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COLEÇÃO TRIBUTOS INDIRETOS I - ICMS

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Capa
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS E
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
1.1. Imposto Indireto e o efeito da caracterização na
repetição de indébito – Artigo 166 do Código Tributário
Nacional
Segundo o manual Macroeconomia, da Biblioteca
Valor,1 os tributos em geral podem ser divididos em dois
grandes grupos: diretos e indiretos. No primeiro grupo se
enquadram os tributos incidentes sobre a renda (IRPJ e
CSLL, por exemplo) e sobre a propriedade (IPTU, IPVA,
ITR etc.). Já no segundo grupo estão os tributos que
oneram as operações/prestações (mercantis ou não) que
viabilizam a prestação de serviços, circulação e/ou
produção de mercadorias e/ou produtos, a exemplo do IPI,
ICMS e ISS.
Apesar de não ser uma classificação jurídica, e sim
econômica, essa divisão tem se mostrado importante
porque, na prática, expressa a repercussão financeira do
tributo ou, em outras palavras, que seu valor é assumido
economicamente pelo adquirente da mercadoria, produto
ou serviço.
E dessa reflexão surgem questões relevantes do ponto
de vista jurídico: nos impostos indiretos (como o ICMS), há
sempre a figura do contribuinte de direito (aquele que,
revestindo a condição de contribuinte dado pela
legislação, se sujeita à regra matriz de incidência) e do
adquirente final, que efetivamente suporta a carga
tributária incorporada no preço das mercadorias e/ou
produtos. Este último é comumente denominado
contribuinte de fato.
javascript:void(0)
Essa é a definição dada por Hugo de Brito Machado
Segundo,2 nos seguintes termos:
“2.2. Ainda de acordo com essa explicação, o
contribuinte de direito seria legalmente obrigado ao
pagamento do tributo, eis que integraria a relação
jurídico tributária, na condição se sujeito passivo. Já o
contribuinte de fato não teria relação com o Fisco, sendo
essa a razão do adjetivo “de fato”, pois na prática é ele
quem arca com o ônus representado pelo tributo, que lhe
é repassado pelo contribuinte de direito. Por outras
palavras, o contribuinte de direito é obrigado ao
pagamento, mas transfere a outro esse sacrifício pelo
aumento de preço ou outro processo econômico de
troca.
[...]
2.3. Dentro desse quadro, é com muita simplicidade
que se diz, por exemplo, que os impostos que incidem
sobre o consumo seriam indiretos, ao passo que aqueles
que oneram o patrimônio e a renda seriam diretos. O
ICMS, v.g., é pago pelo vendedor de um produto
(contribuinte de direito), mas, na prática, seria suportado
pelo comprador (contribuinte de fato), sendo pelo
primeiro embutido no preço e repassado ao segundo. O
Imposto de Renda, a seu turno, é pago pelo beneficiário
dos rendimentos, que efetivamente suporta o ônus do
tributo, reunindo-se assim, na mesma pessoa, as figuras
do contribuinte de direito e do contribuinte de fato.”
Saber quem são os contribuintes de direito e de fato se
afigura imprescindível porque é essa classificação que
denota a legitimidade ativa em ações de repetições de
indébito, nos termos do artigo 166 do Código Tributário
Nacional, que tem a seguinte redação:
“Art. 166. A restituição de tributos que comportem,
por sua natureza, transferência do respectivo encargo
financeiro somente será feita a quem prove haver
assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo
javascript:void(0)
transferido a terceiro, estar por este expressamente
autorizado a recebê-la.”
A princípio, a leitura do dispositivo leva à conclusão de
que somente estará legitimado a pleitear o indébito quem
efetivamente suportou seu ônus econômico (contribuinte
de fato), a não ser que ele (o contribuinte de fato)
expressamente autorize o contribuinte de direito a pleitear
a restituição em seu nome.
O Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo tem
firme entendimento nesse sentido, a exemplo do que se
verifica do processo 1000214-163345/2003, AIIM nº
2.051.276-4, que conta com a seguinte ementa:
“ICMS. CRÉDITO INDEVIDO. 17% PARA 18%.
CORREÇÃO MONETÁRIA. OUTROS. MÉRITO.
Creditamento indevido de 1% referente à majoração
de alíquota, sem amparo de ordem judicial e sem
autorização expressa do terceiro, conforme exige o
artigo 166 do CTN. Outros créditos lançados
aleatoriamente sem qualquer respaldo documental e
legal. Correção monetária dos créditos extemporâneos.
Súmula 3 do TIT. Taxa Selic. Súmula 8 do TIT.”
(TIT/SP. 8ª Câmara Temporária. Processo 1000214-
163345/2003, AIIM nº 2.051.276-4. Rel. Juíza Silvana
Visintin. Julgado em 24 de junho de 2006.)
Em um primeiro momento, o Judiciário também
caminhou nessa trilha:
“ICMS – Creditamento – Pretensão da embargante
de se ver autorizada a creditar valores relativos à
majoração da alíquota de 17% para 18%, julgada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal,
decorrentes de operações de aquisição de bens
destinados ao ativo imobilizado ou de bens de uso ou
consumo – Inviabilidade – Recolhimento considerado
indevido apenas até a vigência da Lei Estadual n.
9.903/97 – Pedido vedado pelo Convênio 66/88 –
Hipótese em que a autora se configura como
consumidora final, encerrando-se a cadeia tributária –
Ausência de violação ao princípio da não cumulatividade
– Possibilidade que só foi admitida pela LC n. 87/96
como benefício fiscal, sendo constitucionais os limites
constantes do art. 33 do diploma em questão –
Repetição de indébito – Impossibilidade – Eventual
recolhimento que foi realizado pelos fornecedores –
Caracterização como contribuinte de fato que se presta
apenas para impor uma condição à restituição a ser
pleiteada pelo contribuinte de direito (art. 166 do CTN) –
Ilegitimidade ativa reconhecida – Sentença reformada –
Pedido improcedente – Recursos oficial e da Fazenda
providos, prejudicado o da autora.”
(TJSP. 8ª Câmara de Direito Público. Apelação nº
994071849210. Rel. Des. Cristina Cotrofe. Julgado em
29 de setembro de 2010.)
“4. Tratando-se de tributo indireto, a exemplo do
ICMS, a legitimidade ativa para a ação de repetição de
indébito pertence, em regra, ao contribuinte de fato.
Permitir o ressarcimento do imposto por aquele que não
arcou com o respectivo ônus financeiro caracteriza
enriquecimento ilícito desse último. Para que a empresa
possa pleitear a restituição, deve preencher os requisitos
do art. 166 do CTN, quais sejam, comprovar que
assumiu o encargo financeiro do tributo ou que,
transferindo-o a terceiro, possua autorização expressa
para tanto. Precedentes.”
(STJ. REsp 1087562/BA. Rel. Min. Castro Meira. DJe
10/02/2010.)
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça modificou
expressamente o seu entendimento. De acordo com a
novel posição da Corte, o direito à restituição de tributos
indiretos é do contribuinte de direito, não do contribuinte
de fato, vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS
SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. TRIBUTO INDIRETO.
DEMANDA CONTRATADA. INDÉBITO. CONSUMIDOR
FINAL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.
1. A Segunda Turma, ao julgar o REsp. 928.875/MT
na sessão de 11.5.2010, modificou seu entendimento
quanto à legitimidade ativa ad causam do consumidor de
energia elétrica em relação ao ICMS.
2. A Primeira Seção, ao julgar o REsp. 903.394/AL
(Rel. Min. Luiz Fux), sob o regime dos recursos
repetitivos, passou a adotar o entendimento de que
somente o contribuinte de direito tem legitimidade ativa
para restituição do indébito relativo a tributo indireto.
3. No caso da energia elétrica, embora o consumidor
possa ser considerado contribuinte de fato, jamais o será
de direito nas operações internas, pois não promove a
circulação do bem, e tampouco há previsão legal nesse
sentido.
4. Recurso Especial provido.”
(STJ. REsp 1.273.916/RS. Rel. Min. Herman
Benjamin. DJe 24/10/2011.)
(grifei)
A partir dos fundamentos adotados pela 1ª Seção do
Superior Tribunal de Justiça ao julgar do REsp nº
903.394/AL, mencionado na ementa supratranscrita, é
possível verificar que a Corte assumiu a premissa de que
o artigo 166 do Código Tributário Nacional não pode ser
interpretado isoladamente e, em seguida, concluiu que o
contribuinte de fato não é parte legítima para repetir o
indébito, apenas o contribuinte de direito. Vejamos:
“A norma veiculada pelo art. 166não pode ser
aplicada de maneira isolada, há de ser confrontada com
todas as regras do sistema, sobretudo com as
veiculadas pelos arts. 165, 121 e 123, do CTN. Em
nenhuma delas está consignado que o terceiro que
arque com o encargo financeiro do tributo possa ser
contribuinte. Portanto, só o contribuinte tributário tem
direito à repetição do indébito.
Ademais, restou consignado alhures que o
fundamento último da norma que estabelece o direito à
repetição do indébito está na própria Constituição,
mormente no primado da estrita legalidade. Com efeito a
norma veiculada pelo art. 166 choca-se com a própria
Constituição Federal, colidindo frontalmente com o
princípio da estrita legalidade, razão pela qual há de ser
considerada como regra não recepcionada pela ordem
tributária atual. E, mesmo perante a ordem jurídica
anterior, era manifestamente incompatível frente ao
Sistema Constitucional Tributário então vigente” (Marcelo
Fortes de Cerqueira, in ‘Curso de Especialização em
Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a
Paulo de Barros Carvalho’, Coordenação de Eurico
Marcos Diniz de Santi, Ed. Forense, Rio de Janeiro,
2007, págs. 390/393)
6. Deveras, o condicionamento do exercício do direito
subjetivo do contribuinte que pagou tributo indevido
(contribuinte de direito) à comprovação de que não
procedera à repercussão econômica do tributo ou à
apresentação de autorização do "contribuinte de fato"
(pessoa que sofreu a incidência econômica do tributo), à
luz do disposto no artigo 166, do CTN, não possui o
condão de transformar sujeito alheio à relação jurídica
tributária em parte legítima na ação de restituição de
indébito.”
