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MARCO FRASCARI, O DETALHE NARRATIVO - TECTÔNICA

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ap
re
se
nt
aç
ão
Mas, de acordo com certas teorias, como a de [Leon Battista] A lberti, a noção de 
ornamento era muito mais próxima da form a expressiva do que a do enfeite rebus-
cado, e a memória dos antigos vínculos entre ornam ento e construção sempre exis-
tiu para atestar a integridade da arquitetura. Até o adm irável uso dos fragmentos 
clássicos como detalhes arquitetônicos exemplares na arquite tura m edieval era um 
testemunho da perfeição daquela integridade. A tecnologia e a cu ltura do design 
(no sentido produtivo, segundo a lógica da indústria) inun daram “indevidam ente” 
o campo da arquitetura. Isso se deve à fraqueza de nossa disciplina e à sua incapa-
cidade de reintegrar aos horizontes da arquitetura todas essas técnicas, que certa-
mente formam a base indestrutível do processo atual de construção e, portanto, do 
exercício do detalhamento.
(“The Exercise of Detailing” foi extraído de Casabella n. 492, jun. 1983, p. 11. Cortesia do 
autor e da editora.)
MARCO FRASCARI . 0 DETALHE NARRATIVO
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538
 
 
 
 
A comunidade da arquitetura tradicionalmente atribui a máxima “ Deus está nos deta-
lhes” a Mies van der Rohe.1 A versão alemã do axioma, Der liebe Gott síeckí in Deínily 
que pode ter sido a fonte original da máxima de Mies, foi usada por Aby Warburg 
para falar da base iconográfica da pesquisa na história da arte. A versão francesa é 
atribuída a Gustave Flaubert e, nesse caso, sua referência é um modo de produção 
literária.2 O denominador comum nesses diferentes usos e formas sugere que o deta-
lhe é uma expressão do processo de significação, isto é, a vinculação de significados a 
objetos feitos pelo homem. Assim, os detalhes são os loci de uma ordem do saber em 
que a mente descobre sua própria inteligibilidade, isto é, seu logos.'
0 objetivo deste ensaio é demonstrar a (unção dos detalhes como geradores, uma 
função tradicionalmente atribuída à planta, e mostrar que a tecnologia, com seus dois 
aspectos d e “ téch ne do lo g o s" e de “ logos da ic c h n e é a base da compreensão do pa-
pel dos detalhes. Em outras palavras, o aspecto de construction (edificação) e o aspecto 
de construing (atribuição de significado) da arquitetura manifestam-se igualmente no 
detalhe. Difícil de dimensionar em uma definição tradicional, o detalhe arquitetônico 
pode ser definido como a união da construção material [construction], resultado do 
logosda téch n e,com a construção do significado [construing], fruto da (cchne do logo*.
Os detalhes são muito mais que elementos secundários; pode-se dizer que são as 
unidades mínimas de significação na produção arquitetônica de significados. Essas uni-
dades foram escolhidas e separadas em células espaciais ou em elementos compositi- 
vos, módulos ou medidas, na alternância de vazios e cheios ou na relação entre dentro 
efora.5 A fecundidade da sugestão de que o detalhe é a unidade mínima de produção se 
deve ao duplo papel da tecnologia, que unifica o tangível e o intangível na arquitetura. 
 francês Jean Labatut, formado na Beaux-Arts francesa e professor em Princeton na
MARCO FRASCARI
539
área de arquitetura, fez a seguinte observação: “Quaisquer que sejam os espaços aéreos, 
as superfícies e as dimensões envolvidas, o estudo preciso e a execução esmerada dos 
detalhes comprovam a grandeza da arquitetura.‘O detalhe conta a história” /’
As possibilidades de inovação e invenção estão nos detalhes, e é com eles que os 
arquitetos harmonizam o ambiente mais inusitado, difícil e desordenado criado pela 
cultura.7 A ideia de que a arquitetura é o resultado da solução, substituição e desenho 
de detalhes sempre foi uma concepção latente no pensamento dos arquitetos. Ou seja, 
há uma certa verdade no chavão clássico da crítica à arquitetura que diz: “ Isso poderia 
ser uma excelente arquitetura se os detalhes tivessem sido mais bem trabalhados” . A 
aplicação cuidadosa dos detalhes é a maneira mais importante de evitar erros de cons-
trução nas duas dimensões da atividade profissional do arquiteto: a ética e a estética. 
De fato, a arte do detalhamento está na união de materiais, elementos, componentes e 
partes de uma construção de modo funcional e estético. A complexidade dessa arte de 
juntar elementos é tão grande que um detalhe que funciona bem num edifício pode 
dar errado noutro por razões muito sutis.8
A discussão do papel do detalhe no processo de significação na arquitetura se desenvol-
verá em duas partes e em dois domínios distintos mas interligados: o teórico e o empírico.
A primeira parte procura entender o conceito de detalhe em diferentes níveis da 
produção arquitetônica. O resultado da pesquisa é a identificação conceituai do deta-
lhe ao ato de juntar e o reconhecimento de que os detalhes em si podem impor uma 
ordem ao todo a partir de sua ordem própria. Consequentemente, a compreensão e a 
execução dos detalhes constituem o processo básico por meio do qual devem desen-
volver-se as teorias e as práticas arquitetônicas.
A segunda parte analisa a arquitetura de Cario Scarpa (1906-1979), arquiteto ve- 
neziano. Louis Kahn comentou que na arquitetura de Scarpa “o detalhe é a adoração 
da natureza” . A produção arquitetônica de Scarpa, em que o culto à execução de jun-
ções é quase obsessivo, nos permitirá fazer uma interpretação empírica do detalhe no 
processo de significação do ponto de vista de um modo definido culturalmente de 
construction [edificação] e de um construing. Nas obras de Scarpa, as relações entre 0 
todo e as partes e as relações entre o artífice e o desenhista permitem fundamentar di-
retamente in corpore vili a identidade dos processos de percepção e de produção, isto 
é, a união da edificação com a construção de sentido na feitura e no uso dos detalhes.
