
diálogos de Luciano. Porque tem a história este curso? 
Para que a humanidade se separe alegremente do seu passado. 
 
Reivindicamos este rejubilante destino histórico aos poderes políticos da Alemanha. 
Mas logo que a crítica se ocupa da moderna realidade social e política, logo que a crítica 
se eleva assim aos autênticos problemas humanos, tem ou de sair do status quo alemão 
ou de apreender o seu objecto sob o seu objecto. Um exemplo! A relação da indústria, 
do mundo da riqueza em geral, ao mundo político, é um dos problemas fundamentais 
da idade moderna. De que maneira começa este problema a preocupar os Alemães? Sob 
a forma de tarifas proteccionistas, do sistema de proibição, da economia política. 
 
O chauvinismo alemão passou dos homens para a matéria, de modo que um belo dia os 
nossos cavaleiros do algodão e heróis do ferro se viram metamorfoseados em patriotas. 
A soberania do monopólio na Alemanha começou a ser reconhecida desde que se 
começou a atribuir-lhe a soberania em relação ao exterior. Por conseguinte, na 
Alemanha, começa-se por aquilo que na França ena Inglaterra já chegou ao fim. A ordem 
antiga e podre, contra a qual estas nações se revoltam teoricamente e que apenas 
suportam como cadeias, é saudada na Alemanha como a aurora de um futuro glorioso 
que, até 
 
 
 
agora, a custo ousa mover-se de uma teoria astuta4para uma prática implacável. 
Enquanto na França e na Inglaterra o problema se põe assim: economia política ou o 
domínio da sociedade sobre a riqueza, na Alemanha apresenta-se deste modo: 
economia nacional ou domínio da propriedade privada sobre a nacionalidade. 
 
Portanto, na Inglaterra e na França trata-se de abolir o monopólio, que se desenvolveu 
até às últimas consequências, ao passo que na Alemanha se trata de caminhar para as 
consequências finais do monopólio. Além, trata-se de uma solução; aqui, trata-se 
apenas de uma colisão. É um exemplo suficiente da forma alemã dos problemas 
modernos, um exemplo de como a nossa história, 
tal como um recruta principiante, só teve, até agora, de fazer exercícios adicionais em 
assuntos históricos velhos e banais. 
 
Se a totalidade do desenvolvimento alemão não fosse além da evolução política alemã, 
seria impossível que um alemão tivesse mais interesse nos problemas contemporâneos 
do que um russo. Se o indivíduo singular não é coarctado pelas barreiras da nação, ainda 
menos a nação será libertada através da libertação de um indivíduo. O facto de um cita 
ter sido um dos filósofos gregos 5 não capacitou os Citas para dar sequer um passo em 
direcção à cultura grega. Felizmente, nós, Alemães, não somos citas. 
 
Assim como os povos do mundo antigo viveram a sua préhistória na imaginação, na 
mitologia, assim nós, Alemães, vivemos a nossa pós-história no pensamento, na 
filosofia. Somos os contemporâneos filosóficos da actualidade, sem sermos os seus 
contemporâneos históricos. A filosofia alemã constitui o prolongamento ideal da 
história alemã. Por isso, ao criticarmos, em vez das oeuvres incomplètes da nossa 
história real, as oeuvres posthumes da nossa história ideal, a filosofia, a nossa crítica 
está no centro dos problemas acerca dos quais a época actual afirma: that is the 
question. O que nos povos mais avançados constitui uma ruptura prática com as 
modernas condições políticas é, na Alemanha, onde estas condições ainda não existem, 
um corte crítico com o reflexo filosófico destas condições. 
 
A filosofia alemã do direito e do Estado é a única história alemã que está al pari com a 
época moderna oficial. O povo alemão vêse, pois, obrigado a ligar a sua história onírica 
com as condições existentes e a sujeitar à crítica não só estas condições existentes, mas 
também a sua continuação abstracta. O seu futuro não pode restringir-se, nem à 
negação directa das suas circunstâncias jurídicas e políticas reais, nem à imediata 
realização das suas circunstâncias jurídicas e políticas ideais, pois que a negação directa 
das suas circunstâncias reais já 
 
 
4Em alemão, listigen; Marx faz aqui um trocadilho com o nome de Friedrich List (1789-1846), o apóstolo 
do capitalismo industrial numa forma nacionalista e proteccionista, que em 1840 publicou o influente 
livro Das nationale System der politischen Ökonomie. 
 
