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Objetivos: l Capítulo 4 A Didática e a EJA: sujeitos, tempos e espaços de aprendizagem. 4 Introdução O contexto da Educação de Jovens e Adultos apresenta modificações antes e após aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96. Anterior a LDBEN o contexto é de negação de prioridade pelo Governo Federal, consequentemente, pelos governos estaduais e municipais. Estão presentes nesta realidade a falta de profissionais qualificados, de materiais didáticos específicos e de espaços físicos adequados, baixos salários e discriminação dos profissionais que trabalham na modalidade. A não- prioridade à EJA, a descontinuidade dos programas, a baixa qualidade da oferta e as taxas de evasão que ensejam novos educandos para a EJA; as desigualdades nos níveis de instrução de grupos étnicos/raciais e de gênero, além das desigualdades educativas das pessoas contidas na faixa etária de 15 a 24 anos, são características que predominaram na EJA no período anterior a aprovação da LDBEN. Pós-LDBEN, quando a EJA adquiri o status de modalidade, algumas alterações começam a surgir, apesar da continuidade de muitas das deficiências dantes enumeradas. Os artigos 37 e 38 da LDBEN contemplam a modalidade, apesar de inicialmente limitarem-se a definir idade para exame, ultimamente tem recebido alterações que contribuem para ampliar o espaço de ação da EJA. O Fundo de Desenvolvimento da Educação e Valorização do Magistério – Fundef, que passa a vigorar em 1998 não contempla a EJA. Em relação à responsabilidade pública do atendimento, era mais comum o município e as outras iniciativas da sociedade assegurarem o primeiro segmento, deixando para o Estado a responsabilidade de garantia pela continuidade de estudos com assento no ensino fundamental maior. No atendimento ofertado pelos estados aos educandos da EJA, dando como exemplo o estado do Ceará, a forma de supletivo até o momento é o principal, e o que varia até hoje é a sua organização: presencial, semipresencial, individualizada, à distância, com avaliação no processo ou mediante exames. Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. § 3o A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.741, de 2008) Continua... Educação de Jovens e Adultos94 A partir de 2003, a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, mudou o rumo das políticas em EJA no país, criou novo programa de alfabetização – Brasil Alfabetizado, e muitas outras iniciativas a política pública para EJA, além do incentivo aos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos as pesquisas em EJA, e cursos de formação para professores de EJA via instituições públicas de ensino superior. Outro ganho importante da modalidade foi a inserção no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB), o que garante até 2019, recursos para financiamento da modalidade nos níveis fundamental e médio. O acesso à alfabetização que apresentava desigualdade em relação a gênero, raça, território e renda, foi sendo alterado com o decorrer dos anos e adequando-se as diversas realidades. No entanto, persistem dificuldades como o desempenho de jovens e adultos em tarefas cotidianas de leitura, escrita e cálculo, demonstrando que seus níveis de aprendizagem ainda são baixos, não permitindo que jovens e adultos mantenham e desenvolvam competências características do alfabetismo. Outro aspecto é o baixo número de vagas oferecidas para continuidade dos estudos, carecendo ampliação da oferta. O País está avançado nas leis propostas para atendimento à modalidade de EJA, no entanto, a execução das políticas não se realiza a contento, nem permite o controle da sociedade. Constata-se entre educadores e no meio acadêmico o reconhecimento da educação como direito fundamental, que permite o acesso a outros direitos. Nesse reconhecimento, há um aspecto importante da concepção do sujeito da EJA, como um portador de saberes singulares e fundamentais, criador de cultura, protagonista da história, capaz de produzir as mudanças urgentes e necessárias para a construção de uma sociedade mais justa. Neste pequeno histórico podemos perceber que a modalidade Educação de Jovens e Adultos desenvolve-se em diferentes tempos e espaços, dependendo da realidade dos sujeitos educandos. Conhecer a didática da EJA é entender como se desenvolvem as situações de ensino e aprendizagem. Vamos neste módulo aprofundar nossos conhecimentos sobre a didática da EJA levando em consideração os sujeitos e sua diversidade. Freitas (s.d) assim se pronuncia sobre a diversidade dos educandos das EJA; A EJA tem uma amplitude de sujeitos, pois envolve aqueles que ficam a margem do sistema, com atributos sempre acentuados em consequência de fatores adicionais como raça/etnia, cor, ...Continuação. Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar- se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. § 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. Educação de Jovens e Adultos 95 gêneros entre outros. Negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados, trabalhadores informais. Entre esses existem predominantemente, aqueles que nunca estudaram, ou tiveram e têm trajetórias escolares interrompidas ou, em outras palavras, o aluno ou aluna da EJA que foi expulso ou expulsa da escola dita regular, ou a ela nunca chegou. A partir de então está fora da idade considerada “ideal”, determinada por lei. Além disso, devemos considerar também os espaços onde se desenvolvem as aulas, e os tempos da EJA, que podem variar de acordo com o nível de ensino e as condições estruturais dos locais nos quais se dão. Atividades de avaliação Busque conhecer o parecer do Conselho Nacional de Educação 11/2000 de Carlos Roberto Jamil Cury. Neste parecer você irá retomar um pouco da história da EJA, acompanhar a evolução e sua fundamentação legal. A arte de ensinar tudo a todos Um professor que tem boa didática. Professores sem didática. A didática da EJA. A didática do curso é bem interessante! Quanto uso para palavra a didática! Então, para iniciar nossa reflexão sobre Didática na EJA, vamos retomar um pouco a compreensão de Didática. Para tanto, vamos tomar a fala de Comenius, que em 1633, propôs um sistema articulado de ensino, reconhecendo o igual direito de todos os homens ao saber, escreveu A Grande Didática, “arte de ensinar tudo a todos”. Comênio segundo Gadotti (1994) considerava que “a educação deveria ser permanente, isto é, acontecer durante toda vida humana. Afirmava que a educação do homem nunca termina porque nós sempre estamos sendo homens e, portanto, estamos sempre nos formando” (p. 78-79).. Em uma abordagem bem singela, a didática é uma área de estudo da Pedagogia, considerada a ciência da educação. O objeto de estudo da didáticaé o ensino em sua intencionalidade. A aprendizagem é a intencionalidade almejada, logo, a Didática irá abordar como este ensino se desenvolve para atingirmos o objetivo - a aprendizagem. Após o segundo ano do Programa Brasil Alfabetizado, o MEC lançou uma coleção de vídeos denominados: Histórias de um Brasil Alfabetizado, ver site: http://www.youtube.com/ watch?v=Mzmh0wR4bGA Acesse e faça uma resenha sobre um dos vídeos. Autor de Didática Magna, Comenius é o primeiro educador, no mundo ocidental, a interessar- se na relação ensino/ aprendizagem, levando em conta haver diferença entre o ensinar e o aprender. É, pois, o iniciador da didática moderna. Comenius defendia sua pedagogia com a máxima: "Ensinar tudo a todos" sintetizando os princípios e fundamentos que permitiriam ao homem colocar-se no mundo, não apenas como um expectador, mas como um ator. (CONTEUDODAESCOLA) Educação de Jovens e Adultos96 Em primeiro lugar, temos que estar atentos para o fato de que o ensino, ou o fazer docente, não se desenvolve de forma neutra, ele é influenciado por determinantes históricos, é dimensionado em função das concepções que construímos ao longo do tempo acerca do homem, da sociedade, da educação, da escola e do papel docente no processo de ensino e aprendizagem (FARIAS et al, 2008). Por este motivo para compreender o fazer docente de uma modalidade, temos que saber por que se diferencia ao longo dos anos, sob quais aspectos podemos identificar a variedade de metodologias que vamos encontrar na EJA. Aprofundando esta informação, iremos compreender o motivo pelos quais cursos de uma mesma modalidade de ensino apresentam diferenciação em sua organização, em suas metodologias. Tomamos aqui como referência para nossa compreensão, a contribuição de José Carlos Libâneo e Dermeval Saviani, que realizam estudo das tendências pedagógicas organizando-as segundo categorias que retratam a compreensão de educação dos dois autores. Farias et al (2008) faz uma importante observação que muito irá contribuir para nossas inferências sobre qual tendência pedagógica orienta a prática da EJA, ou de qualquer outra modalidade de ensino. [...] sendo a educação uma prática social histórica e dinâmica, as tendências pedagógicas não se apresentam de forma estanque e sequenciada por uma cronologia linear. O despontar de uma não significa, necessariamente, o silenciar de outra. A possibilidade da presença de várias orientações em um mesmo período histórico evidencia a contradição, o conflito e o confronto entre diferentes, e até antagônicos, projetos educacionais e sociais (p. 32). Saviani (1985) toma a categoria “marginalidade”, o sujeito terá a educação como fator de exclusão ou de inserção social, educação como instrumento de superação da condição em que o sujeito se encontra (equalização social), ou de reprodução do discurso da classe dominante (discriminação social). O autor situa as tendências pedagógicas no sentido das teorias não-críticas, crítico-reprodutivistas e críticas. Os estudos de Libâneo (1990) buscam compreender a escola no contexto da sociedade capitalista, classificando as tendências em Liberais – posturas tradicionais, que não levam em conta o sujeito, mantém os sujeitos sob condição de dominação; e Progressistas – àquelas que levam em consideração os saberes dos sujeitos, buscando através da educação a transformação da sociedade. Percebemos então, que a Didática não se resume apenas a procedimentos metodológicos, deslocados do tempo histórico em que Educação de Jovens e Adultos 97 está se desenvolvendo, dos sujeitos com quem se vai trabalhar, dos fins educacionais e intencionalmente dos projetos de homem e sociedade presentes na proposta daqueles que administram o sistema educacional e não intencionalmente, por aqueles que conduzem o processo educativo. Para saber mais http://www.pedagogia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo. php?conteudo=74 Aprofunde seus conhecimentos sobre as Tendências Pedagógicas. Leia o texto Fundamentos da Prática Docente: elementos quase invisíveis. In Farias et al. Didática e docência: aprendendo a profissão. Fortaleza: Liber Livro, 2008. p. 31 a 54, e identifique a tendência pedagógica que orienta a sua prática pedagógica. 