Os dicionários definem “detalhe” como uma parte pequena com relação a um 
todo maior. Na arquitetura essa definição é contraditória, se não desprovida de sen-
tido. Uma coluna é tanto um detalhe como um todo maior, e um templo redondo 
clássico, uma totalidade, às vezes é um detalhe quando é uma lanterna no topo de 
um domo. Na literatura arquitetónica, colunas e capitéis são detalhes clássicos, mas 
também o são os piani nobili, os pórticos e as pérgulas. O problema da escala e da 
dimensão nessas classificações e a relação entre edículas e edifícios tornam as defini-
ções de dicionário inúteis na arquitetura. Pode-se afirmar, porém, que todo elemento 
arquitetônico definido com o detalhe sempre é uma junção. Os detalhes às vezes são 
“juntas materiais” , como no caso de um capitel, que é a ligação entre o fuste de uma 
coluna e a arquitrave, às vezes são “juntas formais” , como um pórtico que é a ligação 
entre um espaço interno e um espaço externo. Assim, os detalhes são um resultado 
direto da diversidade de funções que existe na arquitetura. São as expressões mediatas 
ou imediatas da estrutura e do uso das edificações.g
A origem etimológica da palavra “detalhe” não ajuda a entender seu uso na ar-
quitetura.10 A palavra surgiu na literatura arquitetónica nos textos teóricos france-
ses do século x v iii e a partir da França o termo se difundiu em toda a Europa. Essa 
difusão beneficiou-se do acoplam ento do termo ao conceito de “estilo” e da forte 
influência da crítica e da teoria literária entre os arquitetos neoclássicos franceses. 
Nicolas Boileau-Despréaux, na primeira parte de seu livro, VArt Poétique, de 1670, 
condenando o uso de detalhes supérfluos em poemas, fez uma analogia entre um 
palácio e um poema, ambos sobrecarregados de detalhes.11 No século xvni, essa ana-
logia já era bastante conhecida, e Giovanni Battista Piranesi, imputando-a a Montes- 
quieu, criticou-a como trivial ao defender sua teoria arquitetónica das construções 
altamente detalhadas.12
Foram os teóricos franceses da architccturc parlante que consolidaram formal-
mente 0 papel do detalhe na produção arquitetónica. Na analogiada “arquitetura fa-
lante”, os detalhes arquiteturais foram interpretados como palavras que formam uma 
frase.E,assim como a escolha das palavras e do estilo define a natureza de uma frase, a 
escolha dos detalhes e do estilo define o caráter de um edifício. Essa poderosa função 
do detalhe também foi assinalada por John Soane em uma de suas conferências sobre 
arquitetura:“Nunca será demais a atenção dedicada à produção do caráter peculiar de 
cada construção, não só em seus aspectos gerais, mas também nos pequenos detalhes; 
até um friso, por diminuto que seja, contribui para aumentar ou reduzir o caráter do 
conjunto de que faz parte” .13
Na tradição da Beaux-Arts, a definição do papel do detalhe como originador do 
caráter das edificações motivou a criação de um processo gráfico peculiar de estudá-lo, 
a analytique. Nessa representação gráfica do projeto ou da observação de um edifício 
os detalhes têm um papel predominante. Eles são dispostos em diferentes escalas na 
tentativa de discernir o diálogo entre as partes na construção do texto do edifício. As 
vezes,0 edifício aparece em sua totalidade no desenho, mas geralmente é representado 
numa escala minúscula, de modo que mais parece um detalhe entre detalhes. O mé-
todo de representação gráfica e composição usado por Piranesi em suas gravuras para 
estudara M a g n ific en z a da arquitetura romana é a origem da aiuilytiquc e de seu papel 
na construção de sentido da arquitetura. As gravuras são uma interpretação gráfica, 
fortemente influenciada por Vico, da visão de Cario l.odolfi do ambiente construído
como um somatório de detalhes inadequados que serão substituídos por outros mais 
apropriados.14 Outra forma de analytique, que ilustra a arquitetura italiana, podia ser 
vista no verso das notas da lira italiana.
É importante notar que a analytique, como análise gráfica de detalhes, desenvolveu- 
se numa época em que os arquitetos não tinham de preparar desenhos para especificar 
a construção dos detalhes. Os desenhos quase não continham indicações de detalhes 
e dimensões. O arquiteto ficava completamente dependente do trabalho dos seus arte-
sãos. Os artesãos-construtores não precisavam de desenhos para mostrar detalhes cuja 
execução era de conhecimento geral. A construção dos detalhes era dividida entre os 
vários oficiais que possuíam os conhecimentos necessários para executá-los. Os mes-
mos artesãos que forneceram informações para a Encyclopédie de [Denis] Diderot e 
[Jean le Rond] D’Alembert eram perfeitamente aptos para desenhar com a exatidão 
do artista, e a analytique era tão somente uma fonte para entender o papel organizador 
de um único detalhe no conjunto da composição.15
Numa sociedade movida por razões de ordem predominantemente econômica, 
a produção de detalhes, que se iniciara antes do desenvolvimento da sociedade in-
dustrial e fora motivada por outras necessidades culturais, tornou-se problemática. 
Não sendo mais considerados repositórios culturais e sociais duradouros, os edifícios 
passaram a ser vistos como investimentos econômicos e deliberadamente planeja-
dos para ter uma vida útil curta. Duas reações extremas se desenvolveram a partir da 
mudança de escopo das edificações. Uma delas foi que as várias profissões ligadas à 
construção não mais inferiam a execução dos detalhes a partir dos desenhos do pro-
jeto. Os detalhes eram estudados e resolvidos na prancheta. A arte do desenhista foi 
substituída pela habilidade do trabalhador manual, e o desenvolvimento de “detalhes 
reais” foi substituído por procedimentos virtuais. Desse ponto de vista, o detalhe não 
fazia mais parte do edifício; não era mais visto como uma junção, mas como um dese-
nho de execução. Um Glossário Americano de Construção define a palavra “detalhe” 
como “o esboço em escala grande de qualquer parte de um projeto arquitetônico” .16 
Um glossário francês foi ainda mais preciso: “ Detalhe: Especificação ou descrição do 
trabalho a ser realizado na execução de uma construção” .17 De acordo com essa de-
finição, “detalhes” são meios verbais e gráficos de controlar o trabalho de operários 
sem vocação profissional específica e despreparados para executar suas tarefas, até 
mesmo, talvez, desonestos financeiramente.
