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e d iç ã o 1 16 • s e t e m b r o d e 2 0 17 w w w .r e v is ta d a c u lt u r a .c o m .b r e d i ç ã o 1 1 6 • s e t e m b r o d e 2 0 1 7 • u m a P u b l i c a ç ã o d a l i v r a r i a c u l t u r a e s P e c ia l 7 0 a n o s Uma edição para comemorar as sete décadas da trajetória da Livraria cULtUra, qUe nasceU como Um peqUeno negócio de aLUgUeL de Livros e se tornoU a principaL referência do segmento no BrasiL. neste número, aLém de ceLeBrar, qUestionamos: como serão as Livrarias do fUtUro? e como se meLhora a formação de Leitores no país? os 70 anos | editorial | Q ueridos leitores, esta é uma edição diferente da Re- vista da Cultura, dedicada a trazer em suas pági- nas matérias que, de alguma forma, celebram os 70 anos de trajetória da Livraria Cultura. E comemorar sete décadas de história é uma emoção muito for- te e importante, tempo propício para se fazer uma retrospectiva e observar quantas coisas boas vive- mos e construímos, quantas foram as descobertas, os aprendizados e os prêmios que acumulamos – e continuamos a receber – ao longo dessa estrada. Momento ideal também para constatar que chegamos fortes e � rmes até aqui, apesar de todas as crises institucionais atravessadas, ditaduras, in� ação, além desses últimos três anos extremamente complicados para todos os brasileiros, marcados por um desem- prego recorde, cassações de mandatos de políticos e a visível ine� ciência da máquina pública, o que ampliou nossa falta de con� ança em todas as esferas políticas do país, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Mas sabemos também que toda crise passa, e me deixa contente ver os sinais de que o Brasil está se recuperando. Não importa se em ritmo lento ainda, é uma recuperação, e daremos a volta por cima. Ao longo de minha vida, o que mais aprendi foi o signi� cado de uma palavrinha que vem sendo esquecida neste país e a qual tem o poder de transformar tudo quando é praticada: compromisso. Sempre honrei compromissos e continuo os honrando. Isso me motiva muito a tocar o barco. E foi isso também que transmiti para quem me sucede. Pois nesse momento em que fazemos 70 anos, e estando eu há 48 desses na direção da empresa, é che- gada a hora de mais uma sucessão, que na prática já aconteceu, mas que agora está se formalizando. Inclusive, toda essa história de vida relacionada ao mer- cado editorial eu compartilho com vocês em O livreiro, obra que será publicada em novembro próximo pela Editora Planeta. Assim, aproveito para agradecer a todos os colaboradores que por aqui passaram e os que aqui estão, mas, prin- cipalmente, aos clientes que apoiaram e apoiam nossas iniciativas, não somente as de cunho comercial, mas todas as que atestem nosso compromisso de levar cultura a todos por meio das inúmeras atividades que acontecem em nossas lojas, sejam os milhares de eventos que realizamos anualmente, a maior parte deles gratuita, sejam os espetáculos que tomam conta de todas as unidades do Teatro Eva Herz, ou mesmo a própria Revista da Cultura, que produzimos e distribuímos há dez anos. En� m, muito obrigado e boa leitura! Pedro Herz | sumário | ENTREVISTA: PEDRO HERZ Filho da fundadora, pai do atual CEO e com quase 50 anos dedicados à direção da Livraria Cultura, o renomado livreiro se sente com o dever cumprido: “O legado que herdei e deixo é não se esquecer da palavra compromisso” DROPS Fique de olho em setembro: tem Teatro Eva Herz, Galeria Cultura, programa Sala de Visita e lista de livros marcantes nas últimas décadas FOTOGRAFIA As imagens que contam sozinhas outros tempos da livraria FUTURO Grandes ou pequenas? Rentáveis apenas com vendas de produtos ou como agregadoras de experiências culturais? Conheça a opinião de diversos especialistas sobre como serão as livrarias do amanhã ENTREVISTA: PEDRO HERZ Filho da fundadora, pai do atual CEO e com quase 50 anos dedicados à direção da Livraria Cultura, o renomado livreiro se sente com o dever cumprido: “O legado que herdei e deixo é não se esquecer da palavra compromisso” ENTREVISTA: PEDRO HERZ Filho da fundadora, pai do atual CEO e com quase 50 anos dedicados à direção da Livraria Cultura, o renomado livreiro se sente com o dever cumprido: “O legado que herdei e deixo é não se esquecer da palavra compromisso” Cultura, programa e lista de livros marcantes nas últimas décadas FORMAÇÃO DE LEITORES A falta de políticas públicas e o despreparo de escolas e famílias estão entre as causas para o lastimável baixo número de leitores no Brasil. Mas como modi� car este retrato? | sumário | FORMAÇÃO DE LEITORES A falta de políticas culturais? Conheça a opinião de diversos especialistas sobre como serão as livrarias do amanhã culturais? Conheça a opinião de diversos especialistas sobre como serão as livrarias do amanhã NOSSA CAPA Ed Viggiani | expediente | REDAÇÃO Publisher Pedro Herz Editor-chefe Gustavo Ranieri Diretora de arte Carol Grespan Revisor Diego Cardoso COLABORAM NESTA EDIÇÃO Texto Alfredo Sternheim, Clariana Zanutto, Jr. Bellé, Mauricio Duarte, Renata Vomero Colunistas Clarice Niskier Fotografia Rodrigo Braga Ilustração Daniel Bueno, Fido Nesti, Mauricio Planel, Veridiana Scarpelli Projeto gráfico Carol Grespan Impressão Log & Print Gráfica e Logística S.A. Jornalista responsável Gustavo Ranieri | MTB 59.213 ISSN 2358-5781 Contato revistadacultura@livrariacultura.com.br Anuncie na Revista da Cultura: Equipe de Marketing anunciesuamarca@livrariacultura.com.br (11) 3056 4300 – R. 2569 Publicidade em Brasília (61) 3326 0110 e (61) 3964 2110 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia e escrita. O conteúdo dos anúncios é de responsabilidade dos respectivos anunciantes. Todas as informações e opiniões são de responsabilidade dos respectivos autores, não re� etindo a opinião da Livraria Cultura. Preços sujeitos a alteração sem prévio aviso. COLUNA CLARICE NISKIER Pode perguntar que ela responderá: seu sonho é dormir uma noite ali, no silêncio dos corredores, em meio aos milhares de livros que povoam nossa cabeça PERSONAGENS NA CULTURA As histórias dos encontros entre consagrados escritores que com vinhos, cervejas, livros e muito a se falar � zeram (e fazem) a efervescência na Cultura LINHA DO TEMPO Entre guerras, ditaduras e terrorismo, entre avanços globais, liberdades garantidas e conquistas sociais, veja os principais fatos que marcaram o mundo de 1947 até hoje CURIOSIDADES Controle de estoque feito a olho, nota � scal preenchida manualmente, pagamento somente em dinheiro ou cheque e, se fosse um cliente habitué, podia mandar colocar na conta. Sim, as coisas em loja já foram assim PERSONAGENS NA CULTURA As histórias dos encontros entre consagrados escritores que com vinhos, cervejas, livros e muito a se falar � zeram (e fazem) a PERSONAGENS NA CULTURA As histórias dos encontros entre consagrados escritores que com vinhos, cervejas, livros e muito a se falar � zeram (e fazem) a mundo de 1947 até hoje mundo de 1947 até hoje CLARICE NISKIER Pode perguntar que ela responderá: seu COLUNA CLARICE NISKIER Pode perguntar que ela responderá: seu CURIOSIDADES feito a olho, nota � scal preenchida manualmente, CURIOSIDADES Controle de estoque feito a olho, nota � scal preenchida manualmente, N ão é só a Livraria Cultura que está fazendo aniversário. O Tea- tro Eva Herz completa dez anos este mês, somando um total de 117 espetáculos já apresenta- dos em seu palco, isso conside- rando apenas a cidade de São Paulo. A primeira unidade da rede de teatros – que tem o nome da fundadora da Livraria Cultura e mãe de Pedro Herz, atual presiden- te do Conselho Administrativo da marca – foi a do Conjunto Nacional, inaugurada em 2010, após uma grande reforma, que deixou a loja com a cara que tem hoje. “Além do charme de ter como lobby uma livraria– fato pioneiro –, o teatro não tem um número de lugares com foco comercial, o que o leva a ser um espaço de troca de pensamentos, onde o artista leva ao palco o que ele tem desejo de expressar e o es- pectador tem o privilégio de estar pertinho do ator”, diz André Acioli, diretor artístico da rede. Com outras cinco unidades espalhadas pelas lojas da Livraria Cultura por todo o Brasil, incluindo Brasília, Salvador, Recife, Curitiba e Rio de Janeiro, o Teatro Eva Herz recebe mensalmente peças, palestras, shows e diversos outros eventos culturais, levando plateias a diversas emoções e sensações. Apontar espetáculos e atores que mais marcaram desde a abertura do teatro não é fácil e acaba sendo injusto, mas Acioli destaca A alma imoral como par- te importantíssima dessa história. “A Clarice [Niskier] está com a gente há seis anos! Tivemos a honra do Antônio Abujamra ter feito um dos últimos espetácu- los dele aqui, Uma informação sobre a banalidade do amor. O saudoso Nico Nicolaiewsky também, com seu solo Música de camelô. O Jô Soares com Re- mix em pessoa, Juca de Oliveira com Rei Lear, Deni- se Fraga e Cláudia Mello com Chorinho, também um dos últimos espetáculos que o Fauzi Arap dirigiu.” E, para os próximos meses, mais peças estão a caminho, como o infantil A saga da Bruxa Morgana e a família real, com Rosy Campos, além das que já se en- SALVA DE PALMAS | drops | 8 FO TO s : d iv u lg a ç ã O SALVA DE PALMAS 9 contram em cartaz – A cabala do dinheiro, Memórias póstumas de Brás Cubas e A alma imoral. “Então, para comemorar nosso aniversário de dez anos, teremos também a honra de participar da comemoração dos 25 anos dos Doutores da Alegria com seu novo infantil Numvaiduê. Em outubro teremos a estreia de Se existe ainda não encontrei, de Nick Payne, com direção de Daniel Alvim e Helena Ranaldi, com Leopoldo Pache- co, Luciano Gatti e Lyv Ziese no elenco. E a volta de um grande sucesso de público, que já esteve em car- taz na casa em 