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Agressividade na Teoria Freudiana

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A NOÇÃO DE AGRESSIVIDADE NA TEORIA FREUDIANA
BEATRIZ DE SOUZA GONÇALVES. [footnoteRef:2] [2: 1 Acadêmica do Curso de Psicologia na Faculdade Metropolitana de Maringá – FAMMA. Maringá-PR. Bia12582@hotmail.com] 
RESUMO
Este artigo tem como objetivo estudar o conceito de agressividade e sua trajetória nos estudos de Freud, a fim de entender o seu papel na constituição do individuo, Como parte inerente da natureza humana a agressividade é necessária tanto para conservação, quanto para adaptação ao meio. Esse conceito segue o ser humano desde seus primórdios e é possível encontrá-la em vários momentos de nossa história. Em nosso cotidiano é comum se ver em todos os lugares cenas onde a agressividade se faz presente, nas brigas comuns do dia a dia, nas expressões de preconceito, na mídia e até na ditadura. É também ela, a agressividade que dá sentido aos artistas, que traz inspiração, que nos movimenta ao novo. Imagine o que seria de tantos autores, pintores e escultores sem ela. A agressividade é movimento e inspiração nas mãos de um artista. É sofrimento, é horror, é morte nas mãos de um ditador. É algo de nossa natureza que nos movimenta tanto para a preservação quanto para destruição.
ABSTRACT
This article aims to study the concept of aggressiveness and its trajectory in Freud's studies in order to understand their role in the constitution of the individual. As an inherent part of human nature, aggressiveness is necessary both for conservation and for adaptation to the environment. This concept follows the human being from its beginnings and it is possible to find it in several moments of our history. In our daily life, it is common to see scenes where aggression is present, in everyday fights, in expressions of prejudice, in the media and even in dictatorship. It is also her, the aggressiveness that gives meaning to the artists, that brings inspiration, that moves us to the new. Imagine what would be of so many authors, painters and sculptors without it. Aggressiveness is movement and inspiration in the hands of an artist. It is suffering, it is horror, it is death at the hands of a dictator. It is something of our nature that moves us both for preservation and for destruction.
PALAVRAS-CHAVE: Agressividade. Narcisismo. Pulsão.
1 INTRODUÇÂO
A Agressividade pode ser caracterizada como um comportamento social hostil com o objetivo de causar dano ou prejuízo a uma pessoa ou grupo. Todos os seres humanos trazem consigo desde o nascimento um impulso agressivo, é algo inerente da natureza humana que é necessária para sua conservação e adaptação ao meio. Segundo Bueno (1996), Mesquita e Duarte(1996) a agressividade se caracteriza em uma qualidade ou tendência hostil de atacar e provocar, é a capacidade atuar agressivamente para com o outro. Nas artes e na ciência a agressividade também tem um papel muito importante, é ela que leva o homem a buscar o novo e o desconhecido.
Ao analisarmos o conceito de agressividade a partir do viés psicanalítico, devemos entender que o mesmo se constituiu em uma problemática com a qual Freud se debateu por toda a sua obra, e até mesmo em suas ultimas correspondências ao escrever a Marie Bonaparte em 1937, ele menciona ter ainda dificuldades em caracterizar esse termo.
Em seu discurso a temática da agressividade sofreu várias mudanças conceituais, no entanto, é possível identificar três momentos importantes sobre o tema, o primeiro até 1905, antecede o conceito de pulsão. O segundo de 1905 á 1920 abrange a elaboração da primeira teoria pulsional (onde ele distingue as três instâncias, inconsciente, pré-consciente e consciente) e o terceiro em 1920, posterior à segunda teoria pulsional, (onde ele elabora a novas instâncias do aparelho psíquico, o Id, o Ego e o Superego).
Portanto, nosso trabalho tem por objetivo, estudar a agressividade e o que Freud tem a dizer sobre ela, caracterizando e pontuando cada um dos momentos que a mesma mostra relevância na construção da teoria psicanalítica desde seus primórdios na clínica até o mal estar na civilização.