A segunda reação à mudança do papel do detalhe pode ser exemplificada pela 
arquitetura produzida pelo movimento Arts and Crafts.18 Esse movimento via no 
detalhe um instrumento de redenção dos trabalhadores. A perícia e os conhecimen-
tos aplicados à execução dos detalhes foram devolvidos aos trabalhadores. A perícia 
profissional era o parâmetro exclusivo para a feitura dos detalhes, que eram consi-
derados por si mesmos como um aperfeiçoamento da tradição construtiva. O co-
nhecimento dos detalhes e das especialidades correlatas era indispensável para que 
o arquiteto exercesse sua profissão, já que lhe competia escolher os trabalhadores 
certos para os detalhes certos.
Essa dualidade na produção física do detalhe se repetiu na concepção intelectual 
do detalhe. Recorrendo a uma analogia conceituai, pode-se definir a arquitetura como 
um sistema em que existe uma “arquitetura total” , o enredo, e uma arquitetura dos 
detalhes, a narrativa. A arquitetura dos detalhes baseia-se
no constante processo de inserir no sistema desenhos de elementos extrassistemáticos 
e de expulsar elementos sistemáticos para a área não sistêmica [...] A pedra que os 
construtores num sistema consolidado e estabilizado rejeitam, porque acham supér-
flua e desnecessária, acaba se tornando a base do sistema subsequente.19
Vista por esse ângulo, a arquitetura é a arte da escolha apropriada dos detalhes para imaginar 
a história. Um enredo com detalhes apropriados desenvolve-se numa boa “narrativa”.
A arquitetura como a arte do apropriado é o tema da teoria de Leon Battista Al- 
berti. Ele pensa a arquitetura como a arte da escolha dos detalhes apropriados, cujo 
resultado é a beleza, que é, em si, um objetivo importante. Alberti define a beleza como 
Yconcinnitas’ [harmonia] de todos os detalhes na união a que pertencem”; em outras 
palavras, a beleza é a união habilidosa de partes segundo uma norma de que nada pode 
ser acrescentado, subtraído ou modificado sem prejuízo para o conjunto. Quase to-
dos interpretaram esse princípio como significando que um edifício deve ser um todo 
completo e acabado, uma arquitetura total. No entanto, Alberti não aplica o princípio 
ao edifício concreto, mas ao edifício criado no pensamento.20 A junção, isto é, o deta-
lhe, é o lugar de encontro da construção ideada com a construção real. Um exemplo 
perfeito dessa união entre função mental e representação física é a fachada do Palazzo 
Rucellai, projeto de Alberti, em Florença. Apesar de a fachada estar incompleta - e a in- 
completude é evidente - , os detalhes estão completos e nada pode ser acrescentado ou 
subtraído que não prejudique a harmonia do todo. Os sulcos das junções das placas de 
pedra que compõem o grosso revestimento de florentino (representando a 
estrutura de colunas e vigas das três ordens clássicas superpostas em relação com as ja-
nelas arqueadas e paredes de fechamento) solucionam o problema matemático das re-
lações entre as partes da fachada. As junções nem sempre são verdadeiras e o formato 
das pedras não é tão regular quanto parece; sulcos falsos foram cavados nas pedras 
para completar a arquitetura do detalhe e ao mesmo tempo servir-lhe de prova.
A busca da “ Beleza” para Alberti é a procura de uma relação precisa entre o deta-
lhe e o significado que lhe é dado. A beleza é o resultado do processo de significação e 
zconcmnitas é o processo de obtê-la. A é a correspondência de três requi-
sitos básicos: i) numeruSy 2) 3) 
Numerus é um sistema de cálculo. “A técnica de calcular faz parte da técnica de 
construir casas.”22 Portanto, os números são instrumentos para dar significado. A 
arquitetura contém elementos e para construir é necessário estabelecer correlaçõesnuméricas entre eles. Em um trifório, três arcos são articulados a quatro colunas para 
formar uma janela ou portal serliano. A prova está nos detalhes, nas molduras, capi-
téis, bases e na chave de arco. Para Alberti, “a numerologia” é uma técnica para a se-
leção de figuras e, por conseguinte, mostra que os detalhes se relacionam com formas 
memoráveis, como o corpo humano ou as figuras cosmológicas.23
Finitio é um procedimento matemático para a definição da dimensão das direções 
em que está articulado o espaço de objetos arquitetônicos. As arestas dos corpos tridi-
mensionais da arquitetura são definidas por um sistema de proporções. Proporção ou 
“analogia” é o uso de relações numa mensuração.24 Um sistema analógico é um con-
junto de normas para a criação e a combinação de detalhes. Uma medida básica, ou 
módulo, é a norma a partir da qual derivam todos os comprimentos, larguras e alturas, 
e cada detalhe é medido de acordo com essa norma. Portanto, todas as partes de um 
edifício deverão manter uma relação inteligível e direta entre si. Essa relação perma-
nece estável mesmo quando sua forma ainda não tem uma expressão verbalizada.
Collocatio é a composição por lugar, isto é, a colocação funcional dos detalhes. A 
função, nesse caso, não se limita apenas às dimensões práticas e estruturais, mas inclui 
também dimensões históricas e estéticas.25 Portanto, a colocação dos detalhes tem es-
treita relação com os outros dois requisitos: os números e as analogias. Desse modo, o 
detalhe não é definido pela escala, mas a escala é o instrumento para controlá-lo.