2015: o espetáculo A língua em peda- ços, de Juan Mayorga, com direção de Elias Andreato e Ana Cecília Costa e Joca Andreazza no elenco.” Já em Curitiba, no Ciclo Tchekhov, que traz espe- táculos dedicados ao grande escritor e dramaturgo russo, serão apresentadas as peças O canto do cisne, Tabaco e O coração de Olenka, além do infantil O mun- do de Pinóquio. Com Cristiana Oliveira, Maria Eduarda de Carvalho e Danilo Sacramento, a comédia romântica Feliz por nada, inspirada no livro homônimo de crôni- cas da autora Martha Medeiros, traz a história sobre a amizade entre duas mulheres para o palco do Rio de Janeiro. Em outubro, O doente imaginário, última peça escrita e encenada por Molière – que sofreu um colap- so em pleno palco, durante uma apresentação desse mesmo espetáculo, morrendo pouco depois –, também estreia no Eva Herz carioca, contando a trama de Angé- lica, filha de Argan – um rico e avarento burguês, vítima de hipocondria – e apaixonada pelo romântico Cleanto. Já em Salvador, até o início de outubro, será apresen- tado o show Beatles Songs – A história das canções, da banda Rock Forever, que reúne músicos de diferen- tes gerações e uma única identidade: a paixão pelos Beatles, interpretando as músicas criadas pelo quarteto britânico e mostrando o rock exatamente como era fei- to naquela época. (Clariana Zanutto) Veja a programação: FO TO : J O ã O C a ld a s 10 Pensando em entrevistas com os mais diferentes formadores de opinião, personalidades e outras pessoas envolvidas em todas as frentes da indús- tria editorial, o programa Sala de Visita, com Pedro Herz no comando, já soma mais de 40 bate-pa- pos, que podem ser assistidos no canal do You- Tube da Livraria Cultura. No ar desde setembro de 2016, com um novo episódio por semana, no- mes como Benjamim Moser, Mia Couto, Xico Sá, Leandro Karnal, Maria Ribeiro, Luiz Felipe Pondé, Wagner Moura, Miriam Leitão, Zeca Camargo e Mario Sergio Cortella, entre muitos outros, já con- versaram sobre mercado livreiro, religião, com- portamento, política, filosofia e diversas questões e assuntos atuais. “A ideia é fazer com que essas pessoas conversem com o Pedro como se esti- vessem em casa, sentados em uma sala, expondo pontos de vista. Os convidados se sentem mais à vontade para falar sem melindre sobre determi- nados assuntos. O Wagner Moura, por exemplo, que aparece muito na mídia, falou sobre coisas que ele nunca tinha falado antes, então o espa- ço incentiva bastante a reflexão, a introspecção”, comenta Renato Costa, orientador pedagógico e captador de recursos da Livraria Cultura. Então fi- que de olho na programação do Sala de Visita e confira neste mês de setembro as conversas com Pedro Bandeira, Paulo Lins e muito mais. (CZ) BOM DE PAPO | drops | Assista aos programas: FO TO s : r e p r O d u ç ã O 11 Desde sua fundação, em 1947, a Livraria Cultura sempre buscou proporcionar o acesso livre e fácil à cultura de qualidade, acreditando em sua responsabilidade de inserção social por meio de cultura e no poder transformador do conhecimento. Com base em tudo isso, foi criado o Instituto Eva Herz, fundado para que pudesse inscrever projetos culturais utilizando as leis de incentivos do governo. “Os objetivos a médio e longo prazo do projeto incluem instrumentalizar os espaços culturais disponíveis nas unidades da Livraria Cultura para que as produções e artistas locais tenham condições adequadas para suas apresentações, recebendo o suporte necessário, técnico e de equipe”, conta Robson Villsac, coordenador de marketing cultural da Livraria Cultura. Entre os projetos conhecidos está o Vira Cultura, que mescla música ao vivo, bate-papos, lançamentos de livros e performances em um mesmo espaço, e o Minha Língua, Minha Pátria, festival literário que apresenta grandes autores de diferentes gerações do Brasil e de Portugal para falar sobre a literatura em língua portuguesa. “Neste ano, teremos a execução parcial do primeiro plano anual de atividades do instituto nos teatros e a segunda edição do Minha Língua, Minha Pátria, em São Paulo e Salvador. Em um cenário difícil como o do país, é uma conquista a ser comemorada. Queremos ampliar a atuação [do instituto], incrementá-la com novos conteúdos no próximo ano. Já estamos estabelecendo parcerias e esperamos em breve comunicar as novidades que vêm por aí. Como tudo ligado à cultura, é necessário construir de forma gradativa para que seja possível estabelecer os projetos e criar o diálogo necessário com uma sociedade e uma cena cultural cada vez mais dinâmicas”, revela Robson. (CZ) A TODO VAPOR FO TO s : d iv u lg a ç ã O 12 | drops | COM A MÃO NA MASSA Criado em 2013, o Cultura em Curso proporciona ao público da Livraria Cultura cursos livres que tratam de assuntos relevantes e atuais, navegando do mundo do vinho até a escrita criativa, da ficção científica ao autodesen- volvimento. Nomes como Mar- cia Tiburi, Helena Rizzo, Mario Sergio Cortella, Marcelino Freire e Mariana Zahar já passaram seus conhecimentos à frente em aulas não apenas contempla- tivas, mas que valorizam muito a experiência dos alunos. “O diferencial do Cultura em Curso é que suas aulas estão voltadas muito mais ao entretenimento, são muito mais sinestésicas. São cursos voltados para a ex- periência do cliente, encontros em que você consegue atrair pessoas que, às vezes, não ne- cessariamente gostam daquele assunto, mas querem fazer parte da experiência, como em aulas de perfume, jantares e degus- tações, aproveitando o espaço que temos para enriquecer o serviço que entregamos a elas”, diz Renato Costa, orientador pe- dagógico do projeto. Os cursos ministrados no mês de setembro serão de oficina de jardinagem com degustação de vinho, cine- ma e culinária italiana, o vinho sob a ótica do cinema e a escrita criativa dentro do espaço. (CZ) Conf i ra mais aqui : 13 ARTE EM fOcO Com o objetivo de aproximar mais as artes plásticasdo dia a dia das pessoas, há quase dez anos a Livra- ria Cultura começou também a oferecer obras de arte, promovendo a venda das mesmas e de produtos rela- cionados a elas. Assim nasceu a Galeria Cultura, hoje localizada dentro da loja no paulistano Shopping Igua- temi, mas com espaço expositório também no Cine Vi- tória, no Rio de Janeiro, e no Recife Rio Mar, na capital pernambucana – nas demais lojas, há pontos para a comercialização de obras. “A arte tem certo distancia- mento do grande público, que a considera inacessível, cara, elitizada, e a proposta da galeria é afirmar que a arte não é necessariamente assim e que os mais dife- rentes perfis de pessoas podem tanto produzi-la como comprá-la. Nosso público é um pouco mais descolado do que a gente pensa que é um público de arte. A ideia é aproximar tanto os artistas conhecidos como outros que estão começando com os clientes”, diz Renato Costa, orientador pedagógico e captador de recursos da Livraria Cultura. Entre os nomes que ajudaram a fazer parte da história do projeto estão Camila Morita, Nuria Torrents, André Albuquerque, Andrea Fiamenghi, Alexandre Reider e Marina Klink. Além de estreitar o relacionamento com os artistas que já fazem parte há anos, diariamente a Galeria Cultura recebe portfólios de criadores que desejam mostrar seus trabalhos ali. “Como não temos como receber todos os artistas que querem expor aqui, e seria maravilhoso se isso acon- tecesse, a gente faz uma seleção daquilo que pode ser interessante, de algo que possa ser novo dentro daquele ambiente para não trabalhar sempre os mes- mos perfis, a mesma linguagem estética em todas as peças.” Neste mês, vale conferir na Galeria Cultura do Iguatemi o trabalho do artista e cabeleireiro Ricardo Cassolari, que vai ocupar o corredor de exposição e a loja toda com suas peças. (CZ)FO TO s : d iv u lg a ç ã O 14 | drops | FO TO s : d iv u lg a ç ã O FIzEMoS uMA pEquENA E pARCIAL LISTA dE LIVRoS dE FICção quE, dE ALGuMA FoRMA, MARCARAM o MuNdo duRANTE oS 70 ANoS dE ExISTêNCIA dA LIVRARIA CuLTuRA. CoMo há MuIToS ouTRoS TíTuLoS MARAVILho- SoS A CoNSTAR, ApRoVEITE, LEIToR, pARA FAzER SuA pRópRIA LISTA E dIVIRTA-SE. (Alfredo Sternheim) alguns lIVROs dOs últImOs 70 anOs o nome da rosa (1980), de Umberto eco Trama policial ambientada em 1327 no interior de um mosteiro na Itália. ensaio sobre a cegueira (1995), de José Saramago Intriga fantasiosa do mais famoso escritor português contemporâneo. o tempo entre costuras (2009), de maría dueñas A vida de uma jovem em meio à guerra civil espanhola e à presença nazista. sono (2013), de haruki murakami As insólitas consequências da insônia de uma mulher, mãe de família. cem anos de solidão (1967), de Gabriel García márquez A obra que consagrou mundialmente o autor colombiano. carrie – a estranha (1974), de Stephen King humilhação e vingança na estreia desse mestre do suspense e do terror em livro ficcional. a hora da estrela (1977), de Clarice lispector o mítico romance acompanha a saga da datilógrafa alagoana Macabéa, que migra para o Rio de Janeiro. gabriela, cravo e canela (1958), de Jorge Amado Coronéis, jagunços, prostitutas e pilantras convivem na intricada sociedade baiana em pleno Ciclo do Cacau. 