(STJ. REsp 903.394/AL. Rel. Min. Luiz Fux. DJe
26/04/2010.)
Posteriormente aos julgamentos dos aludidos REsp
1.273.916/RS e REsp 903.394/AL, a própria 1ª Seção do
Superior Tribunal de Justiça revisitou o tema em relação à
discussão do titular do direito de propositura da ação à
restituição do ICMS indevidamente calculado na conta de
energia elétrica. Fala-se, aqui, do quanto fora julgado no
REsp 1.299.303/SC. Segundo lá foi dito, o regime jurídico
de concessões públicas (para fornecimento de energia
elétrica) não permite que se adote, aos casos de ICMS
indevido sobre energia elétrica, o entendimento adotado
pela 1ª Seção quando do julgamento do REsp 903.394/AL,
cuja relação jurídica tinha como objeto o fornecimento de
bebidas. Vejamos abaixo a ementa da decisão e, logo
após, trechos relevantes da decisão:
RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO
ICMS SOBRE A DEMANDA "CONTRATADA E NÃO
UTILIZADA". LEGITIMIDADE DO CONSUMIDOR PARA
PROPOR AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE
INDÉBITO.
- Diante do que dispõe a legislação que disciplina as
concessões de serviço público e da peculiar relação
envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o
consumidor, esse último tem legitimidade para propor
ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se
busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia
elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda
contratada e não utilizada.
- O acórdão proferido no REsp 903.394/AL
(repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Luiz Fux, DJe de
26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas,
não se aplica aos casos de fornecimento de energia
elétrica.
Recurso especial improvido. Acórdão proferido sob o
rito do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(STJ. 1ª Seção. REsp 1.299.303/SC. Rel. Min. Cesar
Asfor Rocha. Dje 14/08/2012)
Trechos relevantes da decisão do REsp
1.299.303/SC:
[...] Ocorre que, no caso dos serviços prestados pelas
concessionárias de serviço público, a identificação do
"contribuinte de fato" e do "contribuinte de direito" deve
ser enfrentada à luz, também, das normas pertinentes às
concessões, que revelam uma relação ímpar envolvendo
o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor.
Os dois primeiros, observo, ao longo de toda a
exploração do serviço de fornecimento de energia
elétrica, de competência da União (art. 21, inciso XII,
alínea "b", da CF/88),trabalham em conjunto, estando a
concessionária em uma posição de quase total
submissão, sob pena de rescisão do contrato de
concessão na hipótese de desrespeito a alguma diretriz,
política pública, projeto ou norma imposta pelo Estado-
concedente. Politicamente, portanto, nas relações
contratuais em geral estabelecidas com o poder público,
a concessionária sempre evitará embates desgastantes
e que gerem prejuízos aos serviços ou aos interesses
públicos.
Mas não é só. Sem dúvida alguma, sobretudo no
tocante à cobrança, ao cálculo e à majoração dos
tributos – à exceção do imposto de renda –, o poder
concedente e a concessionária encontram-se, na
verdade, lado a lado, ausente qualquer possibilidade de
conflitos de interesses.
Com efeito, a Lei n. 8.987/1995, que "dispõe sobre o
regime de concessão e permissão da prestação de
serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição
Federal, e dá outras providências", e que se aplica
também à concessões de energia elétrica (cf. art. 4º da
Lei n. 9.074/1995), estabelece, expressamente, que:
"Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será
fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação
preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei,
no edital e no contrato.
[...]
§ 2º Os contratos poderão prever mecanismos de
revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio
econômico-financeiro.
§ 3º Ressalvados os impostos sobre a renda, a
criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou
encargos legais, após a apresentação da proposta,
quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da
tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso"
Veja-se que, quando se trata de "criação ou
alteração" de tributos, devendo-se incluir aí as
modificações na forma de calcular e na base de cálculo,
a concessionária encontra-se sempre protegida,
impondo a lei nesses casos, para preservar o "equilíbrio
econômico-financeiro", a majoração da tarifa. Sob esse
enfoque é que o Estado-concedente e a concessionária
do serviço público encontram-se lado a lado, no mesmo
polo, em situação absolutamente cômoda e sem
desavenças, inviabilizando qualquer litígio em casos
como o presente. O consumidor da energia elétrica, por
sua vez, observada a mencionada relação paradisíaca
concedente⁄concessionária, fica relegado e totalmente
prejudicado e desprotegido. Esse quadro revela que a
concessionária assume o papel de contribuinte de direito
apenas "formalmente", assim como o consumidor
também assume a posição de contribuinte de fato em
caráter meramente "formal".
[...]
Daí que a própria Lei n. 8.987/1995, observada a
polarização de forças em favor do Estado-concedente e
da concessionária, determina em prol do consumidor:
"Art. 7º Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de
11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos
usuários:
[...]
II – receber do poder concedente e da concessionária
informações para a defesa de interesses individuais ou
coletivos;"
Sem dúvida, no caso das concessionárias do serviço
público, diante de tudo o que foi dito acima, entendo que
a legitimidade do consumidor final permanece. Decidir de
forma diversa impede qualquer discussão, por exemplo,
sobre a ilegalidade – já reconhecida neste Tribunal
Superior – da incidência do ICMS sobre a demanda
"contratada e não utilizada", contrariando as normas que
disciplinam as relações envolvidas nas concessões de
serviço público. Isso porque, volto a afirmar, em casos
como o presente, inexiste conflito de interesses entre a
Fazenda Pública, titular do tributo, e as concessionárias,
que apenas repassam o custo tributário à tarifa por força
do art. 9º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.987/1995.
Também reitero a norma do art. 7º, inciso II, da Lei n.
8.987/1995, igualmente reproduzida, que garante ao
usuário do serviço público o direito de defender os seus
interesses diante do Estado-concedente e da
concessionária, preservando os princípios da ampladefesa e do acesso ao Poder Judiciário.
Com efeito, apesar de o art. 166 do Código Tributário
Nacional conferir, em regra geral, ao contribuinte de
direito a legitimidade para exigir, judicialmente, a
restituição do imposto indevido, não fica afastada a
norma específica do art. 7º, inciso II, da Lei n.
8.987/1995, a qual, na minha compreensão, confere a
legitimidade ativa ao usuário da energia elétrica.
Situação diversa é a da fabricação e do comércio de
bebidas, objeto do REsp 903.394/AL (repetitivo), não
aplicável ao caso em debate. Se o fabricante
simplesmente repassar ao preço do seu produto de
venda o valor do ICMS cobrado indevidamente, as suas
vendas poderão cair. Em virtude da concorrência no
setor privado – o que dificilmente ocorre no fornecimento
de energia elétrica –, o distribuidor (adquirente da
bebida) poderá buscar outro fabricante, com produtos
inferiores ou importados, com preços menores. Para
compensar o ICMS pago a mais e a fim de não reduzir
as vendas, terá o fabricante que reduzir custos e lucros,
ao menos até que volte a dominar o mercado. Sem
dúvida, portanto, nessa situação, há conflitos de
interesses entre o credor do tributo e o fabricante, o que
viabiliza o ingresso de ações na Justiça por parte deste.
Quanto ao usuário de energia elétrica, ou paga a
tarifa com o ICMS eventualmente ilegal ou ficará sem o
serviço, o que implica em desligar lâmpadas, geladeiras,
televisores, equipamentos indispensáveis à saúde de
enfermos, equipamentos industriais, etc., ou lançar mão
de outras fontes de energia, excessivamente caras e não
produtivas.
Reforço, aqui, a idéia de que, no campo do
fornecimento de energia elétrica, inexiste ou
praticamente inexiste concorrência capaz de impor à
concessionária atitudes no sentido de defender o
interesse do consumidor. Veja-se que a Lei n.
9.074/1995 viabiliza a concorrência apenas em relação
ao "Produtor Independente de Energia Elétrica", definido
como "pessoa jurídica ou empresas reunidas em
consórcio que recebam concessão ou autorização do
poder concedente, para produzir energia elétrica
destinada ao comércio de toda ou parte da energia
produzida, por sua conta e risco" (art. 11). E, ainda, a
opção do consumidor depende, conforme o caso
concreto, da respectiva carga, sempre muito alta.
[...]
Assim, a reduzidíssima possibilidade de concorrência
se circunscreve a consumidores com carga superior a
3.000 ou a 10.000 kW, conforme o caso. Com isso, na
minha compreensão, a "mínima possibilidade de
concorrência" é sinônimo de "ausência", já que a maior
parte dos consumidores nem mesmo poderá escolher o
fornecedor da energia elétrica que irá consumir.
Concluindo, estando o poder concedente e a
concessionária, principalmente quando se cuida de
majoração de tributos (com exceção do imposto de
renda), no mesmo polo, não há como reconhecer a
ilegitimidade ativa do consumidor do serviço de energia
elétrica, lembrando que, em Direito Tributário, o que vale
é a verdadeira natureza das coisas e das suas relações.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-
lhe provimento.
Pela leitura dessa transcrição, depreende-se que o
Superior Tribunal de Justiça teve como premissas de seu
raciocínio as seguintes proposições: (i) a contratação de
energia elétrica junto à determinada concessionária é
compulsória pelo contribuinte, isto é, a ele não é dado
escolher, ou não, a contratação; (ii) o Poder Público e as
concessionárias mantêm relação simbiótica, posto que
elas (as concessionárias) prestam serviços que deveriam
sê-los pela Administração Pública. E segundo a decisão,
isso fica claro quando se verifica, por exemplo, que
quando há criação ou alteração de tributos deve haver a
majoração da tarifa de energia para manter o equilíbrio
econômico-financeiro da concessão e, sob esse enfoque,
o Poder Público e a concessionária encontram-se lado a
lado, em situação cômoda e sem desavenças,
inviabilizando qualquer litígio. Por outro lado, o consumidor
da energia elétrica observa essa relação paradisíaca e fica
desprotegido.