2. Pressupostos didáticos da EJA 2.1. As finalidades e a identidade da EJA O texto do Parecer 11/2000 que regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, de autoria do Prof. Carlos Roberto Jamil Cury, traz importantes aspectos para entendermos os aspectos da escolarização dos jovens e adultos. Cury no texto das Diretrizes Curriculares da EJA (BRASIL, 2000) afirma que: A educação, como uma chave indispensável para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea, vai se impondo cada vez mais nestes tempos de grandes mudanças e inovações nos processos produtivos. Ela possibilita ao individuo jovem e adulto, retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extraescolar e na própria vida, possibilitar um nível técnico e profissional mais qualificado. Nesta linha a educação de jovens e adultos representa uma promessa de efetivar um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas as idades. Nela, adolescentes, jovens, adultos e idosos poderão atualizar conhecimentos, mostrar habilidades, trocar experiências e ter acesso a novas regiões do trabalho e da cultura. Desta forma, as diretrizes apontam que a EJA não deve ser vista apenas com a finalidade de alfabetizar, como está presente no senso comum, Educação de Jovens e Adultos98 mas como um processo de escolarização continuo, que irá enriquecer as potencialidades de jovens e adultos que trazem ricas experiências de vida. Nas colocações de Cury, infere-se que a EJA já não se limita a suprir ou compensar a escolaridade perdida. No parecer, são apontadas três funções, comentadas por Soares (2002): reparadora, equalizadora e qualificadora. A função reparadora se refere ao direito de todos à educação, é o ingresso de uma significativa camada da população nos direitos civis, é a restauração dos direitos negados. A função equalizadora compreende a garantia da oferta de educação, dando maiores oportunidades àqueles que foram desfavorecidos, que ficaram à margem das ações de políticas públicas de EJA, restabelecendo suas trajetórias escolares “de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da sociedade” (SOARES, 2002). A função qualificadora, segundo Cury (BRASIL, 2000), esta função representa o próprio sentido da EJA: propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda vida. É um apelo à educação permanente, proposta presente em todos os documentos internacionais da EJA, como por exemplo, o Relatório Jacques Delors e a Declaração de Hamburgo produzida na V Conferência Internacional de Educação de Adultos. Deve-se atentar a esta função quando da produção dos projetos pedagógicos para EJA, para que esta não seja compreenda como uma proposta restrita à escolarização, e à organização limitada dentro dos níveis de ensino, e sim como a possibilidade de se qualificar, requalificar e descobrir novos campos de atuação. “A realização da pessoa não é um universo fechado e acabado. A função qualificadora, quando ativada, pode ser o caminho dessas descobertas”. (SOARES, 2002). As funções da EJA devem ser vista, ao mesmo tempo, como asseguradoras da oportunidade concreta de presença de jovens e adultos na escola, além da garantia da observação das especificidades socioculturais destes segmentos na execução das políticas sociais. E, principalmente, no interior dos sistemas escolares e nas unidades escolares, a EJA necessita ser pensada como um modelo pedagógico próprio, a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos. Devemos também destacar que os processos educativos com pessoas jovens e adultas extrapolamo mundo escolar e do ensino. A modalidade de EJA deve oferecer aos educandos mais do que apropriação dos códigos necessários para se comunicar, pois deve, por intermédio da escola, buscar o desenvolvimento como ser humano, exercendo a cidadania política e a construção de vida. Acesse o documento no site: http://unesdoc. unesco.org/images/ 0012/001297/1297 73porb.pdf. Educação de Jovens e Adultos 99 Atividades de avaliação Volte ao Parecer 011/2000 do Conselho Nacional de Educação, redigido por Carlos Roberto Jamil Cury e aprofunde os estudos sobre as funções da EJA. Teça comentários para cada função, buscando identificar em que elas podem contribuir para organização da sua prática pedagógica. 2.2. A diversidade dos agentes convocados para atuar nesse campo Os educadores são sujeitos da EJA que merecem atenção especial. Atualmente, há uma preocupação na esfera federal sobre uma formação especifica na modalidade com base na diversidade dos grupos que nela estão presentes. Essa visão, porém, é muito atual e o que existe até hoje são ações bem circunstanciais: algumas formações em serviços oferecidas quando da implantação de alguns programas e poucas instituições de ensino superior que oferecem uma disciplina ou outra relacionada ao tema. Em geral, os sujeitos que atuam na modalidade são convocados via projetos, sem vínculos oficiais, por períodos pré-estabelecidos. Não é exigida formação em nível superior para os cursos de alfabetização e nem formação na área para atuar na continuidade de escolarização. Quando implantado em unidades escolares, o trabalho desenvolvido pelos professores de EJA em muitas das situações, é realizado em separado das demais ações da escola, não havendo nos planejamentos coletivos dos demais níveis de ensino. Connell (1995) ressalta que os professores têm que ser visto como força de trabalho da mudança, que eles devem estar envolvidos com a política desenvolvida e devem receber conhecimentos especializados sem esquecer a prática. Muitas vezes nos prendemos a conteúdos teóricos, ou apenas técnicos, numa espécie de adestramento, que ignora a compreensão e a atuação do educador, o espaço e os sujeitos; nenhum deles é neutro. O tripé da ação formação=acompanhamento=avaliação, deve se retroalimentar, proporcionado momentos ricos e retornos positivos à prática dos professores e à aprendizagem dos educandos. Para o desenvolvimento da prática educativa, segundo Freire (2002), não basta a compreensão condicionada do que fazer, mas do que se pode fazer e com quem fazer, pois os educandos não irão para a sala para serem Educação de Jovens e Adultos100 trabalhados e sim para trabalhar com o educador, com a metodologia. Há também a percepção desses educandos sobre a proposta do projeto e de que modo ela pode se adequar e contribuir para sua aprendizagem e responder às suas necessidades. O poder de intervir no processo educativo deixou de ser uma prerrogativa apenas do educador, além de ter caído por terra o papel do professor como centralizador do saber. Sobre o desafio de atuar em uma sala de aula na era da tecnologia, assim colocam os organizadores de material exclusivo para o Programa de Alfabetização Pescando Letras, No fundo, o desafio do educador está em organizar as condições pedagógicas mais convenientes a um determinado processo educativo; se sentir provocado e provocar tanto o tanto de curiosidade possível em descobrir o mundo, e escolher seu próprio modo de presença nele. Ele não deve estar à frente nem no centro desse processo, mas fazer parte da caminhada desse grupo, único no mundo, inédito. Nesse sentido, ele mesmo inaugura a cada novo grupo que aparece o seu itinerário profissional. (CEDAC, 2004, p. 32) Na educação de jovens e adultos, assim como, em outras modalidades o professor tem que estar atento a esta realidade, além de ter consciência que vai ter mais afinidade com os educandos, visto que em sua maioria é adulto como ele, tem similares responsabilidades e desafios. Pesquisas realizadas com educadores e técnicos apontam a solicitação de formação específica em EJA, a fim de que haja compreensão das especificidades da modalidade. Em geral, as discussões sobre as políticas para EJA são conduzidas sem a participação dos dois grupos, que são mais habilitados a compreender as questões envolvidas: os alunos e os professores. Do professor, espera- se que implemente as políticas, não que as formule. Os educandos em potencial são definidos como os objetos dessas políticas, não como autores da transformação social. Em contraposição a este comportamento, inferimos que as políticas públicas de EJA, devem ser pensadas a partir da interação destes sujeitos, que devem ser protagonistas das ações desenvolvidas na escola. 