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INTRODUÇÃO Em certo momento da minha vida profissional, deparei-me com um jovem engenheiro recém-formado que estava no primeiro emprego, na verdade, um estágio. Um dia, depois de muitos esforços em prol de um detalhe simples que demandou muitas horas de atenção por parte da equipe do projeto, escutei o rapaz questionar que a vida de um profissional de gerenciamento de projetos era muito inconstante e sujeita a muitas variáveis. No primeiro momento, acreditei tratar-se da expressão do óbvio; afinal, se alguém havia escondido dele tal detalhe, caberia a mim demonstrar que isso era uma condição de muitas vidas profissionais: a instabilidade. Tamanha foi a minha surpresa quando esse mesmo indivíduo desejou que a vida profissional dele fosse mais estável. Aquilo martelou muito tempo na minha cabeça. Afinal de contas, quem possui uma vida estável no trabalho? Sem mencionar que uma vida estável pode consideravelmente levar à zona de conforto, ao sedentarismo, à desmotivação ou até mesmo à substituição de determinados cargos por máquinas. Se praticamente tudo o que a estabilidade traz é prejudicial, comecei a demonstrar para aquele estagiário exatamente o contrário, ou seja, o quão bom é um ambiente instável, pois o que importa é manter uma postura de busca por uma identidade cultural acerca da adaptabilidade à mudança e estar sempre disposto a abraçar desafios. O fato de viver em um ambiente em constante mudança pode ser extremamente gratificante, basta aprender a lidar com diferentes tipos de situações. Mais ainda, é possível que tenhamos de agradecer todos os dias pelo tipo de trabalho realizado, pois do contrário, muito provavelmente, já não seremos peças necessárias. O gerenciamento de projetos não é uma descoberta nem mesmo um modismo. Trata-se de um tema que muito se explora há décadas, cujas benesses da correta aplicação dos conceitos muitas organizações públicas, privadas ou do terceiro setor apenas recentemente começaram a perceber. Sempre que o assunto é visto de maneira ordenada e integrada, muitas são as possibilidades de desenvolver melhores produtos e serviços inerentes a um negócio, alinhando padrões internacionais de gestão com o fortalecimento de uma instituição, seja por demonstrar melhor cuidado com os processos ou por transparecer, por meio dos valores tangíveis e intangíveis, diferenciais competitivos. Exatamente por isso, muito se discute sobre como melhorar processos, estipular métricas, capacitar profissionais e otimizar entregas, entre outros detalhes que poderão trazer retornos rápidos, ou mesmo de longo prazo, para organizações que adotam tais práticas. O gerenciamento do escopo é somente a ponta desse iceberg, pois ele e os demais temas pertinentes ao projeto têm o dom de provocar uma verdadeira revolução na maneira como as organizações veem e são vistas, com influência imediata nas pessoas, que são a base de toda e qualquer estrutura. De nada serviria o trabalho do escopo, se não estivesse corretamente alinhado com o da qualidade, por exemplo. São irmãos separados no nascimento. Um depende, essencialmente, do outro. É por meio do gerenciamento da qualidade que busca-se agregar valor àquilo que está sendo gerado pelo time do projeto e melhorar a percepção de satisfação das principais partes interessadas, assim como vincular o resultado do projeto com os objetivos traçados por diretrizes estratégicas organizacionais. Segundo pesquisas atuais, as causas mais comuns de falhas em projetos em organizações mundo afora são: problemas de comunicação, escopo mal definido e escopo que sofre constante mudança. Ou seja, de todos os possíveis e imaginários problemas, o assunto escopo aparece por duas vezes nas três primeiras colocações, sendo que, se pararmos para avaliar um pouco mais de perto esses resultados, um escopo mal definido possui um enorme potencial para gerar problemas de comunicação. Em face dessa observação, surge uma questão sobre as respostas dos entrevistados: não estavam elas mais atentas às consequências dos problemas do que, talvez, às causas deles? Se essa teoria pudesse ser confirmada, potencialmente teríamos o escopo como gerador de dois dos principais problemas de falhas em projetos, apenas para nos atermos ao top 3. Curiosamente, a qualidade só é lembrada após menções de muitos outros tipos de problemas, como disputas de recursos, estimativas sem fundamento, riscos mal avaliados, atrasos de cronograma, entre outros. É verdade que nem toda organização possui algum tipo de mentalidade ou até mesmo um setor (quiçá profissionais específicos) voltados para processos de qualidade. Muitas acreditam que está tudo muito bem, obrigado e utilizam a máxima de que em time que está ganhando não se mexe. Exatamente por isso, é muito comum verem-se práticas de qualidade serem realizadas (quando realizadas) por profissionais que acumulam funções não originais de qualidade. A resposta para melhorar esses problemas – ou até solucioná-los, de uma vez por todas – está em uma correta atenção ao gerenciamento do escopo e da qualidade em projetos. Entretanto, esse assunto é muitas vezes negligenciado, seja por questões estratégicas em que prevaleça um determinado padrão, por exemplo, privilegiar o cumprimento de um cronograma em detrimento daquilo que se está entregando, seja até mesmo por desconhecimento técnico ou falta de estrutura/cultura organizacional. Este material é um compêndio para que profissionais da área de gerenciamento de projetos percebam cada vez mais a importância do gerenciamento do escopo e da qualidade em projetos, assim como as correlações destes com o trabalho dos demais temas que permeiam o gerenciamento de projetos. Dessa forma, o objetivo geral desta disciplina é apresentar os conceitos de escopo e de qualidade, tratando algumas peculiaridades, ferramentas, dicas, modelos e práticas, entre tudo o que mais possa ser útil para a melhor compreensão desses dois importantes tópicos. Além disso, demonstrar como ambos, escopo e qualidade em projetos, portam-se, oferecendo um grau de compreensão que produza efeitos imediatos de utilização do assunto estudado em organizações, em capacitação/motivação de indivíduos e grupos de pessoas, que adotem ou visem a adotar o gerenciamento profissional de projetos. Por sua vez, os objetivos específicos são: reconhecer os principais termos e as peculiaridades que envolvem o assunto escopo e qualidade em projetos; identificar todas as etapas do escopo e da qualidade em projetos, segundo modernas práticas internacionais reconhecidas pelo mercado; aplicar corretamente os processos do escopo e da qualidade ao longo de um projeto real, independentemente de porte ou segmento de mercado; demonstrar uma visão holística, percebendo a importância dos trabalhos do escopo e da qualidade em relação às demais temáticas de um projeto e elaborar, reconhecer e analisar, com visão crítica, os principais documentos relativos ao escopo e à qualidade em projetos. Visto isto, este material está organizado de tal forma que o módulo I, Introdução e conceitos fundamentais do escopo, apresenta o escopo como um dos assuntos mais nervais em um projeto, pois possui o dom de influenciar direta e indiretamente todo o trabalho da equipe do projeto. Exatamente por isso, é necessário conhecer os principais termos e peculiaridades demandados na condução de um bom trabalho de gerenciamento do escopo em projetos. O módulo se propõe a demonstrar, em um primeiro momento, como o termo escopo surgiu e amadureceu, passando a ser utilizado como fator crítico de sucesso em um modelo de gestão estratégica, de preferência vinculado aos objetivos de negócio de qualquer organização. Apresenta também todos os principais conceitos necessários à correta compreensão e à assimilação de um bom trabalho de gerenciamento do escopo em projetos. Na sequência, faz a conexão com os primeiros momentos do projeto, por meio do Termo de Aberturado Projeto, demonstrando como será o percurso a ser percorrido para o início dos trabalhos, visando aos esforços de um bom planejamento. Por sua vez, o módulo II, Introdução e conceitos fundamentais da qualidade, aborda a qualidade como um tema de suma importância em todos os setores e, para o gerenciamento profissional de projetos, não poderia ser diferente. O tema relaciona-se diretamente com todas as demais temáticas de um projeto e possui o poder de provocar potenciais impactos em muitos dos processos de tomada de decisão ao longo do ciclo de vida do projeto. Em função de melhorarmos a compreensão acerca do tema, serão apresentados os principais conceitos, iniciando por um breve relato histórico de como a sociedade moderna descobriu os benefícios da implementação da qualidade em produtos e serviços. Na sequência, trataremos de técnicas, métodos, ferramentas e outras opções, como rituais da qualidade, que possam ser rapidamente compreendidos – ou aperfeiçoados, caso o aluno já os conheça –, e implementados na prática com o mínimo de esforço, representando um benefício imediato de absorção dos ensinamentos do módulo, sempre com foco num trabalho cada vez melhor do gerenciamento da qualidade. Para começar a trabalhar o escopo, o módulo III, Planejamento do escopo: parte I, incorpora os conceitos primordiais de valor e o que isso representa para o desempenho dos trabalhos da equipe de um projeto. Em face dessa proposta, é importante que o time do escopo de um projeto domine esse conhecimento para que construa a documentação necessária que influenciará todo o planejamento e, consequentemente, todo o trabalho do projeto. As ações do planejamento de um projeto não se iniciam necessariamente com a definição do escopo, mas, a partir do momento em que passa a existir essa definição, todo o trabalho da equipe do projeto passa a ter outro significado. O planejamento do escopo, independentemente da abordagem