2 A NOÇÃO DE AGRESSIVIDADE NA TEORIA FREUDIANA
 O primeiro momento em que Freud se depara com a agressividade foi em sua experiência clínica. Ao trabalhar com os casos de histeria, ele percebe a existência da manifestação de um impulso agressivo como expressão de resistência ao trabalho analítico, como expresso no texto Fragmento da análise de um caso de histeria de 1905, onde a partir análise do caso de Dora ele afirma que “Na psicanálise, por outro lado, de acordo com sua colocação diferenciada dos motivos, despertam-se todas as moções [do paciente], inclusive as hostis” (FREUD, 1905[1901], p.72).
 Intrigado com essas manifestações agressivas, Freud da inicio ao estudo das mesmas com o objeto de descobrir a origem da agressividade e o porquê dela ser tão presente no processo clínico. Segundo Birman (2006, p.362) já na obra Psicoterapia da Histeria a agressividade se torna interesse de Freud.
Assim, na “Psicoterapia da histeria”, de 1895, essa problemática já se enunciara, pelo viés da questão da resistência (Freud 1971a), no registro estritamente clínico. Porém, nas experiências analíticas de Dora (Freud 1971c [1905]) e do pequeno Hans (Freud 1971d [1909]), a agressividade foi inscrita no registro do sintoma, sendo então responsável pela produção e pela reprodução desse.
Como resultado desses estudos, Freud pode definir mecanismos importantes para o processo terapêutico, são elas: a transferência, que se constitui no deslocamento de sentimentos do paciente ao analista, podendo ser tanto hostis, quanto amoroso. Como também os conceitos de ambivalência, (uma coexistência entre desejos ambíguos) e por fim a esquematização do complexo de Édipo. 
Em 1900 no livro A interpretação dos sonhos, antes mesmo do conceito de pulsão ser formulado, Freud fala sobre a agressividade no caráter infantil, como expressão do egoísmo infantil e a busca incessante de satisfação, regida principio do prazer. Segundo ele as crianças são “completamente egoístas; sentem suas necessidades intensamente e lutam de maneira impiedosa para satisfazê-las - especialmente contra os rivais, outras crianças, e, acima de qualquer outra coisa, contra seus irmãos e irmãs.” (FREUD,1900, p.178). 
Para ele esses comportamentos agressivos não significam que ela seja ‘má’ ou ‘levada’, pois uma criança não tem a definição de moralidade, ela é regida por seus desejos, que por sua vez, até o fim da infância passa pelo principio de realidade e re-focalizados em destinos aceitos moralmente como as artes e as ciências. Segundo Garcia (2009, p. 27) para Freud “se não for inibida em seu desenvolvimento, a criança alcançará uma moralidade […] antes do final da infância.
Neste contexto de moralidade / desejo, Freud postula o Complexo de Édipo, onde o menino passa a apresentar uma atração pela mãe e o pai aparece como o rival que impede seu acesso ao objeto desejado, a mãe. Além de rival o menino também se identifica com o pai, pelo fato do mesmo também possuir o falo. Esse sentimento de dualidade que ocorre no menino, que ao mesmo tempo em que deseja tomar o lugar do pai, para ter acesso ao seu objeto de desejo, também se identifica com ele por possuir algo em comum. 
Segundo Laplanche e Pontalis (2001) esse complexo é vivenciado por volta dos três até os cinco anos de idade, durante a fase fálica, sendo revivido na puberdade e seu fim é marcado por uma escolha de objeto externo, é nele que nossa personalidade se estrutura.
O que por fim, tem como consequência tanto da experiência clinica quanto da caracterização do Complexo de Édipo, a estruturação da etiologia das neuroses.