2.3. As especificidades dos sujeitos dessa educação Temos o direito de ser iguais quando a diferença inferioriza, temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. (BOAVENTURA SANTOS). Educação de Jovens e Adultos 101 Tratamos aqui, como sujeitos da EJA, os educandos e educadores, nos detendo na pessoa do educando, visto que já nos reportamos aos educadores anteriormente. O olhar sobre estes sujeitos tem merecido, nos últimos anos, atenção mais cuidadosa por parte de estudiosos da área. Tal atenção tem se materializado com ações da Secretaria de Alfabetização, Educação Continuada, Diversidade e Inclusão. A modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) envolve um público diferenciado com idade-limite para começar e sem nenhuma fronteira para conclusão, ou seja, absorve aqueles que não estão dentro da idade-limite de quatorze anos para o ensino fundamental. Também não há um nível específico, podendo ser alfabetização, ensino fundamental, médio ou formação continuada. São sujeitos que ocupam lugares dentro do grupo social em que vivem, chegando a ocupar alguns papéis de destaque, não de forma generalizada, organizam formas de resolução de problema cotidianas, elaboram formas de discursos. Os alunos da EJA não se diferenciam apenas pela idade, mas a partir da idade. São pessoas que possuem uma história de vida e que procuram a educação formal na busca de sair da marginalidade de uma sociedade letrada, seja para sua sobrevivência ou para a autoafirmação. Não podemos pensar em uma estratégia de ensino para EJA sem refletir os sujeitos para quem se destina. Não se concebe a denominação apenas pela sua circunstância de escolarização, que deixa de fora suas condições humanas: “com fundamental incompleto”, “não alfabetizado”, “alfabetizado”, “fora de faixa”, “evadido”, “afastado dos estudos”, “que deixou de estudar”. Arroyo (2001) afirma que os olhares sobre a condição social, política e cultural dos educandos da EJA condicionam as diversas concepções de educação e as políticas públicas que lhes são oferecidas. São jovens e adultos aprendizes, oriundos de frações diferentes da classe trabalhadora: rurais e urbanos, operários, comerciantes, profissionais liberais, servidores públicos, donas de casa, desempregados, lideres comunitários, sujeitos sociais e culturais. O atendimento à pluralidade desses sujeitos representa democratização das oportunidades educacionais. No documento-base produzido no Brasil em 2008, ao se preparar para a VI Confintea, a concepção de sujeito da EJA foi um dos quatros desafios a serem debatidos. Conforme o documento, a partir da concepção desses sujeitos, a educação é tida como “direito de aprender, de ampliar e partilhar conhecimentos e saberes acumulados ao longo da vida e não apenas escolarização”. Expomos ainda como responsabilidade dos governantes a produção e efetivação de políticas públicas de Estado para EJA, centrada Educação de Jovens e Adultos102 em sujeitos jovens, adultos e idosos, com a expressão de toda diversidade que constitui a sociedade brasileira, recomendando que sempre seja ouvida a sociedade civil. No Parecer do Conselho Nacional deEducação, relatado pela Profª Regina Vinhaes, há uma interessante discussão sobre a idade-limite para ingresso na EJA, quando vamos entrar necessariamente na discussão do jovem matriculado na EJA. Inicialmente, quem é o jovem que procura a EJA? A relatora alerta para um “equívoco político-pedagógico” de se tomar adolescentes de 15 a 17 anos como jovens, a partir da interpretação dada pela idade obrigatória de oferta de estudos pelo Estado dos sete a quatorze anos. Ao colocar essa população como foco para universalização do ensino, aqueles que ficaram de fora dos limites vão sendo encaixados em outros espaços, e para esses adolescentes o espaço foi a EJA. A relatora se reporta ao estudo realizado pelo Prof. Jamil Cury, designado pelo Ministério para dar um parecer sobre o assunto, que a população escolarizável de mais de 15 anos é tida como “invasora” da modalidade regular da idade própria, mas também não encontra identificação na EJA, onde, conforme constatamos na pesquisa é tida como baderneira, como quem não quer nada, de convivência difícil. Assim, os educandos de 15 a 17 anos, encontram-se sem lugar nas oportunidades educacionais. A discussão de juventude na EJA terá que iniciar por definir a quem a modalidade compreende como jovem. Em um documento produzido a título de sugestão para discussões nos fóruns de EJA das já referidas diretrizes, a Prof.ª Jane Paiva alerta para essa condição do jovem, lembrando principalmente daqueles que cometem infrações, que entre as idas e vindas das unidades em que ficam recolhidos, perdendo as oportunidades educacionais, acabam desistindo de concluir os estudos básicos ou a matriculando-se em cursos com os quais não se harmonizam, terminando na evasão. O retorno do idoso à escolarização também carece de adequações, pois nem sempre o que ele procura está nos conteúdos escolares estabelecidos nas diretrizes curriculares. A presença do idoso na escola força à discussão da aprendizagem ao longo da vida proposta desde a V Confintea e não materializada até hoje, visto que a compreensão sobre educação nos sistemas educacionais limita-se à escolarização, com poucas iniciativas de educação não formal. O importante ao considerar o sujeito da EJA é a compreensão de que educação independe de idade, é um direito social e humano e que a cada dia mais espaços estão sendo conquistados e já não se pode planejar cursos de EJA sem levar em consideração a diversidade desses sujeitos. Educação de Jovens e Adultos 103 2.4. Os tempos e espaços da Educação de Jovens e Adultos A primeira referência que fazemos ao tempo na EJA é a visão preconceituosa que se tem de “tempo perdido”, quando nos referimos aos educandos que interromperam os estudos. No período afastado da escolarização, estes sujeitos passaram por sucessivas experiências e desenvolveram estratégias de sobrevivência no mundo letrado. Outro aspecto é não estar estudando na “idade apropriada.” Este fator gera preconceitos ao próprio educando quanto ao voltar a estudar. Sente-se incomodado, pois a escola é tida como um espaço para crianças e jovens, e “papagaio velho” não aprende a falar. Em geral, os cursos de EJA são sempre organizados em períodos de tempo mais curtos, por exemplo, 24 meses para conclusão do ensino fundamental de 6º ao 9º ano e 18 meses para o ensino médio, considerando que estes sujeitos já possuem experiências escolares e terão mais maturidade para desenvolver habilidades esperadas nestes níveis de ensino. Outra situação que também gera preconceito para com a aprendizagem dos cursistas é o “não aprendeu o suficiente em tão pouco tempo”. Isto também requer questionamentos, porque o jovem e o adulto não podem cursar um nível de ensino no mesmo tempo do ensino convencional? Atividades de avaliação 1. Trace o perfil dos professores de EJA de sua turma: formação, tempo de atuação na EJA, se possui formação específica para EJA, percepção sobre o trabalho com jovens e adultos. 2. Trace também o perfil dos seus educandos, busque conhecer por que interromperam os estudos, quantas vezes interromperam os estudos, por que retornaram aos estudos, as dificuldades que sentem nos estudos, etc. 3. Reúna todas as informações e elabore um texto descrevendo quem são os sujeitos da EJA com quem você estuda, e para quem você ensina. Segundo o Documento do Brasil preparatório para VI Confintea (2008), há também na EJA uma luta para superar a lógica da suplência, é também desafio para a EJA pela configuração que tomou — com dimensão pedagógica tecnicista, etapista e modular, conteudista, de Educação de Jovens e Adultos104 aceleração e certificação, bem como de ensino individualizado e a distância, reproduzindo a seriação da qual o educando já se evadiu — e que dá continuidade à reprodução da desigualdade social. Também temos cursos de alfabetização que se propõe a alfabetizar em três meses, proposta recusada pelos educadores e pesquisadores de EJA, que consideram que deve haver tempo maior para que haja o letramento dos educandos e não apenas a instrumentalização para decodificação da escrita. Os espaços onde ocorre a escolarização da EJA, também podem ser variados, nem sempre há prerrogativa de acontecerem em escolas, principalmente os cursos de alfabetização, que podem ocorrer em Igrejas, salões paroquiais, salas de associações, sindicatos, canteiros de obras ou outros locais de trabalho - o que muitas vezes representa uma limitação para a continuidade de estudos. Nesta situação, há uma tendência para que funcionem em escolas, necessitando o deslocamento do aluno, que se alfabetizou em espaços próximos a sua casa e para continuar tem que se deslocar, gerando o desestimulo em uma parte considerável dos educandos. A resistência de gestores de escola em receber turmas de EJA tem representado uma limitação para a oferta de continuidade de estudos. O temor de que as turmas de EJA puxem para baixo os índices da escola faz com que haja resistência em aceitar formar turmas. Além da preocupação com os índices, os gestores também resistem a EJA por terem que abrir a escola no turno da noite, por considerarem que existe um risco maior de bagunça (quando atendem adolescentes), depredação do espaço físico e outros aspectos que são apontados por gestores como motivadores para resistir a oferta da modalidade. A Legislação propõe adequação para o tempo e o espaço da EJA. O artigo 4º da LDBEN, nos seus incisos I ao IX, traz muitas recomendações importantes de