selecionada para executar o projeto, é primordial para o encadeamento do restante dos esforços. No módulo, serão identificadas as regras para se trabalhar com um bom planejamento do escopo assim como dos requisitos de um projeto, pois buscaremos compreender como funcionam os trabalhos de elicitação (coleta), análise, organização, documentação e as respectivas importâncias para a saúde de um projeto. No módulo IV, Planejamento do escopo: parte II, com as regras do escopo já definidas, assim como as normas para o trabalho com os requisitos do projeto, o planejamento do escopo torna-se necessário em muitos níveis de atuação, desde os mais estratégicos até os com necessidade de ajustes mais prementes, com intervalos diários. Com a proposta de dar subsídios à equipe do projeto no intuito de que não existam dúvidas do que será realizado e de como será realizado para que seja feita a entrega do produto, serviço ou resultado desejado ao cliente ou usuário final, a documentação do planejamento será complementada e atualizada com importantes informações sobre o escopo. A equipe do projeto passa a ter, então, conhecimento explícito e detalhado do escopo do projeto/produto, representado por uma linha de base do escopo. Faz-se mister definir como as entregas serão subdivididas em componentes gerenciáveis, os quais, pela sua vez, poderão ser melhor estimados, mensurados, monitorados e, caso necessitem, controlados. Todo bom trabalho começa com um planejamento bem feito. Com a qualidade não poderia ser diferente. No módulo V, Planejamento da qualidade, veremos como as informações provenientes do planejamento do escopo, mesmo que ainda incompleto, habilitam os primeiros trabalhos de planejamento da qualidade. É necessário reunir um conjunto de informações que guiam o trabalho da qualidade ao longo de todo o projeto, com o foco principal na definição de todos os parâmetros para acompanhar as condições (físicas, técnicas e estratégicas) do produto, serviço ou resultado que estará sendo gerado pela equipe do projeto, de maneira objetiva, ou seja, passível de verificação e controle. O planejamento da qualidade é fundamental para explicitar políticas, diretrizes, modelos e objetivos da qualidade, desenvolver métricas e estabelecer padrões. Planejar a qualidade é uma ação que, dependendo do tipo de abordagem destinada ao projeto, pode ser realizada em um único momento ou em momentos pré-estabelecidos. Veremos as melhores opções para cada tipo de abordagem. Em seguida, o módulo VI, Acompanhamento, validação dos requisitos, aceitação das entregas e controle do escopo, mostra como, a priori, o objetivo de um bom planejamento do escopo é conseguir que as entregas sejam todas aceitas no formato originalmente previsto. Esta é a meta máxima de toda a equipe do escopo: conseguir que todos os requisitos tenham as suas precisões confirmadas e as entregas possam ser realizadas tranquilamente. Trata-se de um trabalho realizado não somente pelas equipes do escopo mas também com valiosas contribuições dos times da qualidade. Quando o time do escopo consegue formalizar uma entrega aceita, isso significa um trabalho a menos para a equipe do projeto e também sinaliza que a direção para a concretização do resultado esperado é cada vez mais curta. Obviamente, todo projeto é um carrossel de emoções e sofre a influência de um turbilhão de variáveis, internas e externas, sem mencionar constantes interferências de algumas partes interessadas. Exatamente em função disso, é necessário um trabalho atento de gerenciamento de possíveis alterações na linha de base do escopo. Caso ocorra uma solicitação de mudança, há que se realizar um trabalho de controle integrado de ações, minimizando problemas e conduzindo o resultado do projeto sempre alinhado com os objetivos estratégicos organizacionais e as necessidades do negócio. E, por fim, no módulo VII, Gerenciamento e controle da qualidade, veremos que gerenciar a qualidade é colocar em prática tudo o que foi discriminado pelo Plano de Gerenciamento da Qualidade, aumentando a probabilidade de cumprir os objetivos da qualidade, assim como mapear problemas/defeitos de desenvolvimento ou processos ineficazes, transmitindo o status da qualidade para as principais partes interessadas, sempre que necessário. Já o trabalho de controle da qualidade demanda monitorar e documentar os resultados dessa execução, avaliando o desempenho do trabalho da qualidade como um todo e garantindo que as entregas do projeto sejam plenas, próximas da perfeição (ou dentro de um limite de tolerância, conforme o planejamento da qualidade) e, efetivamente, atendam às necessidades/oportunidades que motivaram as razões do projeto. Para isso, serão descritas todas as etapas para um correto trabalho do gerenciamento do escopo e da qualidade em um projeto, assim como serão demonstrados modelos de artefatos (incluindo templates e dicas), técnicas, boas práticas, frameworks e ferramentas, que poderão auxiliar o trabalho de qualquer profissional na utópica busca pela perfeição, desenvolvendo competências, objetivando um trabalho de melhoria contínua de processos e a entrega de constante valor percebido por parte das principais partes interessadas do projeto, notadamente, patrocinadores e clientes/usuários finais. Por fim, lembre-se de que sempre é possível trabalhar uma gestão decorrente de um ambiente com muita instabilidade. Boa leitura! SUMÁRIO MÓDULO I – INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO ESCOPO ...................................... 11 CONCEITO HISTÓRICO .................................................................................................................... 11 ESCOPO E OS CICLOS DE VIDA DE UM PROJETO ......................................................................... 13 CONCEITOS IMPORTANTES: VISÃO DO PRODUTO (OU DO SERVIÇO), FUNCIONALIDADES, CRITÉRIOS DE ACEITAÇÃO E CRITÉRIOS DE VALIDAÇÃO ............................................................. 17 DIFERENÇA ENTRE ESCOPO DO PROJETOE ESCOPO DO PRODUTO ........................................ 22 TERMO DE ABERTURA DO PROJETO E PROCESSOS DE GERENCIAMENTO DO ESCOPO ............. 23 RETROSPECTIVA DO MÓDULO ....................................................................................................... 26 MÓDULO II – INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA QUALIDADE .............................. 27 CONCEITO HISTÓRICO .................................................................................................................... 27 QUALIDADE, PROCESSOS E A RELAÇÃO COM PRODUTIVIDADE, EFICIÊNCIA E EFICÁCIA ...... 29 DEFEITOS, CUSTO DA NÃO QUALIDADE, DESPERDÍCIOS E A VISÃO DOS 3 MS ....................... 32 CUSTO DA QUALIDADE (CDQ) ........................................................................................................ 38 MELHORIA CONTÍNUA: PDCA, 5 WHYS E RETROSPECTIVAS ....................................................... 42 O FLUXO DO GERENCIAMENTO DA QUALIDADE ......................................................................... 45 RETROSPECTIVA DO MÓDULO ....................................................................................................... 47 MÓDULO III – PLANEJAMENTO DO ESCOPO: PARTE I ...................................................................... 49 VALOR ................................................................................................................................................ 49 REQUISITOS: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES ................................................................................ 52 COLETA DOS REQUISITOS ............................................................................................................... 54 ANÁLISE, ORGANIZAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS REQUISITOS .................................................. 57 DOCUMENTAÇÃO DOS REQUISITOS ............................................................................................. 60 RETROSPECTIVA DO MÓDULO ....................................................................................................... 64 MÓDULO IV – PLANEJAMENTO DO ESCOPO: PARTE II ..................................................................... 65 PLANEJAMENTO DO ESCOPO EM VÁRIOS NÍVEIS ........................................................................ 65 LINHA DE BASE DO ESCOPO ........................................................................................................... 68 ESTRUTURA ANALÍTICA DO PROJETO – EAP ................................................................................. 71 DICIONÁRIO DA EAP ........................................................................................................................ 77 SCOPE CREEP ...................................................................................................................................... 79 RETROSPECTIVA DO MÓDULO ....................................................................................................... 81 MÓDULO V – PLANEJAMENTO DA QUALIDADE ................................................................................ 83 OS TRÊS KS: KAIZEN, KAIKAKU E KAKUSHIN ..................................................................................... 84 PLANEJAMENTO DA QUALIDADE ................................................................................................... 90 DOCUMENTOS VINCULADOS AO PLANEJAMENTO DA QUALIDADE ......................................... 94 RETROSPECTIVA DO MÓDULO ....................................................................................................... 97 MÓDULO VI – ACOMPANHAMENTO, VALIDAÇÃO DOS REQUISITOS, ACEITAÇÃO DAS ENTREGAS E CONTROLE DO ESCOPO ................................................................................................................... 