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Filosofia Volume 12 13 14 Sumário Lógica informal .......................................... 4 Falácias .......................................................................................................... 6 Nova Retórica ................................................................................................ 10 Razão comunicativa ....................................................................................... 13 Filosofia da Linguagem ............................... 19 Virada da linguagem ..................................................................................... 22 Acesse o livro digital e conheça os objetos digitais e slides deste volume. Lógica informal Ponto de partida 13 • Como a linguagem pode contribuir para convencer as pessoas a acreditar em algo que não é verdadeiro? • Como um argumento pode ser construído? • Que razões existem para aceitar um argumento como verdadeiro? • A quem pode interessar convencer alguém a acreditar em algo falso? O cubo representado nessa imagem é possível? Ele parece verdadeiro? Marcos Gomes. 2016. Digital. 4 Nesta unidade, você estudará elementos da Lógica informal. Ela é diferente da Lógica formal, que trata de regras estruturais para a constituição de raciocínios, a fim de evitar contradições e conclusões falsas. A Lógica informal aborda as falácias não formais, isto é, raciocínios (ou argumen- tos) que levam a enganos, por meio da aplicação da linguagem e da influência psicológica exercida sobre os ouvintes. Você também conhecerá a Lógica da Argumentação, ou Nova Retórica, que estuda o uso da lin- guagem em situações de desacordo entre pessoas, e o conceito de razão comunicativa, um possível instrumento para a busca de consensos por meio da argumentação intersubjetiva. a Lógica informal. Ela é diferente da Lógica formal, uição de raciocínios, a fim de evitar contradições e Em diferentes situações da vida humana, a linguagem pode ser emprega- da para esclarecer, mas também para confundir ou enganar as pessoas. Por meio dela, é possível afirmar que algo é verdadeiro ou falso e tentar convencer os outros a acreditar no que está sendo dito. Afinal, as intenções e os interes- ses que motivam as afirmações de um indivíduo podem variar muito e nem sempre são considerados ou avaliados pelos ouvintes. Uma das consequên- cias disso é a possibilidade de se deixar convencer por algo que não seja ver- dadeiro. Daí a importância de refletir sobre a linguagem e seus usos. Para ler e refletir O texto a seguir, em forma de fábula, possibilita uma reflexão sobre o uso cotidiano das palavras “verdade” e “mentira”. A revolta das palavras: uma fábula moderna [...] Um dia, elas se cansaram de estar sendo usadas de maneira errada por pessoas sem escrúpulos, que só queriam tirar vantagens para si, sem se importar de causar prejuízo aos outros. Certa noite, numa hora em que os dicionários não estavam sendo usados, elas fizeram uma reunião. A reunião foi presidida pelas duas palavras mais prejudicadas pelo mau uso – ou seja, a Verdade e a Mentira. – Minhas irmãs – disse a Verdade –, nós precisamos tomar providências para acabar com os abusos na maneira como somos usadas. A mim, me usam constantemente as pessoas desonestas quando querem se aproveitar da ingenuidade de gente de boa-fé. – É isso mesmo – confirmou a Mentira. – Os desonestos também abusam de mim quando chamam de mentiroso alguém que diga algo verdadeiro que possa prejudicá-los. E, embora eu não queira, sou obrigada a servir de disfarce das más intenções deles. – Para acabar com esses abusos, minhas irmãs – concluiu a Verdade –, só há uma solução. De agora em diante, todas nós devemos nos recusar a ser mal-usadas. Assim, quando alguém quiser dizer ou escrever uma mentira disfarçada de verdade, não conseguirá. Porque, em vez de eu aparecer, mandarei no meu lugar a Mentira. – E se um desonesto – confirmou a Mentira – quiser chamar uma verdade de mentira, não adianta me cha- mar que eu não irei. No meu lugar mando a Verdade. Vocês todas, façam isso também, não se deixem explorar. As outras palavras bateram palmas para a proposta das duas presidentas e juraram, a uma só voz, que cumpririam ao pé da letra o que ficara combinado na reunião. [...] PAES, José Paulo. A revolta das palavras: uma fábula moderna. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1999. © Sh ut te rs to ck /L isa A 5 A situação descrita no texto pode ser entendida como metáfora em relação a fatos observáveis em diferentes contex- tos sociais da atualidade. Pensando nisso, discuta as seguintes questões com os colegas: • No cotidiano das pessoas, quais são os critérios geralmente empregados para distinguir verdade de mentira? • Essa distinção é necessária? Por quê? • Em que situações uma pessoa pode apresentar propositalmente algo falso como se fosse verdadeiro e vice-versa? • Que razões podem ocasionar esse tipo de inversão? Falácias Alguém já o convenceu a acreditar em algo que não era verdadeiro? Você já se deixou influenciar por um discurso belo e comovente, feito por um bom orador, mas isento de compromisso com a verdade de seus argumentos? Se as respostas forem afirmativas, provavelmente você foi persuadido a crer em argumentos falaciosos. A origem da palavra falácia é atribuída ao termo latino fallere, que significa engano, trapaça, artimanha, e ao termo grego sfalo, que significa resvalar, escorregar. No âmbito da Lógica, as falácias, também denominadas sofismas, são raciocínios elaborados com erros que pas- sam despercebidos e que resultam na persuasão dos ouvintes, sem ter compromisso com a verdade. Quando utilizam a estrutura do silogismo, porém desrespeitando suas regras, esses raciocínios são chamados de falácias formais, pois surgem de imperfeições na maneira de organizar as proposições e seu encadeamento. Por sua vez, as falácias não formais decorrem de vícios de linguagem e estratégias de manipulação emocional, empregados para induzir os inter- locutores a certas conclusões. Conceito Observe, a seguir, um exemplo de situação em que uma pessoa argumenta contra a atitude de outra, procurando gerar arrependimento na ouvinte: Nessa tira, uma das personagens se deixa convencer por outra, com base em um apelo emocional. Quando a argumentação segue esse caminho, torna-se psicológica em vez de lógica. Tal como o argumento da tira, as falácias não formais são argumentos que procuram influenciar psicologicamente os ouvintes. Para isso, utilizam artifícios da linguagem e/ou apelos emocionais. Em geral, seu objetivo é persuadir alguém a aceitar como verdadeiras afir- mações que estejam de acordo com as opiniões ou os interesses de quem fala. Para isso, empregam-se vários procedimentos, os quais, por sua vez, determinam a denominação e a classificação das falácias. Observe, a seguir, alguns exemplos. W ill L ei te - w ill tir an do .co m .b r 6 Volume 12 • Ad hominem ou contra o homem Ocorre quando, em um diálogo, alguém ataca a pessoa do oponente e não os argumentos dele. Por exemplo, em um debate político, após um candidato apresentar seus argumentos de modo convincente, o candidato adversário procura des- viar a atenção do público em relação a esses argu- mentos, partindo para ataques e ofensas pessoais. • Ad populum ou populismo Trata-se de apelar para a popularidade de uma opinião ou atitude, a fim de convencer os ouvin- tes a adotá-la também. Atualmente, é comum esse tipo de falácia basear-se em pesquisas para demonstrar que a maioria das pessoas já conso- me determinado produto ou já decidiu votar em tal candidato. Porém, afirmações como “não fique de fora e participe da promoção...” ou, ainda, “faça como os milhares de eleitores de fulano e vote nele nas próximas eleições” são falaciosas, pois a popularidade não demonstra a validade ou a ve- racidade de algo, tampouco o valor de alguém. • Ad verecundiam ou apelo à autoridade Para convencer, utiliza sentimentos como