A construção geométrica e matemática do detalhe arquitetônico não é de maneira 
alguma uma questão técnica e deveria ser entendida como concernente ao problema 
filosófico dos fundamentos da arquitetura ou da geometria; em última instância, é um 
problema que pertence ao âmbito das teorias da percepção.
Os processos de projetação, ordenação de materiais e construção de uma casa 
são técnicas da mesma forma que a geometria é uma técnica com a qual o arquiteto, o 
construtor e o usuário de uma casa transformam o signo apropriado a fim de prever a 
ocorrência de determinados eventos. A técnica da geometria engendra uma estrutura 
que permite descrever o mundo construído, proporciona um arcabouço conceituai 
no qual o arquiteto, o construtor e o usuário podem encaixar sua experiência empí-
rica. A geometria mostra como derivar uma forma de outra por transformação.
Dessa maneira, a geometria não enuncia fatos, mas proporciona as formas com as 
quais os fatos são enunciados. A geometria oferece um quadro conceituai ou linguís-
tico para a construção física e a construção intelectual de um edifício. As estruturas 
geométricas concretizadas nos detalhes arquitetônicos não enunciam fatos, mas for-
necem uma estrutura para enunciar fatos dentro de uma determinada “escala” . Elas 
proveem o modo de fazer comparações que estabelecem relações expressivas entre os
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detalhes arquitetônicos apreendidos pela visão. A noção de detalhes apreendidos indi-
vidualmente pode ser ilustrada pelo fenômeno da “visão indireta” , que Hermann von 
Helmholtz explica da seguinte maneira:
O olho é um instrumento óptico de amplíssimo campo de visão, mas apenas uma 
pequena parte bem delimitada desse campo de visão produz imagens claras. O campo 
inteiro corresponde a um desenho em que as partes mais importantes do todo são 
cuidadosamente traçadas, mas o entorno é apenas esboçado, e de forma tanto mais 
rudimentar quanto mais distante está do objeto principal. No entanto, graças à mobi-
lidade do olho, é possível examinar minuciosamente, um atrás do outro, cada ponto 
sucessivo do campo visual.26
A pesquisa de Helmholtz sobre a percepção visual convenceu-o de que os estímulos 
sensoriais apenas indicam os sinais da presença da arquitetura, mas não nos oferecem 
um entendimento adequado dela. Esses sinais, isto é, os detalhes, adquirem um sig-
nificado em virtude do qual se tornam transmissores de conhecimento, que agem por 
um longo processo de associação e comparação, e mediante um conjunto de relações 
geométricas.27
As relações geométricas concretizadas nos detalhes de um ambiente construído 
ou de um ambiente natural determinam a compreensão do campo visual mais amplo.
A relação ou proposição geométrica da base do pilar fasciculado do Alto Gótico ex-
pressa por si mesma cada aspecto da superestrutura imposta. Essas relações resultam 
da transformação em pedra do segundo requisito da escolástica, o “arranjo de acordo 
com um sistema de partes homólogas e partes de partes” .28 Assim, apesar de forma-
rem um todo invisível, os detalhes são percebidos e compreendidos individualmente.
Walter Benjamin define da seguinte maneira o problema da percepção dos deta-
lhes na arquitetura:
Os edifícios são apreendidos de duas maneiras: pelo uso e pela percepção, ou seja, 
pelo tato e pela visão [...] A apreensão tátil se realiza não tanto pela atenção como pelo 
hábito. No que diz respeito à arquitetura, o hábito determina em grande medida até 
mesmo a recepção óptica.29
Trata-se de uma teoria empírica que considera toda percepção do espaço como de-
pendente de convenções e que entende não só as qualidades, mas inclusive os detalhes 
como nada mais que sinais, cujos significados são aprendidos pela experiência. Essas 
convenções formam a base da arquitetura entendida como existência, forma e locali-
zação de objetos externos. Helmoltz denomina-as de percepções. '1’ As percepções são 
ideias ou sinais de objetos que resultam de uma interpretação das sensações que se
realiza por meio de processos de inferência geométrica inconsciente. A colocação de 
detalhes tem um papel fundamental nesses processos de inferência. As sensações visu-
ais guiadas por sensações táteis são as causas das proposições geométricas. Na arquite-
tura, tocar num corrimão, subir degraus ou caminhar no espaço entre dois muros, do-
brar uma esquina e reparar numa viga no teto resultam da coordenação de sensações 
visuais e táteis. A localização desses detalhes dá origem às convenções que vinculam 
um significado a uma percepção. A noção do espaço arquitetônico que é assim obtida 
decorre da associação das imagens visuais dos detalhes pela visão indireta, com a rela-
ção geométrica materializada em formas, dimensões e localização, que é desenvolvida 
pelo tato e pelo caminhar por entre os edifícios.
A arte do detalhe está presente em sua forma mais refinada e culta na obra de Cario 
Scarpa. Uma boa maneira de começarmos a analisar o conceito de detalhe na arquite-
tura de Scarpa é citar as palavras de Louis Kahn:
Na obra de Cario Scarpa 
Beleza
é a primeira impressão 
Arte
a primeira palavra 
depois o espanto
logo a percepção interior da Forma 
o senso da totalidade de elementos inseparáveis.
O desenho consulta a Natureza 
para dar existência aos elementos.
Uma obra de arte manifesta 
a integridade da Forma entre a 
sinfonia das formas selecionadas 
para os elementos. Nos elementos 
a junção inspira o ornamento, sua 
celebração.