Ao desenvolver e assentar essas premissas, a 1ª
Seção do Superior Tribunal de Justiça sustentou que, face
ao aliamento da concessionária e do Poder Público, em
especial quando da criação e majoração de tributos, seria
inócuo relegar ao contribuinte de direito (a concessionária)
a legitimidade para se propor a ação judicial para
questionar (e recuperar) tributo ilícito, conforme orientação
contida no REsp 903.394/AL, porquanto a concessionária
jamais o faria porque não tem interesse econômico para
isso. Afinal, a ela está garantido o reajustamento da tarifa
e o respectivo repasse ao consumidor. E se o assim o é,
disse o Superior Tribunal de Justiça, o único interessado
na discussão é o consumidor, mesmo porque não tem
sequer a opção de adquirir energia de uma outra
concessionária. Por essas razões, a Corte conferiu a ele a
titularização da ação judicial.
Dado que a decisão acima foi proferida em sede de
Recurso Repetitivo, nas ações que versam sobre cálculo
indevido de ICMS sobre energia elétrica as Turmas do
Superior Tribunal de Justiça estão seguindo o que fora
decido no REsp 1.299.303/SC. Tenha-se como exemplo a
recente decisão proferida no AgRg no AREsp 519.395/BA.
Dje de 17/04/2015:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ICMS.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEMANDA CONTRATADA
E NÃO UTILIZADA DE ENERGIA ELÉTRICA.
LEGITIMIDADE ATIVA DO CONSUMIDOR. RESP
1.299.303/SC, PROCESSADO SOB O RITO DO ART.
543-C DO CPC. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA PELO STF. SOBRESTAMENTO DO
FEITO NO STJ. DESNECESSIDADE.
1. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do
REsp 1.299.303/SC, de relatoria do Ministro Cesar Asfor
Rocha, DJe 14/08/2012, processado sob o rito dos feitos
repetitivos, firmou a compreensão no sentido de que:
"Diante do que dispõe a legislação que disciplina as
concessões de serviço público e da peculiar relação
envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o
consumidor, esse último tem legitimidade para propor
ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se
busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia
elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda
contratada e não utilizada."
2. A repercussão geral reconhecida pela Suprema
Corte, nos termos do art. 543-B do CPC, não enseja o
sobrestamento dos recursos especiais que tramitam
neste Superior Tribunal de Justiça.
Precedentes: AgRg no AgRg no AREsp 110.184/CE,
Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe
30/10/12 e AgRg no REsp. 1.267.702/SC, Quinta Turma,
Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 26/9/11.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 519.395/BA. DJe
17/04/2015)
Penso, contudo, que o Superior Tribunal de Justiça não
caminhou bem quando do julgamento do REsp
1.273.916/RS, REsp 903.394/AL ou mesmo do REsp
1.299.303/SC, porque nenhuma das razões lá sustentadas
encontra respaldo nos dizeres do artigo 166 do Código
Tributário Nacional.
Parece ser especialmente relevante fazer uma crítica
aos dizeres contidos no REsp nº 903.394/AL. Segundo o
Superior Tribunal de Justiça naquele julgamento, “a norma
veiculada pelo art. 166 não pode ser aplicada de maneira
isolada, há de ser confrontada com todas as regras do
sistema, sobretudo com as veiculadas pelos arts. 165, 121
e 123, do CTN. Em nenhuma delas está consignado que o
terceiro que arque com o encargo financeiro do tributo
possa ser contribuinte. Portanto, só o contribuinte tributário
tem direito à repetição do indébito”. A crítica que se faz,
aqui, se resume ao fato de que o artigo 166 não
estabelece uma nova modalidade de contribuinte, daí ser
despiciendo interpretá-lo com as regras do Código
Tributário Nacional que definem o que é ser contribuinte,
sujeição passiva (artigos 121 e 123) e o direito à repetição
de indébito (artigo 165) . Como se disse alhures, a figura
do contribuinte de fato não é uma caracterização jurídica,
sim econômica que tem apenas o objetivo de identificar
quem suporta o ônus financeiro do tributo. E, nas
situações em queo tributo repercute financeiramente no
preço, o Código Tributário Nacional entendeu por criar
regra diversa àquela do artigo 165. Nesses casos, foi
disposto que o direito ao indébito não é do contribuinte de
direito, mas sim daquele que arcou com o tributo indevido
no preço.
Quanto ao teor da decisão tomada no REsp
1.299.303/SC, o caminho escolhido para se estabeler as
razões de decidir trilhou argumentos que passam ao largo
dos dizeres legais contidos no artigo 166 do Código
Tributário Nacional. Questões como existência (ou não) de
concorrência em determinado mercado relevante (no caso,
de energia elétrica), possibilidade de contratação com
outros fornecedores, aliamento do contribuinte
(distribuidora de energia) com o Poder Público, e
quaisquer outras mercadológicas que se possa levantar,
não estão dispostas no artigo 166. E se não estão lá,
decerto não podem ser criadas pelo intérprete em razão
da antiga regra de hermenêutica, segundo a qual ao
intérprete é vedado ir além das disposições legais.
Nesse sentido, parece ser mais adequado (e lícito)
compreender as razões do artigo 166 do Código Tributário
Nacional consoante suas próprias disposições, excluídas
quaisquer referências externas.
Conforme será visto detalhadamente nas seções 4.10
e 8.1, pelo fato de o ICMS compor a sua própria base de
cálculo, ele (o ICMS) é componente do preço de venda da
mercadoria ou serviço. Em consequência disso, o imposto
faz parte integrante da receita bruta auferida pelo
contribuinte na operação. Por essa razão, caso se
constate posteriormente que o ICMS calculado é indevido,
o contribuinte de direito (vendedor da mercadoria ou
serviço) não terá o seu patrimônio lesado, justamente
porque o tributo indevido foi por ele recebido por via de
sua inserção no preço final de venda. Nessa perspectiva,
a lesão patrimonial pelo tributo indevido é do contribuinte
de fato, que efetivamente suportou o ônus financeiro de
um tributo calculado indevidamente no preço pago pela
mercadoria ou serviço. Daí a razão de o artigo 166, do
Código Tributário Nacional, dispor que o indébito, a
princípio, deve ser repetido pelo contribuinte de fato,
podendo o contribuinte de direito fazê-lo, desde que tenha
autorização para tanto.
É esse realmente o espírito do artigo 166 do Código
Tributário Nacional. A confirma-lo, segue abaixo a
transcrição de trechos relevantes da exposição de motivos
do Código Tributário Nacional, que pode ser aferida pelos
proncuncimaentos da Comissão Especial3 responsável
pela elaboração do Projeto do Código Tributário Nacional,
em substituição ao Anteprojeto antes elaborado por
Rubens Gomes de Souza. Vejamos:
Texto dos artigos 130 e 131 do Projeto do Código
Tributário Nacional, que vieram a ser positivados nos
artigos 165 e 166
Art. 130. O contribuinte tem direito,
independentemente de prévio protesto, à restituição total
ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade de seu
pagamento, nos seguintes casos:
[...]
Art. 131. Existindo disposição legal expressa que
determine ou faculte ao contribuinte a transferência do
tributo a terceiro, o direito referido no artigo anterior fica
subordinado à prova de que a transferência não ocorreu
efetivamente, por impossibilidade material ou jurídica,
em face das circunstâncias do caso.
Parágrafo único. O terceiro, que faça prova de lhe
haver sido transferido o tributo pelo contribuinte nos
termos deste artigo, sub-roga-se no direito daquele à
respectiva restituição.
[...]
RELATÓRIO
Apresentado pelo Prof. Rubens Gomes de Souza,
relator geral, e aprovado pela Comissão Especial
nomeada pelo Ministro da Fazenda para elaborar o
Projeto de Código Tributário Nacional
[...]
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Ao contrário, o Projeto não assegurou a restituição ao
contribuinte, qualquer que fosse a natureza do tributo.
Visava o Anteprojeto, neste passo, reformar a
jurisprudência dominante, que recusava ao contribuinte
legal a restituição dos impostos indiretos, sob o
fundamento de que o respectivo ônus financeiro terá sido
transferido ao contribuinte “de fato” ou “econômico”. A
Comissão, sem embargo das razões de ordem jurídica
aduzidas pelo autor do Anteprojeto em contrário a essa
orientação (GOMES DE SOUZA, “Restituição de
Impostos Indiretos”, em Revista de Direito Administrativo
21/24), preferiu mantê-la, no interesse de impedir o
enriquecimento ilícito do contribuinte legal, quando o
contribuinte de fato não exerça contra ele o direito o
direto de regresso (GIULIANI FONROUGE, Anteproyecto
de Código Fiscal, p. 420). Todavia, a fim de não impor ao
contribuinte legal a prova negativa da transferência do
imposto, circunscreveu-se, no artigo 131, a hipótese aos
casos em que a lei expressamente determine ou faculte
aquela transferência; e, para impedir que o fisco possa
reter tributos indevidos, assegurou-se, no § único
daquele artigo, a sub-rogação, no direito à restituição, ao
contribuinte de fato que prove ter suportado o ônus
financeiro do tributo [...]
Por essa leitura fica bem claro que as motivações que
guiaram a Comissão Especial do Código Tributário
Nacional eram no sentido de restringir a entrega, ao
contribuinte de direito, do direito amplo e irrestrito à
repetição de indébito. Assim é que cabe a ele (contribuinte
de direito) o direito ao indébito, salvo se o tributo repercutir
financeiramente no preço, ocasião em que caberá àquele
que suportou o encargo financeiro do tributo ilícito.
Eis, aí, a melhor interpretação aos artigos 165 e 166 do
Código Tributário Nacional.
 
1
MOURA, Marcelo; ANDRADE, Eduardo. Macroeconomia. São Paulo:
Publifolha, 2003. p. 15. (Coleção Biblioteca Valor.)
