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DIREITO TRIBUTARIO 1 CASO CONCRETO 11

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DIREITO TRIBUTARIO 1
CASO CONCRETO 11
O Supermercado Vende Bem propõe uma ação para anular uma cobrança de ICMS que desconsiderava créditos de ICMS decorrentes do consumo de energia elétrica que, segundo o contribuinte, a energia elétrica utilizada para a comercialização de seus produtos não podia ser confundida com aquela utilizada para o uso ou consumo, pois a energia elétrica utilizada nas áreas comerciais (dentro dos supermercados) seria indispensável ao desempenho das atividades do estabelecimento, tais como na conservação de produtos congelados e refrigerados, na fabricação de pães e biscoitos, sendo posta em uso para proveito dos consumidores finais que não podem comprar às escuras. 
Neste sentido, como deve se manifestar o tribunal?
R: Sob os efeitos do Convênio ICMS 66/88, não tem o direito de creditar o imposto incidente sobre a aquisição de energia elétrica consumida nas áreas comerciais do estabelecimento em dezembro de 1994. “Em virtude do princípio tempus regit actum [o tempo rege o ato], não é assegurado ao contribuinte o creditamento do ICMS recolhido em razão de operações de consumo de energia elétrica sob a égide do Convênio n. 66/88, máxime tendo em vista a irretroatividade da Lei Complementar n. 87/96, que, em sua redação original, autorizava o aproveitamento imediato de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento (o que restou alterado pelas Leis Complementares 102/2000, 114/2002 e 122/2006)”, concluiu. Por se tratar de recurso representativo da controvérsia, sujeito ao procedimento do artigo 543-C, do CPC, este entendimento será aplicado a todos os demais processos com tema semelhante que venham a ser analisados. ​
Questão objetiva
O princípio da não cumulatividade é:
A ( ) um atributo exclusivo do ICMS e do IPI.
B (X) princípio de tributação por meio do qual se pretende evitar a assim chamada “tributação em cascata” que onera as sucessivas operações e prestações com bens e serviços sujeitos a determinado tributo.
C ( ) técnica de tributação aplicável também aos impostos reais, tais como o ITR e o IPTU.
D ( ) suscetível apenas de interpretação restritiva e literal, à medida que institui um benefício fiscal ao contribuinte.
E ( ) um instrumento de transferência de riqueza indireta entre as Unidades da Federação inserido no pacto federativo, à medida que o crédito de ICMS a ser suportado pela Unidade da Federação de destino dos bens e serviços está limitado ao valor do imposto efetivamente recolhido em favor do Estado de origem. 
JURISPRUDENCIA CASO CONCRETO 11
(TJ-PA - APL: 00006198820048140051 BELÉM, Relator: LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Data de Julgamento: 05/08/2019, 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Data de Publicação: 05/08/2019)
a0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ APELAÇÃO CÍVEL - PROC. N.º 0000619-88.2004.8.14.0051 ÓRGÃO JULGADOR: 2.ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RELATORA: DESEMBARGADORA LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO APELANTE: ESTADO DO PARÁ PROCURADOR: FERNANDO AUGUSTO BRAGA OLIVEIRA APELADA: SAN HAVEA ARTEFATOS DE LATEX LTDA ADVOGADO:ELIAS BAYMA PESSOA PROCURADOR DE JUSTIÇA: TEREZA CRISTINA DE LIMA DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por ESTADO DO PARÁ contra a sentença proferida nos autos da Ação Ordinária Anulatória de Débito Fiscal ajuizada por SAN HAVEA ARTEFATOS DE LATEX LTDA, que julgou procedente o pedido para desconstituir o auto de infração aplicado sob o n.º 042003510000466-7 e determinou o arquivamento do processo administrativo correspondente, sob o fundamento de existência de generalidade na autuação lavrada, por não mencionar quais as mercadorias irregulares os créditos foram compensados e que seria possível a compensação de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de mercadorias de uso e consumo do estabelecimento e comunicação, após a vigência da Lei Complementar n.º 87/96, conforme jurisprudência firmada pelo STJ sobre a matéria. O apelante alega que a sentença sob os seguintes fundamentos: - Preliminar de inépcia daa1 inicial por ter sido a ação ajuizada em desfavor da Secretária de Estado da Fazenda e não do próprio Estado do Pará, pessoa jurídica de direito público; - Cerceamento de defesa face o julgamento antecipado da lide, sem oportunizar a oitiva do fiscal em audiência ou realização de perícia, para demonstrar a correção da autuação fiscal. - Afirma ainda que a empresa se creditou indevidamente de produtos constantes de notas fiscais, e apesar de notificada não apresentou seus documentos fiscais solicitados, além de ter deixado de estornar créditos indevidamente utilizados ao realizar a apuração do ICMS a pagar, dificultando a fiscalização, sem observar as sucessivas prorrogações estabelecidas no art. 33, inciso I, da Lei n.º 87/96, que somente seria possível a partir de 2011, transcrevendo jurisprudência sobre a matéria. Requer assim seja reformada a sentença reconhecendo a impossibilidade de anulação ad autuação fiscal, para julgar improcedente o pedido da inicial. As contrarrazões foram apresentadas às fls. 494/498. O Ministério Público deixou de se manifestar por ausência de interesse público ou coletivo que justificasse sua intervenção no feito, conforme consta às fls. 501/503. O processo foi distribuído incialmente a Excelentíssima Desembargadora Maria doa2 Carmo Araújo da Silva em 11.11.2010 (fl. 499), sendo posteriormente redistribuído ao Juiz Convocado José Torquato Araújo de Alencar em 11.11.2010 (fl. 506) e posteriormente redistribuído a Desembargadora Elena Farag, em 11.11.2010 (fl. 508), que se declarou impedida no despacho proferido à fl. 509. Houve redistribuição do processo a Excelentíssima Desembargadora Maria de Nazaré Saveedra Guimarães, em 29.06.2016 (fl. 510), mas em decorrência da Emenda Regimenta n.º 05, foi redistribuído a minha relatoria em 19.01.2017 (fl. 519). É o relatório. DECIDO. 1 - DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL: Em relação a arguição de preliminar de Inépcia da Inicial por ter sido a ação ajuizada em desfavor da Secretária de Estado da Fazenda e não contra a pessoa jurídica de direito público, verifico que houve a ementa da inicial através da petição de fls. 49/50, na forma determinada pelo Juízo a quo à fl. 44, e o próprio Estado do Pará apresentou contestação impugnando todos os pontos levantados na inicial, conforme se verifica da petição de fls. 105/112. Inclusive interpôs recurso às fls. 481/487 impugnado os fundamentos da sentença. Assim, não resta dúvida que o vício inicial foi sanado com a ementa da inicial realizada, na forma determinada pelo Juízo a quo à fl. 44,a3 sem qualquer prejuízo a defesa neste particular, inexistindo assim a nulidade invocada, face a aplicação do princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo). 2 - DA PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEMENTO DE DEFESA COM O JUGAMENTO ANTECIPADIO DA LIDE E NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA: Em relação a alegação de nulidade por cerceamento defesa, face o julgamento antecipado da lide, sob o fundamento de necessidade de inquirição do Auditor Fiscal que realizou a autuação e realização de perícia contábil, entendo que a matéria exige a análise dos elementos probantes carreados aos autos para comprovar os fatos alegados, além das impugnações apresentadas pelas partes, para verificação da sua suficiência, para o julgamento antecipado da lide, razão pela, qual, entendo que a preliminar se confunde com o próprio mérito da demanda e as matérias serão analisadas em conjunto abaixo. 3 - DO MÉRITO: A controvérsia de mérito diz respeito a suposta existência de nulidade da autuação fiscal n.º 042003510000466-7, sob o fundamento de que o contribuinte teria utilizado crédito de mercadoria utilizado para uso e consumo de ativo fixo e utilizado crédito de imposto destacado de documento fiscal indicando outro destinatário, e teria deixado de estornar, em hipótese legalmentea4 prevista, o crédito de ICMS decorrente de entrada de mercadoria alheia a atividade do estabelecimento,desobedecendo as regras de utilização de credito de mercadorias destinadas ativo permanente, na forma da Lei n.º 6.012/96 e Lei n.º 6.335/00. O MM. Juízo a quo proferiu a sentença sob o fundamento de que a autuação fiscal ocorreu na vigência da Lei Complementar n.º 87/96, que passou a permitir a possibilidade de compensação de créditos decorrentes de aquisição de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, assim como de comunicação, ensejando a nulidade da autuação, face a generalidade como foi lavrado, sem descrever objetivamente as mercadorias tidas como irregulares, e determinou o arquivamento do processo administrativo. Na realidade o Superior Tribunal de Justiça definiu, em sede de recurso repetitivo, que na égide do Convênio ICMS 66/88, os contribuintes não ostentavam direito de utilização de credito em razão de operações de consumo de energia elétrica, ou utilização de serviços de comunicação, ou, ainda, de bens destinados ao ativo fixo e de materiais de uso e consumo, consoante o seguintes julgado: ¿PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. ICMS. CREDITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE). AQUISIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA CONSUMIDA NOa5 ESTABELECIMENTO COMERCIAL. FATO IMPONÍVEL ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR 87/96. CONVÊNIO ICMS 66/88. APLICAÇÃO. 1. As operações de consumo de energia elétrica não geravam direito a creditamento do ICMS, sob a égide do Convênio ICMS 66/88, considerando-se a irretroatividade da Lei Complementar 87/96, que, em sua redação original, autorizava o aproveitamento imediato de crédito de ICMS decorrente da aquisição de energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento (o que restou alterado pelas Leis Complementares 102/2000, 114/2002 e 122/2006). 2. À época da ocorrência do fato imponível ensejador do ICMS (dezembro de 1994), a quaestio iuris era regulada pelo Convênio ICM 66/88 (publicado no DOU de 16 de dezembro de 1988), celebrado entre o Ministro da Fazenda e os Secretários de Fazenda ou Finanças dos Estados e do Distrito Federal, que fixou normas para regular provisoriamente o ICMS. 3. Os artigos 28 e 31, do aludido diploma normativo, preceituavam; verbis: `Art. 28 O imposto será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. (...) Art. 31 Não implicará crédito para compensação com o montante do imposto devido nasa6 operações ou prestações seguintes: I - a operação ou a prestação beneficiada por isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação; II - a entrada de bens destinados a consumo ou à integração no ativo fixo do estabelecimento; III - a entrada de mercadorias ou produtos que, utilizados no processo industrial, não sejam nele consumidos ou não integrem o produto final na condição de elemento indispensável a sua composição; IV - os serviços de transporte e de comunicação, salvo se utilizados pelo estabelecimento ao qual tenham sido prestados na execução de serviços da mesma natureza, na comercialização de mercadorias ou em processo de produção, extração, industrialização ou geração, inclusive de energia.