Em 1905, o aparecimento do conceito de pulsão (Trieb) em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, inaugura o segundo momento em que Freud se depara com a agressividade. Podemos entender pulsão como uma energia psíquica, um impulso de energia constante que pressiona o indivíduo em direção a um objetivo. Para ele pulsão: 
Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representantepsíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico (FREUD, 1905, p.103)
Discutindo sobre os impulsos agressivos nas perversões, como componentes do sadismo e do masoquismo. Ao falar sobre o impulso agressivo como componente do Sadismo, ele traz a relação de crueldade e pulsão sexual e o esclarece ao acentuar o fator agressivo da libido, assim como traz a agressividade como um elemento biológico da sexualidade masculina, exemplificando-o ao dizer: 
A sexualidade da maioria dos varões exibe uma mescla de agressão, de inclinação a subjugar, cuja importância biológica talvez resida na necessidade de vencer a resistência do objeto sexual de outra maneira que não mediante o ato de cortejar. Assim, o sadismo corresponderia a um componente agressivo autonomizado e exagerado da pulsão sexual, movido por deslocamento para o lugar preponderante. (FREUD, 1905, p.97)
Já no Masoquismo o individuo assume uma atitude passiva em relação ao objeto sexual, esse passividade enquanto perversão, a satisfação só ocorre mediante a dor física ou psíquica impingida pelo objeto sexual. Esse conceito se apresenta secundário ao sadismo que se apresenta voltado para o outro, no masoquismo o sadismo é voltado para si mesmo. 
Mais adiante, nesse mesmo artigo, ao final do segundo ensaio sobre a sexualidade, ao descrever a crueldade própria do caráter infantil, ele reconhece a origem independente dos impulsos agressivos. E a partir de uma perspectiva genética, Freud concebe a crueldade infantil como um componente da pulsão de dominação. 
A crueldade é perfeitamente natural no caráter infantil, já que a trava que faz a pulsão de dominação deter-se ante a dor do outro - a capacidade de compadecer-se - tem um desenvolvimento relativamente tardio. É sabido que ainda não se teve êxito na análise psicológica exaustiva dessa pulsão; podemos supor que o impulso cruel provenha da pulsão de dominação e surja na vida sexual numa época em que os genitais ainda não assumiram seu papel posterior. Assim, ela domina uma fase da vida sexual que mais adiante descreveremos como organização pré-genital. (FREUD,1905 p. 181).
Em 1908, em um artigo, Alfred Adler traz a hipótese de uma ‘pulsão de agressão’, um instinto agressivo, separado da pulsão sexual, e de que o mesmo tem papel principal na vida do homem. Freud diverge desta hipótese ao considerar que a pulsão de agressão proposta por Adler, se apresenta como parte do que ele conceituava como pulsão sexual e libido. Não aceitando a existência de uma pulsão agressiva independente e autônoma, pois, para ele toda pulsão pode se tornar agressiva. Ele renova sua crítica com o caso do Pequeno Hans ao dizer:
Não posso convencer-me a aceitar a existência de um instinto agressivo especial ao lado dos instintos familiares de auto-preservação e de sexo, e de qualidade igual à destes. Parece-me que Adler promoveu erradamente a um instinto especial e auto-subsistente o que é, na realidade, um atributo universal e indispensável de todos os instintos - o seu caráter instintual [triebhaft] e ‘premente’, o que poderia ser descrito como a sua capacidade para iniciar movimento. […] Apesar de toda a incerteza e obscuridade de nossa teoria dos instintos, eu preferiria, no momento, aderir ao ponto de vista usual, que deixa a cada instinto o seu próprio poder de se tornar agressivo; e estaria inclinado a reconhecer os dois instintos que se tornaram reprimidos em Hans como componentes familiares da libido sexual. FREUD (1909, p.84).
A obra Os instintos e suas vicissitudes de 1915 é o texto de maior importância para entender a temática da agressividade na visão de Freud, assim como também seu pensamento antes de 1920. Neste texto ele reúne todos os conhecimentos sobre o conceito de pulsão e os caracteriza de acordo com seus atributos (fonte, impulso, finalidade e objeto), separando-os em dois grupos, as pulsões de auto-conservação ou do ego e as pulsões sexuais. Freud também postula quatro vicissitudes para as pulsões são elas:
A reversão à seu oposto, se caracteriza como uma defesa contra os instintos, onde em confronto em confronto com uma adversidade, ocorre uma mudança em suas características passando de ativo para o passivo , assim como uma reversão de seus conteúdos. Como exemplo, temos a relação de sadismo e masoquismo onde a “finalidade ativa (torturar, olhar), é substituída pela finalidade passiva (ser torturado, ser olhado)” (FREUD, 1915, p. 79).