respeitoou admiração, motivados por aspectos como au- toridade, celebridade ou posição hierárquica. Por exemplo, em uma sala de aula, um aluno questio- na um posicionamento do professor e este, em vez de defender a tese questionada, responde que tem mestrado, doutorado e, por isso, o aluno deve acre- ditar nele. Outro exemplo é quando uma afirma- ção é considerada verdadeira porque foi feita por uma celebridade. • Non causa pro causa ou falsa causa Apresenta-se quando um acontecimento é justifi- cado por uma causa irreal. A ocorrência desse tipo de falácia é comum no âmbito da superstição. Por exemplo: Ele bateu o carro (acontecimento) porque, algumas quadras antes, cruzou com um gato preto (causa). A falsa causalidade também pode ser perce- bida quando uma sucessão de fatos é interpretada como cadeia causal. Por exemplo: Ela curou-se da gripe (acontecimento) após beber chá de chuchu por sete dias (falsa causa, pois o período de duração dos sintomas de uma gripe é estimado em sete dias). Na Antiguidade grega, o templo dedicado a Apolo, na cidade de Delfos, era visitado por pessoas que desejavam consultar o oráculo desse deus antes de tomar certas decisões. Porém, as respostas obtidas, em tom de profecias, eram, muitas vezes, enigmáticas e marcadas pela ambiguidade. • Anfibologia ou ambiguidade Constitui-se por meio de proposições cuja cons- trução linguística é ambígua, ou seja, que podem ser interpretadas de diferentes modos. Observe um exemplo: conta-se que, na Antiguidade grega, Creso, rei da Lídia, pretendia atacar os persas. Antes disso, foi ao templo de Apolo, em Delfos, consultar o oráculo sobre a possibilidade de ter sucesso. Obteve a resposta de que, se realizasse o ataque almejado, um grande império seria des- truído. Concluiu que o oráculo estava se referindo ao Império Persa e partiu para a batalha, convicto de que sairia vencedor. Porém, o resultado foi a destruição do seu próprio império. • Composição/Divisão Ocorre quando há um equívoco na atribuição de qualidades entre o todo e as partes. Na falácia da composição, atribui-se indevidamente ao todo algo que é verdadeiro em parte. Por exemplo: Cláudio mora em Recife e é artista de circo. João mora em Recife e é artista de teatro. Pedro mora em Recife e é artista de rua. Logo, todo recifense é artista. Na falácia da divisão, ocorre o inverso, sendo uma característica do todo atribuída a uma parte, sem a devida análise. Por exemplo: No estado do Amazo- nas há muitos indígenas. Pedro mora no Amazonas. Pedro é indígena. © Sh ut te rs to ck /D an ce 60 Filosofia 7 Para ler e refletir Leia, a seguir, um trecho do conto O amor é uma falácia. Ele descreve o fracasso de um rapaz que utiliza argumentos falaciosos na tentativa de conquistar uma garota. Nesse contexto, são mencionados novos tipos de falácias não formais. O amor é uma falácia [...] – Minha querida [...] hoje é a sexta noite em que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par. – Generalização Apressada – exclamou alegremente. – Perdão – disse eu. – Generalização Apressada – repetiu ela – Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros? [...] [...] Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e con- vincente. Fiz uma pausa, enquanto meu potente cérebro selecionava as palavras adequadas. Depois comecei: – Polly eu a amo. Você é tudo no mundo para mim, é a lua e as estrelas e as constelações no firmamento. Por favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão minha vida não terá mais sentido. Enfraque- cerei, recusarei a comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma de olhos vazios. Pronto, pensei, está liquidado o assunto. – Ad Misericordiam – disse Polly. Cerrei os dentes. [...] Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava me invadir. Era preciso man- ter a calma a qualquer preço. – Bem, Polly – disse, forçando um sorriso – não há dúvidas de que você aprendeu bem as falácias. – Aprendi mesmo – respondeu ela, inclinando a cabeça com vigor. – E quem foi que as ensinou a você, Polly? – Foi você. – Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia. – Hipótese Contrária ao Fato – disse ela sem pestanejar. Enxuguei o suor do rosto. – Polly – insisti, com voz rouca – você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadê- mico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida. – Dicto Simpliciter – brincou ela, sacudindo o dedo em minha direção. Foi o bastante. Levantei-me num salto, berrando como um touro. – Você vai ou não vai me namorar? – Não vou – respondeu ela. – Por que não? – exigi. – Porque hoje à tarde eu prometi a Petey Bellows que seria a namorada dele. [...] – Aquele rato! – gritei chutando a grama. – Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. Um traidor. Um rato. – Envenenar o Poço – disse Polly. – E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia. Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei minha voz: [...] – Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Petey Bellows? – Posso, sim – declarou Polly. – Ele tem um casaco de pele de marmota. SHULMAN, Max. O amor é uma falácia. Tradução de Luis Fernando Veríssimo. In: AS CALCINHAS cor-de-rosa do capitão e outros contos humorísticos. Porto Alegre: Globo, 1973. (Ipilivro 1), p. 87-90. © Sh ut te rs to ck /M ar tin N ov ak 8 Volume 12 1. Numere a segunda coluna, indicando o tipo de falácia não formal presente em cada item: ( 1 ) Ad hominem ( 2 ) Ad populum ( 3 ) Ad verecundiam ( 4 ) Non causa pro causa ( 5 ) Anfibologia ( 6 ) Composição/divisão ( ) É claro que devo seguir as dicas desse homem. Ele não seria um ídolo para milhões de pessoas se não tivesse razão no que diz. ( ) As autoridades determinaram que os policiais dispersassem os manifestantes, mas eles não obedeceram. ( ) Os tempos são outros, e você precisa se unir aos que acompanharam os avanços da Modernidade. ( ) O povo brasileiro é pacífico. Maria é brasileira; por- tanto, é uma pessoa pacífica. ( ) Você é mulher, por isso defende os direitos femininos. É um modo de garantir seus próprios interesses. ( ) A vitória está garantida, pois o jogo será na cidade do time e ele nunca perdeu uma partida em casa. Atividades No contexto dos personagens do conto, o “casaco de pele de marmota” era um objeto de desejo, por estar na moda. Sendo assim, embora Polly utilize conhecimentos de Lógica para responder às investidas do pretendente, escolhe seu namorado com base em uma razão que não é lógica ou linguística. Considerando esse exemplo, responda às questões a seguir e justifique suas opiniões. 1. No cotidiano, é comum as pessoas argumentarem com base em razões lógicas? 2. É possível e desejável que uma pessoa seja lógica o tempo todo? Filosofia 9 2. Pesquise e registre as definições das falácias mencionadas no texto. a) Generalização apressada b) Ad misericordiam c) Hipótese contrária ao fato d) Dicto simpliciter e) Envenenar o poço 3. Crie exemplos para as falácias mencionadas no texto. 4. Pesquise e apresente discursos políticos ou textos publicitários cuja argumentação seja construída com base em falácias. Nova Retórica Questões referentes ao uso da linguagem e à sua relação com a verdade ou o engano têm sido objetos de reflexão desde as origens da Filosofia. Na Antiguidade, por exemplo, Aristóteles organizou a Analítica, que deu origem à Lógica formal, além de refletir sobre a dialética e a retórica, abordando as diferentes formas empregadas na tentativa de per- suadir as pessoas, tais como as afirmações hipotéticas e os apelos emocionais. A partir da Modernidade, a Lógica formal, cujo objetivo é a demonstração da verdade das proposições, passou a ser vista como uma linguagemespecífica para ser aplicada às ciências. Porém, há inúmeras situações da vida social que exigem o exercício da argumentação, na tentativa de convencer pessoas quanto ao valor de certas opiniões. 