15 mais que mil palavras | fotografia | uma breve seleção de registros do passado para relembrar ou construir momentos de nossa história Três gerações da família Herz: Eva, a pioneira; Pedro, que assumiu a direção da empresa em 1969, e seus filhos, Fabio e Sergio, em foto de outubro de 1997 Fo to : e d v ig g ia n i 16 | fotografia | Fo to : a r q u iv o l iv r a r ia c u lt u r a 17 fo to : a n tô n io l u ís Ao lado, Pedro, Eva e Kurt Herz em junho de 1987; abaixo, Sergio Herz, atual CEO da empresa, em foto de 1996; no rodapé, na página ao lado e no centro, registros da loja do Conjunto Nacional, em 1971; no canto inferior, à esquerda, última noite da lanchonete que iria virar livraria, a terceira no Conjunto Nacional, em agosto de 1989 fo to : a r n a ld o f ia s c h i fo to : a r q u iv o c u lt u r a fo to : a r n a ld o f ia s c h i fo to : a r n a ld o f ia s c h i 18 | entrevista | pedro herz p o r g u s t a v o r a n i e r i f o t o s r o d r i g o b r a g a Olhar frente à 19 20 | entrevista | pedro herz 21 P edro Herz não é um homem sau- doso, tampouco nostálgico. Tal- vez uma das maio- res semelhanças com sua mãe, Eva Herz (1911-2001), seja nem tanto a aparência física, o amor pelos livros ou o apreço por concertos de música clássica, mas justamente a modernidade que marcava as ideias dela e que é tão presente nas que ele implementa há quase cinco décadas na linha de frente da Livraria Cultura, um negócio ain- da familiar, com 18 lojas físicas, comércio ele- trônico – a marca foi pioneira do e-commerce no Brasil – e presença em oito Estados. Bom, era assim até o fim de julho passado, quando a empresa – Pedro é o Presidente do Conselho Administrativo e seu filho Sergio Herz o CEO da marca – anunciou a compra das operações da Fnac Brasil, agregando 12 lojas, ingressando em mais dois Estados e ampliando considera- velmente o mix de produtos comercializados, expandidos agora para a área de tecnologia e equipamentos de áudio e vídeo, entre outros. Em 1947, com 7 anos de idade, Pedro era só um menino quando sua mãe deu início aos negócios. Com o objetivo de ajudar o marido, Kurt, a pagar as despesas da casa, em um mundo que vivia o pós-guerra, ela observou que outros imigrantes alemães como ela, vi- vendo em São Paulo e fugidos quando a Se- gunda Guerra Mundial era iminente, queriam ler livros em seu idioma natal ou em inglês, já que pouco ainda falavam de português. Foi assim que ela teve a ideia de juntar algum di- nheiro, comprar livros importados e alugá-los para os conhecidos. Em 1953, quando não ha- via mais espaço para armazenar os títulos, a família se mudou para uma casa na paulistana Rua Augusta, onde uma pequena sala na frente do imóvel passou a ser a “locadora”, que aos poucos foi mudando até virar uma livraria de fato. O nome em si, Livraria Cultura, só foi as- sumido oficialmente em 1969, ano em que a próspera empresa se mudou para o Conjunto Nacional (no espaço onde hoje é a loja Geek. etc.br) e Pedro assumiu o comando, depois de ter atuado como pesquisador da revista Quatro Rodas, na Editora Abril, e também na Editora Melhoramentos. Desde então, a história já é conhecida por muitos, tanto quanto o prestígio que acompa- nha as sete décadas de trajetória, celebradas neste 2017, e pautada acima de tudo pela práti- ca da palavra que Pedro diz estar quase extinta do vocabulário brasileiro: compromisso. O que nem todos sabem é que, aos 77 anos, o exe- cutivo mantém uma rotina extensa de trabalho. Diariamente se dirige pela manhã à empresa, onde costuma ficar até o fim do dia, isso quan- do não visita algumas lojas aos fins de semana. Sabe ser rígido quando necessário, mas tam- bém afável; sabe admitir quando está errado, mas pode bater o pé se está convicto de uma ideia que deseja implementar. Morador do último andar do Edifício Copan, no centro da capital paulista e a 115 metros de altura, Pedro Herz é um misto de proprietário da companhia e personagem da mesma. Bas- ta andar pela loja matriz para logo virem pes- soas variadas o cumprimentarem – e ainda faz questão de prestigiar diversos lançamentos de livros, sejam de autores conhecidos ou não. É também o homem que disse de antemão que o livro digital, o qual ele comercializa, não aba- laria o livro físico – e os números comprovam que ele estava certo –, assim como já antevê o porvir não somente das livrarias, mas do va- rejo de modo geral, ramo do comércio que, em sua opinião, será em um futuro não tão distan- te assim apenas uma espécie de showroom de produtos e espaço para trocas de experiênciase entretenimento do consumidor. Como se pode ver na entrevista a seguir, Pedro Herz é um autêntico livreiro, com o olhar à frente, mas com as raízes no mesmo lugar. 22 | entrevista | pedro herz Pedro, quando observo as entrevistas concedidas por você nos últimos cinco anos, é notório um pessimismo expressado em relação ao país e às dificuldades econômi- cas. Mas, de repente, em meio a um ano complicadíssimo como este de 2017, a Livraria Cultura anuncia a compra das operações da Fnac Brasil, o que causou surpresa e certa incompreensão deste passo no cenário atual. Você pode explicar melhor? Bom, a primeira parte da pergunta é o porquê do pessimismo. O pessimismo é oriundo de eu ficar mais velho e querer ver um país melhor. Você envelhe- ce e começa a ter pressa de ver o país diferente. No fundo, é simbolizado por isso. Mas, à medida que você fica mais velho, começa a se perguntar: será que vou conseguir ver? Para ver a luz no fim do túnel, é necessário enxergar o túnel primeiro e, nesse momento, está difícil de vê-lo. Já sobre a aquisição da Fnac, é ir na contramão de onde as pessoas estão indo. Se todos vão para lá, eu vou para cá; talvez me dê bem. E essa foi uma oportunidade de agregar novos pro- dutos ao nosso negócio. Nós temos hoje de começar um ciclo novo, da mesma maneira que no passado começamos quando passamos a comercializar CDs e DVDs e tivemos de aprender a lidar com essa área. Tudo se aprende na vida, e da mesma maneira vamos aprender a vender os produtos eletrônicos que a Fnac vendia, como computadores, tele- visões, etc. Faz parte de um objetivo de oferecer um mix de produtos, pois, com as lojas que temos, com o tamanho que são e com o mercado consumidor atual, acho difícil se manter exclusivamente com livros. Resumindo é isso. Entretanto, estar na “contramão” acarreta riscos, corre- to? Há a consciência da existência deles? Hoje, nós temos uma infraestrutura bem interessante, a empresa é muito bem controlada. Ela é muito bem estruturada. Claro que, no momento que vivemos, as previsões nem sempre se rea- lizam. A gente não consegue alcançar as metas, mas isso parece que é um mal geral. Se nem o governo chega a suas metas, por que os outros haverão de chegar? Mas precisa- mos cumprir nossos objetivos, para não deixar a situação piorar. E o país é muito grande e oferece uma potenciali- dade enorme. Se arrumarmos a casa, acho que as coisas ficam mais visíveis e temos um bom caminho pela frente. E os caminhos necessários para um ajuste total do país, como você os analisa? Acho que há um consenso no Bra- sil de que pouca coisa funciona, se é que alguma coisa funciona. Então, essas mudanças que estão sendo faladas e propostas são necessárias, não tem mais como poster- gar isso. Chegamos a um ponto em que elas precisam ser feitas. Se o modelo para as colocar em prática está corre- to, acho que teremos de pagar o preço para ver. Mas há um consenso de que são estritamente necessárias. Se não fizerem as reformas, o Brasil quebra. O bom senso fala que tem de ser feito da maneira menos dolorosa possível, mas alguma dor é inevitável. Mas já estamos pagando um alto preço pela quantidade de desempregados no Brasil. E desperta questões: como será o emprego daqui para fren- te? Haverá emprego ou haverá trabalho? Como serão as remunerações desses trabalhos? Enfim, não terei tempo hábil para avaliar o resultado disso, mas as mudanças são necessárias. Obviamente, fica cada vez mais difícil manter empresas saudáveis, né? Sem dúvida nenhuma. Fica muito com- plicado. A máquina estatal nossa, seja federal, estadual ou municipal, é de uma ineficiência que merecia todos os prêmios, sabe? A ineficiência da máquina pública bra- sileira é gritante, é muito triste ver isso. Brinco que, se a iniciativa privada funciona, por que não privatizar o Esta- do? Não vou generalizar, pois é claro que existem pessoas competentes. Mas exemplos de boa gestão são raros. Outro retrato até o momento imutável no Brasil é o que atesta o baixo índice de leitura no país. Há alguma crença de sua parte de que isso melhorará e que tere- mos mais leitores? Acredito que é uma coisa absoluta- mente possível. Mas se vou vivenciar é outra coisa. Estou convencido de que leitores são feitos em casa, mas contra esse meu pensamento existe uma realidade de que hoje em dia muitos casais decidem não ter filhos. Soma-se a isso nosso falho processo de educação e também o fato de o Brasil ter deixado de oferecer qualidade de vida aos seus habitantes. Mais uma realidade brasileira é a falta de mão de obra qualificada. Como empresário, de que forma você ob- serva esse quadro? É bem complexo. A gente sabe mais a cada dia que passa sobre cada vez menos. É como se você precisasse de um profissional que aperta parafuso e um que desaperta. E a gente precisa se convencer de que a tecnologia está aí para ser usada e ela nem sempre é ami- ga do emprego. Pelo contrário, já que muitos empregos estão sendo substituídos por robôs. Temos esse proble- ma, que é um dilema mundial. Mas precisamos aprender a ter coerência entre o pensar e o agir. Nós não podemos pensar tecnologicamente e não agir tecnologicamente. Se nós não tivermos uma coerência sobre isso, fica difícil, né? Porque a máquina fará uma coisa que determinada pessoa fazia no passado, mas o que ela fará no futuro? Cabe a cada um de nós também se reinventar e dizer: a partir de amanhã farei outra coisa. 23 CORRO ATRÁS DE UMA VIDA INTERESSANTE. NÃO BUSCO A FELICIDADE, NÃO SEI BEM O QUE É ISSO. SE SOU HOJE UM EXECUTIVO DA LIVRARIA CULTURA, POSSO SER AMANHÃ UMA OUTRA COISA QUALQUER E FAZER COISAS QUE TAMBÉM ME INTERESSAM. 24 | entrevista | pedro herz A MÁQUINA ESTATAL NOSSA, SEJA FEDERAL, ESTADUAL OU MUNICIPAL, É DE UMA INEFICIÊNCIA QUE MERECIA TODOS OS PRÊMIOS. BRINCO QUE, SE A INICIATIVA PRIVADA FUNCIONA, POR QUE NÃO PRIVATIZAR O ESTADO? 