99 ACOMPANHAMENTO DO ESCOPO E VALIDAÇÃO DOS REQUISITOS ........................................ 99 ACEITAÇÃO DAS ENTREGAS ......................................................................................................... 104 CONTROLE DO ESCOPO ............................................................................................................... 105 RETROSPECTIVA DO MÓDULO .................................................................................................... 107 MÓDULO VII – GERENCIAMENTO E CONTROLE DA QUALIDADE .................................................. 109 GERENCIAMENTO DA QUALIDADE ............................................................................................. 110 Processos integrados e de melhoria contínua ................................................................. 110 Testes em todos os níveis .................................................................................................... 113 Estudos/Análises de causa e efeito (ou causa-raiz) .......................................................... 113 Inspeções ............................................................................................................................... 116 Cultura customer centric ....................................................................................................... 118 RELATÓRIO DE EXECUÇÃO DA QUALIDADE .............................................................................. 121 CONTROLE DA QUALIDADE E RELATÓRIO DO DESEMPENHO DO TRABALHO .................... 123 RETROSPECTIVA DO MÓDULO .................................................................................................... 128 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 130 PROFESSOR-AUTOR ........................................................................................................................... 136 Neste módulo, são apresentados os principais conceitos para a compreensão do trabalho de gerenciamento do escopo de um projeto. É traçado um cenário histórico para determinar como a fixação na busca pela definição de objetivos demonstra-se algo importante para as organizações e os indivíduos, notadamente os que desempenham funções relacionadas ao gerenciamento de projetos. Na sequência, são demonstradas algumas visões acerca de abordagens de trabalho com o escopo, as quais podem servir a diferentes tipos e tamanhos de projetos. Dentre elas, são exibidas a visão do Project Management Institute (PMI) sobre os diferentes tipos de ciclos de vida e como a percepção do triângulo das restrições se adapta de acordo com a utilização de diferentes abordagens. Além disso, os principais conceitos e respectivas importâncias para a compreensão do gerenciamento do escopo são apresentados, tais como: visão do produto; funcionalidade; diferença entre critério de aceitação e critério de validação; e, a diferença entre escopo do produto e escopo do projeto. Por fim, são ilustradas as principais etapas envolvidas no gerenciamento do escopo e a sua conexão com o momento do nascimento de um projeto, assim como as possíveis direções para a sequência natural dos trabalhos que visam a um correto gerenciamento do escopo de um projeto. Conceito histórico Gerenciar projetos é uma arte, muitas vezes silenciosa, que existe há décadas. Desde que os indivíduos começaram a perceber a importância de um método para o melhor encadeamento das ações de trabalho nas suas respectivas organizações, mais se pôde fazer em função dessa arte. Portanto, quando Peter Drucker, na década de 1950, disse “Lembre-me de um livro sobre a anatomia humana que discute apenas uma junta do corpo – o cotovelo, por exemplo – sem MÓDULO I – INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO ESCOPO 12 mencionar o braço e deixar de fora o esqueleto e a musculatura”. O hoje conhecido como o Pai da Administração Moderna demonstrava que nada se faz sem uma visão sistêmica de conjunto, de preferência, visando sempre a um mesmo objetivo. Com o mundo dos negóciosem ebulição, após um momento histórico vivido pelo período de duas grandes guerras mundiais, a transformação se inicia exatamente por meio de um questionamento muito simples, afinal de contas, precisa-se entender o que é, efetivamente, gerir alguma coisa. Foi exatamente nesse momento em que, ainda segundo Drucker (1954), nasceu o conceito de Administração por Objetivos (APO). A APO consiste em um método colaborativo entre líderes e liderados, com cada um entendendo perfeitamente o seu papel dentro do contexto organizacional, trabalhando para delimitarem juntos os objetivos que precisam ser alcançados. Há um planejamento; estipulam-se objetivos e são traçadas formas de monitoramento; responsabilidades são delegadas; e, constantemente, comparam-se os resultados em relação ao planejamento que havia sido previamente estabelecido, no sentido de gerar um senso de aferição de resultados. Também há necessidade de delimitar objetivos de curto (operacionais), médio (táticos) e longo (estratégicos) prazos. Não à toa, aproveitando o êxito da definição de APO, o conceito de gerenciamento de projetos nasceu nos Estados Unidos ao final dos anos 1950, quando inicialmente era aplicado apenas a análises de sistemas de informação e implantação de empreendimentos físicos, este último limitando-se aos componentes de engenharia. Os primeiros institutos em gerenciamento de projetos datam da década de 1960, e muitos deles foram lançar o que seria o início dos seus guias de boas práticas apenas nos anos 1980. Mesmo período em que George Doran (1981), aprimorando os trabalhos de Edwin Locke (1968), reconheceu que muitas organizações tentavam estipular metas/objetivos, mas muitas vezes estes eram estabelecidos de maneiras difusas. Objetivos não deveriam ser tratados como inarticulados – aqui, percebe-se uma pitada do conceito inicial de Drucker – em vez disso, deveriam ser tratados como mensuráveis, no intuito de alavancar o sucesso da organização. Então, uma melhor definição para o conceito de objetivo surgiu com a utilização do acrônimo SMART, que vem a ser: S de specific, (em português, específico); mensurável; atingível; relevante; e, com tempo limite. Ao adotar que um objetivo precisaria possuir todas essas cinco propriedades em conjunto, e não apenas uma ou outra, Doran conseguiu reforçar o modelo APO e solidificar o conceito do estabelecimento de metas/objetivos em muitas organizações, suportado por meio de uma técnica simples, e que ainda possui uma aplicabilidade bastante atual. Essa jornada histórica da busca pelo entendimento do que seria o objetivo de um projeto, idealizado por muitas décadas de erros e acertos, foi muito importante para que indivíduos pudessem reconhecer que o foco de um projeto nunca poderá ser negligenciado. Quanto mais se aprende e se compreende o objetivo a ser alcançado, maior é a chance de se conquistar o sucesso em uma empreitada. Junto a tudo isso, faz-se mister também destacar a evolução do movimento lean (gestão enxuta, em português), que vem a ser uma filosofia/metodologia centrada no cliente e utilizada para a melhoria contínua de qualquer processo por meio da eliminação de desperdícios em tudo o que 13 se faz. Os dois principais pilares do lean são o melhoramento incremental contínuo e o respeito pelas pessoas. Os princípios básicos trabalham com foco na entrega efetiva de valor ao cliente; respeito e engajamento das pessoas; melhora no fluxo de valor por meio da eliminação de todos os tipos de desperdício; manutenção do fluxo de trabalho; e, a busca da perfeição. Para que uma organização consiga atender a esses princípios, a transformação cultural é fundamental. Os líderes lean precisam influenciar diariamente os comportamentos dos indivíduos de uma organização para que a proliferação da adoção do mindset (modelo mental) seja eficaz. Hoje em dia, muito ainda se aprende com as definições dos objetivos de um projeto, e todas essas abordagens históricas podem auxiliar, em muito, diversos times de projetos. Contudo, a maneira mais simples de reconhecer o objetivo de um projeto é compreender qual é o seu escopo, que nada mais significa do que compreender o que precisa ser feito ou entregue pelo time do projeto. Para isso, precisa-se compreender um pouco mais a respeito de algumas nuances do termo escopo. Continuaremos exatamente nesse caminho para nos aprofundarmos em nossos estudos. Escopo e os ciclos de vida de um projeto De acordo com o PMI (2017b), existem quatro tipos de ciclos de vida de projeto. Isso significa que um time de projeto precisa ter conhecimento a respeito dessas variadas formas no intuito de selecionar uma abordagem condizente com as ações demandadas pelo produto, serviço ou pela condição que será gerada. Os tipos são: ciclo de vida preditivo – trata-se de processo sequencial. Talvez a abordagem mais tradicional de todas, com os esforços de planejamento ocorrendo em uma fase inicial do projeto. Depois, em uma única jornada, é realizada a execução; ciclo de vida iterativo – uma abordagem empírica, que permite, de tempos em tempos, algum tipo de retorno por parte dos principais stakeholders engajados no projeto. Os feedbacks são recebidos pelo time do projeto sobre trabalhos ainda não finalizados, no intuito de que se melhore o produto, o serviço ou a condição a ser gerada e de que se consiga adaptá-los antes da versão final ser efetivamente entregue; ciclo de vida incremental – uma abordagem escalonável que, em oportunidades pontuais ao longo do projeto, fornece versões do produto, do serviço ou da condição não finalizados, mas com possibilidade de utilização imediata, mesmo que não na sua capacidade plena; ciclo de vida ágil – junção das abordagens iterativa e incremental em um único tipo de ciclo de vida. Ao mesmo tempo que se permitem entregas constantes de versões de produtos, serviços ou condições com utilização imediata, os feedbacks também são frequentes, no intuito de que se aprenda com a versão disponibilizada, para que ela seja analisada e melhorada. 