O detalhe é a adoração da Natureza.31
A “adoração da junção” na arquitetura de Scarpa é uma ilustração perfeita da concinni- 
tas de Alberti. Cada detalhe conta a história de sua feitura, localização e dimensiona-
mento. A seleção dos detalhes adequados é consequência da escolha de papéis funcio-
nais. Os detalhes da arquitetura de Scarpa não resolvem apenas funções práticas, mas 
também funções históricas, sociais e individuais.32
De modo geral, pode-se caracterizar a arquitetura de Scarpa como a combinação 
dos princípios da arquitetura orgânica, na formulação de Frank Lloyd Wright, com
um experiente aproveitamento da habilidade do artesão do Vêneto e uma mistura de 
tecnologias modernas e antigas. Contudo, essa definição ainda é insuficiente, porque, 
se Scarpa tomou conhecimento da arquitetura de Wright de modo passivo, pela ob-
servação de fotografias e desenhos, seu contato como artesanato venetense era ativo e 
prático, baseado no trabalho e no trato cotidiano com pedreiros, carpinteiros, vidrei- 
ros e ferreiros de Veneza. O resultado é uma arquitetura moderna em que há bem mais 
que espaços funcionais e estruturas racionais. A doutrina funcionalista está presente 
na obra de Scarpa, mas a funcionalidade é mediada pela busca da representação e da 
expressão no processo da execução. A arquitetura de Scarpa se rebela contra a pura 
estrutura lógica e defende a união de res e verba, isto é, a união da representação com a 
função. Esse princípio governa a mudança da ênfase da arquitetura de Scarpa da estru-
tura para a expressão. Em seus objetos arquitetónicos, a téchne do logos, a construção 
do significado, é a maneira de produzir os sinais que são os detalhes. O logos da téchne, 
a edificação [constructing], fruto da expressão dos artesãos-construtores do Vêneto, na 
criação dos detalhes como sinais. De fato, os edifícios de Scarpa revelam uma busca 
permanente entre a forma real (construída) e a forma virtual (percebida). O constante 
manejo das discrepâncias entre as formas reais e as formas virtuais é o seu método de 
obter expressão. “ Em arquitetura’', disse Scarpa certa vez, “não existe a boa ideia. Só 
existe expressão.” 33
Uma boa análise do papel do detalhe nos edifícios de Scarpa somente pode ser 
realizada pela contínua comparação entre, por um lado, os desenhos e objetos cons-
truídos e, por outro, as referências históricas, práticas e formais que originaram cada 
detalhe. É preciso, além disso, examiná-los de dois pontos de vista. De um lado, en-
tendendo que o uso dos detalhes em Scarpa resulta da interface entre o projeto e 
o trabalho dos artesãos no local da obra e a constante “verificação sensorial” dos 
detalhes durante a montagem do edifício. Scarpa inventou uma rotina cotidiana de 
visitar o canteiro de obras durante a noite para inspecionar com uma lanterna a exe-
cução e a expressão dos detalhes. À luz do dia, seria impossível focar os detalhes sele-
tivamente. Com esse procedimento, o fenômeno da visão indireta se torna um fator 
importante na tomada de decisões no processo de projeto. A lanterna funciona como 
um análogo tanto do processo visual como do movimento do olho através do seu 
campo perceptivo (focando apenas em um ponto enquanto o olhar percorre tudo 
oque está ao redor). Outro arquiteto veneziano, Piranesi, usou a mesma técnica de 
visitar o local, as obras que queria estudar e representar em suas gravuras sobre as 
Antichità Romane. Para escolher a “expressão dos fragmentos” , isto é, dos detalhes, 
Piranesi usava a luz de uma vela.31
De outro lado, os detalhes de Scarpa também são fruto de um jogo intelectual re-
alizado a partir dos “desenhos de trabalho” que são fruto da interação do projeto com 
o trabalho do desenhista. O jogo consiste em equiparar a construção de uma represen-
tação e a construção de um edifício. A relação entre desenhos e edificações costuma 
ser vista como uma representação cartesiana baseada na comparação visual de linhas. 
Contudo, os desenhos de Scarpa mostram a verdadeira natureza dos desenhos arqui-
tetônicos, isto é, o fato de que são representações resultantes de construções. Eles são 
uma interpretação de juízos perceptivos sobrepostos ao processo real de construção 
física de um objeto arquitetônico. As linhas, as marcas no papel, são a transformação 
de um sistema de representação para outro, a transformação de sinais adequados com 
vista à predição de determinados eventos arquitetônicos. Em outras palavras, de um 
lado estão os fenômenos da construção e da transformação pelos construtores; de ou-
tro lado estão os fenômenos da construção de significados e da transformação por 
parte dos possíveis usuários. Em consequência disso, no mesmo desenho, estão pre-
sentes várias camadas de pensamento.
0 projeto é elaborado com a mesma técnica do desenho. O contínuo processo de 
inferência em que se baseia o processo de projeto transforma-se numa sequência de mar-
cas no papel que são análogas aos processos de constructing e de construing. O pedaço de 
papel escolhido para suportar o lento processo de construção de um projeto apresenta 
seções verticais e horizontais simultâneas, bem como elevações do objeto projetado. Os 
desenhos são cercados por vinhetas sem moldura, que analisam tridimensionalmente 
qualquer junção do objeto, como se fizesse uma previsão do papel de cada detalhe na 
criação do texto inteiro e na percepção dos detalhes pela “visão indireta” . Os desenhos 
de Scarpa não definem futuros objetos arquitetônicos como simples somatório de linhas, 
superfícies e volumes, mas apresentam o processo de transformação dos detalhes de um 
sistema de representação para outro, do desenho para o edifício.
