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UNIVERSIDADE PAULISTA INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS CELSO AMORIM: UM ESTUDO ACERDA DA GESTÃO COMO CHANCELER RIAN SALGADO BATAGIOTTI YAGO KANBOUR CARLOS SÃO JOSÉ DOS CAMPOS MARÇO DE 2020 UNIVERSIDADE PAULISTA INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS CELSO AMORIM: UM ESTUDO ACERDA DA GESTÃO COMO CHANCELER Trabalho apresentado ao Instituto de Comunicação e Ciências Sociais (ICSC) da Universidade Paulista (UNIP) para fins de avaliação da disciplina Atividade Prática Supervisionada (APS) SÃO JOSÉ DOS CAMPOS MARÇO DE 2020 3 RESUMO As relações internacionais tem sido objeto de debate cada vez mais presente nas discussões de todos os tipos, visto que a globalização, mesmo contestada por políticas extremistas de reclusão, acaba sendo inevitável para a sobrevivência do ser humano enquanto espécie única de um único planeta. Nesse sentido, o presente artigo busca explorar e analisar a importância da atuação no cenário mundial sob os moldes da sociedade atual, através de um representante que, no Brasil, é denominado “chanceler”. Mais precisamente, o estudo se traduz acerca da gestão do ex- chanceler Celso Amorim, durante os governos Itamar Franco e Lula. Levando em conta a noção da constante evolução dos fatos (não necessariamente no sentido de “ascensão”, mas “passagem de tempo” ou “história”), o projeto se propõe a não apenas fazer um relato dessas gestões mas também analisar os desafios encarados em cada uma delas e as consequências diretas dessas ações para a representação do Brasil como um ator internacional. Palavras-chave: 1) Celso Amorim, 2) Diplomacia, 3) Relações Exteriores, 4) Brasil. 1. INTRODUÇÃO A diplomacia tem sido uma ferramenta cada vez mais importante na construção do ser humano quanto espécie inserida num meio político-econômico-social. A criação de Estados trouxe consigo a possibilidade de cooperação entre povos, afim de estabelecer relações que exprimam benefícios mútuos para as partes, de uma maneira a contornar crises decorrentes de fatores políticos, sociais, econômicos e até mesmo geográficos. Contudo, o outro lado da moeda é representado por disputas maliciosas e insalutíferas pelos mesmos fatores. É nesse contexto que o papel da diplomacia se faz necessário, seja como a função de intermediar uma cooperação ou evitar o escalamento catastrófico de alguma disputa entre Estados. Com isto, a prática da diplomacia se converteu em uma das principais ferramentas dos Estados para fazer com que seus interesses nacionais sejam expandidos. A diplomacia é, não somente a prática de relações internacionais entre Estados por meio de representantes legalmente autorizados, mas também a arte de negociar, tendo como alvo a defesa de direitos e interesses de um povo diante de governos estrangeiros, e a solução de conflitos por meios pacíficos, através da força do Direito. (BATISTA, 2016, n.p.) Trazendo esse universo para o Brasil, a sua atuação no palco internacional foi moldada desde o seu descobrimento por Portugal, quando foi caracterizado apenas como uma colônia do mesmo. A partir do avanço no curso da História, vemos o potencial do agora país crescendo cada vez mais, sendo alvo de interesse de potências já consolidadas nesse meio. Com isso, a figura de um representante das terras tupiniquins se fez necessária no meio global. Os primeiros chanceleres do Brasil tiveram o papel de apresentar o maior território no sul da América como país independente, não mais vinculado à dominância portuguesa. Foi um processo longo e árduo, mas que acabou culminando na crescente relevância global e benéfica 4 em seu reconhecimento como Estado independente, que tentava a todo custo provar para si mesmo a sua soberania, “que é um conceito ligado, na sua origem, ao processo de consolidação dos Estados nacionais e de seu mútuo inter-relacionamento na Europa moderna”. (LAFER, 2018, p. 387) Avançando no tempo, numa época onde a independência do Brasil já não era mais questionada, tivemos então a entrada do país no processo de globalização. Durante vários momentos houveram tentativas de projetar a nação brasileira como uma superpotência, todavia, a mesma carecia dos pré-requisitos para ser rotulada de tal maneira. A crise econômica monstruosa que assolava o solo brasileiro, nas décadas de 80 e 90, foram um lembrete de que, antes de ambicionar prestígio no cenário internacional, deve-se ter um sólido funcionamento interno. Dessa maneira, houve a manutenção de seu imo e depois, uma década depois de sua visível melhora, a efetivação do que viria a ser um marco revolucionário na atuação do país como agente global. São nesses dois contextos históricos que Celso Amorim esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores (MRE), lidando com a crescente atuação do Brasil no sistema internacional. A partir de suas ações como chanceler, Amorim conseguiu efetivar esse destaque de maneira eufônica, lhe conferindo um caráter pacifista e diplomata, não só no sentido literal da palavra, mas também na interpretação de alguém que “acredita na resolução de conflitos na base do diálogo”. Dessa forma, o mesmo geriu as relações exteriores de modo que suas ações acerca das pautas trabalhadas repercutem até hoje, caracterizando uma gestão que concedeu uma metodologia própria do Brasil de encarar o meio internacional na época, optando por não se render à pressões do então “primeiro mundo”, no que diz respeito à forma como suas decisões e posições são articuladas, o que afirma a sua, finalmente, concreta soberania. Com essa crescente relevância internacional e afirmação de uma identidade própria no