5Anácarsis, cita do séc. VI a. C., que viajou muito e terá sido embaixador do seu povo. Este, depois, livrou-
se dele, assassinando-o, talvez por causa da sua adesão aos costumes gregos. Terá tido contactos com 
Sólon e são-lhe atribuídos vários aforismos. Os Cínicos viram nele um “nobre selvagem”, que 
contrapunham aos cultos e “degenerados” Helénicos. 
 
existe nas circunstâncias ideais, enquanto ela quase sobreviveu à realização das suas 
circunstâncias ideais na contemplação dos povos vizinhos. É com razão, pois, que o 
partido político prático na Alemanha exige a negação da filosofia. O seu erro não 
consiste em formular tal exigência, mas em limitar-se 
a uma exigência que ele não leva, nem pode levar a cabo. Crê que é capaz de realizar 
esta negação voltando as costas à filosofia, de cabeça virada par outro lado – 
murmurando umas quantas frases triviais e mal-humoradas. Devido à sua tacanha 
maneira de ver, não considera a filosofia como parte da realidade alemã e considera até 
a filosofia como abaixo do nível da vida prática alemã e 
das teorias que a servem. Como ponto de partida exige-se o real germe de vida, mas 
esquece-se de que o real germe de vida do povo alemão só nasceu, até agora, no seu 
crânio. Em suma, é impossível abolir a filosofia sem a realizar. 
 
O mesmo erro foi cometido, mas em sentido oposto, pela facção teórica que se originou 
na filosofia. Na presente luta, esta facção viu apenas o combate crítico da filosofia contra 
o mundo alemão; não considerou que também a anterior filosofia pertence a este 
mundo e constitui o seu complemento, embora seja apenas um complemento ideal. 
Crítica no que respeita à sua contraparte, é acrítica em relação a si própria. Tomou como 
ponto de partida os pressupostos da filosofia; e ou aceitou as conclusões a que a filosofia 
chegara, ou apresentou como exigências e conclusões filosóficas imediatas exigências e 
conclusões que derivou de qualquer outro campo. Mas estas – supondo que são 
legítimas – só podem obter-se mediante a negação da filosofia anterior, isto é, da 
filosofa enquanto filosofia. Fornecemos, à frente, uma descrição mais pormenorizada 
desta facção. O seu principal defeito pode resumir-se assim: pensou que poderia realizar 
a filosofia, sem a abolir. A crítica da filosofia alemã do direito e do Estado, que teve a 
mais lógica, profunda e completa expressão em Hegel, surge ao mesmo tempo como a 
análise crítica do Estado moderno e da realidade a ele associada e como a negação 
definitiva de todas as anteriores formas de consciência na jurisprudência e na política 
alemã, cuja expressão mais distinta e mais geral, elevada a ciência, é precisamente a 
filosofia especulativa do direito. Só na Alemanha era possível a filosofa especulativa do 
direito, este pensamento extravagante e abstracto acerca do Estado moderno, cuja 
realidade permanece no além, mesmo se este além fica apenas no outro lado do Reno; 
o representante alemão do Estado moderno, pelo contrário, que não toma em linha de 
conta o homem real, só foi possível 
porque e na medida em que o próprio Estado moderno abstrai do homem real ou 
unicamente satisfaz o homem total de maneira ilusória. 
 