25 A reforma trabalhista te agradou? Longe disso, ela não deu conta do que é necessário. As regras trabalhistas no país são do arco da velha, não podem mais ser assim. O mundo mu- dou e o Brasil precisa se adaptar. Qual é o modelo correto eu não sei e, em minha opinião, o que o Brasil não faz, mas deveria fazer, é olhar onde funciona, ver qual é o modelo que deu certo e como pode aproveitá-lo. Mas a gente quer criar tudo sozinho e faz errado em vez de copiar modelos que funcionam, que já foram testados, ajustados. Tem de ter a vontade política de fazer e daí as coisas acontecem. Uns vão ficar contentes e outros vão ficar descontentes, é absolutamente normal. Não dá para contentar a todos. Muitas vezes você declarou a intenção de acelerar uma profissionalização da gestão da empresa, de a livraria deixar de ter uma gestão familiar, como ainda é hoje. Porém, a cada passo da Cultura, tendo como exemplo a própria aquisição da Fnac, e com você muito ativo junto ao Sergio Herz (fi lho e CEO da Livraria Cultura desde 2011), dá a sensação de que continuará a ser familiar. É uma percepção errada ou existe ainda esse desejo? Exis- te o desejo e acho, e o Sergio concorda, que uma empre- sa familiar atingindo determinado tamanho precisa ter uma gestão profi ssional. E, com essa aquisição, a Cultura se torna deste tamanho. Na realidade, ela praticamente dobra de tamanho. Então, o objetivo é não ter mais um CEO da família que é controladora da empresa. Mas, sim, profi ssionais que ou entregam ou saem. Assim como um primeiro-ministro de um país que tenha um regime parla- mentarista. Sem confusões, sem traumas. Ninguém é per- feito, é possível que dê certo, é possível que não dê certo. E nós estamos num ponto com uma boa infraestrutura, em que conseguimos minimizar os erros. Não que a gente não erre, claro que vai errar sempre, mas as chances passam a ser menores porque estamos muito bem informados sobre tudo o que se passa. Então a gente comete novos erros, não os mesmos. Chegamos a esse ponto em que a empresa vai precisar que todos sejam gestoresprofi ssionais e não mais acionistas. Existem coisas psicológicas na relação e no con- trole familiar que não podem ir para a gestão. Mas esse é um plano com que prazo? Acho que de cur- to para médio prazo. Quer dizer, claro que isso não vai acontecer amanhã. Nós temos 12 lojas a mais agora [após a compra da Fnac], em alguns lugares com duplicidade, o que não cabe. As lojas precisam ter uma identidade, pre- cisam ser modernizadas, e nós vamos rever isso. Mas você estaria preparado para parar de trabalhar? To- talmente. Parar de trabalhar, não, mas trabalhar aqui, sim. Pergunto porque muitas pessoas não imaginam, mas você está presente diariamente na empresa e cumpre um longo expediente. Há novos produtos dentro da com- panhia que eu desconheço totalmente. Não sei comprar e vender computadores, por exemplo. Posso aprender, mas não é o meu desejo. Mas quem será o Pedro Herz fora do dia a dia da com- panhia? Dentro de mim, há uma coisa de não correr atrás da felicidade. Isso é bobagem. Corro atrás de uma vida interessante. Não busco a felicidade, não sei bem o que é isso. Se sou hoje um executivo da Livraria Cultura, posso ser amanhã uma outra coisa qualquer e fazer coisas que também me interessam. Então você realmente conseguiria ficar longe dos negócios? Conseguiria sem problema nenhum. Não tenho a menor dificuldade com isso. Tenho uma vida muito simples, ando de ônibus, de metrô. Meu carro tem nove anos de uso. Tenho uma vida comum e não vejo problema de tê-la em outros cantos do mundo, criar coisas, pisar em terrenos que nunca pisei; pode ser que eu descubra que não me dão prazer, mas são interessantes de se conhecer. Você acha que sua mãe, Eva Herz, se assustaria com o tamanho que a Cultura tem hoje? Não saberia te di- zer, mas ela disse, no ano 2000, uma frase que usamos: “Isto há de ser uma grande livraria”. Então, acho que ela não se assustaria. A gente caminhou para isso, não foi um passo falso. Mas tenho absoluta consciência da realidade, que manter estabelecimento do tamanho que a gente tem com livros é absolutamente inviável e precisamos remodelar isso. Quando a livraria começou a comercializar e-books e e-readers, você declarou que o livro digital não toma- ria o lugar do papel, mas serviria mais para quem quer viajar e não quer carregar muito peso, por exemplo. A sua opinião permanece a mesma? Sim, permanece exata- mente a mesma. Tanto é que as vendas de livros eletrôni- cos são decrescentes e o aparelho de leitura não faz leitor. E não faz o leitor por que em sua opinião? Porque ele não cria o hábito da leitura. Quem não lia em papel não passou a ler por causa do aparelho. Mas quem tem o há- bito de ler ganha uma mídia a mais. Antes ele só tinha o papel, hoje ele pode escolher. Por exemplo, se a pessoa vai viajar, ela pode decidir levar um livro impresso de 500 páginas ou um aparelho que pesa 80 gramas. 26 | entrevista | pedro herz Pedro, se olhássemos alguns anos adiante, como você imagina a Cultura? Acho que ela deixará de ser somen- te livraria. Ela será um estabelecimento comercial com uma variedade enorme de produtos, ligados entre si de alguma forma e que levem conteúdo junto com eles, mas não somente um vaso para se colocar flores, por exemplo. Serão produtos dinâmicos, que agreguem con- teúdo. Nessa direção, será um varejo bem interessante. E isso daqui a quanto tempo? Isso é rápido, é um pro- cesso rápido. Faz parte do crescimento. O crescimento natural de qualquer negócio que seja implica em alguns movimen- tos. Se hoje você trabalha só com livros, vai deparar com o momento em que precisará agregar outra coisa. Ne- nhuma indústria nasce grande. Ela nasce pequena, daí cresce, vai ficando mais complexa, fabrica mais produ- tos. Assim também é no varejo. Veja a Amazon, que é uma excelente prestadora de serviços. Ela começa nos EUA apenas com livros, mas o senhor Jeff Bezos [fun- dador da Amazon], inteligentíssimo, por quem tenho admiração, detectou algo que nós de alguma forma sa- bíamos, mas ele detectou e foi extremamente inteligente e hábil nas ações: ele percebeu que o leitor toma vinho, usa camiseta, compra meia, tênis. Mas o inverso não é verdadeiro. Ou seja, quem compra vinho, meia, tênis, chapéu não necessariamente compra livro. A partir des- se momento, por exemplo, ele passa a oferecer vinho ao leitor. E, se oferece vinho, também faz isso com copo, adega... Oxalá esse modelo se repita com todas as em- presas. Neste ano, a Amazon comprou a Whole Foods, que é uma cadeia de supermercados de alimentos sau- dáveis. E, em minha opinião, não foi para adquirir um negócio a mais, mas para oferecer uma nova forma de logística, de repente servir a todos os restaurantes. E Jeff Bezos está se esforçando para aprender isso. Aplausos para ele. Por isso repito: ninguém nasce grande. O e-commerce é um modelo que obviamente tomou conta do mundo todo e representa uma fatia enorme dos rendimentos das empresas. Algumas, inclusive, deixaram de ter loja física e ficaram somente no onli- ne e outras nasceram apenas digitais. Por outro lado, sabe-se que o comércio eletrônico não fideliza nem fa- cilita uma relação mais afetiva do cliente com a marca. Em boa parte das vezes, o consumidor digita o nome do produto em um buscador que compara preços e ele compra de onde for mais barato. Por isso, pergunto: no caso da Cultura, que historicamente é marcada pela relação afetiva das pessoas, que circulam pela loja com gosto para descobrir coisas, para as trocas cultu- rais, como se lida com esses dois cenários? Como se mantém a afetividade em tempos de e-commerce tão presente? Acho que o varejo passa por enormes mudan- ças no mundo todo. Vamos ter de encontrar uma solu- ção. Penso que o varejo, em um futuro muito próximo, se já não o é, será um showroom de produtos. Vai exibir um produto para você olhar bem, tocar, ver se é leve ou se é pesado, se a cor é aquela de que você gosta, se ele abre para a esquerda ou para a direita, para cima ou para baixo. E o fabricante pagará a esse estabelecimento para expor seu produto. Já a compra será toda feita pelo comércio eletrônico e pelo menor preço. O varejo será o local em que pouca coisa será entregue diretamente ao consumidor. Na internet, você vê imagens, vê uma série de coisas, mas, no caso de uma geladeira, por exemplo, você pode até ver uma foto, saber as dimensões. Porém, observar a distância entre prateleiras em uma imagem é diferente de ver pessoalmente. E quem compra uma geladeira vai querer mais informação além disso. Para isso que existirão as lojas. E, em minha opinião, isso vai acontecer com todos os estabelecimentos comerciais, exceto os supermercados. Quando você observa a história da Cultura, há sauda- de de algo que foi vivido? Não saudade propriamente dita, mas diria que tenho gratas recordações de quando éramos reconhecidos por entender o que os leitores que- riam. Entendíamos a linguagem que eles falavam. A gente tenta fazer isso, mas hoje acho que inverteu a situação. Atualmente, nós dizemos o que o cliente quer. Sabe, ele não tem tanta noção do que está querendo e busca um conteúdo pronto. Então inverteu um pouco esse papel. Acho que o nosso time aqui é muito bem preparado, apto a informar o consumidor. E qual é o principal legado desses 70 anos de história e o legado que você deixará? Vou dizer em uma resposta muito rápida: o legado que herdei e deixo é não se esque- cer da palavra compromisso. A empresa tem compromis- so com seu cliente e continuará tendo. E compromisso é um palavrão erradicado do vocabulário nacional. Mas aprendi e ensinei a tê-lo. Talvez por ter sido escoteiro, e um dos lemas do escotismo é: “O escoteiro tem uma só palavra se uma honra vale mais do que a própria vida”. Aprendi isso quando era moleque. Não preciso do contra- to, é só uma formalidade. O que combinarmos de palavra será cumprido. E, se não cumprirmos por alguma razão, pagaremos as consequências. c O LEGADO QUE HERDEI EDEIXO É NÃO SE ESQUECER DA PALAVRA COMPROMISSO. A EMPRESA TEM COMPROMISSO COM SEU CLIENTE E CONTINUARÁ TENDO. E COMPROMISSO É UM PALAVRÃO ERRADICADO DO VOCABULÁRIO NACIONAL. MAS APRENDI E ENSINEI A TÊ-LO.” 27 O LEGADO QUE HERDEI E DEIXO É NÃO SE ESQUECER DA PALAVRA COMPROMISSO. A EMPRESA TEM COMPROMISSO COM SEU CLIENTE E CONTINUARÁ TENDO. E COMPROMISSO É UM PALAVRÃO ERRADICADO DO VOCABULÁRIO NACIONAL. MAS APRENDI E ENSINEI A TÊ-LO. 28 Um mUndo qUe mUda mUito e a mUitos mUda Fatos e obras que marcaram o brasil e o exterior desde a Fundação da livraria cultura, 70 anos atrás p o r J r . B e l l é | linha do tempo | A Livraria Cultura é fundada por Eva Herz. O negócio consistia inicialmente em alugar livros para a comunidade alemã em seu idioma natal. Em 14 de maio, o Estado de Israel se torna independente e, pouco depois, em 9 de setembro, acontece a independência da República Popular Democrática da Coreia, mais conhecida como Coreia do Norte. 