processo, foi necessária uma mente ativa de modo a mediar esse anseio de grandes potências, que viam essa latente ascendência do país como uma oportunidade de criar novos acordos no âmbito da política externa, além de desenvolver seus próprios interesses com outras nações, porém, de uma maneira muito mais mutualista do que parasita. Nesse contexto, Celso Amorim foi talvez a figura de maior relevância no que tange o cenário externo, tendo direcionado suas ações afim de projetar um país aberto ao negócio, diplomático e mediador de conflitos, sem deixar de lado sua própria soberania, buscando, inclusive, amplia-la ainda mais. David Rothkopt, da revista estadunidense Foreign Policy, diz: “É impossível identificar apenas um ponto de virada nos esforços de Amorim para transformar o Brasil de um poder regional pesado de influência 5 internacional duvidosa em um dos atores mais importantes no cenário mundial, reconhecido pelo consenso global de desempenhar um papel de liderança sem precedentes. (ROTHKOPT, 2009, n.p., tradução nossa)1 Poderemos perceber como essas Celso Amorim impactou o Brasil e a comunidade internacional dentro de uma aprofundada análise de sua atuação nos dois governos que atuou como chanceler2, o que será desenvolvido no decorrer do presente estudo. Assim, o objetivo geral desse projeto se forma à cerca da identificação das particularidades que tangem as gestões de Celso Amorim enquanto chanceler do Brasil por duas vezes, levando em consideração também seu período de formação, feitos e conquistas fora desse período, que foram essenciais para culminar na herança deixada por tal no cenário internacional Pata tal, foi necessário desenvolver o artigo com base nos objetivos específicos que seguem: i. Descrever a condição do país no que tange sua conjuntura política no momento da posse presidencial de Itamar Franco e Lula; ii. Descrever as principais ações empreendidas pelo chanceler Celso Amorim ante as políticas externas do governo, o que inclui um entendimento acerca de sua figura para compreensão daorigem de tais. iii. Analisar o impacto causado pela gestão de Celso Amorim no âmbito internacional e, consequentemente, nacional. Dessa forma, sendo conceituado no meio diplomático, a atuação de Celso Amorim no âmbito das políticas externas se traduz num objeto de estudo de suma importância para uma maior compreensão acerca do desenvolvimento do Brasil como país com crescente relevância nacional, além de oferecer uma base para futuras analises dessa evolução e dos “frutos” colhidos por ela. Mesmo que atualmente estejamos encarando o que muitos caracterizam como uma “decadência diplomática”, a compreensão das conquistas e feitos das gestões passadas ainda se faz necessária pois, ao apresentar um estudo focado em um momento de alavancada do Brasil para o cenário mundial, espera-se moldar uma compreensão de nossa natureza ante as questões mundiais, antes elogiadas mundialmente, sendo um cenário extremamente benéfico para o desenvolvimento geral do país, através de acordos comerciais, tratados humanitários, formação 1 “It is impossible to pinpoint just one turning point in Amorim’s efforts to transform Brazil from a lumbering regional power of dubious international clout into one of the most important players on the world stage, acknowledged by global consensus to play an unprecedented leading role.” 2 Vale mencionar também a atuação de Celso Amorim em cargo do Ministério da Defesa posteriormente à era Lula, no governo Dilma, que, apesar da mudança, não deixou de lado o caráter internacionalista do ministro, que continuou sendo de grande importância para o crescimento internacional do país. 6 de blocos e afins, políticas essas que estão sendo cada vez mais prejudicadas, visto que a posição atual do governo ameaça décadas de política externa do Itamaraty (STRUCK, 2019). Segundo o redator Jean-Philip Struck, do portal DW News, um diplomata baseado na Europa, em anonimato, comentou que “"Este governo está mexendo em pilares da política externa brasileira, e o pior, de maneira completamente atrapalhada, amadora e sem sentido" (STRUCK, 2019). É nesse contexto que é preciso entender o legado deixado pelo que, em contramão à atual conjuntura, foi considerado o “melhor diplomata do mundo”, segundo David Rothkopf, da revista estadunidense Foreign Policy, pois dessa maneira podemos comparar as medidas totalmente antagônicas, afim de filtra-las para uma eventual retomada no já iniciado processo de amadurecimento do Brasil como uma potência mundial. Logo, a construção do presente projeto se divide em uma etapa dedicada à apresentação de fatos propriamente históricos e pontuais, enquanto uma segunda etapa terá um caráter mais analítico, adicionando a esses fatos os conhecimentos acerca de todo o contexto das relações internacionais. Dessa forma, na primeira etapa serão desenvolvidos os objetivos específicos (i) e (ii), a partir de literaturas existentes acerca das conjunturas políticas nos períodos analisados, onde também contamos com um rico acervo histórico, constituído por reportagens, entrevistas e bibliografias, tendo várias vezes como fonte o próprio website do Itamaraty. Tais documentos nos trarão um ponto de partida, de onde se possa conduzir o raciocínio até a compreensão dos conflitos existentes na época, não só no período de gestão efetivo do Celso Amorim como chanceler, mas também na configuração do país antes e após a sua primeira passagem pelo governo, tendo um período de stand-by, durante os 4 anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), onde Luiz Felipe Lampreia3 tomou a frente do MRE, e retornando ao posto já no início de 2003, no começo da quase uma década do governo de Lula, onde Amorim esteve à cargo do ministério por 7 anos consecutivos, o maior período ininterrupto na posição dentro da Nova República4. Dado esse tempo, existe uma extensiva quantidade de registros relativos à esta gestão que podem ser utilizados. Todavia, para termos todo o contexto necessário para o efetivo entendimento do estudo, faz-se necessária a apresentação de documentos que também façam menção e explicitem o Brasil nas épocas antecedentes e subsequentes à essa atuação, visto que a política é um ininterrupto processo de modificações e legados, sejam eles positivos ou negativos, que são 3 O período também contou com a atuação Celso Lafer como chanceler, em 2001 até o final do mandato de FHC, em 2002. 