10 Volume 12 Para ler e refletir No texto a seguir, Perelman reflete sobre o papel do discurso como meio não violento de se buscar a adesão das pessoas a determinada crença ou opinião. Pode-se, de fato, tentar obter um mesmo resultado, seja pelo recurso à violência, seja pelo discurso que visa à adesão dos espíritos. É em função dessa alternativa que se concebe com mais clareza a oposição entre liberdade espiritual e coação. O uso da argumentação implica que se tenha renunciado a recorrer unicamen- te à força, que se dê apreço à adesão do interlocutor, obtida graças a uma persuasão racional, que este não seja tratado como um objeto, mas que se apele à sua liberdade de juízo. O recurso à argumentação supõe o estabelecimento de uma comunidade dos espíritos que, enquanto dura, exclui o uso da violência. Consentir na discussão é aceitar colocar-se do ponto de vista do interlocutor, é só se prender ao que ele admite e não se prevalecer de suas próprias crenças. Senão na medida em que aquele que procuramos persuadir está disposto a dar-lhe seu assentimento. [...] De fato, toda comunidade, seja ela nacional ou internacional, prevê instituições jurídicas, políticas ou diplomáticas que permitem resolver certos conflitos sem que se seja obrigado a recorrer à vio- lência. Mas é uma ilusão crer que as condições dessa comunhão das consciências estão escritas na natureza das coisas. [...] PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 61-62. Pensando nisso, na década de 1940, o pensador polonês Chaïm Perelman abordou elementos da Lógica formal e da Lógica informal, estabelecendo a Lógica da Argumentação, também conhecida como Nova Retórica, cujo objeto de estudos é a argumentação em contextos de desacordo entre pessoas. Segundo Perelman, argumentar é um modo de agir sobre os ouvintes por meio do discurso. Trata-se de elaborar e fornecer razões a favor de uma tese ou contra ela, buscando a adesão de quem ouve. Logo, aquele que argumenta precisa perceber para quem está falando, ou seja, quais são as características de seu público. Afinal, o que está em jogo numa situação de argumentação não é somente a verdade das proposições, como na demonstração lógica, mas também a possibilidade de haver diferentes julgamentos de valor sobre o que é dito. Portanto, mesmo que dois interlocutores demonstrem logicamente a validade de suas opiniões, terão que explici- tar um para o outro a diferença de valor que percebem entre elas. Daí a importância de defendê-las com argumentos convincentes, o que se torna ainda mais relevante quando uma ação depende do acordo entre opiniões. Logo, o orador deve demonstrar apreço pela adesão do público, o que significa que não deve tentar impor suas ideias, nem enganar seus interlocutores, mas, ao contrário, buscar a convicção deles, por meio da exposição de razões racionais que funda- mentem suas afirmações. Nesses casos, a argumentação é o elemento que substitui a força e a violência para obter a adesão dos ouvintes e conduzi-los à ação. Levando em conta esses aspectos, Perelman destacou dois tipos de discursos persuasivos: • a educação, que procura reafirmar opiniões já aceitas, apresentando-as como premissas desejáveis; • a propaganda, que procura modificar opiniões para criar novos interesses. Diante desses dois tipos de discurso, tão presentes na vida social, ter conhecimentos sobre a argumentação pode contribuir para tornar as pessoas mais críticas e menos vulneráveis a falácias e manipulações. Un ite d St at es H ol oc au st M em or ia l M us eu m Perelman se inspirou na obra de Aristóteles para criar uma teoria da argumentação, conhecida como Nova Retórica, por meio da qual defende ser possível inserir juízos de valor na esfera racional. Filosofia 11 1. Cada item a seguir destaca uma afirmação presente no texto de Perelman. Explique os sentidos dessas afirmações e posicione-se criticamente em relação a elas. Argumente para justificar seu ponto de vista. a) “O recurso à argumentação supõe o estabelecimento de uma comunidade dos espíritos que, enquanto dura, exclui o uso da violência”. b) “Consentir na discussão é aceitar colocar-se do ponto de vista do interlocutor, é só se prender ao que ele admite e não se prevalecer de suas próprias crenças”. 2. Debata as questões a seguir com os colegas. Depois, registre suas conclusões, justificando-as por meio de exemplos e argumentos. a) Que efeitos políticos e sociais podem ter o conhecimento e o desconhecimento sobre a argumentação? b) A sociedade na qual você está inserido oferece oportunidades reais para a argumentação entre as pessoas? 12 Volume 12 A tira a seguir faz uma crítica às mudanças, ocorridas nas últimas décadas, quanto à forma de se apresentar um produto aos consumidores: Estabeleça relações entre o conteúdo da tira e o conceito de propaganda no pensamento de Perelman. Razão comunicativa Nascido em 1929, o filósofo alemão Jürgen Habermas pertence à segunda geração da Escola de Frankfurt. Nas últimas décadas, suas reflexões, publicadas em livros, revistas e jornais, têm sido uma contribuição importante nos debates sobre temas ligados à Ética, à Bioética, à Política e ao Direito Internacional, entre outros. Ele descreve duas esferas da sociedade: o mundo do sistema, no qual se desenvolve a ação estratégica do homem – ou seja, a ação pautada pela relação entre meios e fins –, e o mundo da vida, no qual acontecem as interações dos sujeitos e se desenvolve a ação comunicativa. Sendo assim, enquanto a primeira geração de Frankfurt abordou o conceito de razão instrumental, em con- traponto ao de razão crítica, denunciando a predominância dessa forma de racionalidade no contexto capitalista, Habermas propõe um novo conceito: a razão comunicativa. Embora reconheça que, na atualidade, a técnica vem substituindo a interação humana e institucionalizando a comunicação, promovendo o isolamento e o individualis- mo, ele atribui à razão comunicativa um caráter emancipatório do ser humano, por ser intersubjetiva. Isso significa que, ao contrário do que acontece no âmbito da razão instrumental, em que as pessoas são tratadas como objetos, a razão comunicativa ocorre entre sujeitos, considerados mutuamente capazes de estabelecer acordos racionais, por meio da argumentação lógica e democrática, em vez de relações de dominação e submissão. Logo, a proposta de Habermas vai além do âmbito da Lógica, sendo conhecida como Ética discursiva. An dr é Da hm er Filosofia 13 ConexõesConexões Para ler e refletir No texto a seguir, Habermas defende o uso da razão comunicativa. Para isso, ressalta a importância de buscar o consenso, de forma intersubjetiva, por meio do diálogo e da argumentação coerente, em vez da imposição individual das ideias de um único sujeito (monólogo). Para ele, esse tipo de argumentação baseia-se na aceitação das melhores razões, ou seja, dos argumentos de maior validade. [...] O que pesa sobre as decisões dos participantes de um discurso prático é a força de obrigatoriedade daquela espécie de razões que, em tese, podem convencer a todos igualmente – não só as razões que refletem minhas preferências, ou as de qualquer outra pessoa, mas as razões à luz das quais todos os participantes podem descobrir juntos, dado um assunto que precisa ser regulamentado, qual a prática que pode atender igualmente aos interesses de todos. É evidente que a autoconsciência e a capacidade da pessoa de assumir uma posição refletida e deliberada quanto às próprias crenças, desejos, valores e princípios, mesmo quanto ao projeto de toda a sua vida, é um dos requisitos necessários para o discurso prático. Há um outro requisito, porém, tão importante quanto esse. Os participantes,no momento mesmo em que encetam uma tal prática argumentativa, têm de estar dispostos a atender à exigência de cooperar uns com os outros na busca de razões aceitáveis para os outros; e, mais ainda, têm de estar dispostos a deixar-se afetar e motivar, em suas decisões afirmativas e negativas, por essas razões e somente por elas. [...] A discussão nos faculta, com efeito, ambas as condições: a