19 4 8 George Orwell lança, em 8 de junho, uma das mais importantes obras do século, a distopia 1984. Em 1° de outubro, é criada a República Popular da China, que, a partir de então, aos poucos, começaria a tornar-se uma potência militar e econômica. 1949 Em 15 de agosto, a Índia finalmente declara a independência do Reino Unido. 1947 fo to s l iv r a r ia c u lt u r a : a r q u iv o d a e m p r e s a fo to s g e r a is : w ik im e d ia c o m m o n s 29 Entre meados de 1954 e começo de 1955, J. R. R. Tolkien publica, em três volumes, um livro divisor de águas, O senhor dos anéis. Getulio Vargas, pressionado pelos militares, que exigiam sua renúncia, suicida-se com um tiro no coração. O poeta chilena Pablo Neruda publica seu mais célebre livro, uma ode à história da América do Sul, Canto geral. Dois anos depois da independência da Coreia do Norte, começa a Guerra da Coreia, colocando frente a frente Estados Unidos e Reino Unido, de um lado, e China, do outro. Um armistício assinado em 1953, e em voga até hoje, colocou fim aos conflitos, que ainda separam as duas Coreias. Os negócios prosperam e Eva Herz dedica um espaço de sua casa na Rua Augusta, centro de São Paulo, para a então pequena Livraria Cultura. Porém, a família deixa de realizar a locação de livros e passa a vendê-los, incluindo também títulos de literatura brasileira. 1953 1954 Em 1° de novembro, uma nova guerra começa, desta vez no Vietnã. Em 29 de julho, na Suécia, a Seleção Brasileira de futebol conquista o primeiro de seus cinco títulos mundiais. Marrocos torna-se um reino independente da França em 2 de março. Dezoito dias depois, a Tunísia declara independência. No Leste Europeu, irrompe a Revolução Húngara contra o governo soviético, na tentativa de abandonar o Pacto de Varsóvia. 1956 1955 1958 1950 30 Em 1° de janeiro, o Movimento 26 de Julho entra em Havana e vence a Revolução Cubana, destituindo o ditador Fulgencio Batista e empossando Fidel Castro. Em 21 de abril, é inaugurada, no coração do país, a nova capital brasileira, Brasília. Tropas da URSS invadem a Tchecoslováquia e põem fim à Primavera de Praga. Yuri Gagarin torna-se o primeiro homem a ir ao espaço, no dia 12 de abril. Os Estados Unidos da América, descontentes com a vitória da Revolução Cubana, fracassam ao tentar invadir a Baía dos Porcos. A tentativa deu início à Crise dos Mísseis, o ponto mais perigoso para um conflito nuclear durante toda a Guerra Fria. No dia 1° de abril, o presidente do Brasil, João Goulart, é derrubado pelos militares, colocando em marcha um golpe militar que mergulharia o Brasil em 21 anos de ditadura. No dia 9 de outubro, nas matas da Bolívia, Che Guevara é executado. 1959 | linha do tempo | 1960 1963 1964 1961 Em 22 de novembro, o presidente dos EUA, John F. Kennedy, é assassinado com um tiro à distância, em Dallas, no Estado do Texas. Em maio, Gabriel García Márquez lança a mais notória obra do realismo fantástico já escrita, Cem anos de solidão. Em 15 de março, nosso país muda de nome, deixa de ser República dos Estados Unidos do Brasil e passa a se chamar República Federativa do Brasil.1967 Nobel da Paz e mais proeminente líder negro da América, Martin Luther King Jr. é assassinado a tiros em Memphis, aos 39 anos. A Revolução de Maio, iniciada nas universidades de Paris e apoiada por uma greve geral, sacode não só a França, mas toda a Europa. 1968 fo to s l iv r a r ia c u lt u r a : a r q u iv o d a e m p r e s a fo to s g e r a is : w ik im e d ia c o m m o n s 31 A Revolução dos Cravos põe fim, em 25 de abril, à ditadura em Portugal. Isabelita Perón é deposta e a Argentina entra em um sangrento período de ditadura militar. Após os escândalos de Watergate, Nixon renuncia à presidência dos Estados Unidos. Salvador Allende é eleito, em 24 de outubro, presidente do Chile. Trata-se do primeiro chefe de Estado marxista eleito democraticamente no mundo. Em 11 de setembro de 1973, Allende é deposto e assassinado em um golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet. Entre 15 e 17 de agosto, acontece no EUA o mais importante festival de rock da história, o Woodstock. É o fim das Guerras Coloniais portuguesas, com a independência de Cabo Verde, em 5 de julho; de São Tomé e Príncipe, em 12 de julho; de Moçambique, em 25 de julho; de Angola, em 11 de novembro; e do Timor-Leste, em 28 de novembro. Pedro Herz assume o comando da Livraria Cultura, com 29 anos, e, neste mesmo ano, realizando o sonho de sua mãe, a loja muda para o Conjunto Nacional. Também neste ano, a livraria adota um de seus símbolos: o móvel redondo, de madeira, que permite uma melhor exposição dos livros. Neil Armstrong é o primeiro homem a pisar na Lua, em 20 de julho, como comandante da Apollo 11. 1969 19 7 0 1974 1975 A Livraria Cultura abre três filiais na cidade de São Paulo: na estação São Bento do metrô, na PUC-SP e na Rua Turiassú. Nenhuma delas opera hoje. Neste mesmo ano, a 27 de abril, começa a ser distribuído gratuitamente o Livraria Cultura Impressa, o primeiro jornal sobre livros e lançamentos. 1976 32 | linha do tempo | O poeta brasileiro Augusto de Campos, um dos criadores da mais disruptiva vanguarda artística brasileira, o concretismo, lança sua principal obra, Viva vaia. 1979 No dia do aniversário de São Paulo, 25 de janeiro, um dos maiores comícios da história do Brasil acontece na Praça da Sé em prol das Diretas Já. Em 26 de abril, acontece o acidente nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. Entre 27 de abril e 5 de julho, a China é abalada por inúmeras manifestações estudantis que acontecem na Praça da Paz Celestial. 1984 1986 No dia 5 de outubro, é promulgada a nova Constituição Brasileira, apelidada de Constituição Cidadã. Após 21 anos de ditadura, o Brasil elege democraticamente um presidente, Fernando Collor de Mello. Em 9 de novembro, cai, enfim, o Muro De Berlim. Pouco mais de um mês depois, os presidentes George H. W. Bush e Mikhail Gorbachev anunciam o fim da Guerra Fria. 1988 Neste ano, a Livraria Cultura contava com 40 colaboradores, sendo 18 livreiros especializados por área. Hoje, são mais de 1.500 colaboradores. A Livraria Cultura inova ao lançar o Disk Livros. A empresa pagava a ligação e fazia a entrega dos livros em até 48 horas para os clientes que fizessem o pedido por telefone. 1989 1990 Em 17 de janeiro, começa a Guerra do Golfo, que acabaria pouco depois, em 28 de fevereiro. No dia 25 de dezembro, o líder soviético Mikhail Gorbachev renuncia ao cargo, dando volume a uma grave crise, que culminaria, em 31 de dezembro, com o fim da URSS. Iniciado em 1948, o regime de apartheid é extinto na África do Sul.1991 fo to s l iv r a r ia c u lt u ra : a r q u iv o d a e m p r e s a fo to s g e r a is : w ik im e d ia c o m m o n s 33 Em 29 de setembro, o presidente Fernando Collor de Mello sofre um impeachment. J. K. Rowling, em 26 de junho, lança um dos maiores best- sellers da história da literatura: Harry Potter e a pedra filosofal. José Saramago recebe o Prêmio Nobel de Literatura, até hoje o único atribuído a um autor que escreve em língua portuguesa. Em outubro, a Livraria Cultura torna-se a primeira empresa brasileira a vender livros pela internet. Inauguração da loja do Shopping Villa Lobos, a primeira da Livraria Cultura dentro de um shopping center. Em seu aniversário de 50 anos, a Livraria Cultura lança o primeiro Café Filosófico, conceito que se popularizou na televisão nos anos seguintes. Lançamento do Livraria Cultura News, continuação do projeto Cultura Impressa, comandado por Pedro Herz. 1995 1997 1998 1992 Nelson Mandela, após ter sido libertado da prisão e vencer o Prêmio Nobel da Paz, é eleito o primeiro presidente negro da África do Sul. Em San Marino, no dia 1° de maio, Ayrton Senna sofre um acidente fatal na curva Tamburello. No dia 1° de julho, entra em circulação a nova moeda brasileira, o real.1994 Em 26 de março, Vladimir Putin é eleito presidente da Rússia, cargo que ocupa até hoje. 2000 No dia 11 de setembro, as torres do World Trade Center, em Nova York, desabam após serem atingidas por dois aviões. O Pentágono, em Washington, também é atacado e um quarto avião é abatido. Os ataques terroristas são atribuídos ao saudita Osama Bin Laden. 