4 Alguns estudiosos preferem se referir a este período atual como “6º República”. 7 passados de um governo ao outro, processo esse que independe de quaisquer ideologia. Dentro desse ponto de vista, a descrição desses eventos também se constitui como metodologia de desenvolvimento do trabalho. Sendo assim, documentos pertinentes ao contexto político dos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Fernando Collor (PRN) também serão analisados como meio de compreensão do legado política entregue ao Itamar Franco e, posteriormente, ao Lula. Seguindo essa linha de raciocínio, o trabalho goza também de bibliografias que elaboram e constroem a figura de Celso Amorim, onde pode ser verificada a sua continua atuação como diplomata à serviço do governo em suas fases não atreladas à chefia do Ministério das Relações Exteriores, o que colabora para a compreensão de seu estilo de gestão tão prestigiado ao redor do globo. A proposta também conta com alguns dados de cunho quantitativo, sendo nessa primeira etapa utilizados os dados de índices inflacionários, de modo a expressar numericamente certos aspectos da política geral, constituindo-se episódios necessários para a então conjuntura do país. Para essa medição, foi utilizado o IPCA5, Índice de Preços ao Consumidor Amplo, comandado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já a segunda parte da construção do estudo leva em consideração o desenvolvimento do objetivo específico (iii), reutilizando todos os artifícios apresentados na primeira etapa em consonância com analises pessoais. Apesar de existirem dois momentos onde Amorim se desvirtuou da chefia do Ministério das Relações Exteriores, o estudo analisa nessa etapa os impactos explicitados a partir de sua última despedida, visto que, de certo modo, o seu segundo e último mandato foi um complemento do anterior, na era de Itamar Franco. Em virtude das informações coletadas, as análises pessoais são construídas acerca do conteúdo como forma de agregar à pesquisa, sendo essas resultantes dos conceitos assimilados até então no curso de Relações Internacionais da Universidade Paulista (UNIP). 2. PRIMEIRA FASE COMO CHANCELER: DEMOCRACIA, ECONOMIA E ITAMAR O recém regresso da democracia estava caminhando de muletas ao fim da ditadura militar. Na medida que manifestações populares demandavam a volta das eleições diretas, viu-se também o legado de danos deixados no país durante o período que marcou a história da política 5 Atualmente como o mais utilizado, esse índice inflacionário mede a variação de preços no varejo com base em famílias com renda mensal entre 1 e 40 salários mínimos, utilizando dados de 11 capitais. Nesse contexto se encaixa quase a totalidade das famílias brasileiras. 8 brasileira. O milagre econômico dos “anos dourados” já não existia mais, dando lugar à uma economia extremamente fragilizada decorrente do aumento excessivo dos gastos públicos do governo militar. Soma-se a isso a elevação da dívida externa brasileira, produto principalmente da política de Juscelino Kubitschek. Podemos começar nossa análise com o governo de Juscelino Kubitschek a partir de 1956, cujo lema era “50 anos em 5”, ou seja, promover uma série de investimentos de modernização e industrialização do cenário econômico nacional, além de objetivar pesadas melhorias em infra-estrutura e dar continuidade ao processo de substituição de importações iniciado décadas antes. Contudo, toda essa série de investimentos foifinanciada a custo de capital estrangeiro, deixando uma herança negativa de deteriorada situação fiscal para os governos subsequentes. (CORRÊA, 2014, p. 32)6 Esses fatores conferiam uma responsabilidade exclusivamente interna na deterioração da economia brasileira, contanto, vimos em 1973 o que viria ser o estopim desse caos monetário, um evento de escala global, que se somou aos preexistentes contextos brasileiros para culminar no período de hiperinflação encarado pelo país até a sua estabilização, que só ocorreria duas décadas depois. Esse evento é a denominado “Crise Petrolífera de 1973”7, que culminou na escalada de preço absurda do barril de petróleo, onde o mesmo chegou a manifestar um aumento de 400% num período de 3 meses, indo de US$ 2,90 para US$ 11,65. A partir daí, a economia brasileira passou a apresentar crescentes taxas de inflações, chegando ao seu ápice em março de 1990, onde a variação mensal do IPCA apontou uma alta de 82,39%8, além do aumento exorbitante na dívida externa do país. O Brasil não foi diretamente atingido pela decisão da Opep, o bom relacionamento com as nações produtoras garantiu o fornecimento. No entanto, o aumento das importações afetou nossa balança comercial. O crescimento retraiu. Então, para dar fôlego ao milagre econômico, o governo passou a tomar mais empréstimos no exterior. A dívida externa do País saltou de US$ 17,2 bilhões em 1974 para US$ 43,5 bilhões em 1978. (BATISTA, 2014) É nesse contexto que Fernando Collor assume o seu breve trajeto como presidente do Brasil, no primeiro processo de eleições diretas desde a ditadura militar. A democracia brasileira, que viu através desse processo uma melhora significativa, estava prestes a ganhar 6 A Monografia de Conclusão de Curso de Thiago Fontenelle Bossard Cortazio Corrêa (2014) aborda diversos outros aspectos que constituem essa decadência econômica, porém, pelo presente estudo ter uma temática diferente, se restringe ao uso de eventos mais significativos para a posterior análise da conjuntura política proposta no primeiro objetivo específico. 