Em política, os Alemães pensaram o que os outros povos fizeram. A Alemanha foi a sua 
consciência teórica.A abstracção e a presunção do seu pensamento ia a passo com o 
carácter unilateral e atrofiado da sua realidade. Se, pois, o status quo do sistema político 
alemão exprime a consumação do ancien régime, o cumprimento do espinho na carne 
do Estado moderno, o status quo da ciência política alemã exprime a imperfeição do 
Estado moderno em si, a degenerescência da sua carne. Já como adversário decidido da 
anterior forma de consciência política alemã, a crítica da filosofia especulativa do direito 
se não perde em si mesma, mas mergulha em tarefas que só podem ser resolvidas por 
um único meio: a práxis. 
Surge então a questão: pode a Alemanha chegar a uma práxis à la hauteur des principes, 
quer dizer, uma revolução que a elevará não só ao nível oficial dos povos modernos, 
mas ao nível humano, que será o futuro imediato destes povos? A arma da crítica não 
pode decerto substituir a crítica das armas; a força material só será derrubada pela força 
material; mas a teoria em si torna-se também uma força material quando se apodera 
das massas. A teoria é capaz de se apossar das massas ao demonstrar-se ad hominem, 
e demonstra-se ad hominem logo que se torna radical. Ser radical é agarrar as coisas 
pela raiz. Mas, para o homem, a raíz é o próprio homem. O que demonstra, fora de toda 
a dúvida, o radicalismo da teoria alemã, e deste modo a sua energia prática, é o facto 
de começar pela decidida abolição positiva da religião. A crítica da religião termina com 
a doutrina de que o homem é para o homem o ser supremo. Termina, por conseguinte, 
com o imperativo categórico de derrubar todas as condições em que o homem surge 
como um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível – condições que 
dificilmente se exprimirão melhor do que na exclamação de um francês, por altura da 
proposta 
de imposto sobre cães: “Pobres cães! Já vos querem tratar como homens!” 
 
Mesmo do ponto de vista histórico, a emancipação teórica possui uma importância 
especificamente prática para a Alemanha. De facto, o passado revolucionário da 
Alemanha é teórico – é a Reforma. Assim como a revolução surgiu então no cérebro de 
um monge, assim começa hoje no cérebro do filósofo. Lutero venceu, sem dúvida, a 
servidão pela devoção, mas porque pôs no seu lugar a escravidão mediante a convicção. 
Abalou a fé na autoridade, porque restaurou a autoridade da fé. Transformou os padres 
em leigos, mudando os leigos em padres. Libertou o homem da religiosidade exterior, 
fazendo da religiosidade a essência mais íntima do homem. Libertou o corpo das suas 
cadeias, porque com cadeias acorrentou o coração. 
 
Mas, embora o protestantismo não fosse a verdadeira solução, pôs pelo menos o 
problema de modo correcto. Já não se tratava, pois, da luta do leigo com o padre fora 
dele, mas da luta contra o seu próprio padre interior, contra a sua natureza sacerdotal. 
E se a metamorfose protestante dos leigos alemães em padres emancipou os papas-
leigos – os príncipes, juntamente com o clero, os 
privilegiados e os filisteus -, a metamorfose filosófica dos alemães eclesiásticos em 
homens emancipará o povo. Mas, assim como a emancipação se não confinará aos 
príncipes, também a secularização dos bens se não restringirá à confiscação da 
propriedade da Igreja, que foi sobretudo praticada pela hipócrita Prússía. Nesse tempo, 
a Guerra dos Camponeses, o mais radical acontecimento na história alemã, malogrou-
se por causa da teologia. Hoje, que 
a teologia sofreu um desastre, o fenómeno menos independente na história alemã – o 
nosso status quo – será abalado pela filosofia. Na véspera da Reforma, a Alemanha 
oficial era a mais incondicional servidora de Roma. Na véspera da sua revolução, a 
Alemanha é incondicional servidora dos que são inferiores a Roma: da Prússia e da 
Áustria, de fidalgos mesquinhos e de filisteus. Parece, porém, que uma revolução radical 
na Alemanha irá embater numa grande dificuldade. 
 
As revoluções precisam de um elemento passivo, de uma base material. A teoria só se 
realiza num povo na medida em que for a realização das suas necessidades. 
Corresponderá à monstruosa discrepância entre as exigências do pensamento alemão e 
as respostas da realidade alemã uma discrepância semelhante entre a sociedade civil e 
o Estado, no interior da própria sociedade civil? Serão as necessidades teóricas 
directamente necessidades práticas? Não bastaque o pensamento instigue a realizar-se; 
a realidade deve igualmente compelir ao pensamento. 
 