primeira: que cada participante individual seja livre, no sentido de ser dotado de autoridade epistêmica da primeira pessoa, para dizer “sim” ou “não” – [...]; a segunda: que essa autoridade epistêmica seja exercida de acordo com a busca de um acordo racional; que, portanto, só sejam escolhidas soluções que sejam racionalmente aceitáveis para todos os envolvidos e todos os que por elas forem afetados. Não se pode isolar a primeira condição, a da liberdade comunicativa, da segunda, tampouco se pode atribuir a ela uma prioridade sobre a segunda, que é a da busca de um consenso. Esta última condição reflete o sublime vínculo social: uma vez que encetamos uma práxis argumentativa, deixamo- -nos enredar, por assim dizer, num vínculo social que se preserva entre os participantes mesmo quando eles se dividem na competição da busca do melhor argumento. HABERMAS, Jürgen. A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 14-16. discurso prático: diálogo em torno de questões relevantes para a vida das pessoas. práxis argumentativa: vivência prática de argumentação. autoridade epistêmica: autoridade, valor, no que se refere ao conhecimento. Jürgen Habermas O ponto de partida de Habermas é a compreensão da linguagem como aspecto universal da razão humana, cujo objetivo não é expressar a realidade, mas colocar pontos de vista subjetivos em relação. Trata-se, portanto, de um caminho para estabelecer relações entre indivíduos e seus valores, permitindo a elaboração e o questionamento de normas sociais, com base no reconhecimento do outro como sujeito. Segundo Habermas, o projeto de uma Ética discursiva, fundamentado nessa concepção de linguagem, pode ser favorecido por maior abertura das sociedades contemporâneas ao questionamento e à reflexão crítica. Isso porque, do seu ponto de vista, elas já se encontram livres de certos dogmas predominantes em períodos anteriores. A menção a essa possibilidade mostra um otimismo que rendeu a Habermas o adjetivo de “último dos modernistas”. Enquanto isso, muitos de seus contemporâneos ficaram conhecidos como pensadores “pós-modernos”, por seu desencanto diante dos resultados práticos do projeto da Modernidade: emancipar o ser humano por meio do progresso da razão. © W ik im ed ia C om m on s 14 Volume 12 Considerando a seguinte afirmação, presente no texto de Habermas, debata as questões propostas: “Os participantes, no momento mesmo em que encetam uma tal prática argumentativa, têm de estar dispostos a atender à exigência de cooperar uns com os outros na busca de razões aceitáveis para os outros; e, mais ainda, têm de estar dispostos a deixar-se afetar e motivar, em suas decisões afirmativas e negativas, por essas razões e somente por elas.” a) É possível realizar o que ele propõe? Por quê? Registre suas conclusões por escrito. b) Vivemos em uma sociedade dominada pela técnica, inclusive no âmbito da comunicação. Que desafios isso acar- reta para a razão comunicativa e a Ética do discurso? Os textos a seguir, retirados de um documento redigido em 2015, mostram a dificuldade, mas também a urgên- cia de se encontrarem soluções para o problema de demarcação de terras indígenas (TI) no Brasil. O primeiro texto fala sobre o processo de regularização da Terra Indígena Katxuyana-Tunayana, solicitada à Funai em 2003. Essa TI, situada ao norte do Pará, é habitada pelos povos Katxuyana-Tunayana, Kahyana, Hixkariyana, Txikiyana, Mawayana, Xereu e Katuena. Por sua vez, o segundo texto contém o relato de um representante da etnia Kahyana sobre proble- mas enfrentados pelos habitantes do local em virtude da demora na demarcação. Em 2005, foi formalizada na Funai – Fundação Nacional do Índio – a demanda de estudo e regularização fundiária da TI Katxuyana-Tunayana. Porém, somente, uma década depois, em outubro de 2015, após forte pressão de lideranças indígenas e campanhas de apoio, a Funai publicou o Relatório de Identificação e Deli- mitação dessa Terra Indígena. Desde então, seguindo as normas relativas à demarcação das terras indígenas, ainda é necessário que o Ministro de Justiça autorize a demarcação física dessa TI, para que posteriormente ela possa ser homologada pela Presidência da República e registrada em cartório. Espera-se que esses procedimen- tos não demorem mais outra década para que finalmente essa TI possa ser oficializada. DOSSIÊ – Terra indígena Katxuyana-Tunayana (atualizado por Maria Denise Fajardo Grupioni, do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, em março de 2016). “Eu fico muito triste de ouvir que ainda temos de esperar mais tempo pela demarcação da nossa terra. Podemos dizer para a doença que venha só depois da demarcação? Meu pai morreu por falta de direito à assistência de saúde em 2012. Disseram que não podiam fretar um voo até à aldeia dele porque não era em terra indígena, e o rio estava muito baixo para que pudéssemos carregá-lo até Oriximiná. As crianças estão crescendo sem escola, assim como eu que nem português sei falar. O que me preocupa é que cada vez mais estão chegando pessoas estranhas próximo da minha aldeia, que fazem o que querem e não podemos nem reclamar por que dizem: do que você está reclamando se essa terra não é sua?” (Simão Kahyana) DOSSIÊ – Terra indígena Katxuyana-Tunayana. Disponível em: <http://www.institutoiepe.org.br/wp-content/uploads/2013/09/dossie-katxuyana- versao-web.pdf>. Acesso em: 8 nov. 2015. Para Habermas, a razão comunicativa não se fundamenta numa concepção instrumental de consciência humana (como meio para conhecer e dominar o mundo e o outro). Seu fundamento é a comunicação, em que diferentes su- jeitos buscam o consenso em relação aos temas que interferem em sua vida prática. Sendo assim, debata a questão a seguir e registre suas conclusões. Como a situação descrita nos textos pode ser avaliada em relação ao conceito de razão comunicativa? ConexõesConexões Filosofia 15 1. (UERJ) SILOGISMO Um salário-mínimo maior do que o que vão dar desarrumaria as contas públicas, comprome- teria o programa de estabilização do Governo, quebraria a Previdência, inviabilizaria o país e pro- vavelmente desmancharia o penteado do Malan. Quem prega um salário-mí- nimo maior o faz por dema- gogia, oportunismo político ou desinformação. Sérios, sensatos, adultos e respon- sáveis são os que defendem o reajuste possível, nas circunstâncias, mesmo re- conhecendo que é pouco. Como boa parte da população brasileira vive de um mínimo que não dá para viver e as cir- cunstâncias que o impedem de ser maior não vão mudar tão cedo, eis-nos num silogismo bárbaro: se o país só sobrevive com mais da metade da sua população condenada a uma subvida per- pétua, estamos todos condenados a uma lógica do absurdo. Aqui o sério é temerário, o sensato é insensato, o adulto é irreal e o responsável é cri- minoso. A nossa estabilidade e o nosso prestígio com a comunidade financeira internacional se devem à tenacidade com que homens honrados e capazes, resistindo a apelos emocionais, mantêm uma política econômica solidamente fundeada na miséria alheia e uma admirável coerência ba- seada na fome dos outros. O país só é viável se metade da sua população não for [...] VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Globo, 24/03/2000. Silogismo. S.m. Lóg. Dedução formal tal que, postas duas proposições, chamadas premissas, delas se tira uma terceira, nelas logicamente im- plicada, chamada conclusão. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. Considerando essa definição, pode-se concluirque o silogismo a que se refere o título do texto é encontrado em: a) Boa parte da população sobrevive com apenas um salário-mínimo e o salário-mínimo não dá para vi- ver; então, há circunstâncias que impedem o salário de ser maior. b) Precisamos manter nosso prestígio com a comuni- dade financeira internacional; temos homens hon- rados e capazes; então, é preciso resistir a apelos emocionais da sociedade. c) Um salário-mínimo maior prejudicaria o país; o sa- lário-mínimo impõe miséria à grande parte da popu- lação; então, o país necessita da miséria de grande parte da sua população. d) O salário-mínimo não garante vida digna para a maioria da população; o salário não aumenta mais por exigência do mercado internacional; então, é preciso alterar esse modelo econômico. 