7 Endereçada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o aumento estratosférico do barril se deu, nesse primeiro momento, denominado como “A Primeira Crise do Petróleo”, pela recém descoberta finitude do recurso, que motivou a supervalorização do mesmo. 8 Dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 9 ainda mais força quando surgiram os escândalos envolvendo Paulo César Farias9, que, teoricamente, seria o principal motivador do histórico processo de impeachment do então chefe de Estado em um cenário que, segundo Sallum e Casarões (2011), por conta da economia recessiva, ameaçava a sobrevivência da população mais pobre e obrigava a classe média a conter seus gastos, tornando ainda mais ultrajante a soma monetária envolvida em tal escândalo. Todavia, esses motivos vão além. Segundo Blume (2015), a crise econômica vigente no país juntamente com poucos partidos de peso apoiando o presidente são ingredientes que serviam como pano de fundo e intensificadores desse escândalo, revelando a fraca sustentação política do governo. Com o afastamento de Collor, Itamar Franco, vice do “impeachmado”, assume o cargo de presidente. Sabendo das circunstâncias que levaram à queda de seu antecessor, uma das primeiras e possivelmente a mais notória medida tomada foi o desenvolvimento e implementação do Plano Real, à modo de tentar frear as monstruosas variações nos índices de inflação. Logo no primeiro mês de sua implantação, é visto de cara a queda na variação mensal do IPCA, de 47,43% no mês anterior, até 6,84%. A partir disso, os índices nunca mais voltaram a apresentar alguma dezena em sua porcentagem. O sucesso do Plano Real legitimou o governo de Itamar, além de, segundo Brasil (2011), lançar as bases para a candidatura de Fernando Henrique Cardoso em 1994, então ministro da Fazenda. É nesse contexto que Celso Amorim assume a chefia do MRE, sucedendo interinamente a Lampreia, o qual foi sucessor de FHC10. Efetivado em 31 de agosto, a posse de Amorim foi muito prestigiada internamente, visto que, além de ser um diplomata de carreira, era a primeira vez em muito tempo que um membro ativo do Itamaraty ocupava o posto. No mês seguinte à sua efetivação, discursou na 48ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, defendendo as ações do então governo nos campos dos direitos humanos e paz internacional. Seria o compromisso brasileiro com os “três Ds” do embaixador brasileiro Araújo Castro: Desenvolvimento, Desarmamento e, adequando o discurso para a atual conjuntura, Democracia11. As medidas de Amorim que comprovam esse tipo de gestão podem ser caracterizadas, respectivamente, em: a) Amadurecimento do recém-criado Mercado Comum do Sul (Mercosul), bloco originário do Tratado de Assunção, assinado em 1991. Com os esforços 9 Tesoureiro da campanha de Collor, mais conhecido como PC Farias, foi acusado de fazer o intermédio de transações financeiras fraudulentas em nome do então presidente, agindo como “testa de ferro” do mesmo. 10 Acrônimo utilizado para se referir à Fernando Henrique Cardoso. 11 Originalmente, os “três Ds” de Araújo Castro, na época chanceler brasileiro, eram “Desenvolvimento, Desarmamento e Descolonização”, fazendo parte do discurso proclamado pelo mesmo na 18ª Assembleia Geral da ONU, em 1963. 10 do governo brasileiro e dos outros países envolvidos, o acordo viria a se tornar um substituto efetivo da proposta elucidada pela sua integração na Alca12, a Área de Livre Comércio das Américas, objeto de debate intenso nas gestões de Amorim, que eventualmente veio a ser descartado, decisão que o mesmo considera como acertada, se impondo contra o que ele considerava a consolidação da América do Sul como “quintal dos Estados Unidos”13; b) ratificação do Tratado de Tlatelolco14, conforme decreto n°1.246 (1994) que acabou por aprofundar ainda mais os laços da integração nuclear Brasil-Argentina, salientando as medidas de confiança recíproca desenvolvidas a partir da criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), onde “assegura-se à comunidade internacional que todos os materiais e instalações nucleares existentes nos dois países são exclusivamente para fins pacíficos.” (SHIMBUN, 2015, p. n.p.); c) no sentido democrático, o caráter se dá mais por toda a gestão do que por medidas isoladas, mas vale citar uma tratativa de Amorim acerca do assunto: A ideia de que a diplomacia constitua atividade conspiratória, marcada pela intriga e pela dubiedade, é cada vez menos verdadeira. Por isso, a diplomacia brasileira, coerentemente com nossas aspirações democráticas, se caracteriza, por um lado, pela abertura ao diálogo participativo com a sociedade e, por outro, pela transparência com que perseguimos nossos objetivos em relação a outras nações. São estes atributos, que não se confundem com a ingenuidade ou a imprudência no trato dos assuntos de Estado, que garantem credibilidade à nossa ação externa (AMORIM, 1995, p. 243). Apesar dessas serem os principais elementos caracterizadores do primeiro mandato de Amorim, houveram diversas