Mas a Alemanha não atravessou ao mesmo tempo que os povos modernos o estádio 
intermédio da emancipação política. Não atingiu ainda na prática os estádios que já 
ultrapassou na teoria. Como poderia a Alemanha, em salto mortale, superar não só as 
suas próprias barreiras, mas também as dos povos modernos, isto é, as barreiras que na 
realidade tem de experimentar e atingir como uma emancipação das suas próprias 
barreiras reais? Uma revolução radical só pode ser a revolução de necessidades reais, 
para a qual parecem faltar os pressupostos e o campo de cultivo. 
 
Mas se a Alemanha acompanhou a evolução dos povos modernos apenas através da 
actividade abstracta do pensamento, sem tomar parte activa nas lutas reais desta 
evolução, experimentou também as dores deste desenvolvimento sem participar nos 
seus prazeres e nas suas parciais satisfações. A actividade abstracta, por um lado, tem a 
sua contrapartida no sofrimento abstracto, por outro. E um belo dia, o alemão 
encontrar-se-á ao nível da decadência europeia, antes de alguma vez ter atingido o nível 
da emancipação europeia. Será comparável a um feiticista que sofre das doenças do 
cristianismo. 
 
Se, antes de mais, se examinarem os governos alemães, descobrirse-á que as condições 
do tempo, a situação da Alemanha, o ponto de vista da cultura alemã e, por último, o 
seu próprio instinto afortunado, tudo os impele a combinar as deficiências civilizadas do 
mundo político moderno, de cujas vantagens não desfrutamos, com as deficiências 
bárbaras do ancien regime, de que fruímos na quantidade devida; assim a Alemanha 
tem de participar cada vez mais, se não na sensatez, pelo menos na insensatez dos 
sistemas políticos que ultrapassam o seu status quo. Haverá, por exemplo, algum país 
em todo o mundo que, como a chamada Alemanha constitucional, participe de todas as 
ilusões do regime constitucional, sem ter parte nas suas realidades? E não terá sido, por 
necessidade, um governo alemão que teve a ideia de combinar os tormentos franceses 
de Setembro 6, que pressupõem a liberdade de Imprensa? Assim como os deuses de 
todas as nações se encontravam no Panteão romano, também os pecados de todas as 
formas de Estado se encontrarão no Sacro Império Romano Germânico. Que 
semelhante eclectismo 
atingirá um grau sem precedentes é garantido sobretudo pela glutonaria político-
estética de um rei alemão, que decide desempenhar todas as funções da realeza – feudal 
ou burocrática, absoluta ou constitucional, autocrática ou democrática -, se não na 
pessoa do povo, pelo menos na sua própria pessoa, e se não para o povo, ao menos para 
si mesmo 7. A Alemanha, como deficiência 
 
6As leis de Setembro de 1835, que aumentaram as garantias financeiras exigidas pelos editores de jornais 
e introduziram sanções mais pesadas para as publicações “subversivas”. 
7Alusão a Frederico Guilherme IV. 
da actual política constituída em sistema, não será capaz de demolir as barreiras alemãs 
específicas, sem demolir as barreiras gerais da política actual. 
 
O sonho utópico da Alemanha não é a revolução radical, a emancipação humana 
universal, mas a revolução parcial, meramente política, que deixa de pé os pilares do 
edifício. Qual a base de uma revolução parcial, meramente política? Apenas esta: uma 
secção da sociedade civil emancipa-se e alcança o domínio universal: uma determinada 
classe empreende, a partir da sua situação particular, uma emancipação geral da 
situação. Tal classe emancipa 
a sociedade como um todo, mas só no caso de a totalidade da sociedadese encontrar 
na mesma situação que esta classe; por exemplo, se possuir ou facilmente puder 
adquirir dinheiro ou cultura. Nenhuma classe da sociedade civil pode desempenhar este 
papel a não ser que consiga despertar, em si e nas massas, um momento de entusiasmo 
em que se associe e misture com a sociedade em liberdade, se identifique com ela e seja 
sentida e reconhecida 
como o representante geral da referida sociedade; os seus objectivos e interesses 
devem verdadeiramente ser os objectivos e os interesses da própria sociedade, da qual 
se torna de facto a cabeça e o coração social. Só em nome dos interesses gerais da 
sociedade é que uma classe particular pode reivindicar a supremacia geral. 
 