2. Analise as seguintes afirmações a respeito das falácias não formais: I. São argumentos caracterizados pelo desrespeito às regras da Lógica formal, por isso denominam-se “não formais”. II. São erros de raciocínio decorrentes de vícios de linguagem e manipulação emocional por meio do discurso. III. Ao contrário das falácias formais, não decorrem do uso da linguagem, mas, sim, do recurso a estraté- gias psicológicas para influenciar as conclusões do interlocutor. IV. São também conhecidas como sofismas ou, ainda, como silogismos apodíticos. V. Podem ser identificadas em diferentes situações da convivência social, sendo empregadas em discursos que têm por finalidade exercer persuasão sobre os interlocutores. Estão corretas: a) II, IV e V. b) I e II e III. c) II e V. d) I e III. l Pedro Malan: Ministro da Fazenda do Brasil, entre 1995 e 2003. fundeada: ancorada, fundamentada. 16 Volume 12 3. Leia atentamente os textos a seguir. Texto 1 [...] O exemplo clássico desta falácia relacio- na-se com o procedimento judicial britânico. Na Grã-Bretanha, a prática da advocacia divide-se entre solicitors (procuradores ou solicitadores), que preparam os casos para apresentação a juízo, e os barristers (advogados de foro), que pleiteiam e argúem a causa no tribunal. Habitualmente, a cooperação entre eles é admirável mas, por vezes, deixa muito a desejar. Numa destas últimas oca- siões, o barrister ignorava o caso plenamente até o dia em que tinha de ser levado a juízo e de- pendia do solicitor para a investigação do caso do querelado e a preparação das alegações. Chegou ao tribunal antes de começar o julgamento, e o solicitor entregou-lhe a suma das alegações. Sur- preendido pela exiguidade do documento, deu uma olhada pelo conteúdo para encontrar escrito o seguinte: “Não há defesa; ataque o advogado do queixoso!” [...] COPI, Irving M. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1974. p. 75-76. Texto 2 [...] Neste campo, são tentadas todas as es- pécies de associações entre o produto e os ob- jetos em relação aos quais se supõe que existe uma forte aprovação pública. Comer uma certa marca de cereais industrializados é proclamado como dever patriótico. Tomar banho com um sabonete de certa marca é descrito como uma experiência emocionante. Acordes de música sin- fônica antecedem e sucedem ao anúncio de um creme dental, em programas de rádio e televisão patrocinados pelo seu fabricante. Nos cartazes de propaganda as pessoas que usam os produtos anunciados são sempre retratadas usando o gê- nero de vestuário e vivendo no tipo de casas que parece serem suscetíveis de despertar a aprovação e a admiração do consumidor médio. Os jovens que nelas figuram, usando os referidos produ- tos, são de olhos claros e ombros largos; os an- ciãos são, invariavelmente, de aspecto “distinto”. As mulheres são todas esbeltas e encantadoras, ou muitíssimo bem vestidas ou quase despidas. Quer uma pessoa esteja interessada no transporte econômico ou na condução em alta velocidade, o fabricante de automóveis garantirá que o seu produto é o “melhor” e “provará” a sua afirma- ção, exibindo o seu modelo de automóvel cerca- do de belas moças com biquíni. Os anunciantes “glamorizam” os seus produtos e os vendem nos sonhos e delírios de grandeza junto a cada vidro de pílulas para a prisão de ventre ou baldes para lixo. [...] COPI, Irving M. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1974. p. 80. Os textos exemplificam, respectivamente, os seguintes tipos de falácias não formais: a) Dicto simpliciter e Argumentum ad populum. b) Non causa pro causa e Argumentum ad verecundiam. c) Argumentum ad hominem e Argumentum ad misericordiam. d) Argumentum ad hominem e Argumentum ad populum. e) Argumentum ad verecundiam e hipótese contrária ao fato. 4. (UEL – PR) Para a Ética do discurso surgida na déca- da de 1970 com Karl Otto Apel e Jürgen Habermas, a linguagem tornou-se elemento indispensável no trata- mento da fundamentação do princípio ético. Sobre a Ética do discurso, é correto afirmar: a) Concede validade moral àquelas ações que a ra- zão, circunscrita à subjetividade do indivíduo moral, atesta como passíveis de serem integradas em uma legislação universal. b) Assegura validade às normas que encontram acei- tação por parte de todos os afetados, enquanto par- ticipantes livres e iguais de um discurso prático. c) Expressa por meio da linguagem valorativa e prescre- ve com base no diálogo, condutas para ações, acon- selhamentos e orientações acerca do bem viver. d) Prioriza a expressão das emoções subjetivas, dos sentimentos e das intuições acerca do bom e do justo por meio de enunciados morais. e) Valoriza os critérios da linguagem como forma de assegurar o exercício de diálogos destinados a usar os destinatários do discurso para fins estratégicos e utilitários.pleitear: discutir. arguir: interrogar. exiguidade: pequena proporção. Filosofia 17 6. (UEL – PR) Observe a tira e leia o texto a seguir: (ITURRUSGARAI, A. Mundo Monstro. Folha de S.Paulo. Ilustrada E 9, quinta-feira, 3 set. 2009.) O ponto de vista moral, a partir do qual podemos avaliar imparcialmente as questões práticas, é segu- ramente interpretado de diferentes maneiras. Mas ele não está livre e arbitrariamente à nossa disposição, já que releva a forma comunicativa do discurso racional. Impõe-se intuitivamente a todos os que estejam abertos a esta forma reflexiva da ação orientada para a comunicação. HABERMAS, J. Comentários à Ética do Discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 101-102. Com base na tira e no texto, é correto afirmar que a Ética do discurso de Habermas a) baseia-se em argumentos de autoridade prescritos universalmente e assegurados, sobretudo, pelo lastro tradicio- nal dos valores partilhados no mundo da vida. b) pauta-se em argumentos de utilidade, os quais impõem o dever de proporcionar, enquanto benefício, o maior bem ou a maior felicidade aos envolvidos. c) funda-se em argumentos racionais sob condições simétricas de interação, amparados em pretensões de validade, tais como verdade, sinceridade e correção. d) constrói-se no uso de argumentos que visam o aconselhamento e a prudência, salientando a necessidade de ações retas do ponto de vista do caráter a da virtude. e) realiza-se por meio de argumentos intuicionistas, fazendo respeitar o que cada pessoa carrega em sua biografia quanto à compreensão do que é certo ou errado. 5. (UEL – PR) Leia o texto a seguir. Habermas distingue entre racionalidade instrumen- tal e racionalidade comunicativa. A racionalidade comu- nicativa ocorre quando os seres humanos recorrem à linguagem com o intuito de alcançar o entendimento não coagido sobre algo, por exemplo, decidir sobre a maneira correta de agir (ação moral). A racionalida- de instrumental, por sua vez, ocorre quando os seres humanos utilizam as coisas do mundo, ou até mesmo outras pessoas, como meio para se alcançar um fim (raciocínio meio e fim). Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria da ação comunicativa de Habermas, é correto afirmar: a) Contar uma mentira para outra pessoa buscan- do obteralgo que desejamos e que sabemos que não receberíamos se disséssemos a verdade é um exemplo de racionalidade comunicativa. b) Realizar um debate entre os alunos de turma da faculdade buscando decidir democraticamente a melhor maneira de arrecadar fundos para o bai- le de formatura é um exemplo de racionalidade instrumental. c) Um adolescente que diz para seu pai que vai dormir na casa de um amigo, mas, na verdade, vai para uma festa com amigos é um exemplo de racionali- dade comunicativa. d) Alguém que decide economizar dinheiro durante vá- rios anos a fim de fazer uma viagem para os Estados Unidos da América é um exemplo de racionalidade instrumental. e) Um grupo de amigos que se reúne para decidir de- mocraticamente o que irão fazer com o dinheiro que ganharam em um bolão da Mega Sena é um exem- plo de racionalidade instrumental. 