¿ 4. O contribuinte, anteriormente à vigência da Lei Complementar 87/96 e, portanto, sob a égide do Convênio ICMS 66/88, não ostentava o direito ao creditamento do que fora em razão de operações de consumo de energia elétrica, ou de utilização de serviços de comunicação ou, ainda, de aquisição de bens destinados ao ativo fixo e de materiais de uso e consumo, consoante multifários precedentes do Supremo Tribunal Federal (RE 545.845 AgR, Relator (a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 17.06.2008, DJe-142 DIVULG 31.07.2008 PUBLIC 01.08.2008; AI 456.013 AgR, Relator (a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma,a7 julgado em 29.11.2005, DJ 03.02.2006 PP-00039 EMENT VOL-02219-10 PP-02057; e RE 200.168, Relator (a): Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em 08.10.1996, DJ 22.11.1996 PP-45717 EMENT VOL-01851-11 PP-02235). 5. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.¿ (REsp 977.090/ES, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009) Importa salientar que a controvérsia do repetitivo paradigmático dizia respeito a possibilidade de compensação na vigência do Convênio ICMS 66/88, por via transversa, consignou que após a vigência da Lei Complementar n.º 87/96 tornou-se possível a realização da referida compensação, face a alteração do dispositivo do convênio que estabelecia de forma expressa a impossibilidade de utilização deste crédito para compensação nas operações seguintes. No entanto, o MM. Juízo a quo deixou de observar as diversas alterações produzidas nos art. 33 da Lei Complementar n.º 87/96, através das Leis Complementares n.º 92/97, 99/99, 114/2002, 102/2000 e 122/2006, sucessivamente, consignando que somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso e consumo do estabelecimento, assim como de serviços de comunicação, nele entradas, a partir de 01 de janeiro de 2020, consoante a ultima previsão da Leia8 Complementar n.º 138/2010. Logo, não poderia ser consignado o direito de compensação sob o fundamento de que a atuação aplicada diz respeito a período compreendido entre dezembro de 2000 a dezembro de 2002, posto que ainda após a vigência da Lei Complementar n.º 87/96, houveram sucessivos restrições materiais e temporais, que impossibilitam a utilização dos créditos de mercadorias adquiridas para uso e consumo e ativo fixo, além de comunicação na espécie. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência pacificada no sentido de que as referidas alterações legislativas, posteriores à vigência da Lei Complementar n.º 87/96, não afrontam o princípio constitucional da não cumulatividade, nos seguintes termos: ¿EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. OPERAÇÕES DE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA, DE UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO OU DE AQUISIÇÃO DE BENS DESTINADOS AO ATIVO FIXO E DE MATERIAIS DE USO E CONSUMO. IMPOSSIBLIDADE DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS FISCAIS DE ICMS. LC 102/2000. OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. INEXISTÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I - Não enseja ofensa ao princípio da não cumulatividade a situação de inexistência de direito a crédito de ICMS pago em razão de operações de consumo de energia elétrica, de utilização de serviços de comunicação ou dea9 aquisição de bens destinados ao ativo fixo e de materiais de uso e consumo. Precedentes. II - A modificação introduzida no art. 20, § 5º, da LC 87/96, e as alterações ocorridas no art. 33 da mencionada lei, não ofendem o princípio da não-cumulatividade. Precedentes. III - A existência de decisão plenária, em controle abstrato, de que tenha resultado o indeferimento do pedido de medida cautelar, não impede o julgamento de outros processos sobre idêntica controvérsia. Precedentes. IV - Agravo regimental improvido.¿ (AI 761990 AgR, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-09 PP-02150 LEXSTF v. 33, n. 386, 2011, p. 57-63) ¿EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ICMS. AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS DESTINADAS AO USO, AO CONSUMO E À INTEGRAÇÃO DO ATIVO FIXO: COMPENSAÇÃO. LEI COMPLEMENTAR N. 102/2000: INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. O julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade autoriza o exame imediato dos recursos sobre a controvérsia que nela se tenha cuidado.¿ (RE 457078 AgR, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 07/04/2009, DJe-084 DIVULGb0 07-05-2009 PUBLIC 08-05-2009 EMENT VOL-02359-06 PP-01067 LEXSTF v. 31, n. 365, 2009, p. 220-225) ¿EMENTA:AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI COMPLEMENTAR N. 87/96. SUPERVENIÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR N. 102/00. CRÉDITO DE ICMS. LIMITAÇÃO TEMPORAL À SUA EFETIVAÇÃO. VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O Plenário desta Corte, no julgamento da ADI-MC n. 2.325, DJ de 4.10.04, fixou entendimento no sentido de não ser possível a compensação de créditos de ICMS em razão de operações de consumo de energia elétrica ou utilização de serviços de comunicação ou, ainda, de aquisição de bens destinados ao uso e/ou à integração no ativo fixo do próprio estabelecimento. 2. As modificações nos artigos 20, § 5º, e 33, da Lei Complementar n. 87/96, não violam o princípio da não-cumulatividade. Agravo regimental a que se nega provimento.¿ (RE 461878 AgR, Relator (a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-06 PP-01247) Logo, não se cogita de irregularidade na aplicação da penalidade, face a impossibilidade da utilização do crédito na compensação pela contribuinte e correspondente necessidade do estorno, que não foi realizado. Ademais, em nada beneficia a contribuinte a arguição deb1 irregularidade por generalidade como foi lavrado o laudo, supostamente sem descrever algumas mercadorias tidas como irregulares. Vejamos: As provas existentes nos autos indicam que a contribuinte foi notificada para apresentar seus documentos fiscais, mas não apresentou, por completo, omitindo informações e dificultando a fiscalização realizada, pois tal fato encontra-se comprovado através da notificação juntada às fls. 117/118, auto de infração de fls. 19/121 e relatório de fiscalização de fls. 122/124, assim como não foi objeto de impugnação nas contrarrazões da apelação, pois a apelada apenas atribui ao fisco estadual o ônus de realizar o levantamento fiscal de suas entradas e saídas. Além do que tal fato foi demonstrado face a existência de pedido formulado pela própria contribuinte solicitando prorrogação de prazo por mais 60 (sessenta) dias para entrega do restante da documentação (fl. 127), o que foi indeferido pelo fisco estadual em decisão de fls. 128, ensejando daí a autuação fiscal aplicada. No momento do ajuizamento da ação a contribuinte teve oportunidade de apesentar a totalidade dos seus documentos fiscais e demonstrar a suposta irregularidade da autuação, mas novamente omitiu-se em esclarecer os fatos e preferiu aduzir que o fiscal não se aprofundou na investigação e teria preferido ob2 método mais fácil, desconsiderando crédito autorizado por lei, e que não teria realizado a identificação dos produtos. Alegou ainda que adquiriu matéria prima sujeita a crédito de ICMS e transformada em produto acabado, onde na saída da mercadoria o imposto é debitado, ensejando daí a operações identificadas nas notas fiscais, e que não seria necessária a realização do estorno porque não se trata de mercadoria de uso e consumo utilizada para fins alheios a atividade econômica da contribuinte, mas sim mercadorias adquiridas para produzir o produto final acabado a ser comercializado, conforme consignado na inicial às fls. 05/07. No entanto, a contribuinte na qualidade de autora da ação não se desincumbiu do ônus de apresentar os documentos fiscais solicitados, para comprovar a veracidade de suas alegações, relativas a direito de utilização dos créditos de ICMS das mercadorias através de compensação e que não seria exigido o estorno na espécie, seja na esfera administrativa ou judicial, portanto, não pode agora se valer da sua própria omissão para desconstituir a atuação fiscal aplicada. Isto porque, não descreveu qual mercadoria teria sido adquirida como mercadoria transformada em produto acabado, não indicou quais seriam essas mercadorias e como seriam utilizadas no processo produtivo, muito menos qualb3 seria este produto acabado, ou seja: não apontou a sistemática de produção industrial, para verificação da veracidade das assertivas de que a mercadoria corresponderia a aquisição de matéria prima utilizada para tal finalidade. Neste diapasão, não há fundamento hábil a declaração de nulidade da autuação fiscal aplicada, face a recalcitrância da apelada em fornecer seus documentos fiscais e esclarecer os fatos aduzidos na sua defesa judicial, o que levou o fiscal a lavrar a autuação com base nos documentos que lhe foram disponibilizados e teve acesso, consignando tratar-se de mercadorias destinados a uso e consumo do estabelecimento, conforme indicado na cópia do processo juntado às fls. 104/407, por conseguinte, não poderiam ser utilizados na compensação, por força das alterações posteriores no art. 33 da Lei Complementar n.º 87/96, através das Leis Complementares n.º 92/97, 99/99, 114/2002, 102/2000 e 122/2006. Daí porque, os fundamentos apresentados por ambas as partes, assim como os fundamentos da sentença deixaram perfeitamente delineado os fatos ocorridos sobre a inexistência de direito a utilização do créditos e a necessidade de estorno, permitindo a aplicação do direito através do julgamento antecipado da lide, sendo desnecessária a realização de dilação probatória alegada pelo apelante, pois a matériab4 fática foi perfeitamente delineada e a controvertida é exclusivamente de direito, inexistindo também nulidade por restrição ao direito de ampla defesa. Ante o exposto, conheço da apelação e dou-lhe provimento, monocraticamente, na forma do art. 557, § 1.º-A, do CPC/73, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido da inicial de nulidade da autuação fiscal n.º 042003510000466-7, nos termos da fundamentação. Outrossim, inverto o ônus da sucumbência fixado na sentença em desfavor do Estado do Pará e fixo os honorários no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Após o trânsito em julgado proceda-se a abaixa do processo no Libra 2G e providencie-se a remessa do processo ao Juízo de origem para ulteriores de direito. Publique-se. Intime-se. Belém/PA, 05 de agosto de 2019. DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO RELATORA
DOUTRINA CASO CONCRETO 11
Introdução
Este trabalho pretende ser um estudo dogmático-jurídico acerca do princípio da não-cumulatividade no âmbito do Direito Tributário Nacional, no qual se buscará analisar o real alcance das disposições constitucionais e infraconstitucionais relativas ao tema, conjuntamente com aspectos doutrinários e jurisprudenciais.