outras ações de importância internacional, como as missões de paz enviadas a Moçambique, através da ONU, e o apoio à constituição definitiva da Comunidade de Povos de Língua Portuguesa, essas evidenciando, inclusive, o interesse diplomático com o continente africano, que viria a se profundar ainda mais em sua segunda passagem pelo cargo. Entre outros méritos, a CPLP15, que, por ironia do destino, só viria a ser formalizada no governo seguinte, ajudava a nos aproximar de uma África renascente, marcada pela vitória eleitoral do MPLA em Angola (embora a guerra civil ainda viesse a durar mais de uma década), pelos acordos de paz em Moçambique e, sobretudo,pela posse 12 Proposta em 1994 pelo então presidente dos EUA, George Bush, a ideia que nunca saiu do papel consistia na criação de um bloco comercial e econômica, afim de eliminar de maneira progressiva as barreiras burocráticas desses setores dentro do continente Americano. Todavia, o projeto contava com parâmetros enxergados como excessivamente vantajosos para o país de seu fundador, enquanto trazia sérias desvantagens ou vantagens não tão significativas para as economias dos Estados da América do Sul. 13 Informação fornecida pela redação da Exame, na reportagem “Brasil acertou ao descartar a Alca, avalia Celso Amorim”, de 4 de agosto de 2011. 14 O Tratado de Tlatelolco, também conhecido como tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe, concluído no México, em 1967, tem como principal objetivo a erradicação de qualquer armamento de caráter nuclear nas fronteiras da América Latina e do Caribe. 15 “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, projeto idealizado por José Aparecido e apoiado durante o governo de Itamar Franco. 11 de Mandela na África do Sul. (Amorim, 2011) Foi também sob essa primeira atuação no ministério que o governo brasileiro deixou claro o seu interesse na participação efetiva no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas16, assumindo o argumento de que a representatividade de países em desenvolvimento no cenário mundial traria uma maior legitimidade para o Conselho, favorecendo a sua eficiência (HERZ, 1999). Nesse contexto, o governo brasileiro se via como forte candidato em detrimento de sua tradição diplomática como mediador internacional, além de sua ativa participação na organização (AMORIM, 1995, 1996). Os âmbitos de ação primordiais seriam dois; cada um refletido na proposta de novos objetivos políticos. O primeiro foram as Nações Unidas, cenário ao qual o Brasil se aproximou ante seu novo (assumido) papel de “potência média”, propondo sua própria candidatura a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU [...] (MEZA, 2002, p. 39) 3. O “GAP” COMO CHANCELER Em janeiro de 1995 Franco passa a faixa presidencial para o novo eleito Fernando Henrique Cardoso, que viria a governar o Brasil até 2003. Com essa mudança na chefia do poder Executivo, Amorim também passou o MRE para Luís Felipe Lampreia. Contudo, Celso não deixou de lado a vida diplomática, sendo indicado pelo novo presidente para chefiar a missão permanente do Brasil nas Nações Unidas, no Estado de Nova York, EUA, papel que exerceu entre 1995 e 1999. Nesse mesmo período, voltou a se envolver com políticas antiarmamentista nucelar, integrando a Comissão de Camberra para a Eliminação das Armas Nucleares, onde “participaram o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert McNamara, e o ex-Chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, General Lee Butler, ambos com grande vivência no tema nucelar” (AMORIM, 2016, p.169). Também teve papéis de destaque na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1999, chefiando a missão brasileira em Genebra conjunta com a organização, que substituiu o GATT17 em 1995. No ano subsequente, presidiu a Conferência sobre Desarmamento, sendo posteriormente, no mesmo ano até 2001, presidente do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Conselho de Negociação Intergovernamental da Convenção sobre Controle do Tabaco. Depois, presidiu o Conselho para o Comércio de Serviços da OMC. 16 No período, o Brasil já estava assumindo como membro não-permanente, cargo com duração de dois anos, escolhido através de votação dos países membros da ONU. 17 Acrônimo para “General Agreement on Tariffs and Trade”, projetado para reduzir os obstáculos presentes nas trocas entre as nações, em particular, tarifas e taxas aduaneiras entre os membros signatários do acordo. 12 Ainda em 2001, se tornou embaixador em Londres. Nesse mesmo ano, ocorreu a IV Conferência da OMC, onde Amorim, como um dos representantes da delegação brasileira, lutou pelo licenciamento compulsório de patentes de medicamentos em caso de emergência nacional, derrotando a ideia contrária dos Estados Unidos. Gerou peças publicitarias no território norte- americano, mostrando a importância dos medicamentos para os brasileiros, o que foi visto como uma estratégia agressiva, mas que sensibilizou o mundo. 