Nos desenhos de Scarpa pode-se ter a “prova” do sistema de adequação que regula 
a percepção da arquitetura. As representações de estruturas tridimensionais numa su-
perfície bidimensional são a conclusão lógica da interação existente entre percepções 
visuais e táteis. A parte central do desenho geralmente mostra construções gráficas 
que poderíamos chamar de desenho técnico. Mas não é nada do que tradicionalmente 
identificamos como plantas, seções e elevações. Os desenhos de Scarpa não são me-
ras soluções de geometria descritiva cartesiana; são descrições da futura percepção 
de como o objeto foi executado. Os componentes visuais da percepção são analisados 
em função de um detalhe e não do todo, enquanto as percepções táteis são exami-
nadas em função do conjunto. Os desenhos mostram componentes não visíveis, mas 
que são o resultado e a projeção da construção e da interpretação do significado - o 
edifício mental de Alberti. São o produto dos efeitos na memória dos sentidos do tato 
e da visão na feitura e na utilização da obra de arquitetura. Os desenhos nunca estão 
completamente terminados; somente fragmentos e partes deles estão concluídos. Esse 
método revela por analogia que a arquitetura de Scarpa, apesar de ser uma totalidade, 
não pode ser caracterizada como um todo consumado. Uma totalidade arquitetônica
é um fenômeno composto de detalhes unificados por um “artifício” , um princípio es- 
truturante. Esse princípio, na arquitetura de Scarpa, é a ordem gerada pelo uso e pela 
compreensão de ideias arquitetônicas clássicas, como o projeto da fachada.35
Scarpa é um Magister Ludiy e seus edifícios são textos em que os detalhes consti-
tuem a unidade mínima de significação. As junções entre diferentes materiais, formas 
e espaços são pretextos para criar textos. A influência mútua entre esses comentários e 
textos precedentes na arquitetura de Scarpa é sempre um problema de junções, e na 
junção ele consegue mudar as convenções. Isso é possível porque muitos dos seus 
textos arquitetônicos são comentários eruditos a textos anteriores e, em muitos casos, 
como num scholium medieval, a interface do comentário com o texto original gera um 
terceiro texto. No projeto do anexo da Gipsoteca Canoviana,36 em Possagno, Scarpa 
conseguiu mudar a convenção que pede que as paredes do fundo de uma coleção de 
esculturas em gesso sejam de cor. A solução de Scarpa foi pôr as esculturas brancas 
contra uma parede toda branca banhada de luz, mas sem iluminar diretamente as 
peças. 0 problema e a solução estão no uso da luz. Scarpa resolveu-os num detalhe 
do encontro de três paredes em um canto cercado de vidro. Numa palestra proferida 
na Universidade de Veneza (1976), Scarpa descreveu a execução arquitetônica desse 
canto. 0 efeito de luz é produzido por um manejo formal. A solução da causa formal 
resolve a causa final. Ele a descreveu como um “ recorte do azul do céu”, uma causa 
formal, mas o resultado foi a iluminação da parede, a causa final. Nada descreve me-
lhor esse detalhe do que as palavras do próprio Scarpa:
Eu gosto de muita [...] luz natural: eu queria recortar o azul do céu. Depois 0 que euqueria era um nicho de vidro no alto [... ] O canto de vidro se torna um bloco azul em-
purrado para cima e para dentro (do edifício), a luz ilumina as quatro paredes. Minha 
inclinação por soluções formais me levou a preferir uma transparência absoluta. Por 
isso, eu não quis botar o canto de vidro dentro de uma moldura. Foi um tour de force, 
porque não era possível obter aquela ideia de transparência total. Quando superpo-
nho os vidros, continuo vendo o canto, especialmente se 0 vidro é grosso. Dentro de 
uma moldura, ele também ficaria visível. Mas aí, além disso, num dia claro, se poderia 
vero reflexo. Olha, quando eu vi o reflexo [...] odiei a mim mesmo. Não tinha pensado 
naquilo. São erros que a gente faz pensando, agindo, fazendo e, portanto, é preciso ter 
uma mente dupla, tripla, a mente de um ladrão, de um homem que faz conjecturas, 
que gostaria de roubar um banco, e é preciso ter o que eu chamo de presença de espí-
rito, uma atenção sempre alerta para entender tudo o que está se passando. '
0 desenvolvimento da arquitetura nos projetos de Scarpa avança por degraus e etapas. 
E esses degraus e etapas estão nos detalhes. Cada um representa uma solução provi-
sória que não se deve tomar como um resultado definitivo. Scarpa inventa detalhes
cujas funções se tornam claras somente após terem sido usadas em vários projetos. 
0 alcance dessas funções arquitetônicas varia do entendimento imediato ao mediato 
do significado de cada detalhe. Esse uso criativo de detalhes ajusta-se perfeitamente 
à concepção de [Ludwig] Wittgenstein sobre o uso criativo da linguagem. O signifi-
cado “exato” , isto é, a função das palavras, só se torna conhecido por um uso poste-
rior. A função de um detalhe num projeto se clarifica com sua reapresentação, isto é, 
nova utilização. O detalhe muitas vezes parece incompleto e vago relativamente ao 
seu princípio estruturante, mas visto que ele unifica por si só a função e a re-apresen- 
tação, a re-utilização faz com que ele se converta em um catalisador criativo, torna-se 
um detalhe fértil. A ré-utilização dos detalhes é análoga à re-utilização de leitmotifs 
em Wagner.38 Os leitmotifs são recursos estruturais usados por Wagner para montar 
e reconstruir a arquitetura da ópera internamente e são as menores unidades de sig-
nificação no texto musical. Os detalhes de Scarpa são recursos estruturais usados para 
montar por dentro o texto arquitetônico.
Um exemplo do detalhe fértil na arquitetura de Scarpa é o uso do motivo do zig- 
gurat [zigurate]. A função arquitetônica desses detalhes férteis aparece no Cemitério 
Brion em S. Vito d’Altivole e na fachada e interiores do Banca Popolare di Verona. 
No cemitério, o zigurate é executado em concreto moldado, e é uma celebração da 
possibilidade da moldagem como gerador de ornatos. No banco, principalmente na 
fachada principal, o zigurate é uma p rim a dorm a em rosso verona, o mármore verme-
lho local com que é feito, que lembra um brocado.