14 Figura 1 – Continuidade dos ciclos de vida Fonte: adaptado de PMI (2017b). Nenhum ciclo de vida será perfeito para todos os tipos de projeto. Contudo, cada time deve encontrar um ponto de continuidade para prover equilíbrio nas ações demandadas ao trabalho do projeto, dependendo do contexto. Em ciclos preditivos, existe a vantagem de se trabalhar em um ambiente com baixo grau de incertezas e complexidade, permitindo poucas mudanças e poucas entregas intermediárias – às vezes, nenhuma – adotando um sequenciamento previsível de ações. No ciclo iterativo, há possibilidade de feedbacks sobre trabalhos parcialmente concluídos, visando à melhoria contínua e a modificações constantes, amenizando incertezas ou erros naturais decorrentes de um planejamento incompleto ou incorreto, por exemplo. Já no ciclo de vida incremental, o foco encontra-se nas entregas potencialmente escalonáveis, com o cliente ou o usuário final tendo a possibilidade de aproveitamento imediato do produto, serviço ou condição, entregue em uma versão inacabada. Testes e ajustes são praticamente imediatos. Por fim, o ciclo de vida ágil adota as características dos dois últimos ao mesmo tempo. Como frequentemente entregará versões parciais e receberá feedbacks, há emprego de conceitos, como transparência de processos, confiança e engajamento entre time do projeto e cliente, ou usuário final, adotando o foco de priorização das funcionalidades (veja o significado desse conceito no próximo capítulo) mais importantes, as quais geram mais valor às principais partes envolvidas. 15 O grande argumento para a utilização desse tipo de ciclo de vida reside na questão estratégica, pois a visualização do return on investment (ROI) (retorno sobre o investimento, em português) será mais cedo do que em outros ciclos de vida, facilitando processos de tomada de decisão. Por fim, como o gerenciamentode projetos dificilmente é tratado como uma ciência exata, haja vista as múltiplas variáveis no momento do desenvolvimento de um produto, serviço ou condição, o PMI (2017b) também determina que não há necessidade de utilização de um único tipo de ciclo de vida durante todo o projeto. É, sim, possível a combinação de elementos de abordagens distintas no intuito da criação do que é hoje conhecido como abordagem híbrida. E como o escopo se posiciona em relação a tudo isso? Para as modernas técnicas de gerenciamento de projetos, mais que desempenhar atividades distribuídas por processos sistêmicos, o verdadeiro sentido de gerenciar um projeto reside em encontrar a solução para uma necessidade, gerar uma nova ideia ou até mesmo aproveitar uma oportunidade. A entrega precisa ser realizada, não mais com foco em planejamentos restritos mas com grau de adaptabilidade satisfatório para continuamente reconhecer onde e quando entregar valor, que precisa ser percebido pelo cliente ou usuário final. Esse é talvez o maior desafio de todo o projeto, afinal de contas, a percepção desses stakeholders em relação ao que está sendo gerado pode variar ao longo do projeto, principalmente com um produto, um serviço ou uma condição ganhando forma, e novas ideias amadurecendo o processo de concepção. Digamos, por exemplo, que um determinado cliente tenha solicitado a criação de um novo tipo de caneta esferográfica. Como principais solicitações, determinou as características quanto ao peso, ao tipo de material, às medidas, à cor etc. Porém, quando solicitou o produto, no primeiro momento, ele também possuía o desejo de que a caneta tivesse uma luz fraca intermitente que seria emitida no momento em que ela estivesse em utilização. Ora, não podemos esquecer que a função primária de negócio detectada no desenvolvimento desse produto (caneta) seria escrever em superfícies de papel e, que a função secundária, ou com menor proposta de entrega de valor, seria a existência de uma espécie de luz intermitente. A partir do momento em que as entregas constantes começam a ocorrer, e a caneta, mesmo ainda não totalmente pronta, começa a receber as principais características que a habilitam a desempenhar os objetivos (funções de negócio), não é difícil um cliente abdicar de determinadas condições por já verificar que a principal funcionalidade desejada para o produto está performando conforme o desejado. Portanto, é plenamente possível que, em determinado momento do projeto, esse cliente desista da ideia da luz intermitente para economizar no prazo e, quiçá, nos custos do projeto, pois o valor do produto entregue já foi percebido, sem a necessidade de complementação futura. O escopo, então, não é tratado como fixo mas como variável ou estimado. A próxima figura demonstra que, com a utilização de parâmetros de fixação de escopo (triângulo da esquerda), o processo de gestão deve focar a variação dos controles de custos e de cronograma – tempo – para que essa flutuabilidade permita entregar aquilo que foi efetivamente solicitado, da maneira como foi solicitado. É comum, em determinados segmentos, escutar que o 16 ideal para um projeto é entregar apenas o que foi solicitado, nada a mais nem a menos. Já com a proposta de entrega de valor observada na estratégia de condução do projeto (triângulo da direita), o foco então passa a ser outro, e isso permite que, dessa vez, o escopo flutue, deixando as restrições para as áreas de custos e de cronograma. Figura 2 – Triângulo invertido das restrições Fonte: adaptado de SERPA (2016). É possível afirmar que desenvolver bons produtos ou serviços demanda tempo, consome dinheiro e necessita de equipes especializadas para cada etapa da produção. Com o objetivo definido de entregar um produto final que gere valor para o cliente ou usuário final, a tendência é que as principais partes interessadas fiquem satisfeitas. Já em uma proposta de limitação de cronograma, por exemplo, um time poderá dizer que em dois meses entregará um determinado produto de uma determinada maneira. O trabalho de evolução desse produto será constantemente monitorado e controlado, significando que o escopo poderá adaptar-se às muitas variáveis do projeto, e o que tiver sido desenvolvido durante um timebox de dois meses será então o resultado final do projeto. É comum escutar nas organizações termos que retratam essas condições demonstradas pelo triângulo invertido de uma maneira ligeiramente diferente. Alguns preferem chamar de escopo fechado, quando a proposta é priorizar o planejamento. Ao contrário, quando o escopo demonstra- se voltado para a proposta de entrega de valor, comumente, escuta-se o termo escopo aberto. Independentemente da maneira como se denominam as diferentes abordagens em cada organização, o importante é sempre conseguir identificar como é tratado o assunto escopo dentro da estratégia de condução de cada projeto. Como pudemos perceber, ambas as possibilidades são boas e têm o potencial de trazer os resultados esperados, sendo que a opção por uma das duas será em função da estratégia de condução do projeto e da correta avaliação em relação ao ciclo de vida mais recomendado a ser adotado – preditivo, iterativo, incremental, ágil ou híbrido –, de preferência alinhada com as estratégias organizacionais do ambiente no qual o projeto está sendo gerado. 17 O que não pode acontecer é tentar desenvolver um produto, um serviço ou uma condição sem a utilização de uma metodologia aderente às necessidades de execução dos processos inerentes à condução do projeto e do modus operandi do time. Afinal, qualquer método, ou framework, é melhor do que método algum, principalmente quando falamos de algo que consome recursos, tempo, energia e dedicação de tantas pessoas. É muito importante escolher um método de trabalho apropriado, que faça sentido para o seu projeto e possua a força necessária para a produção do desempenho esperado. Conceitos importantes: visão do produto (ou do serviço), funcionalidades, critérios de aceitação e critérios de validação A grande beleza do gerenciamento profissional de projetos é não se prender a modelos específicos e permitir que organizações e equipes fiquem sempre à vontade para adaptarem o que for necessário para as próprias necessidades (ou necessidades do projeto em si), independentemente de porte ou de tipo. Atualmente, muito do que é tratado como métodos ou frameworks aplicáveis em diversos segmentos de mercado, como indústria, construção civil, saúde, grandes eventos, entre muitos outros, foi concebido nos trabalhos de engenharia de software. Afinal de contas, comumente, esse segmento lida com projetos de altíssimo grau de complexidade, processos pesados, apoiados pela integração de muitas ferramentas e técnicas específicas. É também verdade que, nem sempre, outros setores tiveram a necessidade de administrar os trabalhos por meio de um gerenciamento profissional de projetos (raras exceções, apenas para citar um exemplo do passado, alguns projetos militares). Com a natural popularização do gerenciamento de projetos, muito do que se vê hoje é derivado desses primeiros esforços da área de tecnologia da informação. No entanto, as versões adaptadas de métodos e frameworks estão, muitas delas, plenamente alinhadas aos novos segmentos, desvinculando-se daquela linguagem técnica de software que dominou e caracterizou o mercado durante muitos anos. A questão atual, no entanto, é apenas uma: um bom trabalho do gerenciamento do escopo inicia com um trabalho de qualidade no que tange à definição da visão do produto. Não há necessidade de se compreender perfeitamente o escopo do produto no início do projeto, mas aquilo que ele pretende ser (ou, de preferência, resolver), sendo que as técnicas para a geração da visão do produto permitem compreender melhor a razão de existir da necessidade ou da oportunidade que gerou a ideia do projeto em si. Cruz (2015, p. 68) propõeuma pergunta inicial de grande relevância para que a definição da visão do produto não se perca ao longo dos trabalhos da equipe do projeto: “Como podemos transformar a visão do produto em um produto real da melhor maneira possível?”