18 Volume 12 Filosofia da Linguagem Ponto de partida 14 • Os seres humanos sempre necessitaram de alguma linguagem? • De que formas a linguagem humana já se manifestou até se formar o sistema complexo de comunicação utiliza- do atualmente? • Que funções a linguagem exerce na vida das pessoas? • A linguagem descreve a realidade ou a constrói? ©iStockphoto.com/Qvasimodo 19 Nesta unidade, você estudará alguns elementos da Filosofia da Linguagem, também conhecida como Filosofia Analítica. Essa área de reflexão filosófica, que alcançou grande visibilidade a partir do século XX, trata de aspectos linguísticos, tais como as formas, o funcionamento e os usos da linguagem, além de suas relações com o pensamento e a realidade. ntos da Filosofia da Linguagem, também conhecida filosófica, que alcançou grande visibilidade a partir A comunicação está presente em diversas situações de nosso cotidiano e, para realizá-la, empregamos a lingua- gem, em suas diferentes formas: gestual, falada, escrita, etc. Isso demonstra que a linguagem está profundamente ligada às vivências humanas. Ela permite, por exemplo, que, ao observar algo, uma pessoa possa transmitir a outros como ela compreende aquilo que vê. Por sua grande importância, o fenômeno da linguagem desperta o interesse filosófico. Afinal, sem ela, não se poderia pensar, refletir e, assim, a própria Filosofia não seria possível. Mas como pensar rigorosamente sobre a lingua- gem, enxergá-la em toda sua abrangência e particularidades, se é por intermédio dela que essa investigação se realiza? Não seria necessário, ao pesquisador, um mínimo de distanciamento do seu objeto de pesquisa? Já temos aqui alguns indicativos da peculiar problemática que se apresenta, no século XX, à Filosofia da Lingua- gem. Essa área de estudos não aborda a linguagem meramente como discurso oral ou escrito, mas como algo que se confunde com a própria natureza humana. Neste sentido, o pensador alemão Martin Heidegger assim a descreveu: Segundo uma antiga tradição, nós somos aqueles seres capazes de falar e, assim, aqueles que já possuem a linguagem. A capacidade de falar, ademais, não é apenas uma faculdade humana, dentre muitas ou- tras. A capacidade de falar distingue e marca o homem como homem. Essa insígnia contém o desígnio de sua essência. O ser humano não seria humano se lhe fosse recusado falar incessantemente e por toda parte, variadamente e a cada vez, no modo de um “isso é”, na maior parte das vezes, impronunciado. À medida que a linguagem concede esse sustento, a essência do homem repousa na linguagem. Somos, antes de tudo, na linguagem e pela linguagem. HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2003. p. 191. Considerando que a essência humana “repousa na linguagem” e levando em conta seu uso consensual em socie- dade – em que diferentes indivíduos concordam em nomear determinados objetos da mesma forma –, a Filosofia da Linguagem preocupou-se, historicamente, em investigar: a origem, as causas e as formas da linguagem, bem como a elaboração, a apropriação e a ressignificação de “acordos” no uso linguístico. No entanto, vale lembrar que as indagações sobre a origem e a função da linguagem na vida humana não são exclusivas dessa área de estudo. Elas se mostram presentes em culturas distintas, dos mais diversos tempos e lugares. DK O E st úd io . 2 01 6. D ig ita l. DK O E st úd io . 2 01 6. D ig ita l DK O E st úd io . 2 01 6. D ig ita l. 20 Volume 12 Para ler e refletir O texto a seguir, retirado da obra Memória do fogo, de Eduardo Galeano, apresenta um mito da etnia indígena Guarani, sobre a origem da linguagem falada. O falar O Pai Primeiro dos guaranis ergueu-se na escuridão, iluminado pelos reflexos de seu próprio coração, e criou as chamas e a tênue neblina. Criou o amor, e não tinha a quem doá-lo. Criou a fala, mas não havia quem o escutasse. Então encomendou às divindades que construíssem o mundo e que se encarregassem do fogo, da névoa, da chuva e do vento. E entregou-lhes a música e as palavras do hino sagrado, para que dessem vida às mulheres e aos homens. Assim o amor fez-se comunhão, e a fala ganhou vida e o Pai Pri- meiro redimiu sua solidão. Ele acompanha os homens e as mulheres que caminham e cantam: Já estamos pisando esta terra, Já estamos pisando esta terra reluzente. GALEANO, Eduardo. Memória do fogo. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 21. Ao refletir sobre a possível origem das línguas, Rousseau descreveu a linguagem como “filha da noite”, acreditando que ela surgiu da necessidade de comunicação noturna, visto que a ausência de luz prejudica a percepção gestual.1. Como você interpreta as relações estabelecidas entre linguagem, luz e escuridão no mito guarani, apresentado por Galeano, e no pensamento de Rousseau? 2. O que há em comum entre o mito e o pensamento do filósofo a respeito da linguagem? Nesse mito, o mundo e a linguagem surgem depois que a luz se ergue da escuridão. Já o filósofo francês do século XVIII Jean-Jacques Rousseau afirmou que a linguagem, tal como a conhecemos, nasceu da noite, contexto destituído de luz. Ele a descreveu como característica distintiva dos seres humanos e como fundamento para as relações sociais. Segundo Rousseau, a condição original humana era de total dependência da natu- reza. Nesse estado natural, os indivíduos executavam apenas atividades necessárias à sobrevivência – como caça, coleta, alimentação, defesa, reprodução – e, para isso, não precisavam de uma linguagem complexa. Comunicavam-se por meio de gestos suficien- tes para que uns compreendessem os outros. Durante a noite, porém, dada a ausência de luz, essa comunicação gestual ficava com- prometida. Então, um sistema sonoro passou a ser desenvolvido, a fim de possibilitar a expressão de pensamentos. E foi assim, por necessidade, que a linguagem se tornou cada vez mais complexa, associando sons e símbolos aos elementos que procurava representar. M us eu A nt oi ne -L éc uy er /F ot óg ra fo d es co nh ec id o Filosofia 21 Considerando as informações do texto de Galeano, estabeleça relações entre a linguagem e a cultura compartilhadas em uma comunidade humana. Virada da linguagem No século XIX, a tendência de associar Lógica e Matemática teve grande expressão, o que se estendeu ao século XX. Nesse contexto, as proposições eram consideradas instrumentos para descrever adequadamente a realidade, o que mo- tivou a busca de uma linguagem simbólica, livre de imprecisões, com um único sentido para cada termo. O matemático alemão Gottlob Frege teve grande influência nesses estudos, afirmando o valor da linguagem formal para a Ciência. Porém, no século XX, surgiu uma nova tendência nos estudos relacionados ao uso da linguagem: a de associá-la com elementos das Ciências Humanas, entre as quais a Linguística. Um importante exemplo dessa abordagem é a teoria dos atos de fala, desenvolvida pelo britânico John Langshaw Austin e pelo estadunidense John Rogers Searle. Por meiodela, foi destacada a importância do caráter prático da linguagem na vida humana, caracterizando-se a fala como um meio para realizar ações de grande valor social. Trata-se de ações estritamente comunicativas, como explicar, descrever, informar, mas também ações performativas, ou seja, que vão além dos limites linguísticos. Por exemplo: condenar ou absolver, casar-se, batizar ou excomungar alguém de dada religião, declarar uma pessoa como bacharel, diagnosticar doenças ou sua cura, etc. Todos esses movimentos guardam relação com a “virada da lin- guagem”, ou “virada linguística”, realizada no século XX. Por meio dela, a Filosofia Analítica, vertente contemporânea que envolve a Lógica e a Filosofia da Linguagem, chegou à compreensão de que a principal tarefa da Filosofia seria empreender uma análise rigorosa da linguagem, a fim de solucionar problemas teóricos originados pelo seu mau uso. Leia, a seguir, mais um texto de Eduardo Galeano, que se refere à linguagem, dessa vez abordando o uso das palavras no contexto cultural de uma população indígena. A língua do paraíso Os guaraos, que habitam os subúrbios do Paraíso Terrestre, chamam o arco-íris de serpente de colares e de mar de cima o céu. O raio é o resplendor da chuva. O amigo, meu outro coração. A alma, o sol do peito. A co- ruja, o amo da noite escura. Para dizer “bengala”, dizem neto contínuo; e para dizer “perdoo”, dizem esqueço. GALEANO, Eduardo. Memória do fogo. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 62. A Filosofia Analítica atribui à Filosofia o papel de analisar logicamente a linguagem, para esclarecer o sentido dos termos e das proposições, bem como seu uso linguístico. 22 Volume 12 ConexõesConexões Bertrand Russell considerava existir uma conexão entre todas as áreas do saber. Sendo assim, refletia sobre questões epistemológicas, lógicas, metafísicas e científicas, mas também sobre a moral, a educação e a possibilidade de estabelecer a paz. Atomismo lógico Uma das teorias filosóficas relacionadas à virada da linguagem é o atomismo lógico, desenvolvido pelos filósofos britânicos Bertrand Russell e George Moore. Essa teoria estabelecia a divisão da realidade em fatos simples e complexos. Os fatos simples seriam expressos por meio de proposições atômicas, tais como: “Russell é homem”. Por sua vez, os fatos complexos seriam expressos por meio de proposições moleculares, tais como: “Russell é homem e filósofo”. Com base no atomismo lógico, Russell desejava construir e desenvolver um sistema de análise capaz de tornar a linguagem tão exata ou precisa, que não coubessem nela ideias vagas ou imprecisas. Em parceria com outro pensador britânico, chamado Alfred North Whitehead, ele escreveu Princípios matemáticos, obra considerada um tratado interdisciplinar, pois estabeleceu um diálogo entre a Matemática, a Lógica e a Filosofia. Nesta obra, Russell explicitou seu objetivo ao tentar “clarificar os enunciados da lingua- gem”: proporcionar um maior rigor à Filosofia, e especialmente à Ontologia, por considerar que muitos erros cometidos nessa área do saber resultavam de ambiguidades, confusões conceituais e equívocos de interpretação, ou seja, deviam-se ao mau uso da linguagem. Segundo Russell, a linguagem é constituída de proposições, compostas de símbolos (as palavras) que se referem a fatos. Assim, as proposições podem ser verdadeiras ou falsas, o que depende da correspondência correta ou incorreta entre os símbolos e os fatos. Além disso, a apropriação dos significados dos símbolos pode variar entre os indivíduos. Portanto, ele considerava que, em uma linguagem logicamente perfeita, haveria apenas uma palavra para designar cada objeto simples. Assim, os objetos complexos seriam designados por meio da combinação de palavras simples. Isso diminuiria a possibilidade de equívocos filosóficos, além de ampliar a capacidade de compreensão da Filosofia e da Ontologia. Porém, na comparação com a linguagem comum, a linguagem perfeita de Russell poderia ser considerada bastante reducionista. Afinal, as pessoas têm diferentes interpre- tações sobre os objetos e, por isso, atribuem significados distintos a uma mesma pala- vra. Sendo assim, como uma linguagem simplificadora poderia atender à diversidade de modos de apropriação e compreensão de mundo? Diante desse dilema, ainda que buscasse a perfeição da linguagem por meio de sua simplificação, Russell reconhecia que, para além da função filosófico-científica da lingua- gem, a função comunicativa depende justamente de sua abrangência, ainda que ela re- sulte em imperfeições. atomismo lógico: esse nome provém de uma analogia: assim como os elementos químicos dividem-se em moléculas e estas, em átomos, recomendou-se a divisão lógica de proposições complexas em outras consi- deradas simples e que, segundo os pesqui- sadores de linguagens simbólicas, poderiam ser expressas por termos unívocos (ou seja, livres de ambiguidades). A busca pela perfeição é um tema presente nas artes e na Filosofia. Como foi visto, no âmbito filosófico, Russell pretendia alcançar uma linguagem perfeita, constituída no campo da Lógica. Outros pensadores, por sua vez, julgaram que a perfeição da linguagem poderia ser alcançada na poesia. Um exemplo é Heidegger, para quem o pensamento e a poesia estariam a serviço da linguagem, de modo que somente ela, a linguagem poética, seria capaz de acessar meandros inacessíveis à Filosofia, presa aos princípios lógicos. Com base nesses exemplos e nas questões a seguir, reflita sobre a busca da perfeição na linguagem. Fo to ar en a/ Co rb is/ Be ttm an n Filosofia 23 ConexõesConexões MUECK, Ron. Máscara II. 2001-2. 1 escultura, técnica mista. 77,2 cm × 118,1 cm × 85,1 cm. Museu de Arte Moderna de São Francisco, São Franciso. 1. Discuta as questões propostas a seguir com base na leitura e na interpretação de um poema de Reiner Maria Rilke. Sete poemas Quero agora falar, não já como um escolar tímido a arranjar coragem para o exame. Quero dizer: Céu, quero dizer: Prado; e o espírito que da boca mo exprime o leve em conta da eternidade. RILKE, Reiner Maria. Poemas, as Elegias de Duino e Sonetos a Orfeu. Porto: O Oiro do Dia, 1983. p. 378. a) Diferencie as concepções de Russell e Rilke sobre a perfeição da linguagem. b) Você concorda que a poesia é o gênero em que a linguagem alcança a perfeição? Justifique sua resposta tendo em vista a concepção de Heidegger e o poema de Rilke. 2. Discuta as questões propostas a seguir com base na observação e na interpretação de uma obra hiper-realista de Ron Mueck. © Fl ic kr /L an ce 24 Volume 12 Jogos de linguagem Na primeira etapa de sua obra, o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein recebeu influência do atomismo lógico. Por- tanto, compreendia o pensamento como representação lógica dos fatos, e as palavras como nomes de objetos empíricos. Para ele, apenas a realidade empírica era representável e cognoscível. Contudo, tentando ultrapassar os limites empíricos, a Metafísica/Ontologia dedicava-se a refletir sobre proposições construídas com base em equívocos da linguagem. Sendo assim, Wittgenstein concluiu que alguns dos problemas filosóficos tradicionais não passavam de enganos lógicos. Essa consta- tação motivou o filósofo a buscar uma linguagem pura, convencional e simbólica, adequada ao uso científico. Levou-o ainda a sugerir que a Filosofia atuasse apenas como “terapia das doenças da linguagem”, ou seja, que ela se dedicasse fundamen- talmente a mostrar o alcance e os limites dos usos de diferentes linguagens em diversos contextos. Essas reflexões foram divulgadas em sua primeira obra, Tratado lógico-filosófico (também conhecida como Tractatus Logico-Philosophicus). Porém, o contato de Wittgenstein com a linguagem infantil, quando atuou como professor primário, contribuiu para que ele renunciasse a algumas de suas teses fundamentais. Assim, numa segunda etapa de seu pensamento, ele adotou uma nova perspectiva, descrita na obraInvestigações filosóficas, que foi publicada após sua morte. Com essa obra, ele mudou radicalmente os rumos da Filosofia Analítica, ao desenvolver a teoria dos jogos de linguagem. KLIMT, Gustav. Retrato de Margaret Stonborough-Wittgenstein. 1905. 