O estudo do princípio da não-cumulatividade se reveste de grande importância para os operadores do Direito, por ser objeto de inúmeras demandas judiciais, considerando o efeito que a adoção ou não do mesmo acarretaria no valor da arrecadação do ente tributante. A relevância do tema também advém da complexidade do mesmo, uma vez que exige a investigação não só do aspecto jurídico do mesmo, mas também dos âmbitos financeiro e econômico, em face do impacto do mesmo no montante arrecadado, e contábil, já que a apuração do valor do tributo não-cumulativo se dá através de uma operação contábil, feita através da escrituração da contabilidade do contribuinte.
Por fim, saliente-se que, no presente estudo, não se possui o intuito de exaurir o tema, dotado de demasiada complexidade. O objetivo do mesmo é, tão-somente, analisar algumas questões que corriqueiramente são postas à análise de nossos Tribunais.
1. Estado e tributação. Limites ao poder de tributar
A fim de que se possa viver em sociedade, faz-se necessária a criação de uma entidade superior, dotada de poder para impor regras de conduta e limitar a atuação dos indivíduos que nela convivem. Essa entidade é o Estado, cuja estrutura é dada pela Constituição.
Para a consecução de seus objetivos, o Estado, seja ele unitário, seja federado, desenvolve atividade financeira. E entende-se por atividade financeira do Estado aquela desenvolvida para angariar, criar, gerir e empregar os recursos destinados a atender às suas finalidades, ou seja, as necessidades coletivas.
Dentre os modos de obtenção de riqueza pelo Estado, a tributação, indiscutivelmente, é a que possui maior relevância.Nas palavras do tributarista Hugo de Brito Machado, “a tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento que se tem valido a economia capitalista para sobreviver” (Curso de Direito Tributário, 11ªedição, p. 22, Editora Malheiros).
Por outro lado, a carga tributária deve manter-se em patamares aceitáveis, sem onerar em demasia o contribuinte, a fim de evitar o desestímulo à iniciativa privada. Por isso, no caso específico do nosso país, a própria Constituição Federal, ao mesmo tempo que estabelece o poder de tributar ao Estado, como aspecto inerente da soberania estatal, prevê os limites a esse poder. Os limites ao poder de tributar, garantias constitucionais estabelecidas em favor do contribuinte, estão, em sua quase totalidade, expressos na Constituição por meio de princípios, dentre os quais se poderia citar o princípio da legalidade, o da anterioridade, o da isonomia, o da vedação do confisco, o da não-cumulatividade, entre outros. Entretanto, o presente estudo restringe-se ao princípio da não-cumulatividade.
2. O Princípio da Não-Cumulatividade: Conceito e Natureza Jurídica
A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da não-cumulatividade no âmbito do Direito Tributário Brasileiro, inicialmente com relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, estendendo-o, posteriormente, às contribuições sociais PIS/PASEP e COFINS. O mesmo pode tanto ser considerado como princípio constitucional quanto como técnica de apuração do valor a ser tributado. Trata-se de uma operação contábil, na qual, do valor a ser recolhido a título de tributo, são deduzidos os montantes pagos em relação ao mesmo produto nas fases pretéritas do processo produtivo. A norma constitucional em evidência possui eficácia plena, não necessitando de normatização infraconstitucional posterior.
Primeiramente, faz-se necessário analisar o conceito de não-cumulatividade. No nosso ordenamento jurídico, pode-se retirar o conceito de não-cumulatividade mediante a interpretação das regras previstas nos artigos 153, IV, § 3º, II, e 155, II, § 2º, I, ambas da Constituição Federal.
Conforme se depreende da leitura dos dispositivos constitucionais acima mencionados, os conceitos de cumulatividade e não-cumulatividade pressupõem a existência de fatos geradores que componham uma cadeia econômica, formada por várias operações. Isso porque a não-cumulatividade visa a evitar o efeito “cascata” da tributação, compensando-se o valor referente ao tributo recolhido nas operações anteriores com o valor a ser recolhido na operação ora considerada. Tem por escopo, indubitavelmente, desonerar o contribuinte da repercussão econômica que um sistema de tributação cumulativo acarretaria no preço final do produto.
Assim, somente se pode considerar a cumulatividade quando não se estiver tratando de um fato unicamente considerado, mas sim de um ciclo econômico formado por várias operações, sejam elas com o mesmo sujeito passivo, sejam com sujeitos passivos distintos.
A não-cumulatividade, nesse aspecto, pode ser alcançada, entre outras formas, pela tributação sobre o valor agregado no produto, ou seja, deduzindo-se, do valor da produção aferida em determinado lapso temporal, o montante gasto na aquisição de matéria-prima, outros materiais usados no processo de produção, entre outros. Tal modo de apuração teve origem no ordenamento jurídico francês, como alternativa a contornar os efeitos da cumulatividade.
Existe outra forma de obter-se a não-cumulatividade, que é aquela que os tributaristas Ives Gandra Martins e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza denominaram de “imposto sobre imposto”. Esse sistema opera mediante operação feita na escrituração contábil da empresa, com a compensação entre créditos e débitos dentro de um determinado período de tempo. Em outras palavras, o contribuinte se credita dos valores que foram pagos, a título de tributos não-cumulativos, nas operações anteriores.
Há, além das duas técnicas supra referidas, outras visando ao mesmo escopo, as quais preferi omitir por entender não serem de importância significativa para o presente estudo.
É importante analisar qual critério para alcançar a não-cumulatividade foi adotado pelo legislador constituinte de 1988. Até porque isso influenciará, diretamente, em uma questão que vem sendo corriqueiramente objeto de demandas judiciais: a possibilidade de a empresa creditar-se do IPI quando os insumos, matérias-primas e outros materiais utilizados anteriormente no processo produtivo foram adquiridos mediante isenção, não incidência ou tributados a alíquota zero. Entretanto, reserva-se a análise de tal questão para um tópico especifico, o que se fará posteriormente.
Voltando à questão do critério utilizado pelo legislador constituinte de 1988 para buscar a não-cumulatividade, os doutrinadores José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lipo, na obra A NÃO-CUMULATIVIDADE TRIBUTÁRIA, 2ªedição, Ed. Dialética, 2004, p. 123-124, consignam o seguinte:
“(...) Geraldo Ataliba e Cléber Giardino sustentaram que é equivocado o entendimento de que o tributo a ser efetivamente pago ao Fisco é aquele que resulta da incidência da alíquota apenas sobre o valor acrescido, isto é, sobre o lucro. A não-cumulatividade, disseram, decorre apenas e tão-somente do fato de ter havido a ocorrência de operações de circulação de mercadorias. Mas, se extremarmos nosso raciocínio a uma hipótese ideal em que todas as aquisições de determinado período foram nesse mesmo período incorporadas aos produtos fabricados (ou simplesmente revendidas), constataremos que a diferença entre o valor das entradas e o valor das posteriores saídas corresponderá exatamente a um montante que, multiplicado pela alíquota do ICMS praticada pelo comerciante/industrial, dará como resultado o valor do tributo a ser recolhido ao Fisco. Ora, se a diferença entre as saídas e as anteriores entradas representa o valor que o comerciante/industrial acrescentou em cada operação no período, pelo menos do ponto de vista econômico, de fato estamos tratando de um tributo que incide sobre o valor agregado. E, veja-se, não podemos deixar de salientar este ponto uma vez que a não-cumulatividade é regra constitucional que toca de maneira direta os preços dos produtos colocados no mercado.