2
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brigo. Repetição do tributo indireto:
incongruências e contradições. São Paulo: Malheiros: 2011. p. 13.
3
Trabalho da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de
Janeiro: Oficinas do Serviço Gráfico do IBGE, 1954, p. 58 e 223.
1.2.1. Fiscalidade, extrafiscalidade e seletividade
Consoante ao artigo 11, § 1º, da Lei nº 4.320/64, os
impostos constituem receitas correntes da União, Estados
e Municípios. Sua finalidade é atender às despesas
correntes e às despesas de capital destes entes, salvo
quando não forem financiadas por tributos vinculados.
Afigura-se incontroverso, pois, que por configurarem a
principal fonte de riqueza entre as denominadas receitas
derivadas, a função precípua dos impostos é abastecer os
cofres públicos, razão pela qual são classificados como
fiscais.
Entretanto, há certos impostos que visam outros
objetivos além da mera arrecadação tributária, como a
regulação de mercados e a desoneração da circulação de
bens e serviços essenciais à população, ao comércio e às
indústrias. Trata-se dos denominados impostos
extrafiscais, como o são, por exemplo, o IPI, o IOF, o
Imposto de Importação e o Imposto de Exportação.
Hugo de Brito Machado4 estabelece bem a diferença
entre ambas as naturezas:
“Assim, quanto a seu objetivo, o tributo é:
a) Fiscal, quando seu principal objetivo é a
arrecadação de recursos financeiros para o Estado.
b) Extrafiscal, quando o seu objetivo é a interferência
no domínio econômico, buscando um efeito diverso da
simples arrecadação de recursos financeiros.”
(destaques do original)
No regime constitucional anterior, o antigo ICM
ostentava caráter eminentemente fiscal, afinal, conforme
dispunha o artigo 23, II, § 5º, da Constituição Federal de
1967, com redação dada pela Emenda Constitucional nº
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23/83, suas alíquotas eram as mesmas para todas as
mercadorias. Seu objetivo era apenas arrecadar receitas
aos entes competentes a instituí-lo. In verbis:
“Artigo 23. Compete aos Estados e ao Distrito
Federal instituir impostos sôbre (sic):
[...]
II – operações relativas à circulação de mercadorias
realizadas por produtores, industriais e comerciantes,
imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá,
nos termos do disposto em lei complementar, o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
A isenção ou não-incidência, salvo determinação em
contrário da legislação,não implicará crédito de imposto
para abatimento daquele incidente nas operações
seguintes. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 23, de 1983.)
[…]
§ 5º – A alíquota do imposto a que se refere o item II
será uniforme para todas as mercadorias nas operações
internas e interestaduais, bem como nas interestaduais
realizadas com consumidor final; o Senado Federal,
mediante resolução tomada por iniciativa do Presidente
da República, fixará as alíquotas máximas para cada
uma dessas operações e para as de exportação.”
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de
1983.)
Para finalizar o estabelecimento de premissas do
presente raciocínio, cumpre informar que, especificamente
em relação aos serviços de comunicação, o artigo 21, VII,
da Constituição Federal de 1967, dava competência à
União para instituir imposto sobre esses serviços (de
comunicação, salvo os de natureza estritamente
municipal) e, naquela época, também não havia qualquer
disposição acerca de sua eventual seletividade. Mas, na
Constituição Federal de 1988, o imposto incidente sobre
os serviços de comunicação passou a ser de competência
dos Estados e do Distrito Federal e foi abrangido na sigla
ICMS, juntamente com os serviços de transporte
intermunicipal e interestadual.
Pois bem, no regime constitucional inaugurado em
1988, a natureza do ICMS passou a ser fiscal e extrafiscal,
concomitantemente. Realmente, sua vocação não é
apenas constituir importante fonte de receita aos entes
competentes à sua instituição, mas também propiciar a
facilitação da circulação de mercadorias e prestação de
serviços essenciais à sociedade, conforme determinado
no artigo 155, § 2º, III, da Constituição Federal:
“Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito
Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
[…]
II – operações relativas à circulação de mercadorias e
sobre prestações de serviços de transporte interestadual
e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de
1993)
[...]
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
3, de 1993)
[...]
III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade
das mercadorias e dos serviços;”
Assim é que, além de levar receitas aos Estados e ao
Distrito Federal, o ICMS é também um instrumento
extrafiscal à desoneração de mercadorias essenciais ao
seio social. Por isso, a tributação sobre as operações com
mercadorias e prestações de serviços deve (ou deveria)
ser inversamente proporcional à sua essencialidade ao
meio social.
 
4
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 68.
A legislação do ICMS optou por determinar o quantum
devido pela aplicação de uma determinada alíquota à base
de cálculo do imposto, que é o valor da operação mercantil
ou da prestação de serviços.
Por essa razão, a veiculação da seletividade do ICMS
pode ser por via do manejo das alíquotas do imposto ou
pela redução de sua base de cálculo, afinal, para esses
fins (da seletividade) o que é relevante é o encargo
econômico-tributário repassado no preço de venda ao
consumidor final. É o que ocorre, por exemplo, com os
produtos da cesta básica no Estado de São Paulo. Não há
dúvidas de que estas espécies de produtos são essenciais
e, por essa razão, a legislação paulista optou por manter a
alíquota geral de 18%, mas, consoante o artigo 3º, Anexo
II, do RICMS/SP, determinou a redução da base de cálculo
do imposto incidente, de modo que a carga tributária
efetiva seja equivalente a 7%.
Essa alternativa posta à opção do legislador fora
notada por Regiane Binhara Esturilo,5 conforme vai
transcrito adiante:
“Mas se para o fim de determinar o valor do tributo
são utilizadas duas variáveis, a base de cálculo e a
alíquota, duas seriam as maneiras de promover a
seletividade dos impostos em referência. Uma a partir da
variação da base de cálculo, mediante acréscimos ou
reduções/deduções, mantendo estável a alíquota. Outra
maneira é fazer variar a alíquota para o fim de selecionar
produtos, mercadorias e/ou serviços.”
Obviamente, a opção por um ou outro método esbarra
em outros pontos que devem ser analisados pelo Estado
quando da implementação de sua política fiscal, por
exemplo, o estorno proporcional de créditos pelo
adquirente quando da saída subsequente da mercadoria
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de seu estabelecimento, conforme será examinado
detalhadamente na seção 6.2.5.1 deste livro.
 
5
ESTURILO, Regiane Binhara. A seletividade no IPI e no ICMS. São
Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 100.
A doutrina ainda não é uniforme quanto à carga
cogente da seletividade em relação ao ICMS.
José Eduardo Soares de Melo6 a entende como uma
faculdade dos Estados e do Distrito Federal ao dizer que
“constitui princípio constitucional a ser rigorosamente
obedecido no âmbito do IPI, e de modo permitido no caso
do ICMS”.
Mas, por outro lado, Roque Antonio Carrazza7 se
manifesta expressamente pela obrigatoriedade de sua
observância:
“Convém salientarmos, desde logo, que, a nosso ver,
este singelo ‘poderá’ equivale, na verdade, a um
peremptório ‘deverá’. Não está, aí, diante de uma mera
faculdade do legislador, mas de uma norma cogente, de
observância obrigatória.
Ademais, quando a Constituição confere a uma
pessoa política um ‘poder’, ela, ipso facto, lhe impõe um
‘dever’. É por isso que se costuma falar que as pessoas
políticas têm poderes deveres (Celso Antônio Bandeira
de Mello).
[...]
Portanto, a nosso sentir, a seletividade, no ICMS,
tanto quanto no IPI, é obrigatória. Melhor elucidando, o
ICMS, deverá ser seletivo em função da essencialidade
das mercadorias e dos serviços.
Com isso, pode e deve ser utilizado como
instrumento de ordenação político-econômica,
estimulando a prática de operações ou prestações
havidas por úteis ou convenientes ao País e, em
contranota, onerando outras que não atendam tão de
perto ao interesse nacional. É por isso, aliás, que, em
algumas operações com produtos supérfluos, a alíquota
é de 25% (o valor da operação) e, em outras, com
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produtos essenciais, as alíquotas baixam para 18%, 17%
e, até, 12% e 9%.”
Afilio-me a este último posicionamento. O termo poderá
realmente deve ser interpretado como deverá, porquanto a
Constituição Federal, ao traçar as regras do Sistema
Tributário Nacional, não propõe recomendações aos entes
tributantes, mas determinações cogentes a eles.
Nesse sentido, segue o entendimento de Maria Sylvia
Zanella Di Pietro:8
“Embora o vocábulo ‘poder’ dê a impressão de que
se trata de faculdade da Administração, na realidade
trata-se de ‘poder-dever’, já que reconhecido ao poder
público para o exerça em benefício da coletividade; os
poderes são, pois, irrenunciáveis.”
Em razão dessa força cogente imiscuída à seletividade
constitucional, que com ela inclusive se confunde, o ICMS
deve, sempre, ser utilizado como mecanismo de
perseguição de objetivos que estão além do mero
abastecimento do Erário.
E não é só. A seletividade do ICMS deve (ou deveria)
se realizar apenas em função da mercadoria
comercializada e/ou do serviço prestado, não em razão de
quaisquer outros critérios extrínsecos à
operação/prestação tributada, como a capacidade
econômica dos contratantes. Afinal, determinadas
mercadorias ou serviços podem ser tão essenciais para as
classes mais ricas como o são para as classes mais
pobres (nos casos da energia elétrica e dos serviços de
telecomunicação são de fato, conforme será visto em
linhas adiante).
Valho-me mais uma vez da doutrina de Roque Antonio
Carrazza,9 que discorre com proeminência sobre o tema:
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“Cumpre-se o princípio da seletividade comparando-
se mercadorias ou serviços. Nunca, evidentemente,
discriminando-se contribuintes, em função de raça, sexo,
ocupação profissional etc., que a isto obsta o artigo 5º, I,
da CF. As mercadorias de primeira necessidadedevem,
necessariamente, ser menos onerados, por via de ICMS,
que os supérfluos ou suntuários.”