O retorno em direção ao próprio eu (self), em sua essência pode se caracterizar na mudança do objeto, mas sua finalidade permanece inalterada. Ou seja, enquanto antes o objeto era o outro, agora passa a ser o eu. Na relação sadismo/ masoquismo, podemos entender da seguinte forma: O sadismo em sua essência se caracteriza como o exercício de poder ou violência, sobre outra pessoa como objeto, neste processo de retorno, o objeto inicial, o outro, é abandonado e é substituído pelo eu, e o outro que antes assumia o papel de passivo, se torna o detentor de poder.
A Repressão em grosso modo, ocorre devido a um impulso instintual que ao se deparar com sofrimento, encontra resistências para torná-lo inoperante. O individuo tem duas maneiras de evitar o sofrimento, o primeiro e o mais apropriado é a fuga, no entanto quando ela não é capaz de erradicar esses sofrimentos, surge a condenação, “a rejeição baseada no julgamento (condenação) constituirá um bom método a ser adotado contra um impulso instintual” (FREUD, 1915, p. 90). A repressão seria então a etapa que se encontra a meio termo entre fuga e condenação. De acordo com Roudinesco (1998) a repressão é um mecanismo, conhecido por ocorrer como uma inibição consciente de conteúdos que causam sofrimento.
E por fim temos a Sublimação, que consiste em um processo em que a libido encontra uma saída, para ter suas necessidades atendidas, sem ser confrontadas pela repressão. O instinto busca uma maneira de ser expresso, a partir de uma finalidade diferente da finalidade sexual.
Ao definir as características da pulsão, Freud afirma que as pulsões sexuais e as pulsões de auto-conservação, possuem características comuns quanto à sua natureza, mas na relação com a acessibilidade do objeto elas se diferenciam. Nas pulsões de auto-conservação os objetos que satisfazem suas necessidades só existem na realidade exterior, já as pulsões sexuais têm acesso à satisfação através do próprio corpo, ou seja, são auto-eróticas. Enquanto as pulsões de auto-conservação surge da frustração que ocorre na substituição do principio de prazer, onde existe um fluir livre de energia, pelo principio de realidade. As pulsões sexuais não são afetadas.
A substituição do princípio de prazer pelo principio de realidade, com todas as conseqüências psíquicas envolvidas,... não se realiza, na verdade, de repente; tampouco se efetua simultaneamente em toda a linha, pois, enquanto este desenvolvimento tem lugar nas pulsões do ego, as pulsões sexuais se desligam deles de maneira muito significativa. As pulsões sexuais comportam-se auto - eroticamente a princípio; obtêm sua satisfação do próprio corpo do indivíduo e, portanto, não se encontram na situação de frustração que forçou a instituição do princípio de realidade (FREUD, 1911, p.282).
Em sua obra Sobre o Narcisismo: uma introdução, Freud (1914) se dedica ao estudo sobre as questões relativas ao desenvolvimento do ego. Criando assim, a definição de narcisismo, onde o objeto de amor do indivíduo é si mesmo.
O indivíduo empenhado no desenvolvimento e que sintetiza em uma unidade suas pulsões sexuais de atividade auto-eróticas, para ganhar um objeto de amor toma primeiro a si mesmo, a seu próprio corpo, antes de passar deste à eleição em uma pessoa alheia. (FREUD, 1914, p.56)
Foi nesse texto, que o termo narcisismo adquiriu valor conceitual, sendo agora conceituado como um fenômeno libidinal, ele ganha papel de destaquena teoria do desenvolvimento sexual do ser humano. É neste contexto que ele distingue dois tipos de narcisismo: narcisismo primário; e narcisismo secundário.
O narcisismo primário ocorre ainda na infância, o bebe incapaz de identificar o mundo a sua volta, tem como objeto de amor a si próprio. Para Garcia (2009, p.30-31) narcisismo primário é “entendido como um estado muito primitivo, no qual a criança investe toda a sua libido em si - mesma, tomando-se como objeto de amor, antes de escolher objetos externos”. E isso só muda quando seu primeiro objeto de amor (a mãe) se faz presente no momento da amamentação.
O narcisismo secundário se caracteriza já na fase adulta, ganhando uma conotação patológica, como no caso da esquizofrenia, onde Freud aponta que nos estados de megalomania da mesma, a expressão de atitudes narcisistas, onde a libido que uma vez se dirigia para o mundo externo passa a dirigir para si mesmo, deixando de lado tudo o que há em sua volta.