2001 34 | linha do tempo | Em 7 de janeiro, debaixo de protestos, o euro entra em vigor, substituindo moedas de 12 países da União Europeia. Após 38 anos de ocupação, as tropas do Reino Unido deixam a Irlanda do Norte e passam o poder para as autoridades locais. Em 22 de novembro, Angela Merkel, maior liderança do Partido Democrata Cristão, é eleita chanceler da Alemanha e torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo na história do país. Em 20 de janeiro, Barack Obama toma posse como primeiro presidente negro da história dos EUA. 2002 2005 Inauguração da loja da Livraria Cultura em Porto Alegre, a primeira fora da cidade de São Paulo. Nessa década, a Cultura expandiria sua rede, inaugurando outras sete lojas. É inaugurado o Teatro Eva Herz dentro da loja do Conjunto Nacional. Com isso, a Cultura passa a oferecer múltiplas opções culturais e de entretenimento no ambiente da loja. Atualmente, o Teatro Eva Herz está presente nas seguintes lojas: Conjunto Nacional-SP, Shopping Iguatemi-Brasília, Salvador Shopping, Shopping Curitiba e Cine Vitória-RJ. Em 14 de abril, o Projeto Genoma consegue mapear 99% do DNA humano.2003 Após anos de perseguição pela ditadura, o ex- guerrilheiro tupamaro José Mujica é eleito presidente do Uruguai. Em 18 de dezembro, tem início uma série de insurreições populares em inúmeros países. Começa a chamada Primavera Árabe. A Livraria Cultura lança e inicia a distribuição gratuita do tabloide Cultura Indica, que une, até hoje, conteúdos relevantes com indicações de produtos, modelo pioneiro na categoria. Em seu aniversário de 60 anos, a Livraria Cultura renova sua identidade visual, lança o periódico Cultura da Gente e inicia, em agosto, a publicação e distribuição gratuita da Revista da Cultura, uma de suas marcas mais queridas até hoje. Neste ano, a empresa também constrói a grande loja no espaço do antigo Cine Astor, no Conjunto Nacional, em São Paulo. Nasce assim a maior livraria do Brasil.2007 2009 2010 fo to s l iv r a r ia c u lt u r a : a r q u iv o d a e m p r e s a fo to s g e r a is : w ik im e d ia c o m m o n s 35 Em 26 de novembro, o congresso colombiano referenda o segundo acordo de paz entre o Estado e as Farc, colocando fim a 52 anos de guerra civil. Em 31 de agosto, Dilma Rousseff, a primeira mulher a assumir a Presidência do Brasil, sofre um impeachment. Michel Temer assume o cargo. Osama Bin Laden, fundador e líder da Al-Qaeda, é morto em uma operação militar dos EUA no Paquistão, em 1° de maio. Em 14 de março, a ciência dá um passo crucial e prova a existência da partícula de Deus, o bóson de Higgs. A Cultura inaugura sua loja de venda de obras de arte: a Galeria Cultura. Valorizando cada vez mais sua crença no poder transformador do conhecimento, a Livraria Cultura lança o Cultura em Curso, sua escola de cursos livres. 2011 Em 28 de setembro, a Nasa anuncia a descoberta de água líquida em Marte. Barack Obama e Raúl Castro apertam as mãos durante encontro histórico na 7ª Cúpula das Américas, no Panamá, e iniciam o processo para o fim do embargo à ilha. 2015 Inauguração da Geek. Etc.Br, a loja da Livraria Cultura especialmente focada em cultura geek. Também neste ano ela lança a linha Cultura Inspira, marca própria de produtos. A Livraria Cultura dá um importante passo em direção à leitura digital ao firmar parceria exclusiva com a Kobo. Na época, foi a primeira livraria do Brasil a disponibilizar recursos para a leitura de e-books. Inauguração da loja do Cine Vitória, no Rio de Janeiro, a primeira loja de rua no centro antigo do Rio de Janeiro. O lugar, que no passado abrigou o famoso Cine Vitória, foi totalmente restaurado para receber a loja da Livraria Cultura. 2012 Em 2016, a Cultura aplica bastante foco em levar as mesmas experiências que o consumidor tem nas lojas para o universo digital e com isso lança seu canal de conteúdo no YouTube, o Canal da Cultura, que conta com indicações de produtos feitas diretamente pelos vendedores, e com o programa semanal Sala de Visita, no qual Pedro Herz entrevista grandes personalidades do universo da cultura. Neste ano, a livraria promove mais de 1.600 eventos gratuitos em suas lojas. 2013 2016 A Lava Jato, maior operação anticorrupção levada a cabo no Brasil, segue denunciando e prendendo políticos e empresários. Em 19 de julho, a Cultura anunciou a compra da Fnac Brasil, rede varejista de livros e produtos eletrônicos, expandindo seu número de lojas e a presença no país, além do leque de produtos, tendo sempre a qualidade como foco principal. 2 0 17 36 p o r c l a r i a n a z a n u t t o Durante as DécaDas De 1970 e 1980, a cultura foi ponto De encontro De consagraDos escritores e intelectuais que se reuniam semanalmente para conversar sobre assuntos Diversos e beber; hoje, DécaDas Depois, os momentos enriqueceDores para autores e clientes ainDa são a marca Da empresa Parada obrigatória | personagens na cultura | fo to : r o b s o n f e r n a n D e s fo to : t h e r e za c h r is ti n a m o tt a 37 Parada obrigatória P a r a m u i t o s , vender livros é apenas um t i p o d e c o - mércio como qualquer ou- tro: você entra em uma loja, escolhe o que vai levar, paga pelo produto e ponto final. Acaba aí a experiência de com- pra. Quem pensa dessa forma não conhece a Livraria Cultura, que neste mês de setembro completa 70 anos. A cultuada marca come- çou sua história quando Eva Herz, mãe de Pedro Herz, atual Presidente do Conselho Administrativo da rede, teve a ideia de abrir um serviço de aluguel de livros em sua pró- pria casa, no bairro dos Jardins, em São Pau- lo, e hoje oferece ao seu público, espalhado por todo o Brasil, uma jornada cultural com- pleta, que vai desde o primeiro momento em que um livro é folheado, passando pela ar- quitetura das lojas, seu imenso acervo, seus teatros e auditórios, chegando ao café e seus eventos gratuitos. E, durante os 70 anos de existência, o mais natural é que ela tenha mudado bastante des- de sua abertura – como a transição de alugar livros para vendê-los, se transformar em uma livraria instaladaem um sobrado na Rua Au- gusta, mudar de endereço para o Conjunto Nacional e expandir suas lojas primeiro para a cidade de São Paulo e depois para o resto do país, até anunciar muito recentemente a com- pra da Fnac Brasil. Isso tudo se adequando a cada época em que vivemos, mas sem nun- ca perder a sua essência: acreditar no poder transformador da informação e da cultura. É disseminando conhecimento que as mais incríveis experiências culturais aconte-Caio Fernando Abreu autografa Ovelhas negras em julho de 1995; na página ao lado, de cima para baixo, o encontro dos escritores Marcos Rey, Ignácio de Loyola Brandão e Mário Prata; Eva e Pedro Herz no lançamento de Uma vida entre livros, de José Mindlin, em novembro de 1997 fo to : r e n at a j u b r a n 38 cem, como descobrir um novo autor que vira o seu favorito, aceitar uma indicação de um livro de um estilo que você não pensaria em ler, mas, depois de devorá-lo, passa a gostar, ou embarcar em conversas sobre literatura, arte e cultura e só lembrar que é hora de ir para casa quando já anoiteceu. E olha que a Cultura já abrigou inúmeros papos literários nesses anos de vida, incluindo nessa lista ami- gos e grupos de leitores, escritores e artistas. Foi nos anos 1970 e 1980 que um célebre grupo de escritores marcou a história da Li- vraria Cultura. No chamado Sábado Cultura, autores como Marcos Rey, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, Caio Fernando Abreu e Ignácio de Loyola Brandão, entre muitos ou- tros, se reuniam em frente à loja para papear, falar sobre novos lançamentos de livros e do cinema, fofocar e petiscar, ou seja, curtir a vida da melhor forma possível: passando um tempo com os amigos! Loyola lembra essa época com carinho: “O Sábado Cultura era sagrado. As pessoas apareciam aos poucos. Mário Chamie, Ives Gandra Martins, Gil- berto Mansur, Marcos Rey e sua mulher Pal- ma [Bevilaqua], Lygia Fagundes Telles, Ana Maria Martins, Ivan Ângelo, Wladir Nader (da Revista Escrita). Paulo Bomfim eventual- mente, Joyce Cavalcanti, Roniwalter Jatobá, Ricardo Ramos... Íamos puxando mesinhas e cadeiras de uma lanchonete que existia em frente à livraria. Gell’s era o nome, se não me engano. Falávamos de livros recém- lançados e a lançar, fofocávamos, discutía- mos cinema, filávamos [líamos de graça] li- vros da livraria, metíamos o pau na ditadura. Ao meio-dia o encontro estava no auge. Ives Gandra ia até a lanchonete e voltava com uma bandeja de salgadinhos, isso era ritual quase religioso”. Jose Carlos Honório, escritor, psicanalis- ta e curador da Livraria Cultura há 35 anos – um dos livreiros mais queridos que a mar- ca teve e tem em sua história –, participava desses encontros ao lado de Loyola e com- panhia. “Quando comecei a trabalhar, com 18 anos, na Cultura, pude entrar em contato com todos aqueles escritores que eu lia. A loja sempre foi essa efervescência: como marca, como referência, como encontro, como lugar | personagens na cultura | Um dos animados Sábado Cultura; Orlando Villas-Bôas em uma comemoração na livraria; o rabino Henry Sobel na sessão de autógrafos do livro O judeu na década de 80 fo to : a r q u iv o l iv r a r ia c u lt u r a fo to : t h e r e za c h r is ti n a m o tt a fo to : a r q u iv o l iv r a r ia c u lt u r a 39 onde as pessoas interessantes e formadoras de opinião se encontravam. Até geograficamen- te falando, como ela era na Paulista, ajudava muito, então todo mundo se encontrava ali, e eu comecei a beber muito rápido dessa convi- vência. Todo esse povo vinha aos sábados e a gente conversava muito. Era tipo um grupo. Ficavam em várias mesas em frente à loja be- bendo cerveja, tomando vinho, conversando sobre literatura, e isso sempre me interessou muito, essas inquietações humanas.” Loyola não cansa de recordar os ótimos momentos que passou nesses encontros. Conta que uma vez “houve um momento de encanto: apareceu a Tereza Collor, chamada na época de musa do impeachment, e sen- tou-se à mesa, ao lado de Lygia. Ocasionais foram Hernani Donato, boa conversa, histo- riador cheio de causos; Bruna Lombardi, a dramaturga Consuelo de Castro, Hilda Hilst. À determinada