Mas, do ponto de vista jurídico, não há como se admitir a afirmação de que o princípio da não-cumulatividade trata da incidência do tributo sobre o valor acrescido em cada operação. Isso porque, quando o Texto Constitucional estabelece que o ICMS é um tributo que incide sobre as operações de circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transportes interestaduais e intermunicipais e de comunicações, nada mais há que se possa deduzir. Se, como demonstramos alhures, a não-cumulatividade é alheia à regra-matriz de incidência tributária no ICMS, só se pode concluir que, do âmbito estritamente jurídico-tributário, o imposto estadual incide integralmente sobre cada uma das operações realizadas. Assim, se a operação com certa mercadoria fornecida é realizada, digamos, por R$ 1.000,00 (mil reais), o imposto incidirá sobre a totalidade desse montante. Se, numa segunda etapa, a mesma mercadoria, em outra operação, é revendida por R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), por exemplo, é sobre esse valor que o ICMS incidirá. E assim por diante, até atingir o consumidor final.
A técnica da não-cumulatividade, como se verá minudentemente, incide em momento posterior à constituição da obrigação tributária. Daí sua complexidade, que tanto martiriza juristas e economistas. No entanto, queremos ressaltar que, mesmo sob o ângulo constitucional, é quase impossível a dissociação dos conceitos jurídico e econômico. Sendo o princípio uma entidade jurídica que está endereçada única e exclusivamente à obtenção de um resultado econômico, é inegável que a doutrina deva refletir, ainda que sucintamente, sobre tal aspecto. Não é possível a dissociação sem que se fira o verdadeiro conteúdo, sentido e alcance do princípio em estudo.Em que pese toda a teoria kelseniana, que sugere o estudo do direito positivo livre de quaisquer influências advindas de outras ciências do conhecimento humano, neste caso em particular, as ciências jurídica e econômica se entrelaçam indissoluvelmente.
Bem se pode visualizar esta afirmativa com a correta aplicação dos conceitos de lógica, mormente dos conceitos de lógica deôntica, tão bem desenvolvidos por Paulo de Barros Carvalho. Diz o dispositivo constitucional, genericamente, que o ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado (devido) nas (operações) anteriores. Percebe-se inequivocamente que o comando constitucional impõe ao produtor, ao comerciante, ao industrial ou ao prestador de serviços uma obrigação (sintaticamente trata-se de um dos operadores deônticos – ‘O’ – obrigação). E como deverá se operar essa obrigação? Aí é que encontramos o conteúdo econômico do conceito traduzido pelo princípio. O produtor, o industrial, o comerciante, o importador ou o prestador de serviços, no desenvolvimento da sua atividade, em que ocorrem ingressos e saídas de mercadorias e serviços do seu estabelecimento, deverá computar sistematicamente, a cada período de apuração, os montantes do tributo referentes às saídas e os referentes às entradas, procedendo à ‘compensação’ de ambos, a fim de obter o montante do tributo ainda devido ao Fisco.
A não-cumulatividade é, pois, uma conseqüência subsidiária da atividade mercantil ou da prestação de serviços, que deverá ser realizada de maneira vinculada, posto necessária à apuração do imposto devido, e da qual não se pode dispor sem feri-la frontalmente. Ou, por outros caminhos, se juridicamente o princípio constitui um comando inescusável para o contribuinte, a sua submissão a ele obriga-o a proceder tal e qual a sua descrição. Neste mister, cumpre-nos analisá-lo sob o ponto de vista jurídico, observando, porém, que considerações de natureza econômica serão inevitáveis. (...)”
Como se pode inferir do excerto acima transcrito, a análise da não-cumulatividade sob o prisma econômico leva à idéia de tributação sobre o valor agregado. De outro norte, o exame do mesmo sob o prisma jurídico conduz à concepção de que a tributação será a diferença do imposto devido na atual fase na cadeia produtiva e o imposto recolhido nas etapas anteriores.
Importante ressaltar que não existe, em se tratando de não-cumulatividade, um método que possa se entender como correto para efetivá-la. Tanto a técnica de tributação incidente sobre o valor agregado quanto aquela que anteriormente foi denominada “imposto sobre imposto” levam à obtenção de um tributo não-cumulativo. Trata-se de uma opção do legislador, o qual poderá escolher entre relevar o aspecto jurídico da não-cumulatividade ou, simplesmente, o seu enfoque econômico.
A forma como estão redigidos os dispositivos constitucionais que tratam da matéria enseja a conclusão de que o legislador constituinte brasileiro optou por obter a não-cumulatividade através da técnica “imposto sobre imposto”. Não fez o mesmo qualquer menção à incidência do IPI ou do ICMS sobre o valor agregado no produto na cadeia econômica. Assim, a meu ver, é sob esse prisma (jurídico) que o princípio da não-cumulatividade deve ser entendido e aplicado, não obstante o posicionamento muito bem fundamentado dos doutrinadores acima citados. Atribuir outra conotação ao mesmo seria extrapolar a vontade do legislador constituinte, interpretando a norma constitucional de forma ampliativa.
Outra divergência encontra-se na sua natureza jurídica. Muitos doutrinadores entendem que a não-cumulatividade não poderia ser erigida à condição de princípio constitucional, devendo ser considerada apenas como técnica de arrecadação. Isso implicaria dizer que a mesma não integraria a hipótese de incidência do IPI e do ICMS.
A Constituição Federal, quando prevê, nos seus artigos 153, § 3º, II, e 155, § 2º, I, que o IPI e o ICMS serão não-cumulativos, afasta toda e qualquer possibilidade de o legislador ordinário estabelecer algo em sentido contrário (exceto nos casos em que a própria Carta Constitucional assim o autorizasse). Assim sendo, é de se sustentar que a não-cumulatividade é verdadeiramente um princípio constitucional, que deve servir de norte ao Sistema Tributário Nacional.
Por outro lado, também não se pode negar que a não-cumulatividade também consiste em uma técnica de arrecadação do tributo. Ora, um princípio constitucional tem que possuir um meio de concretização no mundo dos fatos, sob pena de faltar-lhe efetividade, sendo letra morta na Constituição. E os princípios são passíveis de concretização mediante a previsão de determinadas regras, que, pela sua maior densidade normativa, permitem que os primeiros incidam no mundo dos fatos. Assim, de nada valeria a Carta Constitucional prever o princípio da não-cumulatividade se não houvesse uma técnica para colocá-lo em prática.
Assim, a não-cumulatividade possui uma natureza jurídica dúplice: deve ser considerada como princípio constitucional quando, de forma genérica, constitui garantia ao contribuinte, impedindo que o legislador infraconstiucional disponha em sentido contrário. E, por outro lado, deve ser tida como técnica de arrecadação quando vista sob o enfoque de efetivação do princípio no mundo dos fatos.
Tal assertiva encontra amparo doutrinário na lição de Hugo de Brito Machado, em sua obra OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA TRIBUTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, 5ª edição, 2004, Editora Dialética, p. 124, in verbis:
“(...) Alguns fazem referência ao princípio, outros preferem fazer referência à técnica da não-cumulatividade. Importante, pois, é esclarecer se a não-cumulatividade é um princípio ou uma técnica, explicando, em qualquer caso, o que distingue uma coisa da outra.
A não-cumulatividade pode ser vista como princípio e também como técnica. É um princípio quando enunciada de forma genérica, como está na Constituição, em dispositivo a dizer que o imposto ‘será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal’. Em tal enunciado não se estabelece exaustivamente o modo pelo qual será efetivada a não-cumulatividade. Não se estabelece a técnica. Tem-se simplesmente o princípio.
A técnica da não-cumulatividade, a seu turno, é o modo pelo qual se realiza o princípio. Técnica é ‘maneira ou habilidade especial de executar algo’. Assim, a técnica da não-cumulatividade é o modo pelo qual se executa, ou se efetiva, o princípio.
Em nosso sistema jurídico, tem prevalecido a técnica do denominado crédito físico, em que o contribuinte se credita na entrada dos insumos, pelo valor do IPI relativo à operação anterior, e se debita na saída dos produtos, pelo valor então incidente. (...)”
3. A não-cumulatividade como princípio constitucional: eficácia e aplicabilidade
Conforme referido acima, a não-cumulatividade possui status de princípio constitucional. Ainda assim, faz-se necessário analisar qual a sua eficácia e qual a sua aplicabilidade, ou seja, se o mesmo prescinde ou não de regulamentação para que possa surtir efeitos no mundo jurídico. E tal exame não pode ser feito sem antes tecer breves comentários acerca da eficácia e da aplicabilidade das normas constitucionais em geral.
José Afonso da Silva, quando trata de aplicabilidade das normas constitucionais, divide-as em três blocos: as normas de eficácia plena, as normas constitucionais de eficácia contida ou restringível e as de eficácia limitada.
As normas de eficácia plena, que independem de qualquer regulamentação por lei infraconstitucional, são dotadas de aplicabilidade direta, imediata e integral. Pode-se citar como exemplo de norma de eficácia plena, dentre tantas, aquelas previstas nos artigos 1º e 2º da Constituição Federal, bem como aquelas que contenham vedações ou proibições.