serem acatadas na modalidade de EJA, como: as iniciativas de educação para jovens e adultos, indicando possibilidades de organização de tempo e espaços, recomendando a implantação de espaços escolares nos locais de trabalho (empresas e órgãos públicos). As iniciativas de organização de turmas com outras possibilidades de tempo e espaço muitas vezes não são bem compreendida pelo sistema escolar, que muitas vezes exige das turmas de EJA resultados e respostas que são encontradas no ensino seriado convencional. Um exemplo é a incompreensão da organização do Programa ProJovem Campo - Saberes da Terra, que integra escolarização com profissionalização, e também o atendimento modular, realizado nos centros de educação de jovens e adultos, escolas da modalidade que funcionam no estado do Ceará. Ribeiro (2003, p.91) diferencia alfabetização de letramento da seguinte forma: Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá- lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos. Magda Soares (1998) afirma ser o uso social da língua, ao permitir que o sujeito interprete, divirta-se, seduza, sistematize, confronte, induza, documente,informe, oriente-se, reivindique, e garanta a sua memória, o efetivo uso da escrita garante-lhe uma condição diferenciada na sua relação com o mundo, um estado não necessariamente conquistado por aquele que apenas domina o código. Educação de Jovens e Adultos 105 Os locais, tempos e sujeitos são determinantes para a organização das práticas escolares. É muito importante levar em consideração estes aspectos na hora de definir os objetivos, selecionar conteúdos, metodologias e formas de avaliação. Atividades de avaliação 1. Entre no site: www.mec.gov.br, acesse a Secretaria de Educação Conti- nuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão e veja os programas oferta- dos para alfabetização e continuidade de estudos na EJA. 2. Trace o contexto socioeconômico do entorno da escola em que trabalha e identifique turmas de EJA de alfabetização e educação continuada. Em um texto, onde comente sobre a demanda e a oferta de EJA na região. 3. Uma didática para a EJA Vimos que tratar de uma didática para EJA é levar em consideração todas suas peculiaridades: sujeitos, tempos, espaços, materiais disponíveis, etc. Como referencia teórica podemos tomar Paulo Freire, nosso referencial maior para o estabelecimento de uma proposta de ação didática, visto que seu trabalho é direcionado a essa população. A crítica de Paulo Freire direcionada à organização dos saberes na escola é ao que é traduzido como “educação bancária”, conhecimentos organizados, constituídos de informações e fatos que serão transferidos para os alunos. Freire propõe uma “educação problematizadora” que leve o educador e o educando a refletir os saberes que serão tratados, respeitando os conhecimentos anteriores, sendo a característica central o diálogo entre educador-educando com o devido respeito à liberdade e aos saberes de cada um. O ato de conhecer não é individual, porquanto envolve intercomunicação, e o professor será o mediador dessa ação, provocando o diálogo. Cada vez mais sentíamos, de um lado, a necessidade de uma educação que descuidasse da vocação ontológica do homem, a de ser sujeito, e, por outro, de não descuidar das condições peculiares de nossa sociedade em transição, intensamente mutável e contraditória. Educação que tratasse de ajudar o homem brasileiro em sua emersão e o inserisse criticamente no seu processo histórico. (FREIRE, 1979, p.66). Trazemos da vivência como educadora de educação de adultos e do acompanhamento dos estudos realizados na área e socializado em encontros Programa de ensino fundamental desenvolvido a partir das Diretrizes Curriculares para Educação no Campo, com organização de tempo em alternância: tempo escola e tempo comunidade. A profissionalização é toda voltada para atividades rurais. É desenvolvido em parceria MEC/Sec. De Governo do Estado do Ceará. Os CEJA são escolas que atendem a modalidade EJA, oferecendo o ensino fundamental II (6º ao 9º ano) e ensino médio. Tem organização curricular semipresencial como ação principal, mas desenvolvem de acordo com as condições estruturais que possuem cursos presenciais. São geridos pela rede estadual de ensino, sendo nove em Fortaleza e mais 32 em outras cidades do Ceará. Os municípios de Itapipoca e Maracanau tem CEJA municipal de forma presencial. Educação de Jovens e Adultos106 locais e nacionais, a percepção da fragilidade e desconhecimento sobre um currículo de EJA. Falta que as instituições, ao elaborarem os cursos, tomem a iniciativa de observar o que já foi produzido na área, a fim de evitar as falhas que comprometem o sucesso da ação. O histórico da EJA em nosso País, com exceção da proposta da educação popular, caracteriza-se por apresentar sugestões curriculares e metodológicas com dificuldade de adequação às diferenças presentes no público de EJA, entre a faixa etária e o perfil socioeconômico e cultural dos educandos, com tendências e proposições singulares para todo o País, e resistência a formulações que se diferenciem daquelas regularmente trabalhadas em escolas destinadas às séries regulares. Torres (1994, p. 35), questionando a distinção entre currículo único e currículo diferenciado, chama a atenção para a pertinência e relevância dos conteúdos, e indica a ação de alguns países de implementar currículos parcialmente diversificados com o fim de “responder as necessidades, também diferenciadas, de caráter regional, social, cultural, étnico, linguístico etc.” Os conhecimentos são apresentados de forma fragmentada, numa perspectiva cientificista, excessivamente tecnicista e disciplinar, dificultando o diálogo com as experiências vividas e os saberes anteriores tecidos pelos educandos e os conteúdos escolares. Outro aspecto que é deixado quase de lado, em virtude da precariedade da EJA no campo, por exemplo, é o currículo e as metodologias/recursos utilizados que infantilizam o educando. Segundo artigo publicado on line na Revista Nova Escola (jan/fev, 2011), especialistas, unanimemente, afirmam que a única forma de melhorar os indicadores é respeitar as especificidades desse público. Apontam como problemas elevadores dos índices de evasão. o currículo, (muitas vezes uma adaptação dos conteúdos do Ensino Fundamental), a formação inadequada dos professores, a prática de convocar voluntários (muitos sem preparo) para alfabetizar jovens e adultos e a polêmica em torno da idade mínima para matricular-se na EJA (hoje é 15 anos, há quem lute para aumentar para 18 anos, numa tentativa de forçar os mais jovens a permanecer nas redes regulares de ensino) (FRAIDENRAICH, 2011). Para nortear nossa reflexão sobre a didática da EJA, vamos tomar como referencia inicial um documento ao qual já nos reportamos diversas vezes neste texto, por ser um documento que foi construído ouvindo aqueles que realmente atuam na ponta do sistema escolar. O documento do Brasil preparatório para VI Confintea foi elaborado no ano de 2008, em seminários estaduais, regionais e nacional, ouvindo a opinião de representantes de diversos segmentos que lidam com a EJA no país: educadores, técnicos, gestores, educandos, Educação de Jovens e Adultos 107 membros do conselho, movimentos sociais, sistema S e de ONG. Os eventos foram realizados sob o patrocínio do Ministério da Educação e a organização dos fóruns estaduais de educação de jovens e adultos. Para nortear as discussões nos seminários, foram propostos quatro eixos temáticos, sendo eles: 1. Sujeitos da Educação de Jovens e Adultos: diversidade (gênero e etá- rio), indígenas, campo, etnia, população carcerária. 2. Estratégias didático-pedagógicas para a EJA: aprendizagem, tecno- logias da informação, currículo, avaliação, sala de aula, tempos curricu- lares, professor e alunos, educação profissional. 3. Intersetorialidade da EJA: políticas públicas, mundo do trabalho, cultu- ra, saúde, meio ambiente, comunicação. 4. Educação de Jovens e Adultos no Sistema Nacional de Educação: gestão, recursos e financiamento. Destacamos aqui um trecho do referido documento relativo ao eixo temático 2 – Estratégias político-didático-pedagógicas para a EJA. Tema de nosso interesse e que irá contribuir para nossa compreensão sobre a organização das práticas pedagógicas na EJA. Tomando como base a referência da educação popular, a EJA, historicamente, tem-se caracterizado por articular processos de aprendizagem que ocorrem na escola, segundo determinadas regras e lógicas do que é saber e conhecer, com processos que acontecem com homens e mulheres por toda a vida — em todos os espaços sociais, na família, na convivência humana, no mundo do trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, em entidades religiosas, na rua, na cidade, no campo, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, nas manifestações culturais, nos ambientes virtuais multimídia etc., cotidianamente, e o tempo todo. A EJA deve perceber esses processos tão presentes no cotidiano, revelando-os por meio deestratégias didáticas que valorizem esses aprendizados. São frutos da experiência e da ação inteligente de sujeitos no mundo, segundo a ordem de necessidade e expectativa em relação ao que se quer ou se precisa aprender. Outros processos de educação emancipadora são marcados pela necessidade de conhecer e educar-se, transformando modos de ver e agir, passando de intenções a políticas públicas. Evidenciam-se em atitudes emancipadoras de mulheres, independente de suas condições físicas, intelectuais, culturais, sociais, linguísticas; em questões étnico-raciais; em posturas ambientais