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TRAUMA RAQUIMEDULAR É qualquer trauma na medula que causa alteração, temporária ou permanente, na função motora, sensibilidade ou função autonômica. EPIDEMIOLOGIA Incidência de 12,7-50 milhões de pessoas por ano. Acomete mais jovens (15-40 anos) em idade produtiva e homens (4:1). É mais comum na coluna cervical (50%), embora possa acometer coluna torácica (29%), lombar (15%) e sacrais (4%). Os acidentes automobilísticos representam 30% das causas, queda da própria altura 20%, mergulho em águas rasas 21%, ferimentos com arma de fogo 12% e acidentes esportivos 2%. CLASSIFICAÇÃO DO TRM · Primária: decorrente do próprio trauma · Secundaria: decorrente de complicações do trauma, como edema medular ou sangramento que comprime a medula TIPOS DE FRATURA Tipo A – compressivas, achatamento de vertebras · A1: fratura em gota de lágrima (teardrop) · A2: acomete os dois platôs em forma de rachadura · A3: acomte apenas o platô superior · A4: acomete os dois platôs de forma difusa As do tipo A3 com achatamento maior que 50% e A4 causam instabilidade e devem ser cirurgiadas. Tipo B – lesão por ruptura · B1: ruptura anterior e posterior · B2: lesão mais do platô superior e ruptura ligamentar · B3: rotura do disco e dos ligamentos anterior e posterior Lesões do tipo B são sempre casos de cirurgia. Tipo C – lesões por deslocamento/rotação São as lesões mais graves e envolvem os tipos A e B juntas. Pode dar sinais clínicos de ruptura de medula e são casos de cirurgia de urgência. CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DO PACIENTE – FANKEL Além de classificar a fratura radiologicamente, é preciso classificar o paciente clinicamente e, para isso, usa-se a escala de frankel. Após a classificação de Frankel, é preciso avaliar propriocepção, temperatura e sensibilidade superficial e profunda. Determinar o nível da lesão de acordo com a avaliação dos dermátomos. A avaliação cínica permite determinar: · Paraplegia (lesão torácica para baixo) ou tetraplegia (lesão cervical) · Lesão completa (perde todo o movimento) ou incompleta (ainda possui algum movimento) · Choque medular (tipo de lesão completa com disfunção de esfíncter, arreflexia, perda dos movimentos motores e perda da sensibilidade); para avaliar o choque medular, pode-se fazer a pesquisa do bulo cavernoso com pesquisa de contração do esfíncter anal e se há priapismo (a descarga adrenérgica causa ereção) FRATURAS/LUXAÇÕES DA COLUNA CERVICAL BAIXA As fraturas-luxações da coluna cervical baixa (C3-C7) são mais comuns que as da coluna cervical alta (C1, C2), respondendo por 85% das fraturas cervicais. Essas fraturas têm como mecanismos principais os acidentes automobilísticos ou esportivos e o mergulho em águas rasas. As fraturas-luxações cervicais são mais comuns em C5-C6. TRAUMA RAQUIMEDULAR CERVICAL As fraturas-luxações ou luxações de C1-C2 ou C2-C3 com acometimento medular geralmente são fatais, por levar à parada respiratória imediata, por disfunção frênica (a única chance de sobrevida é o pronto acesso da via aérea e ventilação no local do acidente). As lesões C3-C4 e C4-C5, quando afetam a medula, acarretam instabilidade respiratória, não com parada imediata, mas com hipoventilação progressiva dentro das próximas horas (o nervo frênico origina-se entre C3 e C5). LESÃO MEDULAR COMPLETA, denominada síndrome da secção medular, provoca tetraplegia, perda de todas as sensibilidades do dermátomo afetado para baixo, perda dos reflexos tendinosos e da função neurológica sacral, incluindo bexiga neurogênica (retenção vesical) e disfunção retal (impactação ou incontinência fecal). A fase do chamado “choque medular”, quando ocorre súbita despolarização axonal, pode reverter após 24-48h, momento ideal para uma reavaliação neurológica: se após este período o paciente mantiver disfunção medular completa, dificilmente haverá recuperação posterior significativa. Na fase inicial, há paralisia flácida arreflexa, seguida após algumas semanas de espasticidade, hiper-reflexia e sinal de Babinski. LESÃO MEDULAR INCOMPLETA mantém a função sacral e costuma ter prognóstico favorável, com grande possibilidade de recuperação funcional. Três síndromes são descritas: (1) Síndrome centromedular, geralmente causada pelo trauma em hiperextensão: perda da força muscular e sensibilidade nos membros superiores (principalmente nas mãos), geralmente poupando os membros inferiores; (2) Síndrome medular anterior, geralmente causada pela retropulsão do disco ou fragmentos do corpo vertebral para o interior do canal: tetraplegia e perda da sensibilidade dolorosa, sem