As normas de eficácia contida possuem eficácia plena, aplicabilidadedireta e imediata, podendo ser não integral (ou seja, pode ter sua aplicabilidade restrita pelo legislador infraconstitucional). A restrição do alcance da norma constitucional de eficácia contida pode advir, segundo José Afonso da Silva, tanto da atuação do legislador ordinário quanto da interpretação dos conceitos gerais nela contidos. Importante salientar que as restrições somente poderão ser exigidas após o advento da lei regulamentadora. Até então, o dispositivo constitucional em questão terá aplicabilidade integral. Elege-se como exemplo de norma constitucional de eficácia contida aquela prevista no artigo 5º, XIII, da Constituição Federal, que prevê que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Por fim, as normas de eficácia limitada, que somente produzem integralmente os seus efeitos quando forem devidamente regulamentadas por normas de inferior hierarquia. Dividem-se, por sua vez, em normas de princípio institutivo e normas de princípio programático. As primeiras são aquelas que dependem de lei para estruturar instituições, pessoas ou órgãos previstos na Constituição Federal, indicando apenas elementos genéricos. Cabe ao legislador infraconstitucional definir os elementos específicos para a corporificação dessas instituições. Cita-se como exemplo dessa espécie de norma o artigo 18, § 3º, da Carta Constitucional. As segundas, por sua vez, estabelecem programas constitucionais que deverão ser concretizados mediante a atuação positiva do legislador infraconstitucional. Estão voltadas, principalmente, à efetivação dos direitos sociais. Pode-se trazer como exemplo o artigo 194 da Carta Magna, quando estabelece que meta teleológica da seguridade social é o conjunto integrado de ações ao encargo do Poder Público e da sociedade, destinadas a garantir os direitos à saúde, à previdência e à assistência social.
Ressalto que, não obstante as normas de eficácia limitada dependerem de regulamentação pelo legislador infraconstitucional para que produzam os efeitos que lhe são inerentes, não são as mesmas totalmente destituídas de eficácia. Todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, ainda que em graus diferentes. As normas de eficácia limitada possuem o efeito de impedir a atuação do legislador ordinário em sentido contrário ao direito assegurado pelo constituinte, ainda que em momento anterior à edição da norma que a regulamente.
Feitas tais considerações, é de se examinar em qual categoria das normas constitucionais se encontra o princípio da não-cumulatividade.
O princípio da não-cumulatividade, a meu ver, deve ser considerado como uma norma constitucional de eficácia plena. Não depende de qualquer norma regulamentadora para que produza seus efeitos no mundo jurídico. Seu conteúdo não poderá ser restringível pelo legislador ordinário, sob pena de inconstitucionalidade. Interpretando a norma do artigo 155, § 2º, I, da Constituição Federal, juntamente com o inciso XII, letra c, do mesmo artigo 155, § 2º, concluir-se-ia que o ICMS deve obedecer ao princípio da não-cumulatividade, compensando-se as receitas oriundas das operações anteriores com o valor a pagar do imposto, cabendo, entretanto, ao legislador infraconstitucional disciplinar o “regime de compensação do mesmo” (ressalto que tal dispositivo se refere unicamente ao ICMS, não havendo qualquer correspondente em relação ao IPI e às contribuições sociais). E, por ser o princípio da não-cumulatividade norma constitucional de eficácia plena, conforme afirmei acima, o regime de compensação do imposto, o qual o constituinte deixou a cargo do legislador complementar, não pode afetar o conteúdo nuclear da não-cumulatividade. O núcleo do princípio (que é o direito do contribuinte creditar-se do valor recolhido a título do imposto nas operações anteriores da cadeia produtiva) deve permanecer intacto, sendo inconstitucional qualquer disposição do legislador complementar que colida com o mesmo. Então, o “regime de compensação do imposto”, que será definido pelo legislador complementar, conforme o dispositivo constitucional acima citado, consiste tão-somente nos aspectos temporal e pessoal da apuração do imposto (sua periodicidade e a forma de recolhimento pelo contribuinte). Não poderá a lei complementar impor qualquer restrição ao direito de crédito, uma vez que o mesmo é diretamente relacionado ao aspecto nuclear do princípio da não-cumulatividade.
Em suma, a não-cumulatividade, como princípio constitucional, possui eficácia plena, podendo o legislador infraconstitucional somente dispor quanto à periodicidade e à forma de recolhimento do imposto, não podendo, de forma alguma, sob pena de inconstitucionalidade material, restringir a possibilidade de creditamento do contribuinte.
4. A não-cumulatividade como técnica de tributação – Estrutura da não-cumulatividade
Conforme também mencionado alhures, a não-cumulatividade nada mais é que o direito do contribuinte creditar-se do valor recolhido, a título de imposto, nas operações anteriores relativas ao mesmo produto, mercadoria ou serviço. O tributo não-cumulativo, nesse aspecto, incide sobre o valor total da operação, e não somente sobre o valor agregado. É esse o sistema estabelecido pela nossa Carta Constitucional, configurado através de uma compensação entre valores.
A fim de melhor examinar a sistemática da não-cumulatividade, faz-se mister perquirir o sentido e o alcance, no caso em tela, do termo compensação. Tal análise é necessária porque a compensação é prevista tanto pelo artigo 368 do Código Civil quanto pelos artigos 156, II, e 170 do Código Tributário Nacional. A questão relativa a qual o conceito de compensação deve ser aplicado para concretizar o princípio na não-cumulatividade é a que ora deve ser objeto de análise.
No âmbito do Direito Civil, a compensação é modo de extinção de uma obrigação, conceituada nos seguintes termos: “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.” Exige-se, para tanto, que os créditos e os débitos sejam líquidos, dotados de exigibilidade e relativos a bens fungíveis.
O Código Tributário Nacional, por sua vez, traz a compensação como modalidade de extinção do crédito tributário (artigo 156, II), prevendo-a, também, no artigo 170, onde está exarado o seguinte: “a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”.
A compensação, no âmbito do Direito Tributário, difere, primeiramente, daquela prevista no artigo 368 do Código Civil pelo fato de que a primeira admite a compensação de dívidas vincendas (ao passo de que a lei civil impõe que os créditos e débitos sejam exigíveis, ou seja, vencidos). A compensação de dívidas fiscais está, hodiernamente, prevista em leis específicas e atos administrativos regulamentares.
Entretanto, entendo que a compensação como meio de operacionalização do princípio da não-cumulatividade não se amolda perfeitamente em nenhum dos conceitos acima mencionados, não obstante possa se aproximar deles. Isso porque se trata de uma operação que se dará na escrituração do contribuinte, periodicamente. Confrontar-se-á o débito decorrente da tributação de uma operação com os créditos originários das operações anteriores envolvendo o mesmo produto. É uma simples relação financeira, uma operação contábil. Ao passo que a compensação prevista no Direito Civil e no Direito Tributário amolda-se a fatos individualizados, estanques, únicos, a compensação existente na não-cumulatividade pressupõe fatos em cadeia, que se repetem a cada operação na cadeia produtiva. Outra distinção reside no fato de que a compensação no âmbito civil e tributário é facultativa, enquanto, em se tratando de não-cumulatividade, é obrigatória. É por isso que muitos doutrinadores,entre eles Gilberto de Ulhoa Canto, preferem denominá-la de abatimento, e não de compensação.
A fim de fortalecer tal assertiva, transcreve-se a lição de José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lipo, na já citada obra A NÃO-CUMULATIVIDADE TRIBUTÁRIA, página 131:
“(...) Em síntese, podemos dizer que o termo ‘compensação’, constante do art. 155, §2º, inc. II, da Constituição Federal, não possui o mesmo sentido que lhe é dado pelos outros institutos citados. Para os termos específicos da não-cumulatividade, quando a norma constitucional se utiliza do signo ‘compensação’, reporta-se, de um lado, ao dever jurídico a que se submete o contribuinte de apurar o montante do imposto a pagar mediante o confronto entre as importâncias do tributo oriundas das suas operações de circulação de mercadorias e prestação de serviços de transportes e comunicações, em certo período, com quantias do mesmo tributo oriundas de todas as operações anteriores realizadas por produtores, industriais, comerciantes, importadores e prestadores de serviços, que foram objeto de suas aquisições nesse mesmo período, e, de outro lado, a impossibilidade do sujeito ativo de opor qualquer restrição ao crédito levado a efeito pelo contribuinte. (...)”
O fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados, por exemplo, está previsto no artigo 34 do RIPI, que consiste na saída do produto industrializado do estabelecimento industrial ou equiparado, ou, no caso de importação, no desembaraço aduaneiro. Todas as operações que configuram fato gerador do imposto em comento devem ser registradas em livro próprio da empresa, o denominado Livro do IPI.
O valor a ser pago a título de IPI incidirá sobre todos os fatos geradores do imposto, considerados em sua totalidade, em um determinado período. Esse valor deverá constar, na escrituração contábil da empresa, na coluna “débito” do Livro do IPI. Após tal apuração, deve-se aferir o valor recolhido a título do imposto incidente sobre todos os produtos que integraram o processo produtivo, os quais deverão estar consignados na coluna “crédito” do Livro do IPI. Confrontando-se tais valores, e verificando-se que o valor apurado a título de débito é superior àquele aferido a título de crédito, existirá imposto a recolher. Se ocorrer a situação inversa, haverá um crédito em favor do contribuinte, o qual poderá ser aproveitado no período subseqüente.