O IPI também é um tributo seletivo, nos mesmos
moldes vistos acima. Tanto assim que não há tributação
de IPI sobre a energia elétrica, porquanto consta na
Tabela de Incidência do IPI (TIPI) como “NT” – não
tributada – independentemente da condição econômica de
quem consumi-la. Outros produtos relevantes ao meio
social têm suas alíquotas de IPI reduzidas à zero, como é
o caso de certos alimentícios, farmacêuticos, entre outros.
Penso que esse imposto (o IPI) segue bem o princípio
constitucional da seletividade. Não é o que ocorre,
contudo, com o ICMS. Isso fica bem claro quando se
analisa a incidência do imposto sobre o fornecimento de
energia elétrica e serviços de comunicação, conforme será
examinado nas linhas seguintes.
 
6
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 7. ed. São
Paulo: Dialética, 2004. p. 264.
7
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 10. ed. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 361.
8
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São
Paulo: Atlas, 2000. p. 86.
9
CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit. p. 361.
Sem Nome
Sem Nome
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1. CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
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1.2.4. O ICMS, o princípio da seletividade, os
serviços de comunicação e o fornecimento de energia
elétrica
Não há, atualmente, quem duvide que os serviços de
comunicação se afiguram essenciais à vida moderna. De
fato, na sociedade atual, marcada pela (ágil) divulgação da
informação, a humanidade seria subjugada pelo caos em
pouco tempo se não fossem os serviços de comunicação.
Basta pensar em como seria a vida hodierna sem Internet,
telefonia e sistemas fac-símile. Negócios não seriam
devidamente formalizados, o que influenciaria direta e
indiretamente não só a macroeconomia, mas também a
micro. Mercados financeiros inteiros voltariam a funcionar
baseados em informações falsas. A própria globalização
da economia não teria sido levada a efeito não fosse a
comunicação. Em verdade, sem os serviços de
comunicação, a humanidade estaria fadada a viver em
feudos medievais.
Também a energia elétrica é um bem deveras
essencial. Todas as pessoas, desde as classes
economicamente mais desfavorecidas até as mais ricas,
não teriam condições dignas de vida. Alimentos
pereceriam, a segurança pública seria colocada em xeque.
Postes de iluminação pública não teriam utilidade alguma
e os alarmes contra roubos de casas, indústrias e
comércios também seriam inúteis. O trânsito entraria em
colapso. Hospitais contabilizariam mais e mais óbitos em
razão da paralisação de equipamentos médicos. Mercados
financeiros inteiros ruiriam da noite para o dia. Nem
mesmo este livro teria sido publicado, afinal, não haveria
como redigi-lo ou mesmo imprimi-lo porque as máquinas
de impressão da gráfica não teriam força motriz para
tanto.
A essencialidade dos serviços de comunicação e do
fornecimento de energia elétrica, portanto, é indubitável.
E por ostentarem essas características, o ICMS
incidente sobre eles (serviços de comunicação e
fornecimento de energia elétrica) deveria ser diferenciado,
minorado, conforme expressamente determinado pelo
artigo 155, § 2º, III, da Constituição Federal. Mas não é o
que ocorre, porquanto as alíquotas de ICMS aplicáveis
aos serviços de comunicação e ao fornecimento de
energia elétrica, em regra, são as mais altas.
Em relação aos serviços de comunicação, por
exemplo: no Estado de São Paulo a alíquota é de 25%
(artigo 55, I, do RICMS/SP), assim como no Estado de
Minas Gerais (artigo 42, I, a, do RICMS/MG); e no Estado
do Rio de Janeiro atualmente a alíquota é de 25%
(conforme artigo 14, VIII, do RICMS/RJ), mas era fixada
em 37% até 31/12/1998, sendo gradualmente reduzida até
chegar a 28% em 31/03/2000, quando então passou a
vigorar pelo atual percentual de 25%.
Também quanto ao fornecimento de energia elétrica as
alíquotas do ICMS são de 25% nos Estados de São Paulo
e Rio de Janeiro. No Estado de Minas Gerais, a alíquota
pode chegar a 30%, a depender da condição do
consumidor e da quantidade de energia consumida.
Tais discrepâncias veiculam efeitos jurídicos à regra
matriz que instituiu o ICMS, taxando-lhe a pecha da
inconstitucionalidade que, cumpre frisar, pode ser alegada
pelo contribuinte em seu favor. O Judiciário, por sua vez,
ao exercer sua atividade típica a partir da provocação do
contribuinte, poderá construir uma norma jurídica
individual e concreta afastando a incidência da alíquota,
aplicar aquela geral incidente sobre operações e
prestações não individualizadas em disposições
específicas, sem que, com isso, exerça função legislativa
atípica às suas funções.
São essas possibilidades que serão demonstradas
doravante.
Segundo o vernáculo, princípio é o começo, início,
primeiro momento da existência de algo ou de uma ação
ou processo.10 Mas, para o Direito, consoante a lição de
Paulo de Barros Carvalho,11“os princípios aparecem como
linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores
normativos, imprimindo-lhe caráter de unidade relativa e
servindo de fator de agregação num dado feixe de
normas”.
Mas é possível sustentar que princípios jurídicos são
normas jurídicas?
A incidência jurídica se dá pela projeção da linguagem
prescritiva sobre o campo das condutas intersubjetivas,
que as organiza deonticamente. Bem se nota, portanto,
que a incidência normativa não é automática e infalível,
consoante entendia Alfredo Augusto Becker,12 porquanto
depende, sempre, da intervenção humana para que o teor
da norma jurídica seja construído a partir dos textos
normativos.
Vai se afigurando nessas linhas que normas jurídicas
são significações construídas pelo intérprete a partir de um
enunciado prescritivo válido no ordenamento jurídico,
expressadas em linguagem prescritiva, capazes de
instalar uma relação jurídica cujo modal deôntico será
neutro e interproposicional, caso se esteja diante de uma
norma geral e abstrata,13 ou modalizado com um dos três
operadores deônticos, quais sejam: “permitido” (P),
“obrigatório” (O) ou “proibido” (V), quando então será
eminentemente intraproposicional. Para isso, deve-se
operar com a premissa da homogeneidade lógica das
estruturas normativas, segundo a qual, no antecedente,
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javascript:void(0)
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deve haver a descrição de uma classe de fatos na
condição de suposto implicando, no tópico do
consequente, uma consequência jurídica de cunho
relacional.14
Muito bem. Segundo Paulo de Barros Carvalho,15 tais
normas estão sempre impregnadas de valores que, por
sua vez, exercem influência sobre o ordenamento. Esses
valores são justamente os “princípios”. Mas, segundo ele,
além de meros valores, os “princípios” também podem
denotar os limites objetivos da norma, que são postos para
“atingir certas metas, certos fins”. Vejamos sua lição:
“Assim, nessa breve reflexão semântica, já divisamos
quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição
privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como
norma jurídica de posição privilegiada que estipula
limites objetivos; c) como os valores insertos em regras
jurídicas de posição privilegiada, mas considerados
independentemente das estruturas normativas; e d)
como o limite objetivo estipulado em regra de forte
hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a
estrutura da norma. Nos dois primeiros, temos ‘princípio’
como ‘norma’; enquanto nos dois últimos, ‘princípio’
como ‘valor’ ou como ‘critério objetivo’.
[...]
O deparar-se com valores leva o intérprete,
necessariamente, a esse mundo de subjetividades,
mesmo porque eles se entrelaçam formando redes cada
vez mais complexas, que dificultam a percepção da
hierarquia e tornam a análise uma função de ideologias
dos sujeitos cognoscentes.
Quanto aos ‘limites objetivos’, nada disso está em
jogo, ficando muito mais simples a construção do sentido
dos enunciados. E na aplicação prática do direito, esses
limitessaltam aos olhos, sendo de verificação pronta e
imediata.
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[...]
Atente-se, porém, para o seguinte: os limites
objetivos são postos para atingir certas metas, certos
fins. Estes, sim, assumem o porte de valores. Aqueles
limites não são valores, se os considerarmos em si
mesmo, mas se voltam para realizar valores, de forma
indireta, mediata.”
Cristiano Carvalho16 também aborda a questão e a
esclarece. Segundo ele, o núcleo do ordenamento são os
princípios constitucionais. Os princípios que enunciam
valores são aqueles que fundamentam o sistema jurídico.
Já os enunciados que determinam limites objetivos para
que se busquem esses valores são as ferramentas de sua
instrumentalização. Uma fórmula bastante útil para se
estabelecer a diferença entre valores e limites objetivos é,
segundo o autor, identificar elementos de mensuração e
exaurimento: se se encontrar comensurabilidade, estar-se-
á diante de limites objetivos; do contrário serão valores
obtidos pelo exame desses limites objetivos.
Logo, segundo a doutrina, os princípios jurídico-
tributários não são normas jurídicas, propriamente, mas a
fonte dos limites objetivos. É a partir desses limites
objetivos que se torna possível extrair norma jurídica
vertida em linguagem prescritiva implicacional.
A Constituição Federal valoriza o ICMS como um
instrumento extrafiscal, devendo as operações com
mercadorias e prestações de serviços serem tributadas na
medida inversa de sua essencialidade, de sua
necessidade pela população. Seguem as palavras de
Aliomar Baleeiro17 sobre o tema:
“a seletividade significa discriminação ou sistema de
alíquotas diferenciadas por espécies de mercadorias,
como adequação do produto à vida do maior número de
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habitantes do país. As mercadorias essenciais à
existência civilizada deles devem ser tratadas mais
suavemente, ao passo que as maiores alíquotas devem
ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é,
supérfluo das classes de maior poder aquisitivo”.
Mas o artigo 155, § 2º, III, da Constituição Federal,
também indica a seletividade como um limite objetivo do
ICMS, afinal, de sua análise é possível se extrair a
seguinte norma jurídica: “dada a competência tributária
dos Estados e do Distrito Federal para instituir o ICMS em
seus respectivos territórios, deve ser a seletividade do
imposto em razão da essencialidade das mercadorias e
serviços”.