. Aliadas a tal desafio, muitas técnicas associadas a métodos de design thinking, por exemplo, podem auxiliar o 18 desenvolvimento da visão do produto. São cada vez mais frequentes, equipes debruçando-se em trabalhos de criação de personas, jornadas de usuário, mapas de empatia, técnicas de pitch, épicos e histórias de usuário (epics e user stories), storyboard, prototipagem e análise SWOT (para melhor compreender a estratégia do produto), dentre muitas infinidades possíveis. A intenção não é destrinchar todas elas, mas demonstrar a essência do que seria um correto trabalho de definição de visão do produto. Segundo o Chaos Report (STANDISH GROUP, 2018, on-line), relatório que realiza um trabalho de pesquisa consistente com o foco em taxas de sucesso/falha em projetos, define-se que uma visão do produto simples auxilia na entrega de um escopo, pela sua vez, também simples. Uma pergunta comumente realizada é “[...] com que frequência você [ usuário ] realmente utiliza [ um determinado recurso ] de [ um determinado produto ]?”. O resultado é simplesmente assustador, pois 50% dos entrevistados dizem quase nunca, 30% dizem pouco frequente e apenas 20% frequentemente. Ou seja, muito se gasta em termos de tempo e de esforços para a realização de determinados detalhes que dificilmente serão notados, quiçá utilizados, em diversos produtos. Na prática, tais informações poderiam ser utilizadas para evitar custos e melhorar a produtividade da equipe do projeto, pois quanto maiores forem os objetivos atrelados ao produto, maior será o grau de complexidade da sua realização, com possibilidade alta de incorrerem variáveis não antevistas, aumentando significativamente o número de potenciais riscos. Para isso, vamos conhecer técnicas simples de definição de uma visão de produto (ou de serviço) que poderão ser adaptadas a qualquer projeto, como a técnica utilizada pelo modelo lean, desenvolvida por Moore (1999). Figura 3 – Visão de produto lean Para [ cliente / usuário final ] que [ problema que precisa ser resolvido ]. O / A [ nome do produto/serviço ] é [ tipo ou categoria de produto/serviço ] que [ benefício-chave/razão para ser criado ] diferente de/da [ situação atual ], pois nosso produto/serviço terá [ diferenças-chaves ]. Fonte: adaptado de MOORE (1999). Um exemplo prático é o que aconteceu em uma empresa do setor de energia, que, por meio do recém-criado departamento de inovação, realizou uma pesquisa anônima com uma parcela significativa de funcionários e pode constatar que as chefias médias da organização tinham por hábito, 19 por diferentes motivos (insegurança, cultura organizacional, falta de incentivo etc.), vetar sumariamente iniciativas oriundas de ideias de funcionários. Portanto, surgiu o conceito de uma caixa de sugestões, carinhosamente apelidada de caixa de ideias, anônima, a qual viria a ser posicionada em locais de passagem, considerados como estratégicos. A visão do produto ficou então assim: Figura 4 – Visão de produto do projeto Caixa de Ideias Para [ qualquer colaborador da empresa XPTO ] Que [ não consegue se fazer ouvir por sua chefia ]. A [ caixa de ideias ] é [ um depositário para sugestões anônimas ] que [ serão avaliadas pelos integrantes da área de inovação ] diferente da [ barreira criada por chefes muito ocupados ], pois nosso produto/serviço terá [ a possibilidade de implementação de boas ideias que servirão para uma melhor qualidade de trabalho a todos, ou ao menos para uma grande parcela de nossos colaboradores ]. Fonte: elaborada pelo autor. A caixa de ideias foi o primeiro projeto da nova área de inovação da empresa. Um setor que começou com uma pessoa (a famosa EUquipe) e, até a última vez que se teve conhecimento, já contava com um grupo de sete pessoas. O projeto da caixa de ideias foi um verdadeiro sucesso, apesar de ter sido algo que, inicialmente, gerou uma grande desconfiança. Isso era algo esperado, haja vista o tipo de cultura organizacional existente, a qual precisava sofrer algum tipo de provocação. A partir do momento em que as primeiras ideias começaram a surgir e a área de inovação começou a dar retorno sobre as iniciativas, o burburinho cresceu, propiciando muitas novas ideias. O curioso é que, na maioria das vezes, as sugestões requeriam implementações simples (projetos de reciclagem, dressing code para o período de verão, banheiros para visitantes com música ambiente etc.) e com alto impacto; em outras, requeriam apenas alguns ajustes de situações já existentes, como a extensão do horário de funcionamento da cantina. Ou seja, a caixa de ideias foi somente o projeto precursor de muitas outras boas ideias que auxiliaram a disseminar uma melhor qualidade do ambiente de trabalho, muitas gerando efeitos imediatos, com baixo custo (ou quase nenhum) de implementação e ainda promovendo mudanças positivas na cultura organizacional. Outra técnica que auxilia a caracterização de uma boa visão do produto, a qual permite um melhor grau de compreensão de futuras condições que o produto, o serviço ou o resultado a ser gerado precisará ter para que a solução possa ser implementada, está em uma das fases de 20 desenvolvimento da visão do produto, demonstrada pela metodologia lean inception (CAROLLI, 2015), sendo denominada É / NÃO É / FAZ / NÃO FAZ. De maneira colaborativa, de preferência após a equipe do projeto já possuir algum grau de compreensão acerca do que precisa ser realizado pelo projeto (aqui cabe um aparte, pois as duas técnicas – de Moore e de Carolli – trabalham muito bem quando complementadas, em que esforços somados auxiliam em uma melhor percepção do produto ou serviço), utiliza-se um quadro branco ou folha de papel para que a equipe possa responder às seguintes perguntas: Figura 5 – Técnica É / NÃO É / FAZ / NÃO FAZ O que o produto/serviço É? O que o produto/serviço NÃO É? O que o produto/serviço FAZ? O que o produto/serviço NÃO FAZ? Fonte: adaptado de CAROLLI (2015). Em termos práticos, vamos utilizar o mesmo exemplo do projeto caixa de ideias, para que sejam preenchidas as informações apresentadas por essa nova técnica. Poderíamos dizer que a caixa de ideias é um artefato de madeira, fechada por meio de um cadeado, que pode ser pendurada por meio de ganchos em uma parede, com pequenas dimensões suficientes para comportar uma quantidade significativa de sugestões/ideias, semelhante a uma urna, na qual haverá um orifício para serem depositadas as sugestões/ideias, de preferência com uma caneta (ou algo do gênero) e pedaços de papel disponíveis em conjunto, para imediata utilização. Pode não ser o melhor formato possível para a implementação do produto em si, mas o que importa nessa técnica é permitir que outras pessoas compartilhem a visão de produto (aquilo que o produto precisa parecer, mesmo que seja apenas a sua primeira versão), para que haja um consenso naquilo que precisa ser realizado no sentido de o produto ganhar vida. Por sua vez, a caixa de ideias não é um depositório para reclamações, não é um depositório para lixo, não é uma brincadeira e não é uma atitude para constranger pessoas, pois trata-se de um movimento voluntário. A partir dessas novas definições que representam o seu não escopo, a caixa de ideias pode ser melhor compreendida. Ela precisará demonstrar, pela forma ou por meio de alguma(s) ferramenta(s) de comunicação/conscientização, o verdadeiro propósito, assim como os limites de utilização, evitando assim interpretações equivocadas sobre o conceito do produto. Ao avaliar seus objetivos, define-se que a caixa de ideias faz o recolhimento de sugestões/ideias de todos os colaboradores que desejarem compartilhar sugestões/ideiase que, por qualquer razão, sentiam-se constrangidos para fazê-lo. Além disso, o artefato permite que tais sugestões/ideias possam ser apresentadas de uma maneira simples, anônima e sem necessidade de justificativas grandiosas, facilitando a perpetuação de 21 percepções de melhoria que, potencialmente, poderão ser realizadas em qualquer ambiente da empresa. A documentação das ideias recebidas ou as futuras análises e a divulgação (transparência) de resultados seriam detalhes da operação por trás da ideia do produto, cujo detalhamento não vem ao caso neste momento. No entanto, por já ter participado da implementação de dezenas de produtos/serviços por meio desse tipo de técnica de visão do produto, sugerimos que, durante o momento colaborativo de preenchimento dessas respostas, não se deva excluir nada e os registros de quaisquer insights, mesmo que não convenientes no momento, sejam realizados. Uma boa opção é registrar os trabalhos, por meio de uma gravação de áudio, por exemplo. São detalhes que poderão ser úteis no futuro. O que a caixa de ideias não faz poderia ser algo, como: não se responsabiliza pela implementação da ideia apresentada (há necessidade de uma avaliação posterior). Pronto! Mesmo tendo uma boa visualização do que poderia ter sido a visão do produto com a utilização do modelo lean, o trabalho da equipe foi complementado por meio dessa segunda técnica, e as chances de sucesso da idealização do futuro produto aumentaram consideravelmente, pois o grau de percepção acerca do que ele deverá ser também foi, consideravelmente, aumentado. Por fim, resta dizer que, por se tratar de um trabalho colaborativo, é importante que seja realizado em condições prazerosas, para que a equipe do projeto possa fazer fluir a criatividade e o pensamento crítico, não se privando de demonstrar qualquer viés que possa ser transformado em um insight ou, ao mesmo tempo, ser registrado como um potencial item/problema/impedimento a ser observado