que alteram significativamente a lógica da produção e do consumo, contrapondo-a com Educação de Jovens e Adultos108 a produção sustentável de renda, na perspectiva de trabalho coletivo e de economia solidária, de povos e comunidades tradicionais, de associativismo, de agricultura familiar sustentável ou comunitária frente ao acúmulo de riqueza e de exploração infinita da natureza; na assunção de direitos humanos para todos os homens e mulheres, valorizando a diversidade de que são constituídos; no reconhecimento do lugar de trabalhador para além da submissão ao mercado, pensando-se produtor da vida pela ação do trabalho remunerado ou não. As estratégias político-didático-pedagógicas na EJA fundamentam- se em como viabilizar a superação de outros processos ainda marcados pela organização social da instituição escola, hierarquizada em um sistema verticalizado, em uma lógica disciplinar, com saberes e conhecimentos tomados como “conteúdos” fragmentados e estáticos, distantes da realidade e acríticos, que dificultam a legitimação dos saberes historicamente construídos por homens e mulheres. O trabalho na escola com saberes do cotidiano; com a articulação de saberes das classes populares com os conteúdos escolares (técnicos e científicos), exige modos não-hierarquizados e não-dicotomizados de intervenção pedagógica, dando sentido e significado a esses novos saberes assim produzidos, de forma a construir sistemas conceituais que contribuam para compreender a realidade, analisá-la e transformá-la. A EJA acontece em diferentes espaços-tempos e deve oferecer situações de aprendizagem mediadas por linguagens/ferramentas diversas, de maior ou menor complexidade técnica e tecnológica, de caráter artesanal ou manufaturado, de usos simples ou complexos, manuais ou eletrônicos, resultantes de trabalho humano ou planejado para ser executado pela robótica, pela inteligência artificial. Dada a diversidade de sujeitos da EJA, as estratégias político- didático-pedagógicas não prescindem da presença humana do professor e educandos, da interação, da troca, do diálogo, pela certeza de que aprender exige ação coletiva, entre sujeitos com saberes variados, mediados pelas linguagens, objetivando conhecimento emancipador. Na contemporaneidade não se pode descartar o ambiente virtual multimídia e o papel das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) como recursos pedagógicos à ação do professor, pelo que têm possibilitado ao desenvolvimento de processos de aprendizado, ao acelerarem o ritmo e a quantidade de informações disponibilizadas, ao favorecerem o surgimento de novas linguagens e sintaxes, enfim, ao criarem novos ambientes de aprendizagem que podem ser postos a serviço da humanização e da educação de sujeitos. Educação de Jovens e Adultos 109 Vai-se do real ao virtual, do analógico ao digital, educam-se novos gostos, escolhas, percepções para a qualidade da imagem, do movimento, da capacidade de alcançar regiões e locais remotos nunca dantes imaginados, em tempo real, sem defasagens que lembrem distâncias e longas esperas. As TIC se espalham na prática social de forma irrecorrível, mudando a vida, as relações e as lógicas de apropriação do tempo e do espaço, agora submetidos a novos ordenamentos e apreensões. Convive-se com antigas tecnologias, mas não se abre mão das novas em todos os campos da vida social e cuida-se de evitar que novas exclusões sejam processadas. Todos os sujeitos se veem diante de um novo mundo de informações e linguagens/ ferramentas do ambiente virtual multimídia, mas mesmo a apreensão desigual dessas linguagens/ferramentas e do fazer este mundo inclui a todos, sem escolha, com diferentes graus de acesso: códigos de barra, cartões eletrônicos, celulares estão na realidade cotidiana, mesmo quando se é levado a pensar no conceito que, mais uma vez, ameaça o direito: o da exclusão digital. Do ponto de vista do que faz a escola — e do que sempre fez —, embora as expectativas sejam quase as mesmas por parte de jovens e adultos, cabe à EJA repensar o papel que deve desempenhar para mobilizar esses sujeitos à retomada de seu percurso educativo. Se muitos deles têm trajetórias escolares descontínuas, de não-aprendizados, de frustrações, não é possível repetir modelos e manter fórmulas de lidar com a infância na relação entre sujeitos jovens e adultos. Se ler e escrever são indispensáveis às sociedades em que a cultura escrita regula a vida social, jovens e adultos precisam apreender, se apropriar e produzir, utilizando essas técnicas. Ao longo da vida, jovens e adultos estiveram sempre aprendendo e, portanto, detêm saberes que não podem ser ignorados. Seus saberes podem dialogar, produtivamente, portanto, com o currículo da escola, reconsiderando tempos de aprendizagem, formas de organização. Articular saberes cotidianos de jovens e adultos a saberes técnicos e científicos sistematizados numa perspectiva de emancipação põe-se como desafio para o currículo da EJA. O que importa como finalidade da ação pedagógica é saber o que sabem e como aprendem jovens e adultos e, para isso, o trabalho docente — valendo-se de modos de avaliação processual — deve pôr o aprender acima do certificar. Tempos e espaços na organização da EJA são fundamentais para possibilitar que aprendizados escolares se façam. Para além dos instituídos, cabe instituir tempos e espaços outros, de forma a atender a diversidade de modos pelos quais jovens e adultos podem estar na escola, sem acelerar/ aligeirar processos de aprendizagem dos educandos, mas ampliando e Educação de Jovens e Adultos110 socializando saberes. São as necessidades da vida, desejos a realizar, metas a cumprir que ditam as disposições desses sujeitos e, por isso, a importância de organizar e assegurar tempos e espaços flexíveis, em todos os segmentos, garantindo o direito à educação e aprendizagens ao longo da vida. As políticas de EJA, dentre essas as de alfabetização, vêm disputando concepções sobre o que é alfabetizar e garantir o direito à educação para jovens e adultos. A perspectiva é de formar leitores e escritores autônomos, que dominem o código linguístico, mas que também sejam capazes de atribuir sentidos e recriar histórias; de compreender criticamente sua realidade intervindo para transformar (a práxis), pela escrita, sem prejuízo de outras formas de expressão como imagens, o que vai além do que tem sido observado em muitas práticas de alfabetização na EJA. O mundo contemporâneo exige o leitor de diversos códigos, do múltiplo, do diverso, perspicaz na interpretação e com capacidade de atribuir sentidos com toda a liberdade, para além da oralidade, campo em que sujeitos jovens e adultos têm domínio. Um currículo para a EJA deve ser construído de forma integrada, respeitando a diversidade de etnias e manifestações regionais da cultura popular; não pode ser previamente definido, e sem passar pela mediação com os estudantes e seus saberes, bem como a prática de seus professores, o que vai além do regulamentado, do consagrado, do sistematizado em referências do ensino fundamental e do ensino médio, para reconhecer e legitimar currículos praticados. Reconfigurar currículos não é desafio individual, mas coletivo, de gestão democrática, que exige pensar mais do que uma intervenção específica: exige projeto político-pedagógico para a escolade EJA como comunidade de trabalho/aprendizagem em rede, em que a diversidade da sociedade esteja presente. É tarefa de diálogo entre educadores, educandos, especialistas, assim como os demais segmentos envolvidos no processo e requer a formação docente continuada, como professor/pesquisador, pois por meio dela poderão revelar seus fazeres e ressignificar seus dizeres, a partir do que, efetivamente, sabem e pensam. O currículo para a EJA requer o reconhecimento do direito à oferta de atendimento educacional especializado, não substitutivo à escolarização, aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, organizado pelos sistemas de ensino e realizado mediante a atuação de profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), da língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação Educação de Jovens e Adultos 111 alternativa, do desenvolvimento de processos mentais superiores, de programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da tecnologia assistiva e de outros conhecimentos específicos. Povos do campo e da floresta defendem políticas públicas de formação inicial e continuada de educadores e de professores para a especificidade de sua educação. Defendem, assim, políticas de EJA para a diversidade dos povos do campo e da floresta que respeitem e valorizem diferenças, contemplem especificidades do campo nos aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, de geração e de etnia, contribuindo na reconstrução da qualidade social da vida individual e coletiva. A avaliação na EJA também implica enfrentar o desafio e a lógica perversa da cultura hierárquica e submissa que formou o povo brasileiro. Cabe agora pensar de que modo cada sujeito se apropria dos conhecimentos e os faz seus, para si, para sua comunidade, e sociedade, o que requer avaliação processual, contínua e formativa, que não remete somente à necessidade de certificação, referendo de um sistema de reconhecimento formal na sociedade. Como documento burocrático, o certificado muitas vezes tem sido o motor que conduz jovens e adultos de volta à escola, sem que esta se dê conta de estar diante de uma bela oportunidade de transformar a expectativa inicial dos sujeitos, minimizando seu valor, e maximizando o valor do conhecer e da capacidade de jovens e adultos