afetar a sensibilidades tátil, proprioceptiva e vibratória (estas últimas conduzidas pelos cordões posteriores da medula); (3) Síndrome de Brown-Sequard (hemissecção medular), geralmente causada por trauma direto por arma branca: hemiplegia + perda da propriocepção ipsilateral com perda da sensibilidade dolorosa contralateral. O tratamento da TRM é de urgência. Até bem pouco tempo atrás, a presença de qualquer sinal ao exame neurológico de lesão raquimedular, em trauma que ocorreu há menos de 8h, era indicação do uso de metilprednisolona. Hoje em dia essa conduta é controversa. O uso de gangliosídeos também não é mais recomendado no TRM. DIAGNÓSTICO O diagnóstico das fraturas-luxações da coluna cervical baixa geralmente é feito pela radiografia em projeção lateral, complementada pela incidência AP. Por causa do ombro, as lesões de C7 e T1 podem não aparecer na radiografia. A TC é usada para complementar o RX, por ter maior acurácia para diagnosticar as fraturas e luxações cervicais está quase sempre indicada. A RM é o melhor exame para avaliar a lesão medular e ligamentar, bem como as hérnias discais traumáticas associadas, sendo geralmente realizada após a redução por tração craniana ou antes de uma cirurgia de descompressão do canal medular. Monitorização eletrofisiológica se disponível, é muito importante. CONDUTAS Alguns pacientes evoluem com choque neurogênico, devido à perda do tônus simpático e vasodilatação inapropriada. Diferentemente do choque hipovolêmico do trauma, não há taquicardia importante e, por vezes, há bradicardia. Este choque deve ser tratado com aminas vasopressoras (noradrenalina) e reposição volêmica. TRM sem distração vertebral (alargamento do espaço discal) devem ser inicialmente tratados com tração craniana para estabilizar provisoriamente a coluna e reduzir fraturas e luxações/subluxações. Pode-se utilizar a tração por halo ou a tração de Gardner-Wells. Inicia-se com um peso de 5 kg e faz-se um rigoroso acompanhamento com controle radiográfico (incidência lateral) e exame neurológico a cada 15-30min; na ausência de redução, distração vertebral ou piora neurológica, pode-se ir aumentando o peso (incrementos de 2,5-5 kg) até atingir um máximo de 70% do peso corporal. Em geral, a redução ocorre ao longo de algumas horas. · Cirurgia descompressiva de urgência. A descompressão anterior em caráter de urgência (feita dentro das primeiras 24h, de preferência) é indicada nas lesões medulares incompletas por compressão do canal por fragmentos ósseos do corpo vertebral. O objetivo é impedir a piora da lesão medular, justificando a melhora neurológica em muitos pacientes. A cirurgia é realizada via cervical anterior, com uma espécie de curetagem do corpo vertebral e discos intervertebrais, ocupando-se o espaço com enxerto ósseo ilíaco devidamente modelado. A descompressão geralmente é complementada pela fixação interna anterior com placa e parafusos. Estes pacientes são mantidos com uma órtese cervicotorácica por três meses. · Cirurgia de fixação interna (fusão vertebral). É indicada em todas as fraturas ou luxações com critérios de instabilidade da coluna cervical. Geralmente é um procedimento semieletivo. Estes critérios variam de acordo com o tipo de lesão. A fixação interna evita novos deslizamentos ou angulações, prevenindo lesão medular tardia, além de evitar imobilização externa prolongada, com os seus inconvenientes. Na maior parte dos casos, aplica-se a fixação posterior, utilizando-seamarrilha interespinhosa (técnica de Rodgers), amarrilhas triplas (técnica de Bohlman) ou fixação com placas e parafusos nas massas laterais das vértebras. A fixação anterior é realizada (isoladamente ou em combinação com a fixação posterior) nos casos de grave fratura do corpo vertebral ou quando é necessária a cirurgia descompressiva. Pode-se usar placa com parafusos ligando dois corpos vertebrais. TIPOS MAIS COMUNS DE LESÃO DA COLUNA CERVICAL BAIXA · Fratura-luxação por hiperflexão (sem compressão). São as mais comuns e geralmente causadas por desaceleração súbita de um veículo automotor (ex.: o carro bateu num poste e a cabeça do motorista sofreu flexão abrupta pela desaceleração do tronco). Neste caso, ocorrerá uma rotura do complexo ligamentar da coluna posterior (ligamento nucal, cápsula articular interfacetária, etc.), com subluxação ou luxação interfacetária, deslizamento (translação) anterior e angulação de um corpo vertebral sobre o outro, com ou sem fratura por compressão da porção anterior do corpo vertebral. Na radiografia nota-se caracteristicamente um aumento do espaço interespinhoso entre as vértebras