e, posteriormente, avaliado. Quanto mais tempo a equipe dispuser para descrever tais detalhes, mais rica será a visão do produto. Outro termo muito comum no momento de conduzir o trabalho do escopo ao longo de um projeto é funcionalidade. Uma funcionalidade é algo passível de execução, ou seja, algo definido como um comportamento ou até mesmo uma ação, delimitado por um período (caixa) de tempo – timebox –, presumindo que exista um momento de início para a sua execução e um momento de fim, claramente definidos. As funcionalidades são definidas junto com a definição do escopo do produto e do escopo do projeto, assunto que será estudado logo a seguir, na próxima unidade. É desejável que sejam criadas por meio da junção de um verbo e de um substantivo. É um trabalho que exige do time do projeto um grau de atenção redobrado, pois um início mal estruturado poderá ser desastroso quando o projeto evoluir e as implicações de um trabalho do escopo desestruturado começarem a influenciar os trabalhos das demais temáticas de um projeto, por exemplo, cronograma, recursos, qualidade etc. Naturalmente, como trabalharemos os assuntos do escopo e da qualidade ao longo da disciplina, cabe aqui um aparte para diferenciar dois conceitos que são comumente confundidos e que são também considerados de extrema importância para o sucesso do projeto: critério de validação e critério de aceitação. O primeiro trata de garantir que a condição ou a característica desejada seja efetivamente cumprida (um trabalho realizado pelo time de qualidade do projeto); o segundo trata de realizar a formalização da entrega do produto – ou parte do produto, do serviço 22 ou da condição –, também conhecido como handover, que, pela sua vez, é função do time de escopo do projeto. Aqui pode-se perceber a forte dependência em relação aos trabalhos do escopo e da qualidade, pois, enquanto um atesta a veracidade ou a precisão das funcionalidades, o outro recebe essas informações e promove, essencialmente, a entrega dessas funcionalidades. Em termos práticos, e de uma maneira bem simples, digamos que um determinado projeto seja construir uma ponte com 5 metros de comprimento, 2 metros de altura, além de dois pilares de sustentação. Como validar que a ponte, após pronta, possua realmente 5 metros de comprimento? Existem diversas maneiras de se fazer isso, desde processos simples e com baixíssimo grau de exatidão, como técnicas de observação, ou processos mais complexos e com elevados graus de exatidão, como medições com instrumentos aferidores e de precisão. A questão não é fazer juízo de valor se o critério de validação é bom ou ruim, mas que exista um ou mais critérios, conforme as múltiplas variáveis vinculadas ao projeto permitirem. Logicamente, quanto mais preciso(s) e objetivo(s) for(em) o(s) critério(s), maiores as chances de garantir que o produto foi desenvolvido conforme as orientações desejadas. Além disso, como ter certeza de que os 5 metros de comprimento foram aceitos pelo cliente do projeto e que o time do projeto não precisa – em tese – preocupar-se mais com esse detalhe? É necessário, por exemplo, que haja uma lista de verificação de características do produto e o cliente chancele de tempos em tempos os avanços das entregas. O de acordo ou a ciência explícita do cliente em relação às entregas do projeto são considerados critérios de aceitação. Ferramentas como relatórios de inspeção são bem eficazes nesse momento. Os critérios de aceitação podem ser estipulados para entregas intermediárias, mas o mais famoso de todos é, sem dúvidas, o Termo de Encerramento do Projeto (TEP), em que ocorre a entrega final do produto, do serviço ou da condição gerados. Diferença entre escopo do projeto e escopo do produto Segundo o PMI (2017a), o termo escopo pode ser utilizado, no contexto do gerenciamento de projetos, de duas maneiras: escopo do produto – os recursos e as funções que caracterizam um produto, serviço ou resultado (condição); escopo do projeto – o trabalho realizado para entregar um produto, serviço ou resultado (condição) com os recursos e as funções especificados pelo escopo do produto. Em termos mais simples, para cumprir o escopo do produto, o time do projeto precisa compreender o que se pede para ser desenvolvido ou gerado e precisa caracterizar corretamente as propriedades, no intuito de entregar uma versão final, de acordo com o que é esperado pelo cliente do projeto ou pelo usuário final, conforme definido (ou a ser definido) no momento da visão do 23 produto. Já em relação ao escopo do projeto, depois de o time conseguir compreender o que precisa ser gerado, agora é o momento de definir como isso será gerado. É necessário definir as atividades de planejamento e de gerenciamento que garantam a realização – e não mais a definição – da entrega. Na prática, como perceber melhor essa diferença? Vamos utilizar como exemplo um projeto fictício de lançamento de um curso on-line de gerenciamento de projetos. O escopo do produto seria definir as características do curso, como carga horária, conteúdo e tipo de plataforma virtual a ser adotado, dentre outras características. Já o escopo do projeto seria definir como conseguir as licenças necessárias para registrar o curso em órgãos competentes, contratar mão de obra, alugar servidores de internet etc. Apenas para corroborar alguns ensinamentos da unidade anterior, algumas funcionalidades possíveis seriam: desenvolver conteúdo, estruturar trilha do curso e definir pré-requisitos para participação. Em determinados momentos, pode haver uma confusão natural entre os dois termos. Isso ocorre quando o escopo do projeto é visto como incluindo o escopo do produto na sua definição de trabalho. Não é uma prática proibida, mas é sempre importante o time do projeto compreender como lidar com determinadas caracterizações do escopo, no intuito de não ocorrerem problemas de interpretação desses conceitos durante o andamentodo projeto. Termo de abertura do projeto e processos de gerenciamento do escopo O gerenciamento do escopo possui influência direta no sucesso – assim como no fracasso – de um projeto. Exatamente por isso, costuma ser um dos temas mais explorados na metodologia proposta pelo PMI. Um escopo precisa ser extremamente bem definido e, mais ainda, bem controlado. Todo o restante do projeto depende disso. O gerenciamento do escopo possui o dom de potencialmente influenciar todos os demais temas pertinentes a um projeto, seja uma questão relacionada a budget ou a trabalhos que visam à manutenção e à melhoria da qualidade de processos organizacionais internos, por exemplo. Sendo assim, um correto gerenciamento do escopo é visto como fator crítico de sucesso e visa a garantir que o time do projeto realize todo o trabalho requerido no intuito de assegurar a fiel entrega de todos os objetivos do projeto, da melhor maneira possível, de preferência com reconhecimento de valor junto às principais partes envolvidas. No entanto, antes mesmo de a área de escopo iniciar propriamente os trabalhos, o time do projeto já arregaçou as mangas e providencia detalhes que serão importantes para o futuro do trabalho. De acordo com o PMI (2017a), todo projeto inicia formalmente os trabalhos após a aprovação de um Termo de Abertura do Projeto (TAP). 24 Os projetos são iniciados por uma entidade externa ao projeto, tais como um patrocinador, programa, escritório de gerenciamento de projetos (EGP) ou dirigente do órgão diretivo do portfólio ou o seu representante autorizado. O responsável pela iniciação do projeto ou patrocinador do projeto deve estar em um nível apropriado para captar o financiamento e dedicar recursos para o projeto (PMI, 2017a, p. 113). Sugerido como primeiro documento do projeto, o TAP (ou qualquer outro documento que possa substituir essa função, por exemplo, um sumário executivo) representa o esforço inicial do time do projeto – o qual, provavelmente, ainda não estará plenamente definido – para depositar todas as informações possíveis, e passíveis de serem transmitidas, a respeito do projeto, de maneira sumarizada, por meio de um documento de autorização formal. Além disso, o documento deve chancelar a autoridade do gerente de projeto selecionado para liderar as ações, definindo o seu grau de autonomia, para que ele tenha toda a autoridade necessária para aplicar os recursos organizacionais em prol do trabalho do projeto. É altamente recomendado que o TAP também demonstre o grau de compromisso da organização com o trabalho que será desempenhado. Além disso, existe vida antes do projeto. Esforços já foram cometidos no sentido de avaliar cenários, pesquisar mercados, realizar estudos de viabilidade e o que mais for necessário para minimizar surpresas após uma implementação formal de um projeto. Tudo o que é realizado antes do projeto e que se relacione com o escopo que será gerado transforma-se em informação para auxiliar no início dos trabalhos. Na maioria das vezes, o TAP vem recheado de anexos contendo valiosos documentos pré-projeto, como pesquisas de mercado ou estudos de viabilidade técnica. Dependendo do grau de importância e de investimento do projeto, entre outros fatores, é comum por exemplo, a realização de pré-projetos ou projetos-base para investigar melhor possíveis condições futuras. É de bom tom que o TAP seja aprovado pelo patrocinador do projeto e, mesmo que não exista um formato ou template específico para confeccioná-lo, deve haver muita atenção no momento de gerar essa importante etapa. O PMI (2017a, p. 117) preconiza que “[...] ele documenta informações de alto nível sobre o projeto e sobre o produto, serviço ou resultado que o projeto deve satisfazer” e, exatamente por causa disso, possui a capacidade de garantir um grau ótimo de entendimento comum aos principais stakeholders, descrevendo quais são as entregas e os marcos mais importantes, além de clarificar a visão do produto – que será melhorada quando o time de escopo do projeto der sequência aos trabalhos –, do serviço ou da condição que será gerada; sendo uma importante fonte de informações para um futuro trabalho de especificação do escopo. Segundo Massari (2016), da mesma maneira que um TAP serve para definir a visão de um produto e formalizar o início dos trabalhos com foco em um planejamento mais detalhado, muitas outras técnicas podem ser utilizadas, por exemplo: inception enxuta, tweet charter, vision box, project model canvas, press release, elevator statement ou exploração 360º. 25 Já em relação ao conteúdo de um TAP, o quadro 1 descreve o que é desejado e, se for o caso, não somente isso, mas quaisquer outros detalhes que forem julgados pertinentes pelo responsável na elaboração desse artefato. Quadro 1 – Informações de alto nível requeridas em um TAP finalidade do projeto; objetivos mensuráveis do projeto e critérios de sucesso relacionados; requisitos de alto nível; descrição de alto nível do projeto, os seus limites e entregas-chave; risco geral do projeto; resumo do cronograma de marcos; recursos financeiros pré-aprovados; lista das partes interessadas chave; requisitos para aprovação do projeto (ou seja, o que constitui o sucesso do projeto, quem decide se o projeto é bem-sucedido e quem autoriza o encerramento do projeto); critérios de término do projeto (ou seja, quais são as condições que devem ser cumpridas para encerrar ou cancelar o projeto ou a fase); gerente do projeto designado, responsabilidade e nível de autoridade e nome e autoridade do patrocinador ou outra(s) pessoa(s) que autoriza(m) o termo de abertura do projeto. Fonte: PMI (2017a). Depois do advento do TAP, os esforços serão voltados a um planejamento completo do projeto, permitindo a sua posterior execução, e é seguro afirmar que uma das etapas iniciais desse planejamento trata, exatamente, do planejamento do escopo, que será a base para o gerenciamento do escopo do projeto, definindo todas as regras inerentes ao trabalho do escopo para o time do projeto. A integração do escopo com os demais temas, provenientes de um bom trabalho de gerenciamento de projetos, é essencial, pois, a partir do momento em que as etapas de planejamento do escopo começam a gerar informações para o time do projeto, as ações passam a girar em função do fiel cumprimento do que estiver estipulado para ser entregue. Cumprem-se então todas as atividades necessárias para estruturar, definir e conscientizar as principais partes interessadas a respeito do trabalho necessário à concretização do escopo do projeto e, paulatinamente, os demais processos serão realizados. Mesmo que não haja uma versão final do planejamento do escopo, essas informações já geram energia suficiente para que os requisitos possam começar a ser coletados, documentados, analisados e priorizados. É possível que haja a necessidade de a equipe do projeto confeccionar alguns artefatos, como a declaração do escopo do projeto e a linha de base de entregas, também conhecida como Estrutura Analítica do Projeto (EAP). 26 Uma visão mais detalhada a respeito do planejamento do escopo, de como se dá a especificação de um escopo, da execução dos trabalhos e de maneiras eficazes de monitoramento e controle serão fornecidas nas próximas unidades. Retrospectiva do módulo O módulo I iniciou a sua trajetória trazendo a evolução histórica do escopo. Desde as primeiras abordagens vinculadas a Peter Drucker e o conceito de Administração por Objetivos (APO), passando pela visão lean e a necessidade de evolução para uma melhor definição e mensuração de objetivos, até chegarmos à atualidade e à massiva importância destinada a esse conceito por meio das principais associações de gerenciamento de projetos do mundo. Foram demonstrados diferentes tipos de abordagens responsáveis por definir como o escopo será trabalhado ao longo de um projeto.Pudemos visualizar que o tratamento destinado ao escopo precisa ser determinado no momento de avaliar o tipo de ciclo de vida do projeto. As opções variam entre ciclos preditivos, com maior previsibilidade e segurança para trabalhar um escopo fechado com foco em uma documentação de planejamento restrita em muitas situações, até ciclos ágeis, em que a palavra de ordem é mudança, e o time precisa estar preparado para adaptar-se às múltiplas variáveis de um projeto, com um escopo aberto e flexível, voltado para a satisfação das principais partes interessadas, por meio da proposta de constante entrega de valor. Na sequência, tratamos da visão do produto, condição fundamental para a equipe do projeto perceber como lidar com o que está por vir, ou seja, aquilo que precisa ser realizado/entregue para o seu cliente/usuário final. Também avaliamos os conceitos de funcionalidade, assim como a diferença entre critério de aceitação (vinculado aos trabalhos do time do escopo) e critério de validação (vinculado aos trabalhos do time da qualidade), termos extremamente importantes, os quais ainda são muito confundidos por profissionais do mercado. A diferenciação entre escopo do projeto e escopo do produto também é vital para o bom andamento dos trabalhos do gerenciamento do escopo em um projeto. Por fim, adentramos em uma visão geral de como é esperado um trabalho por etapas do gerenciamento do escopo do projeto, em que primeiro foi verificado o que é essencial para que um projeto possa ser formalmente iniciado, os esforços de uma fase pré-projeto e um possível documento que dá origem ao projeto: o Termo de Abertura do Projeto (TAP). Não só foram ilustrados detalhes envolvidos para o nascimento de um projeto como também foi demonstrado o princípio dos trabalhos com as possíveis etapas do gerenciamento do escopo, em que a parceria com equipes da qualidade será fundamental para o sucesso do bom trabalho do escopo, ao longo do projeto. Neste módulo, são apresentados os principais conceitos para a compreensão do trabalho de gerenciamento da qualidade em um projeto. A introdução se dá por um apurado histórico para determinar como o conceito de qualidade nasceu e evoluiu ao ponto de as organizações começarem a desenvolver enormes esforços em busca de um padrão de excelência da qualidade, com foco em agradar cada vez mais o seu cliente/usuário final. Logo a seguir, serão demonstradas as diferenças entre qualidade de negócio e qualidade técnica, assim como serão apresentados os principais conceitos para o trabalho da qualidade ao longo da disciplina, por exemplo: processos, produtividade, eficiência, eficácia, defeitos, custos da não qualidade e desperdícios (por meio da visão dos 3 Ms). Os conceitos de inspeção, tolerância, prevenção, avaliação e limites de controle também são apresentados, com o objetivo de conseguirmos avaliar melhor o que significa o custo da qualidade (contraponto às ideias da não qualidade) e a sua influência para muitos momentos de tomada de decisão ao longo do ciclo de vida do projeto. Por fim, trataremos de um dos assuntos mais destacados atualmente no trabalho de gerenciamento da qualidade: como implementar processos ou a cultura de melhoria contínua, em equipes/organizações de projetos. Para isso, são demonstrados três métodos/ferramentas que poderão auxiliar nesse tipo de processo: método do ciclo PDCA, técnica dos 5 whys e rituais de retrospectivas. Conceito histórico O formato pelo qual muitas civilizações antigas realizavam atos de comércio era o escambo, ou seja, uma espécie de acordo em que havia uma relação direta de troca, em que cada uma das partes entregava um produto ou prestava um serviço, para receber algum tipo de compensação. A evolução natural desse modelo foi o surgimento do dinheiro, que visava à padronização em uma MÓDULO II – INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA QUALIDADE 28 unidade única (ou mais conhecida/confiável pela maioria das pessoas) como referência para uma espécie de pagamento, em vez da dependência de um processo de escambo por coisas distintas. No entanto, muito antes do surgimento do dinheiro, e com a evolução natural de materiais e técnicas na construção das primeiras ferramentas que tinham o objetivo de produzir alimentos (e a necessidade dos seus aprimoramentos contínuos), teve início o estímulo por uma valorização crescente dos componentes e da usabilidade desses artefatos – surgia então a essência do reconhecimento da qualidade. O aumento do comércio e a ampliação das tecnologias de manufatura geraram oportunidades para as bases da produção em série e, com ela, a necessidade do descarte de produtos defeituosos, especialmente nas indústrias naval e bélica, nas quais se iniciou o controle da qualidade baseado na inspeção do produto final (JURAN; GODFREY, 1999), um método bom para a época, mas demasiadamente caro e muito trabalhoso. O controle do trabalho por etapas, instituindo a distinção dos processos e das responsabilidades entre o que deveria ser produzido e o momento da produção, estabeleceu uma importante evolução e a base do esforço da tentativa de garantir um determinado padrão de qualidade (DEMING, 1990). Na sequência do período histórico ocasionado pela Revolução Industrial, que pela sua vez foi responsável por aumentar exponencialmente a capacidade de produção e, consequentemente, a dificuldade de controlar a qualidade dos produtos manufaturados, surgiu o conceito de inspeção por amostragem, oriundo do segmento da construção civil, cuja evolução apontou para a implementação de controles estatísticos de produção, fundamentais para o reconhecimento formal do aumento dos custos ocasionados pela falta de um padrão de qualidade. O reequilíbrio das atividades comerciais após o período das duas grandes guerras, na primeira metade do século XX, gerou as condições de ampliação da participação e da exigência crescentes dos consumidores, movimento que culminou, ao final da década de 1960, com a implementação da gerência