Esse conceito juntamente com o de auto-erotismo, constitui em 1915 uma base que o permite avançar em suas investigações metapsicológicas. Os tornando conceitos-chave para as elaborações que irão ter como resultado a construção não apenas de um sujeito narcisista, mas, também de um ser no mundo narcisista, um mundo onde o individuo se vê como centro e ao mesmo tempo, vê com ‘maus olhos’, tudo que é externo. Ou seja, “sujeito do ego coincide com o que é agradável, e o mundo externo, com o que é indiferente (ou possivelmente desagradável, como sendo uma fonte de estimulação)” (FREUD, 1915, p.84). 
 Um exemplo claro desta dinâmica se faz presente, quando Freud caracteriza a relação de amor e ódio, onde, a relação de prazer/desprazer se transforma em relações entre o eu e o objeto. Quando aparece como uma fonte de prazer, o eu procura o objeto amado o mais perto de si. Um exemplo disso é na adolescência, quando amamos queremos manter esse objeto de amor o mais perto possível. No entanto, em uma desilusão amoroso, quando o objeto de amor passa a ser fonte de desprazer, o eu se esforça para manter este objeto o mais longe possível, o amor se torna ódio.
Para Freud(1914, p. 85) :
dizer que um instinto ‘ama’ o objeto no sentido do qual ele luta por propósitos de satisfação, mas dizer que um instinto ‘odeia’ um objeto, nos parece estranho. Assim, tornamo-nos cônscios de que as atitudes de amor e ódio não podem ser utilizadas para as relações entre os instintos e seus objetos, mas estão reservadas para as relações entre o ego total e os objetos.
Ao discutir a compreensão dos comportamentos e sentimentos agressivos. Freud, associa os impulsos agressivos às pulsões de auto-conservação, pulsões essas que possui a função de manutenção e afirmação da existência individual. Ele afirma que a agressividade surge das motivações narcisistas onde o individuo se esforça para transformar em ‘si mesmo’ tudo que vê ou toca. E de que a hostilidade se fundamenta, pois o mesmo ignora e abomina tudo o que não seja ‘Eu’. 
Segundo Endo e Reino(2011, p.18)
Esse suposto amor a si mesmo – narcisismo – é de tal modo rígido e conservador que qualquer desvio trazido pelo outro é visto como uma afronta e o faz entrar em guerra contra qualquer sombra de divergência. Como se dissesse: tudo que de mim difere me ameaça. O reconhecimento do diferente se opõe ao narcisismo, e para que o outro seja reconhecido como tal, há de ocorrer necessariamente uma mudança psíquica. Nunca há um acesso à alteridade que não passe por alterações no psiquismo. 
Em contrapartida, é nas pulsões de auto conservação não satisfeitas pelos prazeres sexuais auto-eróticos, que trás o rompimento do mundo narcisista e produz transformações no mundo externo, que possui como consequência o enriquecendo de si mesmo. É a capacidade de amar e de se relacionar que destrói as diferenças. 
No entanto, se essa capacidade é direcionada apenas a si e está empenhada na preservação de seu mundo narcísico, o ódio surgirá, como um sinal de ameaça ao amor narcísico. O que leva a concluir, que a agressividade surge tanto do sadismo, como forma de dominação, quando do ódio como forma de repudio do ego ao meio externo. 
A partir de 1920, Freud ao deparar com vários pacientes que apresentavam uma repetição do sofrimento já vivido, principalmente daqueles que haviam estado na guerra ou passou por eventos traumáticos, ele constrói o conceito de compulsão à repetição. Esses fenômenos da clínica o leva à perceber o fato de que não havia só um princípio do prazer, como apontava sua primeira teoria pulsional.
Devido a esse impasse relacionado com as limitações do principio de prazer, Freud abandona a hipótese de que a agressividade seja primariamente sexual ou relacionada à auto conservação, e elabora uma nova teoria pulsional. Nesta nova teoria esses instintos passam a ser entrelaçados e categorizados como pulsão de vida. Já a agressividade, mesmo como expressão de sadismo, se torna a pulsão de morte um impulso agressivo independente, com tendência a destruição. Para ele, essas duas classes de pulsão, são incapazes de aparecer isoladamente, e as mesmas se misturam de várias maneiras e proporções. 