hora, anunciava-se: o homem chegou. Olhávamos e víamos um bando de seguranças postando-se em locais estratégi- cos nos corredores. Formavam um verdadeiro cordão. E então o velho Sebastião Camargo [fundador da construtora Camargo Corrêa], cachimbo na boca, surgia no Conjunto Na- cional, entrava na livraria e demorava-se um tempão escolhendo livros. O jornalista Muri- lo Felisberto, diretor de redação do Jornal da Tarde em seu período de esplendor, era um dos habitués. Ele chegava com um pacote de jornais e revistas estrangeiros debaixo do bra- ço, mas não se aproximava do grupo. Olhava de longe, chamava Gilberto Mansur. Depois chamava Ivan Ângelo. Se o Nirlando Beirão estava, tinha também seus cinco minutos. Conversa em segredo entre mineiros. Em se- guida, Murilo desaparecia, não se misturava”. NOVA SAFRA A Livraria Cultura, além de recepcionar as pratas da casa nessas conversas e em lan- çamentos de livros, sempre recebeu escrito- res internacionais, impressionados com seu acervo e arquitetura única. “Lembro que a gente conhecia muito escritor que vinha de fora. Quando o Gore Vidal esteve na livraria, eu tenho até um livro bem bacana autogra- fado por ele, causou um frisson. O Fritjof Jose Carlos Honório autografa seu livro No Deus-que- o-diga dos dias; a atriz no lançamento de Fernanda Montenegro – O exercício da paixão, em 1990; bate-papo com José Saramago durante visita do escritor, em 2008; Gore Vidal é recebido por Décio Pignatari, Pedro Herz e Luiz Schwarcz, em 1987 fo to s : a r q u iv o l iv r a r ia c u lt u r a 40 | personagens na cultura | Capra também, o ‘tal da física’. As escada- rias ficaram tomadas com gente querendo autógrafo dele. O Saramago então... Vem sempre muita gente!”, relata Jose Carlos. O curador e psicanalista, entre o atendimento de uma consulta e seu trabalho na Cultura, nunca deixou de papear com os escritores, que continuam frequentando a loja com fer- vor. “Às vezes encontro o Ruy Castro, que eu adoro, e é casado com a Heloísa Seixas, também uma escritora maravilhosa. Adélia Prado, que mora em Minas e é maravilhosa, o Loyola vem muito e a gente conversa bas- tante, José Nêumanne, que eu adoro e é um grande poeta. O Milton Hatoum vem mui- to, o Marcelo Rubens Paiva... No Nordeste a gente perdeu o Ariano Suassuna, mas tem o Abel Menezes. O Scliar vinha bastante. Hoje, ao redor do Brasil, tem a Lia Luft, o Fabrício Carpinejar, o Cristovão Tezza, o Trevisan, o Raduan Nassar, o Rubem Fonseca, o Alfon- so Romanini Santana, a Marina Colasanti, o Contardo Calligaris...” O jornalista, biógrafo e escritor Ruy Cas- tro, frequentador assíduo da Cultura, enche a boca para falar que, durante 1979 e 1995, época em que morou em São Paulo, não ficou sem visitá-la nem por uma semana. “Calculo ter deixado em seu caixa o equivalente a um ou dois apartamentos. E quer saber? Valeu a pena! Sempre foi a livraria pela qual as outras se mediram. Ela tem uma coisa fundamental: seus funcionários gostam de livros, gostam de ler, podem conversar com os fregueses sobre literatura ou qualquer assunto. O cliente sen- te-se em casa. Imagino a quantidade de es- critores e intelectuais que a Cultura formou, por causa de seus livros e de seu atendimento. Talvez eu seja um desses casos.” A escritora e tradutora Lya Luft, que mora pertinho da Cultura do Shopping Bourbon Country, em Porto Alegre, confessa que não sai da loja. “Somos vizinhos e estou lá sempre, como todos na família. Todos os meus lança- mentos são lá! A Cultura é especial e se afir- mou como especial no país. Uma coisa que muito me agrada é a qualidade, formação e gentileza dos funcionários em atender, infor- mar, orientar, encomendar o que às vezes não tem na loja.” O diretor Gabriel Villelae a atriz Regina Duarte, em janeiro de 1997; Cláudio Willer lança seu livro Volta, em novembro de 1996; Domenico Calabrone e a escritora Lygia Fagundes Telles, em junho de 1989 fo to : f e r n a n D o a r e ll a n o fo to : t h e r e za c h r is ti n a m o tt a fo to : a r q u iv o l iv r a r ia c u lt u r a 41 Já a também escritora Patrícia Melo é ou- tra apaixonada pela Cultura, espaço que já lhe proporcionou grandes emoções. “São incon- táveis os bons momentos que passei na Livra- ria Cultura. Foi onde fiz a maioria das noites de autógrafos de meus romances. Lembro que em uma noite de autógrafos de um amigo conheci o Paulo Francis, que estava de passa- gem pelo Brasil. Eu havia acabado de publicar Acqua toffana e o Francis o havia elogiado na sua coluna de jornal. Quando me apresentei, ele me disse daquele seu jeito inimitável e personalíssimo: ‘A sua aparência não condiz com sua literatura’.” Frequentador assíduo, o que não falta para Loyola são boas histórias sobre o es- paço. “Conheço a livraria quase do tempo em que dona Eva alugava livros em alemão. Segui seu crescimento, suas divisões seg- mento a segmento. Uma vez, Pedro [Herz] inventou um lançamento de 12 horas para meu livro O ganhador. Cheguei ao meio-dia e saí à meia-noite. Foi calmo, sem filas e as- sinei quase 400 livros. No lançamento de O verde violentou o muro, em 1985, olhando a extensa fila, vi uma velha senhora lá no fim. Falei com Pedro e ele foi buscá-la dizendo que podia passar à frente [estávamos criando a prioridade por idade]. A mulher recusou: ‘Estou aqui, converso com as pessoas, tomo um vinho, estou me divertindo. Se ele assina meu livro, pego e vou para casa assistir à te- levisão? Nem pensar’. A fila andava e ela vol- tava ao último lugar. Ficou até o final da noi- te. Em 1978, quando lancei o Cuba de Fidel, relato de uma viagem para lá, a livraria mais do que lotou. Depois de A ilha, de Fernando Morais, era o segundo livro que reportava aquele país. Vendeu mais de 400 exemplares. Anos depois, quando o secretário de Cultu- ra Marcos Mendonça liberou os arquivos do Dops [Departamento de Ordem Política e Social], recebi minha ficha e ali havia o se- guinte comentário do policial de plantão: ‘O lançamento foi um fracasso, havia uns pou- cos gatos pingados, todos de esquerda’.” Por tudo isso que foi contado, não deixe de ficar de olho: quem sabe o próximo grupo de escritores não está se encontrando neste exa- to momento em uma das lojas da Cultura? c Fernando Henrique Cardoso, ainda senador, em 1992; o antigo visual da Cultura no Conjunto Nacional fo to s : a r q u iv o l iv r a r ia c u lt u r a | coluna | clarice niskier VIVÊNCIAS Q uando chego ao Rio de Janeiro via Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão, passo obrigatoriamente por uma livraria (todos passam, com a nova reforma), e nessa li- vraria há um banner publicitário no qual está escrito a célebre frase do escritor Jorge Luis Borges: “Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca”. Sigo para o portão de desembarque, imaginando o escritor bem acomodado em uma nuvem- poltrona, cercado de livros por todos os lados, milhares de páginas à sua disposição, lendo tudo o que deseja, es- crevendo poesias, sem nenhum problema de tempo ou de espaço. No paraíso há noites e dias? Lê-se à luz de velas? Há luz elétrica? Enfim, questões práticas à parte, sempre que saio do Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura, em São Paulo, após uma apresentação da peça A alma imoral, te- nho vontade de ficar na livraria, pois ela é bem atraente também fora do horário comercial. Os livros em silên- cio me olham, eu olho para os livros em silêncio, há uma cumplicidade sedutora no ar. Sinto uma vontade irresis- tível de ficar ali, como se ali pudesse ser o meu quarto de dormir. Pediria um delivery, estenderia um colchonete, avisaria à família – “vou dormir na livraria, amanhã eu volto” –, e passaria a noite ali, folheando tudo aleatoria- mente, sem limite de tempo ou de espaço. Vivenciaria a curiosidade na sua máxima potência. Um dia, comentei com um dos seguranças (sem segundas intenções... rsrs): “Meu sonho é passar a noite aqui”. Ele riu e disse: “Tem noites que um ou outro livro cai sozinho da estante”. “Jura? Deve ser o Jorge Luis Borges, esse menino tem jei- to não.” A Livraria Cultura tem um quê de biblioteca. Não somos meros consumidores. Somos consumidores-leito- res, temos direito ao tempo. A crise no país perturbou esse fluxo de apreciação, em clima pacífico e reflexivo. Toda crise econômica e política magoa a cultura. E, no nosso país (e no mundo), quanto mais pessoas puderem desfrutar de um paraíso, tanto melhor. Mas há muito que comemorar. A valentia é grande: a livraria completa 70 anos. Sabem o que é uma livraria no Brasil completar 70 anos? Sou carioca, vi uma das maiores livrarias da ci- dade não suportar a pressão e fechar (depois reabrir): a Leonardo da Vinci. Uma livraria muito importante para mim na adolescência. Ali, detectei minha ansiedade vo- raz. Quando entrava na Da Vinci, ficava tão encantada e perturbada que não dava conta. Queria ler tudo, comprar tudo, não sabia escolher. Não tinha calma para pesquisar. E, na adolescência, para cada linha de livro que lia, sentia vontade de escrever um catatau de mil linhas nos meus cadernos espirais (de onde tirei essa palavra, catatau? Memória dos anos 1970). A Da Vinci, com suas estantes gigantescas, seu acervo infinito, seus labirintos, e clima de livraria do mundo, me dava uma sensação de potência- impotência muito grande. Aliás, essa é a sensação que os livros me dão. Tudo posso. Nada posso. Eu tinha vontade de escrever mais de um milhão de palavras por dia para dar conta de tudo o que os livros me inspiravam. Era mui- to jovem. Não sabia elaborar tantas coisas ao mesmo tem- po. Então, o melhor era não ir muito à Da Vinci. O teatro curou essa ansiedade. Aprendi a escutar os livros, apreciá- los, conversar com eles, e não somente devorá-los, ras- gá-los com meus olhos, como um bode-leitor que come pedras e escrituras. Um