5. A não-cumulatividade em relação ao IPI e a problemática da aquisição de insumos e matérias-primas mediante isenção, não-incidência ou tributação à alíquota zero
O Imposto sobre Produtos Industrializados deve atender ao princípio da não-cumulatividade, conforme já referi diversas vezes no decorrer deste estudo. Além de ser não-cumulativo, o IPI, a semelhança do ICMS, também é seletivo, ou seja, é cobrado mediante o grau de essencialidade do produto. Assim sendo, existe uma grande diferença nas alíquotas aplicadas nos produtos industrializados, em função de ser ou não considerado como de primeira necessidade, podendo, até mesmo, ser tributado à alíquota zero. Além da questão referente à essencialidade dos produtos, o Poder Executivo tem autorização constitucional para alterar as alíquotas do IPI (artigo 153, §1º, da Constituição Federal), desde que atendidos os limites legais. Tal prerrogativa foi concedida em função do caráter extrafiscal dos tributos elencados no dispositivo constitucional, como forma de operacionalizar a política de arrecadação e a outorga de incentivos fiscais.
Ambas as situações acima mencionadas fazem com que as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados sejam demasiadamente diversas entre si, dependendo do grau de essencialidade do produto tributado, bem como do papel do mesmo dentro da política fiscal do governo federal.
Considere-se, assim, o caso em que um produto, dentro da cadeia produtiva, seja considerado, para fins de recolhimento do IPI, isento ou tributado à alíquota zero. Ou, ainda, que sobre o mesmo não incida o aludido imposto. Como deve ser o mesmo considerado em face das outras etapas da cadeia produtiva? A resposta a essa indagação vai depender da posição em que tal produto ocupará dentro do processo de produção. Se, por exemplo, o insumo ou a matéria-prima for tributada e o produto final for isento ou tributado à alíquota zero, tem-se uma situação; se o insumo ou a matéria-prima for isenta, não-tributada, ou tributada à alíquota zero, ter-se-á uma situação diversa.
Interessante se faz a análise de ambas as situações, sob a ótica do princípio da não-cumulatividade.
Na primeira situação, o insumo foi adquirido, por exemplo, sob o regime de isenção. E suponha-se que o produto final é destinado à exportação (os produtos destinados ao exterior são imunes ao IPI, conforme a regra do artigo 153, §3º, III, da Constituição Federal). Houve o recolhimento, em fase pretérita, do imposto, o qual gerou um crédito para a etapa posterior. Entretanto, não haverá recolhimento de IPI na etapa posterior em relação ao produto em questão, uma vez que o mesmo é imune. Ter-se-ia, então, um crédito sem possibilidade de ser aproveitado, o que configuraria flagrante violação ao princípio da não-cumulatividade.
Para contornar esse problema, o artigo 11 da Lei no 9.779/99 previu a situação acima descrita, facultando ao contribuinte lesado a compensação do crédito, nos termos dos artigos 63 e seguinte da Lei no 9.430/96. Transcrevo, abaixo, o mencionado dispositivo legal:
“Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive do produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 1996, observadas as normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal – SRF, do Ministério da Fazenda.”
Assim, a problemática referente à saída de produtos isentos de IPI foi solucionada pela regra acima transcrita. Porém, existe outra situação, não tutelada pela legislação, que tem gerado muita discussão em âmbito doutrinário e jurisprudencial: a aquisição de produtos intermediários, insumos ou matérias-primas isentas, não tributadas ou tributadas à alíquota zero. Muito tem se discutido se a impossibilidade do contribuinte usar de tais créditos viola ou não o princípio da não-cumulatividade. Sobre essa situação, encontram-se precedentes jurisprudenciais em ambos os sentidos.
Ante a essa dissonância de entendimentos, é conveniente examinar, de forma individualizada, os argumentos de ambos os lados, o que ora se passa a fazer.
Há aqueles que defendem que vedar ao contribuinte a prerrogativa de compensar, em etapas futuras, seus créditos oriundos de aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e insumos isentos, não tributados ou tributados à alíquota zero, é prática que viola o princípio da não-cumulatividade. Esses entendem a não-cumulatividade como a tributação sobre o valor agregado, conforme abordado anteriormente. Para os mesmos, a repercussão econômica do IPI, na cadeia produtiva, a juridicamente prevista, suportando o adquirente da mercadoria o ônus tributário que lhe é repassado, permitindo-se, assim, a transferência do encargo.
Transcreve-se, abaixo, o exemplo trazido pela tributarista Misabel Abreu Machado Derzi, citado na obra de Aliomar Baleeiro, DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO, Editora Forense, 11ª edição, a qual se posiciona pela possibilidade de creditar-se quando a isenção é na fase intermediária.
O exemplo é construído, pela tributarista, da seguinte forma: há a figura do fabricante, do atacadista e do varejista, cujos preços de venda são, respectivamente, R$ 100,00 (cem reais), R$ 218,00 (duzentos e dezoito reais) e R$ 318,00 (trezentos e dezoito reais). Supondo-se que a alíquota do imposto é de 18% (dezoito por cento), bem como que o IPI, na segunda fase (atacadista)é isento. Os débitos relativos ao imposto são de R$ 18,00 (dezoito reais) para o fabricante e R$ 57,24 (cinqüenta e sete reais e vinte e quatro centavos) para o varejista, considerando que o produto, em relação ao atacadista, é isento, não recolhendo esse o valor referente ao imposto. Segundo o entendimento da tributarista Misabel Abreu Machado Zerzi, o atacadista será onerado em R$ 18,00 (dezoito reais), se não conseguir transferir essa quantia ao varejista. Refere que se o atacadista transfere o encargo, isso fez com que o varejista adicione a quantia a mais no preço de venda, o que implica um imposto mais alto, violando, assim o princípio da não-cumulatividade. Conclui que o Fisco recebe, na verdade, mais imposto do que receberia sem a outorga da isenção, o que não poderia ser admitido, porque oneraria, ainda mais, o consumidor final (o que iria de encontro à teleologia do princípio da não-cumulatividade).
Colaciono julgamento proferido pelo Ministro Gilson Dipp, então Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“(...) a rejeição desse crédito desnaturaria o princípio da não-cumulatividade, porque o imposto não iria incidir apenas sobre o valor acrescido, mas sobre o valor acumulado, tornando inócua a imunidade ou a isenção. Assim, em perspectiva finalística, há de se aceitar o crédito nessas hipóteses para assegurar o propósito do princípio da não-cumulatividade, que é, justamente, realizar a tributação pelo valor acrescido.”
(AC n.º 96.04.04861-9/RS, julgado em 31.03.98)
Também nessa senda, cita-se parte do elucidativo voto proferido pelo Ministro Nelson Jobim, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 212.484-2/RS.
“(...) o ICMS e o IPI são impostos criados no Brasil, na esteira dos impostos de valor agregado.
A regra, para os impostos de valor agregado, é a não-cumulatividade, ou seja, o tributo é devido sobre a parcela agregada ao valor tributado anterior. Assim, na primeira operação, a alíquota incide sobre o valor total. Já na segunda, só se tributa o diferencial.
O Brasil, por conveniência, adotou a técnica de cobrança distinta. O objetivo é tributar a primeira operação de forma integral e, após, tributar o valor agregado. No entanto, para evitar confusão, a alíquota incide sobre todo o valor em todas as operações sucessivas e concede-se crédito do imposto recolhido na operação anterior. Evita-se, assim, a cumulação.
Ora, se esse é o objetivo, a isenção concedida em um momento da corrente não pode ser desconhecida quando da operação subseqüente tributável. O entendimento no sentido de que, na operação subseqüente, não se leva em conta o valor sobre o qual deu-se a isenção, importa, meramente em diferimento”.
Colaciona-se, também, os seguintes precedentes jurisprudenciais:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO INCIDENTE SOBRE INSUMOS. DIREITO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. OFENSA NÃO CARACTERIZADA.
- Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção.
- Recurso não conhecido.” (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Ilmar Galvão, Rel. para Acórdão o Ministro Nelson Jobim, julg. 05.03.98, DJU 27.11.98)
“IPI. CONSTITUCIONAL. CRÉDITO E COMPENSAÇÃO DE IPI DE PRODUTOS ISENTOS ORIUNDOS DA ZONA FRANCA DE MANAUS.
Ao contrário do que a Constituição prevê com relação ao ICMS, quanto ao IPI a Carta não faz restrições quanto ao direito de o contribuinte aproveitar o crédito do IPI de produtos isentos, no caso oriundos da Zona Franca de Manaus.” (REO 95.04.28218-0/SC, Rel. Juiz Volkmer de Castilho, DJ de 26.02.97, p. 9.848)
“TRIBUTÁRIO. IPI. INDUSTRIALIZAÇÃO DE COMPENSADOS. EMPREGO DE MATÉRIAS-PRIMAS ISENTAS, NÃO TRIBUTADAS OU REDUZIDAS À ALÍQUOTA ZERO.
Em razão do princípio da não-cumulatividade, há que se aceitar os créditos impugnados.” (AC 96.04.42556-0/PR, Rel. Juiz Gilson Langaro Dipp, DJ de 18.06.97, p. 45.410)
Também existem aqueles que entendem que os créditos referentes à aquisição de matérias-primas, produtos intermediários e insumos isentos, não tributados ou tributados à alíquota zero não podem ser compensados nas fases subseqüentes. Referem que, nos casos em que o insumo não foi tributado na aquisição, não houve pagamento, não havendo, em conseqüência, crédito a ser compensado. Faltaria, pois, um pressuposto da equação da compensação (crédito referente à operação anterior). Ademais, outra problemática existiria, segundo essa linha de entendimento: se não houve incidência, qual a alíquota a ser aplicada para mensuração do crédito presumido? Ressalto que os defensores da tese oposta aplicam, fictamente, a alíquota da fase posterior.