18 Enquanto tudo isso ocorria, o legado deixado pelo antigo chanceler em relação, principalmente, ao amadurecimento do Mercosul, caracterizou a política externa de FHC. Tendo como lema de governo a transformação do Brasil em um global trader19, “o objetivo era construir a soberania do mercado brasileiro não pelo isolamento, mas pela incorporação do Brasil à dinâmica global. Tudo isso sem menosprezar o crescimento interno e regional” (TORRESAN, 2019), a partir do fortalecimento da América Latina ao mesmo tempo que desenvolve novos laços comerciais e diplomáticos com outras nações. O Mercosul foi importante na política externa aplicada pelo então presidente brasileiro. A soma de forças entre os países latino-americanos impulsionou, por exemplo, a possibilidade de um tratado de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) e a busca por parcerias com a China e com a Índia. (TORRESAN, 2019) Não seria exagero dizer que FHC conseguiu pôr um fim no fantasma da nossa economia externa. Claro, o país ainda tinha dívidas externas, ainda tinha que lidar com a alta de preços de alguns mercados e os gastos da máquina pública ainda tinham que ser revisados, mas, de maneira geral, o caos generalizado desde o fim do “milagre econômico” da ditadura militar já poderia descansar, pelo menos no que diz respeito à economia, conforme segue: O primeiro período FHC marcou a conquista da estabilidade de preços e a promoção de um novo marco regulatório nos segmentos de infra-estrutura, embora com elevados custos do ponto de vista do equilíbrio do balanço de pagamentos. O período do segundo mandato marcou o restabelecimento de políticas monetária e cambial mais equilibradas, que criaram as condições de solvência tanto do setor público como do setor externo. (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p.214) 4. SEGUNDA FASE COMO CHANCELER: ESQUERDA, RETORNO E SOBERANIA NACIONAL Verificando esse sucesso, Luiz Inácio Lula da Silva entra na corrida presidencial de 2002. Sendo filiado ao PT, antagônico ideológico em várias vertentes de pensamento em relação à 18 As informações apresentadas referentes as atividades de Amorim fora do MRE são baseadas nas informações de ESCOREL et al. ([2009?]. 19 Termo em inglês utilizado para designar um comerciante à nível global. 13 FHC, Lula e o partido não deixaram de admitir que as medidas econômicas propostas no governo que chegava ao fim tinham, de fato, funcionado melhor do que eles esperavam, e com isso, prometeram seguir essas bases em sua eventual vitória eletiva, se propondo até a honrar os compromissos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre eles, o controle dos gastos do governo e o pagamento em dia do serviço de dívida. Com isso, o petista conseguiu aliar um dos maiores alívios proporcionados à população nos últimos anos com a demanda por algo “novo”, visto que, mesmo solucionado em grandes partes no âmbito econômico, o país ainda tinha algumas feridas abertas provenientes da ditadura militar. Caracterizada como uma gestão de extrema-direita no espectro político, as pessoas ansiavam algo que se opusesse a esse regime, buscando uma forma de afastar ao máximo a possibilidade de sua reinstalação nos próximos governos. É nesse sentido que a esquerda começa a chamar atenção da população brasileira. Segundo Figueiredo e Coutinho (2003), a liderança de Lula nas pesquisas de todos os institutos e a estratégia dos principais candidatos deixavam claro esse desejo. Com um discurso pautado nas questões sociais e escrachado repúdio aoperíodo militar, as perspectivas de continua melhora econômica20 se juntaram com a busca de um governo cada vez mais focado na democracia e na melhora na qualidade de vida de toda a população, fazendo com que Luiz Inácio Lula da Silva fosse ao segundo turno das eleições de 2002, saindo vitorioso contra José Serra (PSDB), com 61,3%. Dá-se então início ao governo Lula, que se instauraria até 2010. Repleto de controvérsias, admirado por uns e repudiado por outros, o fato é que o governo em questão causou um grande impacto na forma como o Brasil passou a ser visto no cenário internacional. Convidado por Lula, Celso Amorim volta ao comando do MRE, dessa vez com uma agenda pautada muito mais na questão diplomática social, o que denota um alinhamento com a proposta geral do novo governo para a política. Essa segunda administração de Amorim foi considerada por muitos estudiosos do cenário internacional como um marco histórico na diplomacia brasileira. A diplomacia do governo Lula já foi chamada de “ativa e altiva” por seu próprio chefe, o embaixador Celso Amorim, e certamente ela traz a marca de um ativismo exemplar, evidenciado em dezenas, ou mais propriamente centenas, de viagens e visitas bilaterais do chefe de governo e seu chanceler, 20 Lula assume o Brasil com a variação mensal do IPCA abaixo dos 3%, em janeiro de 2003, número esse que seria o maior de seu mandato, caindo já no mês seguinte e mantendo-se abaixo do 1% até a sua saída do cargo, em 2010. Dessa forma, fica comprovada a legitimidade do legado de FHC para o governo de Lula, que, sem o fantasma da inflação, consegue colocar o Brasil como 6ª maior economia do mundo ao término de seu encargo. 14 no Brasil e no exterior, ademais da intensa participação, executiva e técnica, em quase todos os foros relevantes abertos ao engenho e arte da diplomacia brasileira, conhecida por ser extremamente profissional e bem preparada substantivamente. (ALMEIDA, 2004, p. 162) Dessa forma, conforme explica Torresan (2019), a gestão de política externa do governo Lula difere da de FHC através do foco na “autonomia pela diversificação”, ao invés da política de “autonomia por integração”, no mandato anterior. Em suma, o governo agora busca novamente (e com mais força que antes) a sua soberania sem precisar se curvar às grandes potencias (mas também sem prejudicar diretamente sua relação com as mesmas), através do fortalecimento de laços com países emergentes, dessa vez não só limitados aos seus vizinhos sul-americanos, priorizando assim a aproximação com países africanos e árabes fora da América. Nesse sentido, Celso Amorim direcionou sua política externa para objetivos voltados na luta contra a fome, a pobreza e o unilateralismo, elementos muito recorrentes nas nações emergentes. Conforme Amorim (2010) explica, somente em 2010 foram doados