Para alcançar esta posição libertadora e a direção política de todas as esferas da 
sociedade, não bastam a energia e a consciência revolucionárias. Para que a revolução 
de um povo e a emancipação de uma classe particular da sociedade civil coincidam, para 
que uma classe represente o todo da sociedade, outra classe tem de concentrar em si 
todos os males da sociedade, uma classe particular deve encarnar e representar um 
obstáculo e uma limitação geral. Uma esfera social particular terá de surgir como o crime 
notório de toda a sociedade, a fim de que a emancipação de semelhante esfera surja 
como uma emancipação geral. Para que uma classe seja classe libertadora par 
excellence, é necessário que outra classe se revele abertamente como a classe 
opressora. O significado negativo e universal da nobreza e do clero francês suscitou o 
significado positivo e geral da burguesia, a classe que junto deles se encontrava e que a 
eles se opôs. 
 
Mas, na Alemanha, todas as classes carecem da lógica, do rigor, da coragem e da 
inconsideração que delas fariam o representante negativo da sociedade. Mais: falta 
ainda em todas as classes a grandeza de alma que, por um momento apenas, as 
identificaria com a alma popular; a genialidade que instiga a força material ao poder 
político, a audácia revolucionária que arremessa ao adversário a frase provocadora: 
Nada sou e tudo serei. A essência da moralidade e da honra alemãs, tanto dos indivíduos 
como das classes, é um egoísmo modesto que ostenta e deixa imperar contra si a sua 
própria mesquinhez. A relação entre as diferentes esferas da sociedade alemã não é, 
portanto, dramática, mas épica. Cada uma destas esferas começa por saber de si e por 
se estabelecer ao lado das outras, não a partir do momento em que é oprimida, mas 
desde o momento em que as condições da época, sem qualquer acção da sua parte, 
originam uma nova esfera que ela, por sua vez, pode oprimir. Mesmo o sentimento de 
si moral da classe média alemã só tem por base a consciência de ser o representante 
da mediocridademesquinha e limitada de toda as outras classes. Por conseguinte, não 
são apenas os reis alemães que sobem ao trono mal à propos. 
 
Cada esfera da sociedade civil sofre uma derrota antes de alcançar a vitória; levanta a 
sua própria barreira, antes de ter destruído a barreira que se lhe opõe; exige a estreiteza 
das suas vistas, antes de ostentar a sua generosidade; assim, todas as oportunidades de 
desempenhar um papel importante desapareceram antes de propriamente terem 
existido, e cada classe, no preciso momento em que inicia a luta contra a classe superior, 
fica envolvida numa luta contra a classe inferior. Por esta razão, os príncipes encontram-
se em conflito com o monarca, a burocracia com a nobreza, a burguesia com todos eles, 
enquanto o proletariado já está a encetar a luta com a burguesia. A classe média 
dificilmente ousa conceber a ideia da emancipação a partir do seu ponto de vista, antes 
da evolução das condições sociais, e o progresso da teoría política mostra que este 
ponto de vista já se encontra antiquado ou é, pelo menos, problemático. 
 