Cito, no particular, os seguintes precedentes jurisprudenciais:
“IPI. CRÉDITO. MATÉRIA-PRIMA COM ALÍQUOTA ZERO. TRIBUTÁRIO. INEXISTE O DIREITO DO CONTRIBUINTE CONSIDERAR EM SUA ESCRITA FISCAL CRÉDITOS DE IPI EM RELAÇÃO A MATÉRIA-PRIMA ADQUIRIDA COM ALÍQUOTA ZERO.”(A.C. no 92.0420308-0 /RS, Rel. Juiz Teori Albino Zavascki, 2ª T. do TRF4ªR, DJU 09.07.97, p.052729 )
“TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO RELATIVO A MATÉRIAS-PRIMAS TRIBUTADAS A ALÍQUOTA ZERO. 1. A AQUISIÇÃO DE INSUMOS TRIBUTADOS COM A ALÍQUOTA ZERO OU ISENTOS NÃO IMPORTA CRÉDITO TRIBUTÁRIO RELATIVAMENTE À PARCELA DO IPI POR ELA ABRANGIDA. 2. APELAÇÃO IMPROVIDA.” (A.C. N.º 94.04.04862-7/RS, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, 1ª T. do TRF4ª R, DJU de 20.03.98)
"TRIBUTÁRIO. CRÉDITO DE IPI. MATÉRIA¬ PRIMA. SAÍDA ALÍQUOTA ZERO. Na saída com alíquota zero se não houve recolhimento do IPI na entrada da matéria-prima, não há credita¬mento. O imposto pago na entrada de matéria-prima foi incluído no preço do produto industrializado e quem o pagou foi o adquirente destes produtos, importaria enriquecimento ilícito o reconhecimento deste crédito ao fabri¬cante. Provimento negado." (REsp. no 0019106/92-RJ, 1ª Turma, Relator Minis¬tro Garcia Vieira, in DJ-U de 1º.02.93, p. 438).
Tendo em vista a diversidade de entendimentos acerca do tema, conforme referido acima, é importante salientar que o Supremo Tribunal Federal, na condição de intérprete máximo da Constituição Federal, já se manifestou, por diversas vezes, em sede de controle difuso de constitucionalidade pela possibilidade do contribuinte creditar-se do valor referente a insumos isentos, não tributados ou tributados à alíquota zero. Isso se depreende da análise dos Recursos Extraordinários no 212.484/RS, cuja ementa foi acima transcrita, e no 350.446-1/PR. Não obstante a tendência do Supremo Tribunal Federal acima mencionada, a mesma ainda não é pacífica entre os seus Ministros, uma vez que as decisões proferidas nos recursos extraordinários acima mencionados não foram unânimes.
A fim de reforçar a divergência ainda existente entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, cito o exemplo do julgamento do Recurso Extraordinário no 353.657/PR, ainda em andamento, acerca do tema. Tal recurso foi interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual dera parcial provimento à apelação em mandado de segurança para reconhecer o direito do contribuinte do IPI de creditar o valor do tributo na utilização de insumos favorecidos pela alíquota zero e pela não-tributação. O julgamento ainda está em aberto, não havendo posição definitiva do Supremo Tribunal Federal no caso.
A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, no caso em comento, dará a real interpretação da Corte quanto ao princípio da não-cumulatividade. Se o Pretório Excelso negar provimento ao Recurso Extraordinário no 353.657, confirmando a tendência seguida até então, estará interpretando o princípio da não-cumulatividade como uma técnica de tributação incidente sobre o valor agregado, fazendo com que se mesclem os aspectos jurídicos e econômicos da tributação. Ao contrário, se der provimento ao recurso, negando a segurança pleiteada, concluirá que a não-cumulatividade pressupõe tributo devido e recolhido, reconhecendo que a técnica de tributação a qual almejava o legislador constituinte, ao estabelecer o artigo 153, §3º,II, da Constituição Federal, era a de “imposto sobre imposto”, à que fiz alusão no início deste estudo. Conforme também já referi, nenhum dos posicionamentos pode ser considerado como correto ou equivocado. Trata-se de opção do legislador, de modo que ambas (tributação sobre o valor agregado e método “imposto sobre imposto”) são formas de concretização na não-cumulatividade em âmbito tributário. Entretanto, cabe ao Supremo Tribunal Federal, na qualidade de intérprete máximo e guardião da Constituição Federal, declarar qual o real significado e alcance do princípio, o que acarretará efeito direto na questão relativa à possibilidade do crédito referente a insumos isentos, não tributados ou tributados à alíquota zero.
6. O Princípio da Não-Cumulatividade nas Contribuições Sociais
O Poder Constituinte Originário previu que seriam não-cumulativos apenas o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, conforme as regras previstas nos artigos 155, §3º, II, e 155, §2º, I, da Constituição Federal. Entretanto, a Emenda Constitucional no 42, de 19 de dezembro de 2003, inseriu o §12º do artigo 195 da Carta Constitucional, que contém a seguinte redação:
“A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”
Infere-se, pois, que o Poder Constituinte Derivado facultou ao legislador a instituição da sistemática não-cumulativa em âmbito das contribuições sociais incidentes sobre a receita ou o faturamento (artigo 195, I, b) e as devidas pelos importadores de bens ou serviços do exterior ou de quem a ele se equiparar (artigo 195, IV). Tal sistemática vem sendo reiteradamente contestada pelos contribuintes, que entendem ser a mesma inconstitucional.
De forma a efetivar o sistema da não-cumulatividade no âmbito das contribuições sociais, advieram as Leis nos 10.637/02 (PIS/PASEP), 10.833/03 (COFINS) e 10.865/04 (PIS/PASEP e COFINS-Importação), as quais se relacionam entre si, formando um complexo de normas que tutelam a nova forma de apuração dessas exações. Em face da complexidade e da extensão da matéria, restrinjo o presente estudo à análise da não-cumulatividade da COFINS, na sistemática da Lei no 10.883, de 29 de dezembro de 2003. Até porque as normas previstas para a COFINS, em sua grande maioria, também são aplicadas em relação ao PIS/PASEP.
É interessante referir, antes de analisar o sistema da não-cumulatividade das contribuições sociais propriamente dito, que a legislação prevê que determinadas empresas e receitas não serão sujeitas ao regime da não-cumulatividade, permanecendo sujeitas às normas anteriores ao advento da Lei no 10.833/03. Essas hipóteses vêm arroladas no artigo 10 da aludida lei. Infere-se, da análise desse artigo, que a sistemática da não-cumulatividade pode ser elidida tanto pela natureza do contribuinte (pessoa jurídica) quanto pela natureza da receita. Assim sendo, é possível que determinados contribuintes tenham um sistema híbrido de apuração do valor referente a COFINS, no caso daquelas pessoas jurídicas que não foram expressamente excluídas do regime da não-cumulatividade e que tenham parte de suas receitas (não a integralidade) excluídas da sistemática não-cumulativa. Tais empresas terão de apurar o valor da exação considerando, em parte, a legislação pretérita, bem como a nova sistemática estabelecida pela Lei n. 10.883/2003, o que torna a elaboração do cálculo consideravelmente mais complexa.
A apuração do valor a ser recolhido a título de COFINS sofreu uma alteração substancial, a iniciar pela alíquota, a qual, segundo o artigo 1º da Lei no 10.883/2003, passou de 3% (três por cento) para 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), incidente sobre o faturamento mensal. Não obstante o aumento da alíquota, existe, doravante, a prerrogativa da dedução de diversos valores considerados como créditos.
Entretanto, não se pode dizer, referentemente a todos os contribuintes, que a carga tributária diminuiu em face da adoção do sistema não-cumulativo em relação ao PIS/PASEP e a COFINS. Para determinadas empresas, principalmente aquelas cuja atividade está inserida no processo produtivo, a nova sistemática, em tese, reduz o valor a ser recolhido, diante da existência de créditos dedutíveis de etapas pretéritas da cadeia produtiva. Por outro lado, há contribuintes cuja atividade não enseja a existência de créditos dos quais os mesmos se possam valer, como é o caso das empresas prestadoras de serviços. Para essas, que não possuem muitos créditos para amortização do valor a ser recolhido a título de contribuição social, haverá um aumento da carga tributária. É por esse motivo que a Lei n. 10.883/2003 excluiu da apuração da COFINS sob o regime da não-cumulatividade algumas receitas oriundas de prestação de serviços. Conforme referido, via de regra, a prestação de serviços não está inserida, em uma acepção mais restrita, em uma cadeia de produção, razão pela qual a mesma não possuiria muitos créditos que pudessem ser amortizados para apuração do valor a ser recolhido. Entretanto, aquelas empresas de prestação de serviços não arroladas no artigo 10 da Lei no 10.883/2003, que se submeterão ao sistema não-cumulativo, restarão mais oneradas.
Considerando que existem contribuintes que terão sua carga tributária onerada, já existem várias demandas judiciais questionando a constitucionalidade das alterações efetuadas, tanto no âmbito formal quanto no âmbito material. Foi argumentado que a Lei no 10.883/2003 seria formalmente inconstitucional por dois aspectos: a) porque a alteração deveria ter sido promovida por lei complementar, e não por lei ordinária; b) também não poderia ter sido inicialmente realizada através de medida provisória.