Tal norma jurídica é em verdade uma norma jurídica de
estrutura. Mas o que é isso?
Consoante a Teoria Autopoiética aplicada ao Direito,
embora receba influências externas, o sistema jurídico é
fechado e responsável por sua própria construção. Nas
palavras de Fabiana Del Padre Tomé:18
“A peculiaridade do sistema autopoiético confere-lhe
as seguintes características: (i) autonomia: é capaz de
subordinar toda a mudança de modo que permaneça sua
auto-organização; (ii) identidade: mantém sua identidade
em relação ao ambiente, diferenciando-se deste ao
determinar o que é e o que não é próprio ao sistema; (iii)
não possui inputs ou outputs: o ambiente não influi
diretamente no sistema autopoiético; não é o ambiente
que determina suas alterações, pois quaisquer
mudanças decorrem da própria estrutura sistêmica que
processa as informações vindas do ambiente.
A auto-referenciabilidade também se apresenta como
pressuposto da autoprodução do sistema, pois, para que
este possa autogerar-se, isto é, substituir seus
componentes por outros, é necessário que haja
elementos que tratem de elementos [...] em relação ao
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sistema jurídico, normas que prescrevam a produção de
outras normas jurídicas. Para tanto, o sistema tem de
olhar para si próprio, precisa falar sobre si mesmo, nessa
citada auto-referenciabilidade.”
Desse modo, o sistema jurídico é autorreferenciável,
porquanto comporta não só normas de conduta, cujo
objeto é a disciplina das relações intersubjetivas em si
mesmas, mas também normas de produção normativa,
cujo escopo é a determinação de regras à produção de
outras normas jurídicas, sejam elas gerais e abstratas, ou
individuais e concretas.
Tárek Moysés Moussallem,19 ao examinar a
autorreferenciabilidade do direito, assim esclarece o
conceito:
“É usual a distinção entre regra de estrutura e regra
de comportamento.
Norberto Bobbio, idealizador da classificação em tela,
reconhece que o ordenamento, ao lado de regular o
comportamento das pessoas, prescreve também o modo
de produção normativa. Esta última é denominada norma
de estrutura (normas para produção de outras normas) e
aquelas, norma de conduta. [...] São tidas como normas
de produção normativa aquelas que outorgam
competência, que estabelecem procedimentos
legislativos, administrativos e judiciais.”
Eis a demonstração emblemática da máxima o direito
regula sua própria criação. E sendo norma jurídica de
estrutura do ICMS, a seletividade deve ser
necessariamente observada para que a regra matriz do
imposto, instituída pelos Estados e pelo Distrito Federal,
seja válida perante o sistema jurídico em vigor.
Pois bem, consoante exposto alhures, as alíquotas
aplicáveis aos serviços de comunicação são as mais altas,
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conforme fora demonstrado quando expostos os exemplos
das legislações dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro, os quais atualmente preveem a alíquota de
25%.
Já com relação à energia elétrica, o artigo 52, V, do
RICMS/SP, dispõe as seguintes alíquotas aplicáveis:
a) 12% (doze por cento), em relação à conta
residencial que apresentar consumo mensal de até 200
(duzentos) kWh;
b) 25% (vinte e cinco por cento), em relação à conta
residencial que apresentar consumo mensal acima de 200
(duzentos) kWh;
c) 12% (doze por cento), quando utilizada no transporte
público eletrificado de passageiros;
d) 12% (doze por cento), nas operações com energia
elétrica utilizada em propriedade rural, assim considerada
a que efetivamente mantiver exploração agrícola ou
pastoril e estiver inscrita no Cadastro de Contribuintes do
ICMS.
O tratamento tributário conferido à comercialização de
energia elétrica no Estado do Rio de Janeiro não é
diferente. Conforme o artigo 14, VI, do RICMS/RJ, a
distribuição das alíquotas do ICMS sobre estas operações
ocorre da seguinte forma:
a) 18% (dezoito por cento), até o consumo de 300
quilowatts/hora mensais;
b) 25% (vinte e cinco por cento), quando acima do
consumo estabelecido no item anterior, uniformemente
aplicada sobre todo o consumo verificado;
c) O fornecimento para consumo residencial de energia
elétrica é isento do ICMS, nos seguintes casos: (1) até a
faixa de consumo de 50 (cinquenta) quilowatts/hora
mensais; e (2) até a faixa de consumo de 200 (duzentos)
quilowatts hora/mensais, quando gerada por fonte
termoelétrica em sistema isolado.
No Estado de Minas Gerais há um agravante em
relação a São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo o artigo
41, I, c, do RICMS/MG, a alíquota aplicável às operações
envolvendo energia elétrica destinada ao consumo
residencial não é de 25%, mas de 30%, o que revela um
ônus tributário ainda maior.
Ocorre que a energia elétrica é sempre essencial,
independentemente da quantidade consumida, ou mesmo
se ela (a energia elétrica) é destinada a residências, ao
comércio, a indústrias ou a produtores rurais, ou ainda se
sua comercialização e consumo se dão no Estado de São
Paulo, Rio de Janeiro, ou Minas Gerais.
De fato, contribuintes de alta ou baixa renda, paulistas,
fluminenses ou mineiros, precisam igualmente consumir
energia elétrica para se manter e, sob esse enfoque, a
energia elétrica se lhes afigura essencial. Afinal, sem a
energia elétrica, não poderiam iluminar suas residências,
pôr em funcionamento seus aparelhos elétricos e
eletrodomésticos, trabalhar ou mesmo ter tempos de lazer
e bem-estar. Não gerariam riquezas e também não
propiciariam circulação de riquezas porque, ante a falta de
rendimentos e a falta de uma força motriz capaz de
colocar máquinas em funcionamento, as pessoas
simplesmente não adquiririammais bens de consumo
duráveis e não duráveis, o que desencadearia uma
estagnação econômica generalizada.
E em razão de sua essencialidade a contribuintes
financeiramente abastados, carentes, paulistas,
fluminenses, mineiros, ou de quaisquer outras regiões do
país, as alíquotas do ICMS incidente sobre a energia
elétrica devem ser favorecidas, isto é, minoradas em
relação às demais mercadorias e serviços tributados pelo
imposto.
É isso o que leciona José Eduardo Soares de Melo20
acerca da essencialidade como característica do próprio
bem, não daquele que o consome:
“É certo que sempre hão de ser tomadas em conta a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), o
desenvolvimento nacional (art. 5º, II, da CF/88) (sic), a
erradicação da pobreza, da marginalização e redução de
desigualdades sociais (art. 5º, III, da CF/88).
[...]
Note-se que a essencialidade consiste na distinção
entre cargas tributárias, em razão de diferentes produtos,
mercadorias e serviços, traduzidos basicamente em
alíquotas descoincidentes.”
O mesmo raciocínio se aplica aos serviços de
comunicação e, portanto, em quaisquer dos casos
(energia elétrica e serviços de comunicação) a tributação
pelo ICMS não respeita o princípio da seletividade.
Exatamente por ser uma desconformidade da norma
de estrutura do imposto, que pode ser vertida em
linguagem prescritiva implicacional aos Estados e Distrito
Federal, os contribuintes podem questionar sua violação
no Judiciário, requerendo-lhe uma tutela jurisdicional que
obrigue os entes tributantes a observarem-na quando da
instituição do ICMS em seus respectivos territórios.
Explico.
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O estudo científico do direito demandou o exame
fracionado das normas jurídicas em norma jurídica
primária dispositiva, norma jurídica primária sancionadora.
É o que fora proposto por Lourival Vilanova,21in verbis:
“Na primária, estatuem-se relações jurídicas
deonticamente modalizadas como eficácia da realização
dos pressupostos fáticos descritos no antecedente,
impondo ao polo passivo um dado comportamento
obrigatório, permitido ou proibido. Na secundária,
preceituam-se consequências sancionadoras, no
pressuposto do não cumprimento do estipulado na
norma primária, determinante da conduta juridicamente
devida. Tem-se, assim, o descumprimento da norma
primária como pressuposto de incidência da norma
secundária.”
Para fins de esclarecimentos, cumpre salientar que o
que o doutrinador chama norma jurídica secundária é
denominado por mim como norma jurídica primária
sancionadora. E, nesses termos, o que quer dizer o
professor (com quem concordo) é que o descumprimento
da conduta prescrita na norma primária dispositiva veicula
uma sanção ao agente que a descumpriu.
A correção desse descumprimento deve ser
instrumentalizada pela norma jurídica secundária, que são
as normas processuais vigentes. É o que ensina Marcelo
Fortes Cerqueira22 nas linhas abaixo:
“Critério fundamental da distinção entre normas
primárias e secundárias reside na circunstância de esta
última, a secundária, expressar no consequente uma
relação de cunho jurisdicional, de natureza adjetiva, em
que o titular do direito comparece diante do Estado-juiz
para obter, coativamente, a prestação insatisfeita. A
regra jurídica secundária é processual. Logo, as relações
que não revestirem essa forma estarão nas normas
primárias. O cerne da distinção reside, destarte, na
possibilidade do emprego da coatividade jurídica,
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javascript:void(0)
prevista na norma secundária. Esta, uma das
características fundamentais do direito.”
No mesmo sentido é a doutrina de Eurico Marcos Diniz
de Santi:23
“A norma primária sancionadora, como a norma
secundária, tem por pressuposto o não cumprimento de
deveres ou obrigações; carece, entretanto, da eficácia
coercitiva daquela. Nas normas primárias situam-se as
relações jurídicas de direito material (substantivo), nas
normas secundárias, as relações de direito formal
(adjetivo ou processual) em que o direito subjetivo é o da
ação (em sentido processual).”
Em outras palavras, o titular do direito ofendido pode
se valer dos mecanismos processuais em vigor para
buscar a tutela do Estado-juiz, restabelecer a norma
jurídica primária ofendida e, com ela, a norma jurídica
completa.