fundos de emergência (principalmente através de Organizações Internacionais, como a PNDU21, o ACNUR22 e o WFP23) para 36 países enfrentando dificuldades. Com todas essas políticas externas de aproximação, a consolidação de grupos de suma importância para o cenário internacional foram incentivadas, além do fortalecimento extremamente significativo dos já existentes, como o próprio Mercosul, que passou a ter uma relevância suficiente para chamar a atenção de acordos com a União Europeia (UE), além da ainda discussão insistida dos Estados Unidos à respeito da Alca, já mencionada no estudo, que foi efetivamente rejeitada pelo país ao longo de sua gestão, já que, conforme Amorim (2010), os termos que estavam sendo negociados não correspondiam aos interesses brasileiros. À exemplo desses grupos criados, o G-20 Comercial24 nasceu logo no primeiro ano da segundo gestão de Amorim como chanceler, que reuniu países emergentes para lutar pela redução das distorções comerciais do setor da agricultura na OMC. Ainda em 2003, no meio do ano, o G-3, “espécie de ‘G8 dos pobres’” (SOLIANI, 2003) ou Fórum de Diálogo Índia-Brasil- África do Sul (IBSA), foi consolidado com o intuito de coordenar posições políticas no cenário internacional. Também se faz de suma importância a menção do desenvolvimento do BRIC25, que vem 21 “Programa das Nações Unidas em Desenvolvimento”. 22 “Alto Comissionado das Nações Unidas para Refugiados”. 23 “World Food Programme”, o Programa Alimentar Mundial. 24 Importante não confundir com o G-20 Financeiro, de 1999, que engloba as maiores economias do mundo. 25 Acrônimo para Brasil, Rússia, Índia e China, passou a incluir o “S” a partir de 2011, tornando-se no atual BRICS, que refere à adesão da África do Sul ao grupo. 15 desde 2006, de maneira informal, até sua consolidação como um grupo efetivo em 2009, onde começou ganhando notoriedade no campo financeiro, pela composição de países em desenvolvimento que tiveram um rápido crescimento em suas economias nos anos 2000, que expandiu significativamente suas atuações no âmbito internacional, passando a constituir mecanismos de cooperação com potencial de gerar resultados concretos aos brasileiros e aos povos dos demais membros, segundo o portal do Itamaraty. Conforme Amorim (2008), “os Brics são um exemplo de como países com culturas diversas podem se unir em torno de projetos comuns em favor da paz, do multilateralismo e do respeito ao direito internacional”. No enfoque da reafirmação da soberania e da projeção do país como uma nova potência para o mundo, o governo volta a se posicionar como profundamente interessado na cadeira definitiva do Conselho de Segurança das Nações Unidas, desejo despertado na gestão de Itamar Franco e que acabou deixando de ser tão incisivo no governo de FHC, tendo recolhido, de acordo com Almeida (2004), “apoios substanciais a essa pretensão – inclusive de membros do próprio CSNU – desde o início da nova gestão”. É bem sabido que, na questão da reforma do Conselho de Segurança da ONU, o ‘lado’ ocupado pelo Itamaraty é o das reivindicações por maior democratização do acesso aos fóruns decisórios da política internacional, o que viria a contemplar o Brasil. (LOPES, 2011, p. 71) Essa busca se reflete, inclusive, na criação do G-4, em 2004, grupo reunindo Alemanha, Brasil, Índia e Japão, onde os mesmos tinham em comum a visão da necessidade da maior representatividade do CSNU. 5. O LEGADO DE AMORIM Diante do exposto, pode-se verificar a constante preocupação de Celso Amorim de atuar no cenário internacional da maneira mais pacífica possível, o que não significa que o mesmo tenha uma postura passiva. Muito pelo contrário, as gestões do mesmo enquanto chanceler podem ser representadas num gráfico exponencial de crescimento da relevância internacional do Brasil, buscando estabelecer cada vez mais seu espaço nesse âmbito. Caracterizadas pela precisão das ações que se traduzem como certeiras se levando em consideração a conjuntura temporal do Brasil, é possível dividir seus mandatos em duas partes: a) em sua primeira posse do MRE, procurou, acima de tudo, reestabelecer a ordem democrática e econômica no país, a partir de medidas que trouxessem mais resultados internos do que externos, caracterizando-a como uma gestão que pretendia moldar o país que seria apresentado ao mundo mais pra frente; b) tendo preparado o terreno para a projeção internacional do Brasil no governo de FHC, em sua volta ao ministério, 16 que se deu atrelada ao governo Lula, Amorim apresentou uma gestão voltada ao colhimento dos frutos “plantados” em seu primeiro mandato, que corroboraram o amadurecimento exorbitante da atuação do país em ambiente internacional, concretizando as digitais brasileiras nos maiores assuntos globais, juntamente com as maiores potências. O know-how do ex-chanceler, sendo diplomata de carreira, foi o maior responsável por sua atuação altamente prestigiada ao redor do mundo no meio das relações exteriores, sendo inclusive consideradocom o melhor chanceler do mundo pela já mencionada revista Foreign Policy, sob a redação de David Rothkopf. Mas é difícil pensar em outro chanceler que orquestrou tão efetivamente tamanha transformação de seu país no cenário internacional. É por isso que se eu fosse questionado hoje, meu voto para melhor chanceler iria ser para o nativo de Santos, Celso Amorim. (ROTHKOPF, 2009, n.p., tradução nossa)26 Dessa forma, vimos que, apesar de ser focado na soberania nacional, as ações de Amorim impactaram todo o globo, a partir do encabeçamento de políticas de cunho comercial, econômico e social conjuntas com outras nações, que acabaram por transformar e desenvolver suas próprias conjunturas políticas no lado positivo da moeda, sobretudo em outros países emergentes, onde não seria exagero considerar o Brasil como “líder” nessa escalada visando a posição de grande potência mundial, coordenando a atuação de seus parceiros no cenário internacional. 