dia, a história com a Da Vinci se fechou na Cultura. Explico: estreei A alma imoral, no Teatro Eva Herz, a convite de Dan Stulbach, em 2008. A primeira temporada foi até 2011. Nesse período, conhe- ci Pedro Herz, dono da livraria, por quem tenho grande admiração; conheci André Acioli, que hoje é o diretor artístico do teatro. Gosto tanto de sua maneira de traba- lhar e pensar que recentemente dirigimos juntos a peça A cabala do dinheiro, em cartaz no mesmo Teatro Eva Herz; conheci o público paulista, com quem travo uma história de amor; conheci a Revista da Cultura. A alma imoral retornou em 2014 e segue em cartaz até hoje. Estreitei os laços com Gustavo Ranieri, editor da Revista da Cultura. ilu s tr a ç ã o : d a n ie l b u e n o 42 43 Neste ano, passei a escrever para a Revista, fortificando os laços de confiança entre nós. Em resumo: há seis anos fre- quento a livraria semanalmente. Acompanho a dinâmica de arrumação dos livros, que se reagrupam numa dança genial pelas estantes e balcões, o que estimula a imagi- nação, e vai dando a eles novos sentidos, pois onde esti- verem, ou ao lado de que títulos estiverem, são mais ou menos perceptíveis ou desejáveis. Estou sempre a par dos lançamentos, independentemente dos jornais, das redes sociais ou revistas. Sinto um prazer enorme em descobrir livros, CDs e DVDs (sim, eu compro CDs e DVDs). Os próprios livros te ensinam a achar outros livros. É a in- dependência intelectual necessária. Livraria é um ótimo lugar para desenvolver autonomia emocional. Um dos livros “descobertos” foi A era das máquinas espirituais, de Ray Kurzweil. Flanava distraída quando o encontrei numa seção destinada a livros de matemática. O autor é bem conhecido, mas, confesso, não sabia nada sobre ele, nem sobre o livro. E foi com esse livro nas mãos que tive uma epifania: “Clarice,você não é mais a menina ansiosa da Da Vinci. Já sabe escolher um livro entre os milhares que existem. Não pensa mais no que vai perder ao deixar todos os outros entregues ao próprio destino. Só pensa no que vai ganhar ao ler o livro que tem nas mãos”. Só tenho a agradecer. E lançar um viva! à bravura de Pedro Herz e da família Herz por manter o Teatro Eva Herz aberto. Algumas pessoas perguntam: a Clarice vai ficar no tea- tro para sempre? Por mim, eu ficaria. Mas “para sempre é sempre por um triz”, como canta Milton Nascimento. Brinco com os amigos que dona Eva Herz deve gostar bastante de A alma imoral. Do pouco que sei, foi a partir de uma ideia dela, de alugar livros para ajudar a família a sobreviver, que nasceu a semente da livraria. O tema obe- diência-desobediência lhe deve ser caro. Aliás, quando cheguei em 2008 com A alma imoral a SP, tinha o apoio cultural de outra livraria da cidade. Apoio esse acolhido pelo Pedro Herz (a logomarca entrou no material gráfico da peça), assim como foi acolhida pela outra livraria a mi- nha estreia na Cultura. Coisa de gente grande. Que possa- mos manter aberta essa estrada do diálogo, da tolerância, da arte e dos afetos. E que o país possa ter suas livrarias, bibliotecas, seus paraísos. É hora de sonhar novamente. Que eu possa um dia passar a noite na livraria. c ClariCe Niskier É atriz e sonHa eM adaPtar uM Catatau de liVros Para o teatro. p o r R e n a t a V o m e R o i l u s t r a ç õ e s f i d o n e s t i em sete décadas de história, a livraria cultura já mudou de endereço, se modernizou, abriu várias lojas, comprou uma outra empresa do varejo, abraçou as novas tecnologias e se mantém com um olho bastante atento às tendências do mercado. Quais mudanças fizeram parte desta trajetória? De lá para cá | curiosidades | 44 45 É bem provável que você, leitor desta revista e clien- te da livraria, já esteja bem antenado a respeito da história da Livraria Cultura. O que você não imagina, ou possa até imaginar caso esteja acompanhando a trajetória da empresa há mais tempo, é que mui- ta coisa mudou nesses 70 anos. Principalmente a partir dos anos 1960, com a chegada da Cultura ao Conjunto Nacional, transformando-a em ponto de encontro de intelectuais e formadores de opinião e parada obrigatória para visitação na cidade de São Paulo. Desde então, a companhia vem se modernizando e procurando sempre atingir a excelência em atendimento, o que se tornou sua grande marca. Fato é que, nos últimos anos, muita coisa mudou com o advento da tecnologia; além disso, o mercado editorial se profissionalizou e a Li- vraria Cultura se tornou referência em todo o Brasil. Como diz Fernanda Baggio, uma das colaboradoras das antigas: “Antes, nosso atendimento era mais para um chá gostoso na casa da vovó, mas hoje nós temos um banquete, em que todo mundo pode se sentar e se sentir à vontade”. E você? Já pegou seu lugar à mesa? Aproveite para acompanhar a se- guir algumas das curiosidades entre o passado e o presente da livraria. 46 | curiosidades | Como eRa: Os eventos eram or- ganizados de maneira um pouco ar- caica, programados em uma agenda física e sem um padrão imposto às editoras e parceiros. Além disso, qualquer evento exigia uma grande mobilização dos vendedores, o que fazia com que todas as atividades da loja fossem voltadas para aquilo. Como é: Hoje tudo o que aconte- ce é organizado por uma equipe es- pecífica, que se comunica por meio de agenda eletrônica com todas as lojas do país, além de existir um pa- drão desenhado para as editoras e parceiros. As equipes de eventos são as responsáveis pelo monitoramento dessas atividades, fazendo, assim, com que os outros setores da loja não sejam impactados. Como eRa: Na primeira loja na Paulista, entre os anos 1970 e 2000, o único tipo de evento que acontecia eram as sessões de autógrafos e os lançamentos de livros. Como é: Desde então, a Livra- ria Cultura tem uma diversidade de eventos, em que a prioridade é a grande qualidade de conteúdo tra- zido aos frequentadores. Por conta disso, a Cultura se tornou referência não só na comercialização de livros e outros produtos, mas como um polo cultural em cada cidade em que está. eVentos: expeRiênCia do Cliente em loja: Como eRa: Na chegada da Livraria Cultura ao Conjunto Nacio- nal, em 1969, os vendedores se posicionavam atrás de um grande balcão, o que era o padrão do comércio da época. O cliente en- trava na loja, consultava o vendedor, que realizava o atendimento, o cliente comprava e ia embora. Era um sistema mais similar ao que vemos hoje em dia nas farmácias menores. Como é: Atualmente, os espaços da Livraria Cultura são amplos e instigam o cliente a visitar a loja e buscar atendimento apenas quando sente necessidade. A ideia é deixar a pessoa o mais livre e confortável possível. Como eRa: Os funcionários tinham algo que se chamava car- teira de clientes, ou seja, aquela clientela que já era exclusiva de determinado vendedor. Além disso, não era raro os vendedores criarem laços de amizade com os consumidores. Como é: Por conta da política de deixar o cliente o mais confor- tável possível, hoje os vendedores não possuem mais uma cartei- ra de clientes, mas continuam, claro, criando boas relações com aqueles que frequentam a loja. Como eRa: Cada vendedor tinha a sua área de especialização e era conhecido por tal. A grande dificuldade era quando o vendedor atendia alguém que buscava algo que não fizesse parte de sua es- pecialização, sendo necessário pedir ajuda a colegas de trabalho. Como é: O funcionário não deixou necessariamente de ter sua área de especialização, mas agora ele precisa conhecer um pou- co de tudo, mesmo que não tão profundamente. Dessa maneira, não é mais pego de surpresa. Além disso, a Livraria Cultura ofe- rece ao vendedor um sistema rápido de consulta ao estoque e também possibilita o acesso aos sites de pesquisa da internet. 47 Catalogação e estoque: Como eRa: Pode parecer engraça- do, mas até os anos 1990 o estoque era controlado no olho. Sim, você ouviu direito. Sem um sistema de catalogação dos produtos, os ven- dedores eram os responsáveis por esse controle. Como é: Com a grande expansão das lojas, se fez necessário um sis- tema informatizado para o controle de todos os produtos do estoque. Dessa maneira, os funcionários fi- cam em constante comunicação en- tre si e com o centro de distribuição. Ainda assim, o cadastro dos produ- tos é feito no sistema pela equipe de catalogação. pagamentos, entRegas e enComendas: Como eRa: Os pagamentos eram feitos em dinheiro ou cheque e, por incrível que pareça, existia uma espécie de caderneta em que os vendedores anotavam as compras daqueles clientes mais frequentes e muitas vezes cobravam apenas no fim do mês. Era o famoso “bota na minha conta”. Como é: Hoje o cliente paga em cartão, boleto ou dinheiro no ato da compra, mesmo que o produto ainda vá demorar alguns dias para chegar a suas mãos. c Como eRa: Em sua maior parte, todos os serviços eram feitos de forma bastante artesanal. A nota fiscal era preenchida manual- mente, as entregas eram feitas por funcionários da Livraria Cultura e as encomendas efetuadas no máximo por telefone. Infelizmen- te, acontecia de os entregadores sofrerem assaltos e perderam a mercadoria. Como é: Bom, a tecnologia veio para ajudar, não é? Hoje esses serviços são feitos pela internet e as entregas são realizadas por em- presas terceirizadas, que contam com seguro para casos de roubo. Como eRa: As encomendas eram feitas diretamente com o vendedor, que por sua vez anotava em uma agenda e ficava res- ponsável por acompanhar cada passo até a chegada do livro ao cliente. Era ele que separava o produto, contatava o entregador, passava as informações para a entrega e ficava responsável por receber o pagamento. Como é: Se realizado em loja, o vendedor cadastra o pedido no sistema e os outros setores responsáveis já tomam
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