No tema a que me propus enfrentar, afigura-se-me
claro que, sendo a seletividade uma norma jurídica de
estrutura (norma jurídica primária dispositiva) que obriga
diretamente Estados e Distrito Federal ao instituírem o
ICMS, seu descumprimento permite ao contribuinte buscar
o Judiciário e lhe instigar a veiculação de uma norma
individual e concreta (a sentença) dispondo sobre a
alíquota aplicável ao caso concreto, de acordo com o
princípio da seletividade.
Nessa trilha caminha a doutrina de Roque Antonio
Carrazza:24
“Sem embargo de doutas opiniões em sentido
contrário, pensamos que o Poder Judiciário está apto a
controlar o cumprimento deste princípio constitucional [a
seletividade].
[...]
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javascript:void(0)
Com efeito, o Poder Judiciário não está menos
autorizado do que o Poder Legislativo a investigar qual o
alcance das expressões ‘essencialidade das
mercadorias e dos serviços’. Não estamos sustentando
que o Judiciário vai legislar, no lugar do Legislativo, mas
averiguar se os critérios adotados por este Poder foram
adequados e racionais.”
A doutrina de Guilherme Cezaroti25 sobre o tema
acompanha o entendimento aqui proposto:
“Alimentos, medicamentos e vestuário são itens de
primeira necessidade que sequer deveriam ser
tributados. A partir deste ponto, tem-se que itens
necessários à manutenção da vida devem sofrer uma
incidência tributária reduzida. Mas adiante, produtos
como energia elétrica podem ser tributados, sem se
esquecer que é essencial para a própria existência da
sociedade moderna. Por fim, itens como o tabaco e
armas de fogo não se traduzem em necessidades, razão
pela qual o legislador deve gozar da mais irrestrita
liberdade para tributá-los.
Veja a aplicação de alíquotas mais gravosas para o
consumo de energia elétrica implica entendê-la como
item absolutamente desnecessário ao uso corrente,
desconsiderando que é insumo essencial para as
indústrias (às quais, inclusive, é negado o
aproveitamento do crédito do imposto pago), para as
atividades comerciais e para o uso corriqueiro.
O argumento de que os Poderes Executivo e
Legislativo têm ampla discricionariedade para fixar a
alíquota do ICMS incidente sobre as operações de
energia elétrica cede ante o caráter imperativo do art.
155, § 2º, inciso III, da Constituição Federal que, como
Texto Constitucional, deve ser observado por todos.
Além disso, qualquer inconstitucionalidade cometida
por quaisquer dos Poderes Pode ser submetida ao
exame do Poder Judiciário, sob pena de violação da
cláusula de livre acesso ao Judiciário, ainda mais em
hipótese que o exercício da competência tributária
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desbordou dos limites constitucionais de forma tão
clara.”
Os incautos diriam açodadamente que tal tutela
jurisdicional não pode ser concedida em razão da
jurisprudência já firmada nos tribunais superiores, segundo
a qual o Judiciário não pode atuar como legislador
positivo, a exemplo do que decidiu o Superior Tribunal de
Justiça no julgamento do RMS nº 20.676/ES.26
Mas, a mim esse não é o melhor raciocínio. É que o
Judiciário apenas atuaria como legislador positivo caso
determinasse a aplicação de uma alíquota não prevista na
legislação, ou se aplicasse uma alíquota enumerativa, isto
é, reservada a certas mercadorias e/ou serviços.
Entretanto, se ao verificar os critérios adotados à
aplicação da seletividade do ICMS em relação à tributação
das prestações de serviços de comunicação e/ou
operações com energia elétrica, o Judiciário entender que
a alíquota de 25% prevista na legislação não atende a
essencialidade da mercadoria, então poderá afastar a
aplicabilidade dessa alíquota ao argumento da
inconstitucionalidade. Em sequência, o Judiciário poderá
determinar a aplicação da alíquota geral, também previstana legislação, que preencha esse requisito.
Estar-se-á, com isso, consagrando-se a seletividade do
ICMS e cumprindo-se a norma jurídica secundária, que
autoriza o Judiciário a veicular uma norma jurídica
individual e concreta para aquele contribuinte específico
que teve seu direito ofendido. Rafael Ristow,27 jovem juiz
do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo,
assim se pronunciou sobre essa possibilidade:
“Ademais, tal posicionamento não se sustenta, uma
vez que o Poder Judiciário, ao analisar contendas acerca
da aplicação do princípio da seletividade, não age como
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legislador positivo, fixando a alíquota aplicável ao caso,
mas, sim, determina a aplicação da alíquota prevista
para as mercadorias em geral.
De modo específico para o ICMS, tal solução é
possível uma vez que há sempre uma alíquota geral e
algumas alíquotas específicas, como por exemplo, a
incidente sobre a eletricidade. Assim, o Poder Judiciário,
ao declarar inconstitucional, por violação ao princípio da
seletividade, um determinado dispositivo legal, que fixa
alíquota específica para certo bem, exclui-o do
ordenamento de modo a fazer incidir a alíquota geral.”
Com base nesses fundamentos, o Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro declarou
a inconstitucionalidade da alíquota de ICMS aplicada às
operações com energia elétrica, conforme segue abaixo:
“Arguição de Inconstitucionalidade em sede de
Mandado de Segurança. Art. 14, VI, ‘b’, da Lei nº
2.657/96, do Estado do Rio de Janeiro, com nova
redação dada pela Lei nº 4.683/2005, que fixa em 25%
(vinte e cinco por cento) a alíquota máxima de ICMS
sobre operações com energia elétrica. Anterior
declaração de inconstitucionalidade do art. 14, VI, item 2
e VIII, item 7, do Decreto Estadual nº 27.427/2000,
regulamentador daquela lei, na Arguição nº 27/2005
julgada pelo Órgão Especial deste Eg. Tribunal de
Justiça. Lei impugnada que adota idênticos fundamentos
do decreto, violando os princípios da seletividade e da
essencialidade assegurados no art. 155, § 2º, da Carta
Magna de 1988. Procedência da Arguição de
Inconstitucionalidade do art. 14, VI, ‘b’, da Lei 2.657/96,
do Estado do Rio de Janeiro. Decisão Unânime.”
(TJRJ. Órgão Especial. Arguição de
Inconstitucionalidade nº 0029716-92.2008.8.19.0000
(2008.017.00021). Rel. Des. José Mota Filho. Julgado
em 20/10/2008.)
Embora os efeitos da aludida decisão tenham sido
suspendidos por decisão monocrática proferida pelo
Presidente do Supremo Tribunal Federal nos autos da
Suspensão de Segurança (SS) nº 4187/RJ, fato é que seu
mérito ainda não foi julgado. Tudo indica que o fará no
bojo do julgamento do RE nº 714.139 RG/SC, onde a
Corte Suprema reconheceu a repercussão geral da
matéria aqui em causa, cuja ementa está assim vazada:
“IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE
MERCADORIAS E SERVIÇOS – ENERGIA ELÉTRICA –
SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO –
SELETIVIDADE – ALÍQUOTA VARIÁVEL – ARTIGOS
150, INCISO II, E 155, § 2º, INCISO III, DA CARTA
FEDERAL – ALCANCE – RECURSO
EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL
CONFIGURADA. Possui repercussão geral a
controvérsia relativa à constitucionalidade de norma
estadual mediante a qual foi prevista a alíquota de 25%
alusiva ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços incidente no fornecimento de energia elétrica e
nos serviços de telecomunicação, em patamar superior
ao estabelecido para as operações em geral – 17%.”
(STF. Plenário. Min. Relator: Marco Aurélio. RE
714.139/SC. Julgado em 14/05/2014)
É importante mencionar, contudo, que alguns Tribunais
de Justiça não se afiliam ao entendimento aqui
apresentado, à exemplo do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo,28 que decidiu que a norma contida no artigo
155, § 2º, III, da Constituição Federal é de conteúdo
programático, que não tem o efeito de gerar ao
contribuinte um direito subjetivo. Em razão da isenção
doutrinária a qual a presente obra pretende buscar,
cumpre salientar que, na Corte Paulista, a inaplicabilidade
dos argumentos relativos à seletividade especificamente
sobre a energia elétrica e os serviços de comunicação
ficou muito clara na decisão abaixo transcrita:
“APELAÇÃO Ação ordinária Alíquota de ICMS
incidente sobre serviço de comunicação Alegação de
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que a alíquota seria excessiva e, por esta razão, deveria
ser considerada ilegal e inconstitucional Sentença de
improcedência – [...] Mérito Artigo 155, § 2º, III, da CF/88
que faculta aos Estados a possibilidade de estabelecer
alíquotas diferenciadas de acordo com a essencialidade
das mercadorias e dos serviços Decisão do Órgão
Especial pela constitucionalidade da alíquota de 25% -
RE 714.139/SC, com repercussão geral, que pende de
apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela
qual não pode ser utilizado como paradigma e não obsta
o julgamento da ação Manutenção da r. sentença
Desprovimento do recurso.”
(TJSP. 1ª Câmara de Direito Público. Processo nº
1024853-04.2017.8.26.005. Julgado em 02 de abril de
2019.)
“Apelação Cível Mandado de Segurança Preventivo
Liminar indeferida Pretensão de restituição de quantias
supostamente pagas a maior, decorrente de aplicação de
alíquotas de ICMS sobre energia elétrica e serviços de
comunicação Alegação de serviços essenciais que
deveriam ter alíquota em percentual menor do que o
previsto em lei própria Inocorrência – Sentença que
julgou improcedente a ação Caso em que não se aplica
o princípio da seletividade, por não haver o suporte da
carga tributária alegada – Recurso desprovido.”
(TJSP. 7ª Câmara de Direito Público. Processo nº
9185895-08.2005. Julgado em 30 de janeiro de 2012.)
 
10
Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?
verbete=princ%EDpio&stype=k>.
11
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 147.
12
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. São
Paulo: Saraiva, 1972. p. 280.