pelos aprendizados realizados. Ao longo da história muitos movimentos, programas e projetos — governamentais e não-governamentais — produziram lições a serem aprendidas por educadores, dirigentes e gestores públicos, para que se avance em relação aos desafios que se mantêm, e sobre os quais muito do que foi produzido pode evitar que erros semelhantes se repitam. Em parceria ou não, a perspectiva primeira é de que a forte fragmentação na oferta pode possibilitar uma nova leitura — a de se trabalhar sob a ótica da diversidade. Tais movimentos, programas e projetos são contributos à formulação de políticas de Estado para a área, desde que integrados à EJA como modalidade do sistema de educação básica. Os programas voltados a públicos específicos, integrados à EJA como modalidade do sistema de educação básica: Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), nascido da interlocução e parceria dos movimentos sociais do campo e sindicais de trabalhadores rurais com o governo federal; Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a educação básica na modalidade EJA (PROEJA); Programa Brasil Alfabetizado (BA); Saberes da Terra, Pescando Letras são algumas de muitas Educação de Jovens e Adultos112 iniciativas que compõem o espectro de atendimento a jovens e adultos, os quais demandam maior compreensão e a perspectiva de se constituírem como políticas públicas de Estado. Projetos voltados ao acesso à literatura e material de apoio didático, tais como Concurso Literatura para Todos, Arca das Letras, Cadernos de EJA, Guia do Professor de EJA, além da produção audiovisual Histórias de um Brasil Alfabetizado e programas da TV Escola/Salto para o Futuro, apresentam-se como conquistas para a educação de jovens e adultos. Entretanto, alguns desafios se colocam em relação à sua manutenção, mediante avaliação, na medida em que são iniciativas recentes que podem ser ampliadas e fortalecidas. A modalidade EJA em suas formas de atendimento na educação profissional e para a vida, tem contribuído também para alterar o quadro de oferta, mas principalmente, o quadro referencial quanto ao que é fazer educação básica integrada à educação profissional na modalidade EJA. Outra exigência na constituição de currículos é a de reconhecer competências profissionais como conteúdo e saberes já portados por jovens e adultos, alterando a forma de produzir currículo na escola, reconhecendo a necessidade de uma formação crítica e ética que extrapole a mera profissionalização. Todas as estratégias político-didático-pedagógicas, em síntese, quando adotadas criticamente, podem melhor dimensionar o fazer escolar na EJA e a participação dos estudantes, sem perder as especificidades que movem, prioritariamente, os sujeitos que desejam aprender e produzir conhecimento transformando a si, suas relações sociais e o conjunto da sociedade (DOCUMENTO DO BRASIL PREPARATÓRIO PARA VI CONFINTEA). A leitura desta parte do documento irá contribuir para nosso aprofundamento sobre uma didática para EJA. 3.1. As representações que os educandos trazem sobre escola Iniciamos nossa reflexão a partir da ideia de organização escolar presente no imaginário do aluno jovem ou adulto, considerando suas representações de escola, aula, professor e aprendizagem. Diversas pesquisas apontam que os alunos trazem referencia de uma sala de aula organizada com carteiras em fileiras, com o professor a frente determinando o que será estudado, os educandos ouvindo atentamente e fazendo longas anotações. Jovens e adultos trazem noções sedimentadas sobre a cultura escolar. Educação de Jovens e Adultos 113 A revista Nova Escola em uma reportagem sobre EJA publicada no fascículo jan/fev, ano 2011, também faz esta referencia, da resistência dos educandos, quando o professor propõe situações diferenciadas daquelas presentes em seu imaginário. Coelho e Eiterer (2007) se reportam a esta situação colocando que: [...] alguns professores já adotam estratégias de ensino que requerem maior participação do aluno através do diálogo, possibilitando, inclusive, que ele diga o que não reconhece que sabe. Entre as novas estratégias estão as atividades em grupo, discussões, debates, pesquisas, interação, conversas etc., as quais, muitas vezes, geram estranhamento no aluno, pois ele espera que a escola garanta seu acesso ao que ele entende que sejam conteúdos através da transmissão de informações. Ou seja, o aluno entende como legítima a aplicação do modelo que Freire chama de educação bancária. O aluno acredita que nada sabe e que deve aprender com o professor. (p. 171). As estratégias a serem usadas para trabalhar com os saberes devem estar muito claras, tanto para professores como para os educandos, pois a resistência de um dos segmentos traz sérios prejuízos à aprendizagem. O professor em nenhum momento deve desprezar a cultura do aluno, suas experiências de vida, também não deve fugir ao diálogo na sala de aula, à troca de experiências, a escuta, evitando o distanciamento entre a concepção tradicional do aluno e a concepção interacionista de ensino, de modo a evitar que ele se afaste da escola por não conseguir identificar-se com ela. Também algumas vezes o professor se perde por não desenvolver na sala de aula uma postura de mediador do conhecimento. Por força de sua formação ao longo dos anos, o professor reproduz em sala um papelcentralizador, autoritário, centrado no repasse dos conteúdos, vendo os alunos como sujeitos passivos no processo. Haddad (2007) afirma que uma nova visão da EJA tem como pressuposto um novo modo de acolhimento, que garanta a efetiva participação dos sujeitos. Questionada sobre os desafios da EJA, Di Pierro apud Fraidenraich (2011), afirma termos que: pensar em um modelo mais flexível de escola, conectado com a vida. Além disso, investir na formação docente, com mais disciplinas obrigatórias e optativas na graduação. Afinal, o papel desses professores não é preparar os estudantes para o futuro, como ocorre com as crianças, mas ter um olhar mais sensível a tudo que é relevante para esses jovens e adultos, da saúde à religiosidade. Maria Clara Di Pierro. Graduada em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1980), é Mestre (1995) e Doutora (1999) em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Desde 2005 é professora doutora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, atuando na Graduação e na Pós Graduação. Em 2011- 2012 realizou estágio pós doutoral no Teachers College, Columbia University. Sua experiência tem ênfase em Educação de Jovens e Adultos, atuando principalmente nos seguintes temas: alfabetização e educação de jovens e adultos, políticas educacionais, educação do campo, educação popular. Tem muitos artigos e livros escritos sobre EJA, forte atuação na formação dos Fóruns de EJA, e participação ativa nos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos. Educação de Jovens e Adultos114 3.2. Os saberes prévios como ponto de partida para aquisição de novos saberes Na EJA, independente da estratégia de ensino, há uma necessidade em reconhecer e utilizar os conhecimentos e habilidades construídos pelos educandos por meios informais, adquiridos nas experiências de suas vidas; para então aproveitá-los e transformá-los em conhecimentos científicos produzidos a partir dos espaços escolares. Segundo Coelho e Eiterer (2007), “as pre-noções sobre certos conteúdos que o aluno já traz têm sido ponto de partida e o ponto de chegada” (p. 173). Não há submissão desses saberes a maiores questionamentos, o que não permite a ampliação dos mesmos. Convém lembrar que a relação com o saber se dá de forma progressiva, a relação dialógica da apropriação do saber deve ser promovida diariamente, com definição clara de objetivos didáticos, escolha de estratégias apropriadas as características dos educandos, uso de recursos, tendo consciência de que o educando é protagonista do processo de aprendizagem e seu envolvimento com a aula é fundamental para o andamento das ações. O professor deve conhecer os saberes de seus educandos para definir o universo vocabular que irá adotar para estabelecer relações em suas explicações, deve investigar as estratégias que os educandos utilizam para resolver questões do seu dia a dia e que serão aplicadas em sala de aula. É importante considerarmos o trabalho com os saberes trazidos pelos alunos, sem abandonar a possibilidade de se apoderar de saberes cientificamente elaborados, numa transposição didática que relacione a prática ou experiência do aluno a fim de adquirir significado. No Projeto Tempo de Avançar (BARBOSA, 2009), o conteúdo de maior referência dos alunos foi a Língua Portuguesa. As habilidades de leitura e escrita foram constantemente referidas como de necessário domínio, conforme destacamos em alguns depoimentos: Eu queria ter aprendido a ler bem, para falar e escrever bem. Melhorar o próprio nível, porque quando você tem aquele nível tem uma fundamentação né, bem boa, melhor que de 1ª a 4ª série. Então quando a gente chega aqui essas dificuldades assim de operação, a escrita é um Deus nos acuda… (ALUNO). Esse aluno não conseguiu com o curso melhorar sua leitura e escrita. Sua fala decepcionada demonstra bem o sentimento daqueles que voltaram a estudar buscando a evolução cognitiva. Educação de Jovens e Adultos 115 Os professores também demonstram a sua angústia por não poderem desenvolver a contento conhecimentos científicos que contribuíssem para que os educandos se apropriassem desses conteúdos dominando a língua materna, a compreensão matemática para além dos cálculos básicos e ampliassem seus conhecimentos sobre a história do