A primeira vez que Scarpa usou esse detalhe foi no tratamento cosmético de uma 
fachada provisória, executado com o empilhamento de blocos de concreto na frente do 
Pavilhão Italiano na Bienal de Veneza de 1962. Mas, como Heráclito já observara, a raiz 
àecosmesisé cosmos. Esse mesmo detalhe ornamental foi usado como ordem principal 
no projeto de Scarpa para o Museu de Castelvecchio em Verona. O motivo zigurate foi 
a solução encontrada para o arremate das camadas sucessivas de paredes da fachada 
do prédio para deixar à mostra a junção virtual entre as paredes originais e a réplica 
romântica do muro frontal construído por Antonio Avena em 1924. No Museu de Cas-
telvecchio, a estátua equestre medieval de Cangrande e a estrutura que a sustenta ocu-
pam um lugar que dá vista do balcão, da ponte e do pátio logo abaixo. Essa disposição 
permite que se veja a estátua de perto e de baixo, tal como se podia vê-la no seu local 
original, no santuário de Cangrande. Essa junção dá origem a todo o texto que fala so-
bre a organização espacial do Museu de Castelvecchio. Assim, ela é a origem da solução 
formal do museu e do texto no contexto.
Um projeto mais antigo da plataforma que sustenta a estátua de Cangrande mos-
tra-a como o pretexto para a celebração da junção virtual determinada por sua locali-
zação. Esse desenho revela que a ideia do zigurate toi a origem da parede. As camadas 
sucessivas de parede são unidades independentes e cada uma se expressa num zigurate
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vertical. 0 espaço que é aberto pelo corte da parede da fachada serve a toda a com-
posição do novo arranjo imaginado por Scarpa para o museu. O espaço, uma junção 
virtual, é a principal articulação no percurso do museu, mas é, ao mesmo tempo, uma 
“junção negativa” na articulação das massas no Castelvecchio. O espaço aberto, em vez 
de separar, ajuda a ligar as massas da esquerda e da direita do castelo. Essas massas 
situam-se dos dois lados da torre que articula a junção entre a ponte sobre o rio Adige 
e o castelo. A escolha do zigurate como terminação da parede estabelece uma transi-
ção entre o lado interno e o lado externo da articulação. O zigurate deixa visíveis os 
materiais dessa complexa articulação arquitetônica, formada de planos verticais que 
definem uma relação de moldura com a estátua de Cangrande, o eixo visual da articu-
lação. O detalhe em zigurate também é usado em muitas outras partes do museu. No 
estudo para o projeto da entrada, Scarpa lança mão desse detalhe fértil para resolver o 
problema da junção das pedras usadas no piso e para solucionar a profunda abertura 
das janelas na grossa espessura das paredes medievais.
O detalhe do zigurate também é largamente utilizado no projeto do Cemitério de 
Brion. O material, concreto moldado in loco> dá novo significado ao detalhe. A intera-
ção da forma com o material desloca o detalhe fértil do domínio de uma produção sub 
specie utilitatis para o de uma produção sub specie aeternitatis. É concebido como uma 
“ruína” carregada de lembranças eternas. É um detalhe perfeito para a arquitetura de 
um cemitério, um lugar de lembranças. Assim usado, o zigurate prova ser um detalhe 
fértil. Um detalhe comprova sua fertilidade quando deixa de ser uma linguagem arqui-
tetônica privada e se torna acessível a todos por meio de uma produção coletiva. Um 
exemplo célebre dessa fertilidade é o da janela serliana, que, após ser usada por Palla- 
dio, tornou-se um detalhe-padrão conhecido como janela palladiana. De fato, o zigu-
rate scarpiano foi copiado por muitos arquitetos em seus projetos, mas hoje é usado 
na arquitetura coletiva e se tornou um padrão nos cemitérios do Vêneto. O templo 
neoclássico in antis, que foi muito usado nas capelas familiares, modificou-se em vir-
tude de um novo modelo de referência. O detalhamento das ordens dórica ou toscana 
foi substituído por um novo tipo, uma nova ordem, o zigurate scarpiano em concreto 
moldado in loco.
Concluindo esta discussão sobre o papel do detalhe como unidade mínima no 
processo de significação (isto é, na manipulação do significado), é importante rea-
firmar que a arquitetura é tanto uma arte como uma profissão, fato que se deduz do 
conhecimento gerado pelo detalhe como junção. A arquitetura é uma arte porque se 
ocupa não só da necessidade primordial do abrigo, mas também da união de espaços 
e materiais de uma maneira significativa. E isso se realiza por meio de junções formais 
e reais. É na junção, isto é, no detalhe fértil, que têm lugar tanto a construção física 
\constructing\ como a construção do significado [construing].
Além disso, é importante para complementar nossa análise sobre o papel essencial
da junção como o lugar onde se dá o processo de significação lembrar que o signifi-
cado da palavra arte, em sua raiz indo-europeia original, é “junção” . Conforme escre-
veu Louis Kahn:
A junção é o começo do ornamento
E é preciso distingui-la da
Decoração que é simplesmente aplicada.
O ornamentoé a adoração da junção.39
[“The Tell-the-Tale Detail” foi originalmente publicado em v i a 7: The Building of Archi- 
tecture, 1984, pp. 23-37. Reproduzido com autorização do autor e da editora. (O título ori-
ginal tece um jogo de palavras entre detail (detalhe) e the tale (o conto) e tell (contar), difi-
cilmente reprodutível em português, com a mesma sonoridade, graça e eficácia semântica. 
Uma tradução aproximada poderia ser algo como “o detalhe que talha a trama”, ( n .r .t .)]
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. W. S. Heckscher, “Petites Perceptions”, J o u r n a l o f M e d ie v a l a n d R e n a is s a n c e S t u d ie s 4,1974, pp. íoiss. 
A noção do detalhe como processo de significação encontra-se desde Leibniz até Raimundo Lúlio.