afetadas. Uma translação de 25% geralmente corresponde à luxação unifacetária (por trauma de flexão-rotação) e uma translação de 50% ou mais corresponde à luxação bifacetária (quase sempreassociada a TRM grave). No adulto, uma translação > 3,5 mm ou uma angulação > 11º indica instabilidade! Pelo efeito compressivo na porção anterior da vértebra, é comum a hérnia discal traumática (35% dos casos de luxação bifacetária e 15% dos casos de luxação unifacetária). A RM é fundamental para avaliar lesão ligamentar, discal e medular. O tratamento é iniciado com tração craniana, seguida de cirurgia de fixação interna (fusão vertebral) posterior. Se a tração não reduzir a luxação, uma redução aberta (cirúrgica) está indicada. · Fratura por compressão-hiperflexão. É uma lesão bastante grave e quase sempre acarreta lesão medular irreversível. É mais comum em adultos jovens após mergulho de cabeça em águas rasas, quedas forçando a cabeça em hiperflexão, acidente esportivo ou automobilístico. O tipo mais comum de lesão é a “fratura em lágrima” (flexion teardrop injury), na qual há uma fratura oblíqua do corpo vertebral, deslocando um fragmento triangular (em forma de lágrima) anteriormente e o restante do corpo vertebral posteriormente, comprimindo a medula (síndrome medular completa ou síndrome medular anterior), além de haver a rotura do complexo ligamentar posterior. O tratamento deve ser iniciado com tração craniana, sendo muitas vezes necessária uma cirurgia descompressiva. A fixação interna está indicada (anterior, posterior ou anterior + posterior). · Fratura cervical explosiva (Cervical burst fracture). Ocorre após mergulho de cabeça em águas rasas, acidentes esportivos ou automobilísticos. Neste caso, a posição da cabeça manteve-se neutra durante o trauma axial. Pode se associar à fratura de Jefferson. É particularmente comum na vértebra C7. O esmagamento do corpo vertebral lança fragmentos ósseos para o canal medular, o que pode levar ao TRM (síndrome medular completa ou síndrome medular anterior). Um dos critérios de instabilidade é a redução > 50% da altura do corpo vertebral. O tratamento é iniciado com tração craniana, sendo por vezes necessária a cirurgia descompressiva. A fixação interna está indicada nas fraturas instáveis (anterior, posterior ou anterior + posterior). Pacientes sem TRM e com critérios de estabilidade são tratados com “Halo vest” por três meses. · Lesão medular ou fratura por hiperextensão. Um trauma por hiperextensão pode ocorrer após uma colisão traseira em um veículo com banco sem amparo para a cabeça ou uma queda ou mergulho batendo com a fronte da cabeça. A síndrome de Schneider é uma lesão medular por hiperextensão sem fratura ou luxação vertebral (RX e TC normais). Postula-se que, durante a súbita e exagerada hiperextensão cervical, há um abaulamento do ligamento amarelo comprimindo a medula contra o disco intervertebral ou osteófitos. Esta síndrome é particularmente comum na presença de estenose prévia do canal cervical. O tratamento é tração craniana monitorizada por 5-7 dias, seguida de imobilização externa com colar cervical rígido. As lesões vertebrais pela hiperextensão podem ser: fratura por avulsão de um fragmento ântero-inferior do corpo vertebral (extension teardrop fracture), rotura do ligamento longitudinal anterior, rotura discal, fraturas isoladas dos processos espinhosos, lâminas, processos facetários ou pedículos. Os fatores de mau prognóstico são o TRM e a retrolistese (deslizamento posterior do corpo vertebral). Os pacientes sem critérios de instabilidade (ex.: retrolistese acentuada, TRM) são tratados com imobilização externa com colar cervical rígido ou órtese cervicotorácica. Após oito semanas de imobilização, a estabilidade deve ser verificada com radiografias laterais em flexão e extensão ativas. A presença de instabilidade (precoce ou tardia) indica a fixação interna posterior. · Fraturas cervicais estáveis. São aquelas sem TRM, translação > 3,5 mm, sem angulação > 11º, sem compressão > 50%, sem rotura ligamentar de duas ou mais “colunas”. A “fratura do padejador de barro” é uma fratura por avulsão do processo espinhoso, geralmente de C7, após um estresse de hiperflexão com a musculatura extensora contraída. O tratamento é a imobilização externa. Nos casos de compressão ou hiperflexão, utiliza-se o “Halo vest”. Nos casos de hiperextensão ou na “fratura do padejador de barro”, dá-se preferência a um colar cervical rígido ou à órtese cervicotorácica. O período de imobilização varia de 2-3 meses. A verificação da estabilidade por radiografias de flexão e extensão ativas é mandatória.