É, a meu ver, perfeitamente legítima a alteração da sistemática de apuração veiculada através de lei ordinária. Não obstante o artigo 146, III, da Constituição Federal estabelecer que compete à lei complementar estabelecer as normas gerais de direito tributário, especialmente aquelas referentes à obrigação, ao lançamento, ao crédito, à prescrição e à decadência tributários, o Supremo Tribunal Federal já manifestou entendimento no sentido de que, em se tratando das contribuições sociais previstas no artigo 195 da Carta Constitucional, não se exige lei complementar, uma vez que a norma constitucional já previu os elementos necessários à instituição do tributo: o fato gerador, o contribuinte e a base de cálculo. Então, qualquer alteração da sistemática de apuração de contribuições sociais previstas no artigo 195 da Constituição Federal (nas quais se enquadram o PIS/PASEP e a COFINS) pode ser veiculada através de lei ordinária, desde que, obviamente, não exista previsão em contrário com os parâmetros já delineados pela norma constitucional.
Houve, ainda, no particular, a tese de que a sistemática não-cumulativa de apuração da COFINS pode apresentar incongruências com a materialidade das contribuições, a qual não se encontra minimamente delineada na Carta Constitucional, razão pela qual não se poderia dispensar a tutela da matéria via legislador complementar.
Quanto a tal alegação, a meu ver, a Lei Complementar no 70, por exemplo, que anteriormente tratava da COFINS, é apenas formalmente complementar, sendo passível de alteração por lei ordinária, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal acima mencionado. Isso porque os elementos essenciais da COFINS, contribuição sobre o faturamento, já estão previstos no artigo 195 da Constituição Federal. Valendo-se do mesmo raciocínio, a adoção da sistemática da não-cumulatividade às contribuições previstas no artigo 195 da Constituição Federal pode ser concretizada através de lei ordinária. E a Constituição, ao contrário do que se possa argumentar, diz, nos artigos 153, §3º, II, 155, §2º, I, e 195, §12, o que se deve entender como não-cumulatividade. Tais conceitos, mesmo se referindo ao ICMS e ao IPI, podem ser usados no âmbito das contribuições sociais, antea inexistência de vedação legal para tanto. Desnecessária, pois, a utilização de lei complementar para veicular a nova sistemática não-cumulativa da COFINS.
Ainda no âmbito das apontadas inconstitucionalidades formais, sustenta-se que a alteração efetuada inicialmente pela Medida Provisória no 135/2003 colidiria com a regra prevista pelo artigo 246 da Constituição Federal, que estabelece, por sua vez que “é vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”.
A alteração promovida pela Emenda Constitucional no 20/1998 na redação do artigo 195 da Constituição Federal não acarretou uma alteração substancial no que tange à COFINS. A redação originária do artigo 195 previa a incidência da contribuição sobre o faturamento, e, após a redação da emenda, passou a prever a incidência sobre a receita ou o faturamento. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou no sentido de que os conceitos de faturamento e receita são equivalentes, conforme se depreende do julgamento da Apelação Cível no 2002.70.07.002337-1, em que foi Relator o Desembargador Federal Wellington Mendes de Almeida, razão pela qual reitero que, inexistindo, com o advento da Emenda Constitucional no 20/1998, uma mudança considerável no aspecto material da regra contida no artigo 195 da Constituição Federal, não existe nenhum óbice para que a sistemática da não-cumulatividade da COFINS fosse, originariamente, veiculada através de medida provisória. Inexiste, no caso, a meu ver, afronta ao artigo 246 da Constituição Federal.
Corroborando o entendimento acima esposado, no sentido de que inexistem inconstitucionalidades formais no meio utilizado pelo legislador para inserção da sistemática de não-cumulatividade na COFINS, transcrevo precedente jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento no 2004.04.01.005703-6/RS, em que foi Relator o Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 16 de junho de 2004.
Existem, também, ações judiciais onde se está sustentando a existência de inconstitucionalidades materiais, pelo fato de que a Lei no 10.883/2003 violaria os Princípios da Isonomia, de Vedação ao Confisco e da Capacidade Contributiva.
Para que haja violação ao princípio constitucional da isonomia, é necessário que o legislador estabeleça tratamento desigual a dois contribuintes em situação equivalente. Esse princípio pode ser tido como corolário ao princípio da livre concorrência, assegurado pelo artigo 170, IV, da Carta Constitucional, uma vez que a situação tributária equivalente para contribuintes em idêntica condição faz com que esses, em tese, estejam em equivalente situação de competitividade no mercado.
A principal inconformidade dos contribuintes, em tal aspecto, diz respeito ao fato de o artigo 10, II, da Lei no 10.883/2003 estabelecer que somente estarão adstritos ao sistema de não-cumulatividade da COFINS aqueles contribuintes que forem tributados pelo imposto de renda mediante apuração pelo lucro real, permanecendo na sistemática pretérita aqueles tributados mediante apuração pelo lucro arbitrado e presumido. Alegam os mesmos que se estariam criando situações díspares para contribuintes em situação de equivalência.
A diferenciação no tratamento entre contribuintes existente na lei não viola o princípio constitucional da isonomia. Isso porque a obrigatoriedade na apuração do lucro real para fins de incidência do Imposto de Renda, segundo o artigo 246 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 e artigo 14 da Lei no 9.718/98, se restringe àqueles contribuintes cujo faturamento anual for superior a vinte e quatro milhões de reais. Assim, todas as empresas que tiverem faturamento superior a esse valor, devem ser tributadas pelo lucro real e submeterem-se à apuração do valor a ser recolhido a título de COFINS mediante o critério da não-cumulatividade. Está-se tratando de forma equivalente aqueles que estão em situação equivalente (considerando-se como equivalentes entre si todos aqueles que possuam faturamento superior ao valor anteriormente referido). Não se pode considerar que os contribuintes que possuem faturamento anual inferior a vinte e quatro milhões de reais estejam em situação idêntica àqueles cujo faturamento é superior a tal valor. Para esses últimos, o tratamento diferenciado mais oneroso é justificado, até pela real concretização do princípio da capacidade contributiva. Ademais, tal situação encontra respaldo na regra prevista no artigo 195, §9º, da Carta Constitucional. E, para aqueles cujo faturamento anual é inferior a vinte e quatro milhões de reais, a tributação pelo lucro real não é uma imposição, mas uma faculdade em relação ao contribuinte, não havendo prejuízo aos mesmos em virtude de tratamento diferenciado.
Também não viola, a sistemática de não-cumulatividade da COFINS, o princípio constitucional de vedação do confisco. Esse princípio garante que a tributação não possa ser tão onerosa ao contribuinte de forma a inviabilizar a sua atividade econômica. Tal situação somente pode ser aferida casuisticamente, mediante apuração da contabilidade de cada contribuinte, uma vez que irá depender de vários fatores (existência ou não de créditos passíveis de amortização, entre outros). Por isso, não se pode, em abstrato, concluir que a sistemática de não-cumulatividade da COFINS é inconstitucional por violação ao princípio da capacidade contributiva.
Nesse sentido, o excerto do voto do Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, nos autos do julgamento do agravo de instrumento cuja ementa foi acima transcrita:
“(...) Também não se colhem, em primeira análise, as alegações de confisco e desrespeito aos princípios da eqüidade na forma de participação no custeio, da isonomia e da capacidade contributiva. A lei simplesmente determina, como esclarecido, a retenção, com possibilidade de compensação, como assegurado expressamente pelo artigo 36 da Lei no 10.883 e pelo artigo 5º da Instrução Normativa 381, de 30.12.03. Quanto à alíquota fixada (7,6% - art. 2º), bem como no que toca aos creditamentos admitidos para definição da base de cálculo (art. 3º), o legislador em princípio exerceu sua competência sem ofensa á Carta Magna. Para que reste caracterizada a ofensa ao princípio do não-confisco deve haver flagrante investida do Estado contra o patrimônio do contribuinte, sendo certo que a alíquota combatida incide sobre o faturamento e, ademais, ainda que elevada, não inviabiliza as atividades dos contribuintes. Por outro lado, a Constituição permite a diferenciação tanto da alíquota quanto da base de cálculo com base na atividade econômica do contribuinte (§ 9º do art. 195 da CF). Outrossim, o fato de as alterações não atingirem as pessoas tributadas pelo lucro presumido não demonstra, a primeira vista, tratamento discriminatório para aquelas tributadas pelo lucro real, até porque para algumas pessoas jurídicas a tributação pelo lucro presumido é faculdade (art. 516 do RIR/99 e art. 13 da Lei no 9.718, de 1998). Quanto às que devem necessariamente apurar o lucro real (art. 246 do RIR/99 e art. 14 da Lei no 9.718/98), a só existência de tal obrigação demonstra, a priori, a existência de fator de discrímen razoável, demonstrador de diferenciada capacidade contributiva. (....)”
Assim sendo, conclui-se que a alteração de sistemática na apuração do valor a ser recolhido a título de COFINS é perfeitamente constitucional, não obstante poder ser mais onerosa para alguns contribuintes.
Conclusões
O princípio da não-cumulatividade, previsto na Constituição Federal de 1988, como foi abordado neste estudo, serve como garantia ao contribuinte para que se evite a cobrança de “imposto sobre imposto”, sempre que o fato gerador estiver inserido dentro de uma cadeia produtiva. Não obstante ser uma técnica para apuração do tributo devido, não se pode olvidar que o mesmo também possui natureza

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