6. CONCLUSÃO Apesar da crescente no que se refere ao nacionalismo/patriotismo “exagerado” que temos observado ultimamente, difundido pelo extremismo em ambos os lados do espectro político, e que acaba por descredibilizar Organizações Internacionais e enfraquecer blocos, fica evidente a necessidade de uma cooperação global visto que nenhum Estado consegue manter democracias “saudáveis” vivendo em reclusão. É nesse sentido que a figura de um chanceler se faz tão necessária na cadeira administrativa de um governo. Muito mais do que uma mera representação no âmbito internacional, o cargo exige uma responsabilidade enorme, além de capacidade analítica e estratégica, visto que é necessário projetar os interesses nacionais para diversas comunidades e culturas ao redor do globo, visando sempre o melhor relacionamento possível com as mesmas. Pelo menos, esse seria o cenário ideal. As relações entre países têm sido marcadas por várias desavenças, guerras, sanções e 26 “But it is hard to think of another foreign minister who has so effectively orchestrated such a meaningful transformation of his country’s international role. And that’s why if I were asked today to cast a ballot, my vote for world’s best foreign minister would likely go to Santos’ native son, Celso Amorim.” 17 unilateralismo, muito em razão dessa crescente ideológica mencionada. Os danos provenientes desses atritos pode não ser muito evidente à curto prazo, mas ameaçam, ou até mesmo, condenam, as próximas gerações. O contrário da paz, a guerra, existe por diversas razões e para diversos fins. Um país decide lutar com outro país por questões nacionalistas, territoriais, econômicas, políticas, culturais ou religiosas. Exemplos não faltam para ilustrar a questão. (SILVA; KINOSHITA, 2012, n.p.) A tal “projeção dos interesses nacionais em âmbito global” não deve de maneira alguma carregar uma carga egoísta e antipatia perante outras nações, mas sim se traduzir em uma estratégia semelhante ao conceito de desenvolvimento sustentável27, satisfazendo as necessidades de sua nação, sem comprometer a capacidade das outras nações de satisfazerem as próprias necessidades. Pode até ser uma visão idealista, que foge dos moldes impostos pela realidade atual, todavia, através do olhar crítico em relação à gestão social e pacifista de Celso Amorim, vimos o Brasil ganhar uma relevância antes exclusiva das nações com grande poderio militar ou extremamente desenvolvidas no cenário tecnológico. Seria impossível listar todas as ações empreendidas por Amorim enquanto ministro das Relações Exteriores que corroboraram para tal feito em um artigo com menos de 30 páginas, porém, basta verificar sua passagem e carreira para perceber o verdadeiro “patriotismo sustentável” encarnado. Isso fica evidente em sua luta constante contra as “sutis” condições impostas pelos EUA no projeto de implementação da Alca, na briga pela cadeira permanente no CSNU e em sua constante atuação nas pautas que procuravam estabelecer a paz e eliminar riscos para a humanidade, como os tratados e convenções contra o armamentismo nuclear, ou a integração/coordenação de missões de paz, como a da MINUSTAH28, que, como exposto por Morais (2018), “é uma maneira de o Brasil ampliar seu peso e sua atuação na Comunidade Internacional”. Todavia, é evidente a deterioração deste legado nos últimos anos. A onda de políticas reclusas e unilaterais tem afetado o país com uma ironia amarga quando verificamos que estamos nos tornando vassalos de um soberano ao mesmo tempo que ouvimos esperneios de um “patriotismo” perdido desde o fim da era militar. O Brasil já não tem mais a mesma cara perante a comunidade internacional, e as consequências dessa mudança “vêm causando em foros internacionais estranhamento e dúvidas entre diplomatas estrangeiros”. (QUERO; 27 Conceito entendido como “satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades” 28 Acrônimo para “Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti”, missão de paz criada pelo CSNU em 2004. 18 PASSARINHO, 2019) Dessa forma, podemos concluir que o ex-chanceler foi uma das maiores figuras no que já foi um dia o amadurecimento de um país, sem comprometer a dignidade do país ou colocar suas fronteiras em risco, algo digno das doutrinas de Kant explicitadas em sua obra “A Paz Perpétua” (1795), no que confere o respeito à soberania de um país. Com isso, fica descomplicada a noção da importância da atuação no palco internacional, assim como a de que é necessário um elenco de atores à nível “Broadway” para o sucesso desta peça. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA Decreto BRASIL. Decreto nº 1.246, de 16 de setembro de 1994. Promulga o Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco), concluído na Cidade do México, em 14 de fevereiro de 1967, e as Resoluções números 267 (E-V), de 3 de julho de 1990, 268 (XII), de 10 de maio de 1991, e 290 (VII), de 26 de agosto de 1992, as três adotadas pela Conferência Geral do Organismo para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (OPANAL), na Cidade do México. Brasilia: Casa Civil, [1994]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D1246.htm.> Acesso em: 13 Março 2020. Livro AMORIM, C. Política Externa. Democracia. Desenvolvimento. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1995. KANT, Immanuel. 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