homem e da paisagem onde ele vive e transforma. [...] eu queria que eles passassem assim uns quatro anos aprendendo a ler e escrever, não fazendo mais outra coisa com esses alunos e aí nos entregassem desse jeito. Sabendo ler somar e diminuir precisava nem ensinar a multiplicar e dividir não. As operações então esse nível básico e o tempo pelo amor de Deus, ainda bem que eles consertaram isso no EJA, porque é muito pouco, tudo que você vê é correndo. Os alunos reclamavam: “Professora a senhora é agoniada, corre demais”. “Vocês precisam me acompanhar, porque o curso é assim”, depois eles pegam o ritmo. (PROFESSORA). [...] que buscasse realmente trabalhar as funções da língua. Para que a gente usa a língua? Quais os objetivos do uso da língua? Dizer realmente como usar a língua. Eu tenho que compreender gramática para fazer bem esse uso, para que me comunique direito, faça cartas, requerimentos, uso de comunicações do dia-a-dia. A Literatura. A Literatura Cearense. Quem conhece essa literatura? Quem foram nossos bons escritores cearense e o que eles escreveram? (PROFESSORA). A Matemática que estou aprendendo realmente vai ajudar? - Olha, aprender número decimal foi uma loucura. Eles não tinham noção do que viam. (PROFESSORA). Trabalhar com o aluno sem subestimar, o pessoal tem uma mania de subestimar os alunos de EJA, não porque os bichinhos devem aprender só isso, ensinar aos bichinhos só isso uma conversa eles tem condição de aprender isso e muito mais. O cuidado que devemos ter é fazer um currículo de coisa que realmente façam parte da vida deles. Não subestimar outras coisas. Porque quando eu estudei o 2º Grau o meu certificado ficou Analista Química, eu nem sou da análise química, nem aprendi outras coisas, eu não ví a parte de literatura, nem a parte de português, e hoje eu sinto dificuldade. (PROFESSORA). A escola tem que ensinar as estratégias, ele tem que aprender para a vida dele. Ele chega lá na Guararapes e vai preencher a ficha, CPF, endereço… Menino, aqui tinha a ficha do censo, menino pode arrumar ficha. Por que a escola deve ensinar a botar endereço, preencher Educação de Jovens e Adultos116 fichas, isso é o uso da língua. Eles têm que saber como faz isso bem direitinho, uma carta, o remetente o destinatário, bem direitinho. Um requerimento para que serve, para requerer o quê? (PROFESSORA). A escola precisa valorizar os saberes que os estudantes, suas famílias e comunidades possuem, estabelecendo o diálogo entre estes conhecimentos e os saberes das diferentes áreas de conhecimento. “O diálogo entre esses conhecimentos precisa garantir elementos que contribuam para melhorar a qualidade de vida dos sujeitos envolvidos”. 3.3. Especificidades do material didático Os livros didáticos são relevante suporte, pois, muitas vezes são somente eles as fontes de pesquisas de professores e dos alunos, contribuindo também para o aprofundamento dos estudos em sala de aula. Apple (1995) considera que são os livros didáticos que estabelecem grande parte das condições materiais para o ensino e aprendizagem nas salas de aulas. Não podemos esquecer o valor atribuído ao livro nas práticas docentes cotidianas. Observamos que há uma crença, entre gestores, educadores e educandos de que o conhecimento considerado “legítimo” está disponível nas escolas através do livro didático, que funciona como determinador do currículo. Vemos nesse contexto a dificuldade em flexibilizar o currículo da EJA. Em depoimentos ouvidos de educadores durantepesquisa para tese de doutoramento e nos depoimentos ouvidos nos cursos de formação de educadores de EJA, uma questão é sempre levantada: como planejar ações que aprofundem os saberes das disciplinas se não há disponibilidade de material didático específico? Concordamos com Apple (1995) quando ele anota que os textos dominam o currículo, “ignorá-los como não sendo dignos de uma séria atenção ou de uma luta política é viver em um mundo divorciado da realidade” (p. 101). Assim, elaborar material didático para EJA, dentro das especificidades que diversificam a modalidade, é uma necessidade urgente para o sucesso das ações em EJA. Um ponto importante no material didático é que seja direcionado ao público jovem e adulto, em aspectos que estão nos conteúdos abordados, na contextualização dos assuntos, na regionalidade, na inserção de temas que propiciem informações, nos exercícios propostos, na formatação gráfica até na encadernação. É importante salientar que no livro sejam abordados os conteúdos básicos, sem sínteses baseadas em supostas limitações dos educandos. Educação de Jovens e Adultos 117 Professores pesquisados por Barbosa (2009), fazem alusões a temas que deveriam ser abordados: sexo, doenças sexualmente transmissíveis, assuntos mais voltados para a vida, para realidades dos educandos, algo que empolgue. Cabem ser lembrados dois fatos quando nos reportamos a livros didáticos para educação de jovens e adultos, em primeiro lugar, a carência e a dificuldade em produzi-los, de forma a respeitar as características dos educandos dessa modalidade; em segundo lugar, o livro didático deve ser acessível a professores e educandos. 3.4. Atividades curriculares que promovam integração entre escolas, turmas, professores e alunos Uma importante ação didática na EJA é fomentar a integração e troca de experiências, intercâmbio de conhecimentos, socialização, entre alunos, professores de outras turmas e de outras escolas. Os professores sentem necessidade de acompanhamento pedagógico a contento, participação em encontros, planejar juntamente com os outros professores da escola, por considerarem que propicia o fortalecimento de suas ações e solução de algumas dificuldades. Em Barbosa (2009) encontramos o seguinte depoimento: Por exemplo eles foram para outra escola estão achando ruim, porque, nunca viram os alunos de lá. Era para ter uma integração entre os professores. A gente se encontrava para um curso de aperfeiçoamento, para uma nova disciplina que ia iniciar, e adorávamos, mas aquilo não tinha uma continuidade, se tivesse assim uma avaliação que a gente pudesse até num jogo, de ver uma equipe de um colégio contra outra, uma gincana entre escolas, encontros culturais, que integrassem essas escolas nesse projeto, até para valorizar. Porque no que une fortifica, valoriza. (PROFESSORA). A professora está certa em sua expressão, pois a troca de experiências é muito importante para superação das fragilidades da modalidade. Dado o quadro de carência em que a modalidade acontece, necessita do incentivo para que esses momentos ocorram, e a previsão desses momentos no currículo de um curso forçará sua realização. Esse sentimento está presente em muitas falas, levantado a necessidade de sua observação. Sentimos nas falas de técnicos, diretores, professores e educandos que na modalidade de EJA, necessita haver confiança entre os agentes que dela fazem parte. As metodologias que permitem aos professores e Educação de Jovens e Adultos118 educandos dialogar, elaborar ações em conjunto, ouvir e ser ouvidos são mais atraentes e favorecem a permanência do educando em sala de aula. As aulas presenciais. Muita gente gosta. Agora estamos tendo inscrição para exames, eles todos procuram as aulas do TAF não vai ter mais? Resolveu o problema de muita gente, mas tem muita gente boa querendo estudar. A metodologia do trabalho. O grupo, o coletivo é muito bom. Aquela oportunidade do aluno socializar seus conhecimentos, isso segurava eles em sala. O estudo por módulos é tão solitário (TÉCNICA DE SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO). Sentimos nessa categoria que os cursos para EJA devem trazer a possibilidade do diálogo entre professor e alunos. Mesmo com o uso da tecnologia, a intervenção desses sujeitos, a troca de experiência, a escuta, o tempo para reflexão sobre os novos saberes são importantes para a aprendizagem dos educandos. 3.5. Tempo de duração do curso que permita ao educando interagir com conteúdos e práticas Diretores, professores e alunos reclamaram do tempo de duração do curso. A quantidade de conteúdos obrigava os professores a correr e não permitia que os educandos refletissem, tirassem dúvidas. Na avaliação do Projeto Tempo de Avançar (BARBOSA, 2009), todos concordavam que necessitavam de mais tempo de estudo para ter melhor aproveitamento. O curso era de 18 meses para o médio e 12 meses para o ensino fundamental. O tempo é ruim a gente corre muito. Os alunos têm uma vontade uma sede de concluir, uma coisa assim, contam os dias e tudo, porque a ânsia é do diploma, no caso o certificado. O curso oferecido em dois anos ficaria mais completo. Ninguém tem tempo para revisão. É uma emissão atrás da outra todos os dias, Tem um calendário, não há um tempo que a gente possa tirar dúvidas, fazer revisão, fazer uma pesquisa, fazer uma aula de campo, não tem e nos outros cursos não tem esse tempo.(PROFESSORA). Eu acho que é muito conteúdo para pouco tempo, o programa é extenso para um ano, deveria ser pelo menos de um ano e meio. Um prolongamento dos conteúdos para trabalharmos melhor. Por exemplo, geografia, história, matemática. A matemática ficou muito prejudicada, porque você tinha que trabalhar um conteúdo como equação do primeiro para trabalhar em uma aula, deveria ser no mínimo em duas. Talvez aumentar o prazo, ou diminuir os conteúdos. A quantidade de aula. Selecionar os conteúdos mais importantes e diminuir. Educação de Jovens e Adultos 119 A observação do tempo de duração dos cursos de EJA deve ser levada em consideração, dado que não há por que considerar que haja necessidade de abreviar o tempo de duração de um curso pautado na idade dos educandos. Em primeiro lugar, devem ser observadas suas necessidades pedagógicas, deve-se permitir aos sujeitos da EJA a reflexão e a administração do tempo necessário à satisfação das necessidades de aprendizagem. Educandos jovens e adultos nem sempre dispõem de tempo livre durante toda a semana, sendo necessário que haja flexibilização na organização do calendário e carga horária, a fim de que ele possa estudar e dar continuidade as suas atividades. “O curso ideal é aquele que atenda as necessidades de jovens e adultos que não tenha a rigidez de horário, pois com horário fixo a gente percebe que a evasão vai lá para cima”. (BARBOSA, 2010). 