Parte dessa pulsão se entrelaça a pulsão de vida, e se projeta para o exterior, sob a forma de sadismo e agressividade, se tornando uma forma de afirmação da vida, sem a qual a morte se apoderaria efetivamente do psiquismo. Enquanto outra é retida pelo psiquismo e entrelaça a pulsão sexual, assim constituindo o masoquismo erógeno. Ou seja, a agressividade enquanto voltada para o exterior se transformaria em violência e destrutividade, enquanto voltada para o interior, em autodestrutividade. 
Devido a este processo de entrelaço entre as pulsões de vida e de morte, conhecido como intrincação (fusão) e de desintrincação (desfusão), as possibilidades de apresentação da agressividade varia. E o que antes se restringia apenas relação do sujeito com o outro, agora circula no campo do sujeito de diferentes maneiras: masoquismo e autodestrutividade, sadismo e destrutividade, e ainda nas relações agressivas estabelecidas entre as diferentes instâncias psíquicas, como o que ocorre na obra O eu e o isso, onde ela aparece nas relações estabelecidas entre instâncias psíquicas, eu e super eu, no que se propõe sobre a melancolia e a neurose obsessiva. 
A partir da dinâmica de fusão e desfusão da pulsão de morte e da pulsão de vida, Freud na obra Mal-estar na Civilização, apresenta uma pulsão de morte mais amadurecida e destaca a compreensão de uma natureza destrutiva do homem, afirmando a ideia ao dizer que o homem é um ser destruidor em sua essência. Para ele os homens 
São criaturas entre cujos dotes instintivos devem-se levar em conta uma poderosa cota de agressividade. […] via de regra essa cruel agressividade espera por alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito, cujo objetivo também pode ser alcançado por medidas mais brandas. Em circunstâncias que são favoráveis, quando as forças mentais contrárias que normalmente a inibe se encontram fora de ação, ela também se manifesta espontaneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho. (FREUD, 1930[1929], p.70)
Em mal estar Freud revela uma pulsão de morte em constante parceria de uma fúria narcísica destrutiva. Que em conjunto, utiliza-se da destrutividade e agressividade no rompimento da condição narcísica do homem. E essa satisfação da pulsão de morte quando cega natureza que se manifesta ora como destrutividade, ora como agressividade, fornece ao ego certo prazer narcísico, e reconstitui sua onipotência.
Em seus últimos textos Freud demonstra estar cada vez mais consciente da natureza destrutiva do homem. E agressividade embora permaneça a ideia de sua insatisfação pela vida a frustração, já não se encaixa a suas primeiras definições, a introdução da pulsão de morte, torna a agressividade um servo dos propósitos da destruição. Para Melo(2011), esse segundo momento da teoria freudiana a agressividade aparece cadavez mais desligada da sexualidade, do que anteriormente, e não nos cabe nada mais do que apontá-los e discuti-los. 
Por fim, com a introdução do conceito de pulsão se abre um leque de possibilidades de estudo. E que mesmo que Freud tenha lançado a ideia de uma agressividade necessária a constituição do psiquismo, não conseguiu explorá-la no que questiona sobre a sua relação com o inicio das relações de objeto, estudo que se seguem através da geração posterior de psicanalistas como Melanie Klein e Winnicott.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desse estudo, foi possível perceber o longo caminho que o conceito de agressividade percorreu através da teoria Freudiana, e mesmo que Freud o tenha discutido intensamente, ainda a muito a se acrescentar. 
O estudo de Freud dá base para entender apenas alguns pontos sobre esse conceito que posteriormente foi aprofundado por Melanie Klein e Donald Winnicott. Foi possível verificar que no inicio de sua teoria, a agressividade era relatada como apenas uma reação negativa ao processo de terapia, passando para a conceituação de narcisismo, de sadismo e masoquismo, na diferenciação do eu e do outro, até chegar ao fim como um instinto de destruição inerente da condição do homem. 
Estudar a agressividade nos dá chances de entender àquilo que acontece a nossa volta em todos os momentos, que não se divulga, nos mostra o poder de destruição do homem, sua crueldade e o que lhe impede de se colocar no lugar do outro. 
REFERÊNCIAS
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