1 óleo sobre tela, color., 180 cm × 90 cm. Neue Pinakothek, Munique. Além de sua produção filosófica, Wittgenstein dedicou-se a outras atividades profissionais. Atuou como porteiro, professor de escola primária e, em 1926, com o amigo e arquiteto Paul Engelmann, empenhou-se na construção de uma casa para sua irmã, Margaret Stonborough-Wittgenstein, retratada nessa obra do pintor Gustav Klimt. a) Essa obra pode ser considerada uma representação perfeita da realidade? b) Em sua opinião, a arte, como representação da realidade, é capaz de alcançar a perfeição? Ne ue P in ak ot he k/ Fo tó gr af o de sc on he ci do Filosofia 25 Para ler e refletir Os textos a seguir correspondem a alguns parágrafos da obra Investigações filosóficas, da segunda fase de produção filosófica de Wittgenstein, na qual ele expôs a teoria dos jogos de linguagem. Texto 1 Mas quantas espécies de frases existem? Porventura asserção, pergunta e ordem? – Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de emprego do que denominamos “signos”, “palavras”, “frases”. E essa variedade não é algo fixo, dado de uma vez por todas; mas, podemos dizer, novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem surgem, outros envelhecem e são esquecidos. (As mutações da Matemática nos podem dar uma imagem aproximativa disso.) A expressão “jogo de linguagem” deve salientar aqui que falar uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida. Tenha presente a variedade de jogos de linguagem nos seguintes exemplos, e em outros: – Ordenar e agir segundo as ordens; – Descrever um objeto pela aparência ou pelas suas medidas; – Produzir um objeto de acordo com uma descrição (desenho); – Relatar um acontecimento; – Fazer suposições sobre o acontecimento; – Levantar uma hipótese e examiná-la; – Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas; – Inventar uma história e ler; – Representar teatro; – Cantar cantiga de roda; – Adivinhar enigmas; – Resolver uma tarefa de cálculo aplicado; – Traduzir de uma língua para outra; – Pedir, agradecer, praguejar, cumprimentar, rezar. É interessante comparar a variedade de instrumentos da linguagem e seus modos de aplicação, a variedade das espécies de palavras e de frases com o que os lógicos disseram sobre a estrutura da linguagem. (Inclusive o autor do Tratado lógico-filosófico.) WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 26-27 (parágrafo 23). asserção: afirmação. signos: símbolos, unidades linguísticas formadas por significantes (objetos) e significados (sentidos). Por meio dessa teoria, Wittgenstein mostrou que nomear era apenas um dos inumeráveis usos linguísticos. Segun- do ele, os seres humanos estabelecem inúmeros jogos de linguagem, isto é, diferentes usos linguísticos, em que se observam regras próprias, e dentro dos quais os significados de uma mesma palavra podem variar muito. Com essa visão, o filósofo contrariou o essencialismo, ou seja, a concepção metafísica de que a linguagem nomeia essências, reduzindo-se a um conjunto de conceitos sob os quais haveria uma substância, os objetos do mundo. Além disso, a teoria de Wittgenstein mostrou que a linguagem não se submete apenas aos rigores da Lógica, apresentando-se também sob outras regras, compartilhadas ou modificadas segundo grupos, necessidades, compor- tamentos, instituições e contextos humanos. Portanto, para ele, os significados da linguagem não se encontrariam nos objetos nomeados, mas nos diversos usos linguísticos, os quais, por sua vez, seriam essencialmente distintos entre si, por seguirem regras próprias. 26 Volume 12 Reflexão em ação 1. Com as orientações do professor, apresente situações dialógicas envolvendo alguns dos jogos de linguagem mencio- nados no texto 1. 2. Pesquise e apresente um uso específico da linguagem, tal como gíria, vocabulário de uma determinada profissão ou área do conhecimento. Wittgenstein realizou uma rigorosa crítica dos problemas filosóficos da tradição anterior à “virada da linguagem”. Concluiu que muitos deles não passavam de equívocos da linguagem. Texto 2 Quando os filósofos usam uma palavra – “saber”, “ser”, “objeto”, “eu”, “proposi- ção”, “nome” – e almejam apreender a essência da coisa, devem sempre se pergun- tar: esta palavra é realmente sempre usada assim na linguagem na qual tem o seu torrão natal? Nós conduzimos as palavras do seu emprego metafísico de volta ao seu emprego cotidiano. Alguém me diz: “Você entende esta expressão? Ora, também eu a uso no signifi- cado que você conhece.” – como se o significado fosse uma penumbra que acompa- nha a palavra e é transferida para todos os seus empregos. Se alguém, por exemplo, diz que a proposição “Isto está aqui” (apontando para um objeto diante de si) tem sentido para ele, então ele poderia perguntar-se em que condições específicas se emprega realmente esta proposição. Nestas é que ela tem sentido. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 72-73 (parágrafos 116 e 117). Sintetize as ideias presentes nos textos, empregando um parágrafo para o conteúdo de cada um deles. © Fl ic kr /C hr ist ia an To nn is Filosofia 27 Hora de estudo 1. (UFSM – RS) Em Filosofia da Linguagem, costuma-se distinguir entre a extensão e a compreensão de um termo ou categoria. Considere, então, as seguintes afirmações: I. A extensão do termo zebra é o conjunto das zebras. II. A compreensão do termo zebra é dada pelo conjun- to das zebras. III. A compreensão do termo zebra é fornecida por um conjunto de propriedades, como “animal mamífero, quadrúpede, da família dos equídeos, de crina ere- ta e pelagem esbranquiçada listrada de negro ou marrom-escuro”. Está(ão) correta(s) a) apenas I. b) apenas III. c) apenas I e II. d) apenas I e III. 2. (UFSM – RS) Desde os anos 90, o governo brasilei- ro exige que as embalagens de cigarro apresentem mensagens sobre os males que ele pode causar à saúde. Um exemplo é: “O Ministério da Saúde adverte: crianças que convivem com fumantes têm mais asma, pneumonia, sinusite e alergia”. O uso de linguagem apresentado no exemplo a) é informativo e contém uma ordem. b) é performativo e subordina-se à informação veiculada. c) é informativo e expressa um sentimento. d) expressa um sentimento e está coordenado a um componente performativo. e) é predominantemente informativo. 3. (UEM – PR) A linguagem verbal é um sistema de sím- bolos que permite aos seres humanos ultrapassarem os limites da experiência vivida e organizar essa experiência sob forma abstrata, conferindo sentido ao mundo. Assinale o que for correto. (01) A linguagem humana, da mesma forma que as linguagens de computador, é altamente estru- turada e, por isso, inflexível; não fosse assim, a comunicação entre as pessoas seria impossível. (02) A linguagem oral é o único meio à disposição do homem para sua comunicação e o estabeleci- mento de relações com os outros indivíduos. (04) A formação do mundo cultural depende funda- mentalmente da linguagem. Pela linguagem, o homem deixa de reagir somente ao presente imediato, podendo pensar o passado e o futuro e, com isso, construir o seu projeto de vida. (08) Os nomes são símbolos ou representações dos objetos do mundo real e das entidades abstratas. Como representações, os nomes têm o poder de tornar presente para nossa consciência o objeto que não está dado aos sentidos. (16) O homem é a única espécie animal dotada da ca- pacidade de linguagem mediante a palavra e faz uso de símbolos, isto é, refere-se às coisas por meio de signos convencionados, enquanto na lin- guagem de outros animais os signos são índices. 4. Observe a imagem aseguir. A imagem retrata a oração Pai Nosso, de acordo com a taquigrafia, técnica de escrita rápida em que cada sím- bolo representa uma palavra ou parte dela. A imagem demonstra que a linguagem oferece diversas possibi- lidades para se construírem e expressarem significa- ções. Considerando essa multiplicidade, Wittgenstein propôs a teoria dos jogos de linguagem, que são: a) formas lúdicas de empregar socialmente a lingua- gem falada ou escrita. b) conjuntos de sinais e signos para representar as pa- lavras em diferentes línguas ou técnicas de escrita. c) elementos constituintes das proposições, de acordo com o atomismo lógico. d) usos linguísticos em que os sentidos dos termos va- riam segundo as regras observadas por um grupo. Im ag em c ed id a pe lo p ro f. W al di r C ur y 28 Volume 12
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