da qualidade em muitas organizações, enfatizando a busca pela melhoria dos seus produtos por meio da compreensão acerca da opinião dos próprios consumidores/usuários finais. No entanto, um pouco antes disso, Philip Crosby já era um dos primeiros profissionais que associavam requisitos pré-estabelecidos, gerando um padrão objetivo de referência, a conceitos de qualidade. Crosby foi um dos responsáveis por migrar a visão da qualidade de algo simplesmente tido como bom para algo que pudesse ser tratado como investimento. Além disso, defendeu conceitos de defeito zero, padrões estipulados para gerar aumento de satisfação dos consumidores (atender necessidades), eliminação de retrabalho (conceito de fazer certo logo na primeira vez) e que qualidade devia ser responsabilidade da alta direção de uma organização e, pela sua vez, transmitida com bons exemplos. Já ao longo da década de 1970, a disciplinada e emergente economia japonesa aprimorou as práticas de gestão empresarial ocidentais e mudou o paradigma da sua linha de produção, que até então era conhecida por produtos baratos e pouco duráveis, integrando conceitos como manufatura lean, sistemas de produção just-in-time, heijunka (método de nivelamento de produção), entre 29 outras importantes técnicas que ganhavam o mundo junto com um movimento conhecido como Total Quality Management (TQM) – Gestão para a Qualidade Total –, transformando a responsabilidade da qualidade não só de um departamento ou de um grupo de pessoas, mas de todo um complexo sistema de integração entre a postura de um ser humano e a sua capacidade de resolver problemas no local e no momento em que eles ocorrem. O desenvolvimento econômico alavancado pela acirrada disputa por consumidores cada vez mais exigentes estimulou os países a criarem diversas normas de padronização das suas atividades comerciais. Esse período marcou o nascimento dos standards – padrões de qualidade – que,em um primeiro momento, surgiram por meio da publicação da norma BS-5750, de origem inglesa, e logo a seguir, com a ISO (International Organization for Standardization), série 9000, vindo a se tornar uma organização internacional de normalização globalmente conhecida. Atualmente não importa fazer o melhor produto com os melhores processos, se o resultado não vai ao encontro do ensejo do seu consumidor/usuário final, razão de ser de todos os processos organizacionais. Nesse sentido, organizações precisam estar plenamente sintonizadas com os seus principais stakeholders, focando na entrega de valor percebido ou na vivência de uma experiência diferenciada no que tange à jornada de um potencial usuário em relação ao consumo de um determinado produto ou serviço, e ainda, uma demanda cada vez mais crescente de sustentabilidade e propósito, ou seja, além do viés de lucro, demonstrar diferentes tipos de responsabilidades e preocupações, suportar causas e estarem constantemente presentes para os seus potenciais públicos-alvo. Qualidade, processos e a relação com produtividade, eficiência e eficácia Até aqui, temos associado, constantemente, o conceito de qualidade ao valor percebido proporcionado por uma entrega, vinculada ao trabalho da equipe de escopo de um projeto. Não à toa, RIES (2012, p. 98) menciona que “[...] se não sabemos quem é o cliente, não sabemos o que é qualidade”. No entanto, existem duas maneiras distintas de lidar com o conceito de qualidade ao longo de um projeto. É fato que quem deve determinar os objetivos de negócio de um determinado produto, serviço ou resultado esperado é o cliente (interno ou externo). Isso deixa muitos times de projeto em situações inusitadas, pois, por vezes, lidam em demasia com o cliente no início do projeto e pouco ao longo da jornada, ou às vezes simplesmente não definem os preceitos que deveriam estar atrelados à qualidade, desde o início dos trabalhos. Portanto, a qualidade de negócio deve sempre vir do cliente. Caso o cliente, por qualquer razão que seja, não puder ou não fizer isso, cabe ao time do projeto definir tais detalhes de alguma maneira e, minimamente, chancelar tais ideias com o cliente. Tal ação é fundamental para alinhar o atendimento de expectativas (um tema também muito visado no que tange à gestão dos stakeholders) com aquilo que vem sendo desenvolvido pela equipe do projeto. 30 Existe também a preocupação com a qualidade vinculada aos processos e ao modus operandi do time do projeto, conhecida pelo termo de qualidade técnica – fator que, por muitas vezes, difere produtos que poderiam ser considerados similares, mas que distinguem-se por detalhes que são de exclusiva responsabilidade do time do projeto –, refletindo nos esforços para conduzir a execução do projeto, conforme critérios pré-estabelecidos. É exatamente no momento em que destrinchamos as diferenças entre qualidade de negócio e técnica, que iniciam-se os questionamentos sobre as diferenças entre os termos produtividade, eficiência e eficácia. Apesar de muitos autores discutirem incessantemente sobre o tema, de uma maneira bem simples, poderemos definir os três termos por meio de reflexões vinculadas às perguntas descritas no quadro abaixo. Quadro 2 – Diferença entre produtividade, eficiência e eficácia conceito pergunta produtividade A equipe do projeto realiza muito trabalho, mas é o trabalho certo? eficiência O trabalho é realizado com facilidade (menos recursos, tempo, dinheiro etc.) mas sem perder o foco em obter o máximo de efeito possível? eficácia A equipe faz o trabalho certo na hora certa. Esse processo/método consegue ser repetido, sistematicamente? Fonte: elaborado pelo autor. Imagine o seguinte caso fictício em que a equipe do projeto precisa entregar, por exemplo, quatro pacotes de trabalho (ou histórias de usuário), dentro de um determinado ciclo iterativo (sprint). Alinhar os esforços corretos de estimativa desses pacotes, com o fiel cumprimento das condições dos seus requisitos e validá-los antes do momento da entrega, faz esse trabalho ser altamente produtivo. De nada adiantaria entregar três pacotes de trabalho extremamente bem feitos se um ainda estivesse em atraso. Isso seria considerado ser eficiente, sem ser produtivo. Portanto, também vincular o que foi realizado/feito, apenas para citar alguns exemplos, a critérios como redução de esforços, eliminação de desperdícios, melhoria de níveis de satisfação de trabalho, tanto em razão de clima organizacional como também de superar as expectativas do cliente, pode servir de alavancagem para que um trabalho tido como produtivo (no caso do exemplo: o time ter entregado os quatro pacotes) possa também ser considerado eficiente. O básico da eficiência é fazer o que é correto, com menos. E, por fim, alinhar tais critérios com o perfeito senso de oportunidade (timing), levando ao fiel cumprimento de objetivos, de preferência permitindo que tais práticas possam ser repetidas gerando ganho de performance. Tratar corretamente o sentimento de eficácia significa dizer que a equipe do projeto produz resultados que correspondem às necessidades e aos desejos do ambiente externo. 31 Alguns autores acreditam que produtividade não deve ser considerado o ato de medida final do potencial humano. Enquanto muitas técnicas e métodos de gestão profissional de projetos nos auxiliam a ser mais produtivos, muito provavelmente, também estão nos auxiliando a ser mais eficientes e eficazes. Apenas para citar um breve caso prático, o método Kanban trabalha com o conceito de Work in Progress (WIP), em português, algo como trabalho em progresso, que nada mais é do que uma prática para melhorar a produtividade ao limitar a capacidade de fluxo de trabalho de um determinado time em um determinado momento da execução do projeto, evitando que exista sobrecarga. Ou seja, uma maneira de gerenciar gargalos antes de estes se tornarem bloqueadores, permitindo que uma equipe desempenhe melhor, mantendo um ritmo de trabalho sustentável, sem exceder a sua capacidade. A técnica WIP, pela sua vez, também deixa o time do projeto mais eficiente, pois permite a concentração de trabalho naquilo que realmente interessa, com uma melhor velocidade de execução. Ou seja, gera impactos positivos na eficiência e melhora a produtividade da equipe. A sua repetição, se assimilada corretamente, possui plenas características para também deixar o trabalho mais eficaz, afinal de contas, poderá ser repetido com relativa redução de esforços. No entanto, se por acaso o time exceder o WIP por alguma razão, é um claro sinal de que os processos e as estimativas precisam ser revistos e, potencialmente, melhorados. Todos somos capazes de gerar momentos de produtividade, eficiência e eficácia, por exemplo, momentos específicos de trabalho com maior clareza, senso de propósito e autovalidação. Perceber, com oportunismo, como desenvolver esses momentos em trabalhos coletivos é o significado de conseguir tirar o melhor proveito de um determinado time de projeto, em um determinado período de tempo. Quando somos verdadeiramente produtivos, eficientes e eficazes, é mais provável que gostemos do que estamos fazendo e nos sintamos compelidos a fazê-lo melhor, criando um ciclo virtuoso. Os três conceitos aparecem refletidos nas boas práticas de qualidade, acima de tudo, quando idealizamos que, para lidarmos com o trabalho (execução) da qualidade, dependemos essencialmente de processos. Processos são um conjunto de atividades inter-relacionadas que necessitam de insumos (entradas ou inputs, em inglês) para gerar os produtos, os serviços ou os resultados esperados (saídas ou outputs, em inglês), com base na aplicação de técnicas ou ferramentas específicas. Se os processos de um projeto não forem de qualidade, o risco de gerar produtos de baixa qualidade é alto. Entretanto, nem sempre o oposto é verdadeiro – a geração de produtos de alta qualidade não
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