3.6. Organização curricular e metodológica A metodologia a ser desenvolvida na EJA deve sempre buscar trabalhar respeitando a diversidade dos educandos, buscando conhecê- los individualmente, identificando ao longo do curso suas dificuldades, Sampaio (2010), faz recomendações de que o professor deve aproveitar aqueles dias em que vão poucos alunos à aula, para levantar conteúdos que o educando está necessitando aprender, e a forma como ele melhor aprende. A autora considera fundamental este conhecimento para o planejamento de ações didáticas. É imprescindível selecionar conteúdos mais significativos para adultos, diminuindo a preocupação com notas aumentando a preocupação com a aprendizagem, adequando conteúdos à realidade dos educandos, revisando as práticas adotadas, usando outras estratégias de aprendizagem como palestras com assuntos como saúde, trabalho, leis, etc; organizando oficinas, grupos de estudo, laboratórios de ciências e de informática. Ressaltamos que na EJA o professor deve perder a visão homogênea de escola. Não podemos trabalhar osconteúdos igualmente para todo grupo, sem levar em consideração o percurso e a forma de cada um aprender. Sampaio (2010, p. 123) afirma que na EJA lidamos com diferenças acentuadas entre alunos: “diferentes idades desde adolescentes até idosos: diferentes religiões, cujas doutrinas em adultos já estão mais sedimentadas; diferentes profissões, diferentes locais de nascimento e formação, que geram hábitos culturais diferentes; diferentes tempos de escolaridade anterior”. Educação de Jovens e Adultos120 Em uma pesquisa sobre Evasão na EJA (BARBOSA, 2010) ao investigar os educandos e educadores, encontramos respostas sobre a organização da aula que confirma o que estamos falando: Organizar os tempos da escola de forma flexível (EDUCADOR). O modo de ensino poderia ser mais divertido, assim poderíamos aprender de verdade e não encarar isso como uma obrigação chata. As condições dos colégios poderiam ser melhores com tantos impostos que a gente paga (EDUCANDO JOVEM) Um ensino de boa qualidade não deixar faltar professor, sempre que o aluno vai a escola ser atendido, não deixar o aluno sem tirar dúvidas, dar incentivo ao aluno, dar alguns cursos de motivação para o aluno, ser mais rígido, procurar saber os motivos dos alunos (EDUCADORA) Tem-se optado na EJA pelo desenvolvimento de currículos integrados, desenvolvendo ao mesmo tempo escolarização e formação profissional. É uma proposta presente nos cursos do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem que oferece ensino fundamental nas zonas urbana e rural, além de cursos de qualificação para jovens de 18 a 19 anos; e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proeja, curso de ensino médio desenvolvido pelas centros federais tecnológicos. A organização pedagógica destes cursos apresenta-se como uma interessante experiência da modalidade. A pesquisa é o princípio norteador destes programas. Alunos e professores usam a pesquisa como estratégia pedagógica para estudo e o conhecimento da realidade. Com a pesquisa o educando investiga sua realidade aprofunda conhecimentos científicos, estabelece relações, busca soluções para problemas científicos e problemas sociais vivenciados em suas comunidades. Professores pesquisam sobre temas científicos e sobre estratégias metodológicas a serem desenvolvidas em suas práticas, pesquisa também para conhecer a realidade dos educandos, auxiliando nos processos de transformação social, cultural, política e científica. As aulas ou os denominados “percursos formativos” destes educandos são organizados a partir de temas, aos quais são relacionados os saberes locais, os saberes escolares (conteúdos), e os saberes profissionais. Como os conteúdos deverão estar relacionados ao tema, os professores têm que planejar juntos para explorar a interdisciplinaridade, investigar ganchos entre suas áreas de ensino, elaborando estratégias para aprofundamento e de reflexão destes saberes pelos educandos. O resultado da pesquisa foi comentado em artigo publicado em uma obra que reúne dois outros artigos. Você pode ler virtualmente no site: http:// www.apeoc.org.br/artigos- cientificos.html Saiba mais sobre este Programa no endereço: (http: //portal.mec.gov.br/ index.php?option= com_content&view= article&id=15678), Educação de Jovens e Adultos 121 Os conflitos trazidos pela diversidade em sala de aula têm gerado muitas discussões acadêmicas e entre os educadores em busca de soluções: Sampaio (2010), por exemplo, pesquisou registro de experiências de alfabetizadores de EJA, onde eles relatavam suas práticas, os avanços e as dificuldades. Retiramos do artigo da autora algumas sugestões de trabalhos que podem enriquecer a prática pedagógica dos educadores de EJA: • trabalho de grupo. Trabalhar junto, em interação, realizando ajuda mutua. É uma aproximação de quem já se apropriou mais de um determinado conhecimento com quem ainda não chegou lá. Uma dinâmica para esta ação, parte da proposta de aquele que já apren- deu organiza o que sabe para explicar, e o segundo, em busca de conhecer, elabora questões para o primeiro, o que proporciona uma reflexão sobre o conhecimento e o desafio de respondê-lo, ao mes- mo tempo em que esclarece àquele que ainda não aprendeu; • ao organizar grupos de estudos mesclar o máximo que puder, permi- tindo a troca de conhecimento e experiência; • planejar levando em conta a diversidade identificada; • organizar projetos didáticos; • selecionar conteúdos que se refiram aos diferentes interesses dos alunos, de seus saberes e de suas culturas; • trabalhar com múltiplas linguagens, utilizando além da leitura, escri- ta, oralidade, música e atividade de movimento com o corpo, em que os alunos compartilhem jogos, brincadeiras, danças, principalmente que remetam as suas origens. • valorizar o conhecimento da experiência, demonstrado em muitas si- tuações pelos alunos e em outras pelo professor, proporcionando uma visão de que não só a ciência produz conhecimentos válidos, já que o senso comum pode traduzir uma racionalidade nova. O importante é conduzir este conhecimento para o saber mais elaborado, ampliando o saber que o educando ou educador já possuem, incentivando-os a irem além. Freire (1983) desafia os professores a criarem intimidade entre os saberes curriculares e a experiência social que eles demonstram. Concluímos com uma sábia afirmação de Sampaio (2010), a EJA não pode ser pensada apenas dentro do modelo escolar. Ao longo do tempo vamos percebendo que temos que desenvolver uma educação fora do padrão. Temos que adaptar a escola e o trabalho pedagógico à vida e às necessidades do educando jovem e/ou adulto, que vivenciar experiências que possibilitem instituir e constituir espaços, tempos e práticas alternativas. Educação de Jovens e Adultos122 3.7. Avaliação Em primeiro lugar temos que ter a convicção que em qualquer modalidade de ensino, a avaliação tem como fim alimentar o processo de ensino aprendizagem. A avaliação possui funções que devem estar muito claras no planejamento dos professores. No dia-a-dia ela tem o fim de diagnosticar: diagnosticamos o que o aluno sabe e o que não sabe, vemos se ele realmente compreendeu o que explicamos. Outra função é a formativa, aplicamos um teste ou outra atividade e em seguida recomendamos o aluno a examinar os erros e acertos, observar onde errou e porque cometeu aquele erro, e por fim a função classificatória, ela se dá quando aplicamos um teste com o fim de promover o aluno de uma série para outra, em vestibular, concursos, etc. O erro deve ser fonte de informação para o professor. O professor deve identificar qual o raciocínio, a estratégia que o aluno usou para responder aquela questão, qual a origem de seu erro, como ele percebe o conteúdo estudado. A avaliação deverá informar onde professor e educando tem que se deter, tem que aprofundar, onde devem retomar. Na EJA há um risco dos educadores se penalizarem das condições de vida do seu aluno, e esta variável interfere na sua avaliação, muitas vezes ele se resguarda de explorar o aprendizado do seu aluno, para não baixar a autoestima do mesmo, as vezes ampliam a tolerância em relação as dificuldades cognitivas, considerando que estão incentivando-os a seguirem em frente, mas, como seguir se não houve a apropriação do conteúdo? Devemos desde o início esclarecer ao educando que ele será avaliado e qual o fim da avaliação, tirando a visão da avaliação que tem como fim reprovar, excluir, parar uma ação. Ela é o fator impulsionador da ação, podendo modificar, retomar, ampliar, direcionar. Deve ser usada tanto para o professor como para o educando. O professor deve avaliar constantemente sua prática, observar a amplitude com que estão sendo compreendidas suas explicações, as atividades propostas, as estratégias de ensino. Deve sempre considerar que assim como o aluno, o professor
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