13
Consoante as lições de Paulo de Barros Carvalho, o dever-ser
constante de normas gerais e abstratos é neutro, isto é, não está
modalizado com os operadores deônticos. Sua finalidade é apenas a
de vincular condicionalmente o antecedente ao consequente, de
modo que “se o antecedente, então deve ser o consequente”, ou, em
linguagem formalizada: p -> q (se p, então q).
14
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos
jurídicos da incidência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 31-57.
15
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 144-146.
16
CARVALHO, Cristiano. Sistema, competência e princípios. In: DE
SANTI, Eurico Marcos Diniz (Org.). Curso de especialização em
Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 874.
17
BALEEIRO, Aliomar. Introdução ao estudo do imposto sobre produtos
industrializados. Revista de Direito Público, v. 11, 1970, p. 75-85.
18
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. São Paulo:
Noeses, 2005. p. 43.
19
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Curso de especialização em Direito
Tributário: fontes do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
p. 102.
20
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 7. ed. São
Paulo: Dialética, 2004. p. 264 e 266.
21
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito
positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 64.
22
CERQUEIRA, Marcelo Paulo Fortes de. Repetição de indébito no
sistema tributário brasileiro. 1998. p. 77. Dissertação (Mestrado) –
Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
23
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. 2. ed. São
Paulo: Max Limonad, 2001. p. 43.
24
CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit. p. 363-364.
25
CEZAROTI, Guilherme. ICMS sobre operações com energia elétrica.
Inconstitucionalidade da aplicação da alíquota de produtos
supérfluos. In: BORGES, Eduardo de Carvalho; LEME, Delvani
(Coord.). Tributação no Setor Elétrico. São Paulo: Quartier Latin,
2010. p. 161-162.
26
“3. O recorrente também deduz pedido no sentido de que, além da
inconstitucionalidadedas alíquotas fixadas pelo referido Decreto
estadual, seja, desde logo, fixada nova alíquota, no percentual de
doze por cento (12%). No entanto, essa postulação é indevida, na
medida em que é vedado ao Poder Judiciário, no julgamento da lide,
atuar como legislador positivo, principalmente em sede de controle de
constitucionalidade.”
27
RISTOW, Rafael. A seletividade do ICMS e as alíquotas incidentes
sobre o consumo de energia elétrica. Revista Fórum de Direito
Tributário, Belo Horizonte: Fórum, nº 53, 2011, p. 35-55.
28
TJSP. Apelação Cível com Revisão nº 579.820-5/9-00. Rel. Des.
Peiretti de Godoy, julgado em 9 de maio de 2007.
Conforme o artigo 155, § 2º, I, da Constituição Federal,
o ICMS é não cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação com o montante cobrado nas
anteriores.
O funcionamento da não cumulatividade será
examinado com mais detalhes no Capítulo 6. Basta dizer,
por ora, que a redação constitucional deixa claro que o
método de não cumulatividade adotado é o método crédito
de tributo, que se diferencia e muito do método adotado a
outros tributos, a exemplo do método subtrativo indireto
aplicado ao PIS e à Cofins.
 
Sem Nome
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1. CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
0
1.4. Princípios da anterioridade e anterioridade
nonagesimal na prorrogação da impossibilidade de
créditos sobre bens de uso e consumo, bem como a
majoração da alíquota de 17% para 18%
Conforme é sabido, por ser um imposto extrafiscal, não
se aplica ao IPI os princípios da anterioridade,
anterioridade nonagesimal e, de certa forma, também o
princípio da legalidade (afinal, a legislação permite que,
por decreto, haja redução das alíquotas a zero, ou sua
majoração em até 30 pontos percentuais).
Em relação ao ICMS, contudo, não há tais exceções,
de modo que o imposto estadual está inteiramente sujeito
aos aludidos princípios constitucionais. É natural que,
dessa afirmação, surjam as seguintes indagações: (i)
quanto às sucessivas majorações de alíquotas levadas a
efeito em alguns anos pelo Estado de São Paulo (de 17%
para 18%), há violação ao princípio da anterioridade
nonagesimal? (ii) e quanto às prorrogações à tomada de
créditos sobre aquisições de bens para uso e consumo do
contribuinte, bem como de energia elétrica para utilização
nas atividades do estabelecimento, há, ou não, tal
violação?
A resposta à primeira indagação é positiva, mas não a
resposta à segunda.
A prorrogação da majoração da alíquota do imposto
interfere nos critérios quantitativo e temporal da regra-
matriz de incidência, afinal, o imposto era calculado a
determinada alíquota quando da realização corrente das
operações mercantis e havia a expectativa de que, em
determinado tempo, a alíquota aplicável não seria mais de
18%, sim de 17%.
Entretanto, a introdução de regra jurídica prorrogando
a aplicabilidade da alíquota de 18% modificou clara e
indubitavelmente o critério quantitativo, porquanto por
mais um determinado período (em regra, um ano), o
imposto será calculado pelo percentual adicional de 1%.
Ora, se há tal modificação, então só se pode concluir que
a majoração de 1% na alíquota do ICMS paulista modifica
a própria regra-matriz de incidência, razão pela qual, a
partir da prorrogação, inicia-se um novo ciclo de incidência
restrita, que majora a carga fiscal e atrai a aplicação do
princípio da anterioridade nonagesimal.
Contudo, deve ser dito que o Supremo Tribunal
Federal rechaçou a tese aqui defendida, porquanto
entendeu não ser aplicável o princípio da anterioridade
nonagesimal à majoração da alíquota de ICMS no Estado
de São Paulo. In verbis:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA.
PRORROGAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRAZO
NONAGESIMAL (ARTIGO 150, III, C, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL). RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A Lei
paulista 11.813/04 apenas prorrogou a cobrança do
ICMS com a alíquota majorada de 17 para 18%, criada
pela Lei paulista 11.601/2003. 2. O prazo nonagesimal
previsto no art. 150, III, c, da Constituição Federal
somente deve ser utilizado nos casos de criação ou
majoração de tributos, não na hipótese de simples
prorrogação de alíquota já aplicada anteriormente. 3.
Recurso extraordinário conhecido e provido para
possibilitar a prorrogação da cobrança do ICMS com a
alíquota majorada.”
(STF. Plenário. RE 584.100/SP. Rel. Min. Ellen
Gracie. DJe 04/02/2010.)
Quanto à prorrogação do direito ao crédito sobre
energia elétrica e bens destinados a uso e consumo do
contribuinte, penso que não há como ser defendida a
aplicabilidade da anterioridade nonagesimal, afinal, os
créditos do imposto são disciplinados por regras jurídicas
distintas da regra-matriz de incidência.
Conforme será visto com mais detalhes no Capítulo 6,
o artigo 20, § 1º, da Lei Complementar nº 87/96, garante
ao contribuinte o direito à apropriação de créditos de ICMS
em relação a todas as aquisições de bens e serviços
relacionadas à atividade do estabelecimento. Mas, o artigo
33 da mesma Lei Complementar nº 87/96 estabelece
restrições temporais à tomada de alguns créditos.
Realmente, ao disciplinar a apropriação de créditos
relacionados às aquisições de bens destinados ao uso e
consumo do contribuinte, a redação original do inciso I do
artigo 33 da Lei Complementar nº 87/96 permitia a
respectiva apropriação a partir de 1º de janeiro de 1998.
Entretanto, pela redação dada pela Lei Complementar nº
92/97, o direito foi postergado para a partir de 1º de janeiro
de 2000. Posteriormente, houve a prorrogação dessa
restrição para: (i) 1º de janeiro de 2003 pela Lei
Complementar nº 99/99; (ii) 1º de janeiro de 2007 pela Lei
Complementar nº 114/02; (iii) 1º de janeiro de 2011 pela
Lei Complementar nº 122/06; e (iv) 1º de janeiro de 2020
pela Lei Complementar nº 138/10.
Já em relação à aquisição de energia elétrica
consumida nas atividades do estabelecimento, a redação
original do artigo 33, II, da Lei Complementar nº 87/96
garantia o direito ao respectivo crédito a partir da data da
entrada em vigor da própria Lei Complementar nº 87/96.
Ocorre que a Lei Complementar nº 102/00 veio dispor que
somente dará direito a crédito a entrada de energia
elétrica no estabelecimento:
a) quando for objeto de operação de saída de energia
elétrica;
b) quando consumida no processo de industrialização;
c) quando seu consumo resultar em operação de saída
ou prestação para o exterior, na proporção destas sobre
as saídas ou prestações totais; e
d) a partir de 1º de janeiro de 2003, nas demais
hipóteses, prazo este que veio a ser prorrogado para 1º de
janeiro de 2007 pela Lei Complementar nº 114/02, para 1º
de janeiro de 2011 pela Lei Complementar nº 122/06 e,
depois, para 1º de janeiro de 2020 pela Lei Complementar
nº 138/10.
Segundo penso, essas prorrogações não afetam a
regra-matriz de incidência do imposto. Afinal, a incidência
do ICMS ocorre na saída de mercadoria do
estabelecimento do contribuinte, sendo o seu valor
calculado pela aplicação de uma alíquota ao valor da
operação. Este é o montante de imposto devido (despesa
de ICMS), que será pago por: (i) créditos do imposto; e (ii)
dinheiro.29 Ora, se os créditos em nenhum momento se
vinculam à regra-matriz de incidência, apenas o seu
pagamento, então está claro que as sucessivas
prorrogações à utilização de créditos não se sujeitam ao
princípio da anterioridade e anterioridade nonagesimal.
 
29
Para melhor compreensão destes conceitos, é recomendável o
exame dos lançamentos contábeis do Capítulo 8.
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Sem Nome
Sem Nome
Sem Nome
Sem Nome
Sem Nome
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
0
1.5. Imunidade de ICMS nas operações com livros,
jornais, revistas e papéis destinados à sua impressão
Conforme a lição do professor Luciano Amaro,30 a
Constituição Federal não cria tributos, mas outorga
competências tributárias aos entes políticos para fazê-lo.
Realmente, o que o constituinte

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