Na França, basta ser qualquer coisa para desejar ser tudo. Na Alemanha, ninguém tem 
o direito de ser qualquer coisa, sem a tudo renunciar. Na França, a emancipação parcial 
é o fundamento para a emancipação total. Na Alemanha, a emancipação total constitui 
uma conditio sine qua non para qualquer emancipação parcial. Na França, é a realidade, 
na Alemanha a impossibilidade de uma emancipação progressiva, que deve dar origem 
à completa liberdade. Na França, toda a classe do povo é politicamente idealista e se 
considera, antes de mais, não como classe particular, mas como representante das 
necessidades gerais da sociedade. Por conseguinte, o papel de libertador pode passar 
sucessivamente num movimento dramático para as diferentes classes do povo francês 
até que, por fim, alcança a classe que realiza a liberdade social; não já pressupondo 
certas condições externas ao homem, criadas todavia pela sociedade humana, mas 
organizando todas as condições da existência humana sob o pressuposto da liberdade 
social. Na Alemanha, pelo contrário, onde a vida prática é tão pouco intelectualquanto 
a vida intelectual é prática, nenhuma classe da sociedade civil sente a necessidade, ou 
tem a capacidade, de conseguir uma emancipação geral, até que a isso é forçada pela 
situação imediata, pela necessidade material e pelas próprias cadeias. Onde existe 
então, na Alemanha, a possibilidade positiva de emancipação? Resposta: Na formação 
de uma classe que tenha cadeias radicais, de uma classe na sociedade civil que não seja 
uma classe da sociedade civil, de uma classe que seja a dissolução de todas as classes, 
de uma esfera que possua caráter universal porque os seus sofrimentos são universais, 
e que não exige uma reparação particular porque o mal que lhe é feito não é um mal 
particular, mas o mal em geral, que já não possa exigir um título histórico, mas apenas 
o título humano; de uma esfera que não se oponha 
a consequências particulares, mas que se oponha totalmente aos pressupostos do 
sistema político alemão; por fim, de uma esfera que não se pode emancipar a si mesma 
nem emancipar-se de todas as outras esferas da sociedade sem as emancipar a todas – 
o que é, em suma, a perda total do homem, portanto, só pode redimir-se a si mesma 
mediante uma redenção total do homem. A dissolução da sociedade, como classe 
particular, é o proletariado. 
 
Na Alemanha, o proletariado está ainda só a começar a formar-se, como resultado do 
movimento industrial; pois o que constitui o proletariado não é a pobreza naturalmente 
existente, mas a pobreza artificialmente produzida, não é a massa do povo 
mecanicamente oprimida pelo peso da sociedade, mas a massa que provém da 
desintegração aguda da sociedade e, acima de tudo, da desintegração da classe média. 
Desnecessário se torna dizer, porém, que os números do proletariado foram também 
engrossados pelas vítimas da pobreza natural e da servidão germano-cristã. Quando o 
proletariado anuncia a dissolução da ordem social existente apenas declara o mistério 
da sua própria existência, porque é a efetiva dissolução desta ordem. Quando o 
proletariado exige a negação da propriedade privada, apenas estabelece como princípio 
da sociedade o que a sociedade já elevara a princípio do proletariado e o que esteja 
involuntariamente encarna enquanto resultado negativo da sociedade. 
 
O proletário encontra-se assim, em relação ao mundo que está ainda a surgir, no mesmo 
direito em que o rei alemão está relativamente ao mundo já existente, quando chama 
ao povo o seu povo ou a um cavalo o seu cavalo. Ao declarar o povo como sua 
propriedade privada, o rei afirma simplesmente que quem detém a propriedade privada 
é rei. Assim como a filosofia encontra as armas materiais no proletariado, assim o 
proletariado tem as suas armas intelectuais na filosofia. E logo que o relâmpago do 
pensamento tenha penetrado profundamente no solo virgem do povo, os Alemães 
emancipar-se-ão e tomar-se-ão homens. 
 
Façamos agora a síntese dos resultados: A emancipação dos Alemães só é possível na 
prática, se se adotar o ponto de vista da teoria, segundo a qual o homem é para o 
homem o ser supremo. Na Alemanha, aemancipação em relação à Idade Média só é 
possível enquanto emancipação ao mesmo tempo das vitórias parciais sobre a Idade 
Média. Na Alemanha, nenhum tipo de servidão será abolido, se toda a servidão não for 
destruída. A Alemanha, que 
é profunda, não pode fazer uma revolução, sem se revolucionar a partir do fundamento. 
A emancipação do alemão é a emancipação do homem. A filosofia é a cabeça desta 
emancipação e o proletariado o seu coração. A filosofia não se pode realizar sem a 
abrogação do proletariado, o proletariado não se pode abrogar sem a realização da 
filosofia. 
 
Quanto se tiverem satisfeito todas as condições internas, anunciarse-á o dia da 
ressurreição alemã com o cantar do galo gaulês. 
 
 
Questão: 
Identifique resumidamente as principais críticas entabuladas por Marx a Hegel:

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