. Ao tomar nota rapidamente dos dados referentes a essa máxima, tive um la p s u s c a l a m i , e cm 
vez de escrever G o d [Deus] com um 0 somente, dupliquei a letra, escrevendo 0 0 . Mais tarde, na 
mesma página do meu caderno de anotações, escrevi uma nota retirada de uma passagem do 
tratado de arquitetura de Vitrúvio, D e A r c h it e t t u r a (compilação e comentários de S. Ferri, Roma: 
1960, p. 10). Dias depois, ao rever essas notas, surpreendeu-me a presença da transcrição quase 
platônica de uma máxima quase aristotélica — “ G o o d lie s in t h e d e t a i l s ' [O bom está nos deta-
lhes) — ao lado de uma anotação que dizia que Calímaco, o autor mítico do capitel coríntio, cujo 
nome em grego significa “Aquele que busca ardorosamente a beleza” , tinha sido apelidado de 
K a t a t e x ite c h n o s pelos atenienses. Com essa longa e complicada alcunha, os atenienses reconhe-
ciam que a obra de Calímaco era fruto de uma atividade desenvolvida pelo método racional com 
vistas a um objetivo produtivo específico, e ele era um mestre nisso. T é c h n e é o retlexo na ação 
que se materializa nos detalhes (M. Isardi Parente, T e c h n é . [Florença: 1966)). Esse curioso erro 
de ortografia e a associação de palavras levaram-me a pensar no papel da t é c h n e na produção da 
arquitetura e no processo de significação em arquitetura.
. No detalhe arquitetônico, as normas práticas (tecnologia) e as normas estéticas (semiótica) for-
mam uma relação dialética. O detalhe é a unidade da produção na arquitetura. Sobre a origem 
dessa teoria no século xvni, ver Marco Frascari “ Sortes Architectii in the Eighteenth-Century 
Veneto” , tese de doutorado, Universidade da Pensilvânia, 1981.
. Para um exame e uma discussão dos diversos elementos e teorias elaborados pela semiótica arquite-
tural, veja Martin Krampen, M e a n in g in the U r b a n F n v i r o n m e n t . Londres, 1979, pp. 6-91.
8 J. Labatut, “An Approach to Architectural Composition” , M o d u l u s 9, 1964, pp. 55-63.
7. Roger Scruton em Aesthetic o f Architecture. Princeton: 1979, pp. 77ss, mostra uma abordagem 
diferente, mas chega à mesma conclusão.
8. Um exemplo é o desm oronam ento da Biblioteca Marciana de Veneza. Em sua primeira obra 
veneziana, J. Sansovino, na realidade um habilidoso “ proto” , usou detalhes romanos (maniera 
Romana) que não funcionaram no ambiente de Veneza. Ver T. Temanza, Vite deipiü Celebri 
Architetti e Scultori Veneziani. Veneza: 1778.
9. Na arquitetura, as funções dependem tanto da construção em si como de quem as utiliza ou or-
ganiza seu uso. O costume e o uso repetido são o fundamento das funções. A arquitetura não 
só realiza, como indica suas funções, e podemos organizá-la em quatro horizontes funcionais: 
prático, histórico, social e individual. Sobre os quatro horizontes funcionais e uma tipologia das 
funções, veja J. Mukarovsky, “ The Place o f the Aesthetic Function Among the Other Functions in 
Architecture” , in Structure, Sign and Function. New Haven: 1978, pp. 240-243.
. A origem c o m e rc ia l fr a n c e s a da palavra, que distingue entre vender fatias de pizza e vender pizzas 
inteiras, a lém d e a fir m a r q u e os detalhes são pedaços, não ajuda a entender o detalhe co m o junção 
ou c o m b in a çã o , e s u a r e la ç ã o não subalterna com as totalidades. Um termo melhor e mais signifi-
cativo é o ita lia n o particolari architettonici, que também tem conexões com as teorias literárias do 
século x v i i i , p o r e x e m p lo , com a noção de particolareggiamento, de Antonio Conti.
11. Nicolas Boileau-Despréaux, L ’Artpocticjue , 1670; repr. Paris, 1966, p. 158.
12. G. B. Piranesi, “ Parere” , 1765, in J. Wilton-Ely íorg.j, The Polemicai Works, Franborough: 1972.
. Soane, Lectureson Architecture, Londres: 1929, p. 177.
. Para uma discussão sobre a origem da analytique no jardim de Lodoli, em S. Francesco delia 
Vigna, ver Frascari, uSortes Architectii'\ op. cit.
. Sobre o papel da analytique e do processo de detalhamento, ver a discussão da teoria do partico- 
lareggiamento, de Antonio Conti, em Frascari, “ Sortes Architectii", op.cit., pp. 141-150.
. G. O. Gamey, The American Glossary o f Architcctural Tcrms. Chicago: 1887.
. D. Ramée, Dictionnaire Général des Tertnes d'Architecture. Paris: 1868.
. Movimento que criticou a Revolução Industrial pela desintegração promovida na organização 
da sociedade, do trabalho e da cultura. C o m o alternativa a essa desintegração, o movimento pro-
punha a retomada das artes e ofícios medievais, do artesanato, como forma de restabelecer a uni-
dade do homem e da comunidade, o prazer no trabalho e o vínculo entreos materiais, 0 local e a 
produção, [ n . r .t .]
. J. Lotman, “The Dynamic Model o f a Semiotic System” , Semiótica 21, n. 3-4,1977, p. 194.
. Leon Battista Alberti, De Re Aedijicatoria (Bolonha: 1782). O princípio do nihil addi é explicado 
no primeiro volume, mas teoricamente desenvolvido nos volumes seis e sete. Sobre essa nova in-
terpretação do conceito, veja a análise do papel da “decoração nos pequenos templos”: “e ti pare 
che, vi si possa, vi si debba aggiungcre,\
. Alberti elabora essa noção tripartite de beleza no volume sete, ix, 5, pp. 229-230.
 Ludwig Wittgenstein, Remarks on the Foundation o f Mathematics ( a , 11, 14, j; cf. 11, 47, e v, 46). 
Oxford: 1956.
. Sobre o uso do corpo humano como referência básica do design e fonte de medidas, veja Marco 
Frascari, “A ‘Measure’ in Architecture: A Medical-Architectur Theory by Simone Stratico, Archi- 
tetto Veneto” . Res, Spring 1985.
. Para 0 conceito de analogia em arquitetura, ver Ferri (org.), Vitrúvio, pp. 30 ss.
. Mukarovsky, Jan, “The Place o f the Aesthetic Function” , op. cit., pp. 240 243.
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