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Literatura infantil é, antes de tudo, literatura _ Revista Emília

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20/04/2019 Literatura infantil é, antes de tudo, literatura | Revista Emília
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Literatura infantil é, antes de
tudo, literatura
POR CRISTIANE FERNANDES TAVARES | 31 DE OUTUBRO DE 2011 | POLÊMICAS E
REFLEXÕES |
“Não sei se alguém pode fazer livros para crianças. Na verdade, ninguém se apresenta como fazedor de
livros “para” adultos. O que me encanta no ato da escrita é surpreender tanto a escrita como a língua em
estado de infância.”(Mia Couto)
 
Graciela Montes – escritora argentina que já publicou inúmeros livros para crianças, recebeu importantes
prêmios e que se dedicou ao estudo da literatura infantil e juvenil – sugere uma necessária “refundação do
gênero literatura infantil na qual comece a pesar menos o infantil e um pouco mais o literário”. Segundo a autora:
“à medida que a literatura cresce, o infantil vai se internalizando. O horizonte já não é tanto a ‘criança ideal’, mas
sim a memória da própria criança interior, da criança histórica e pessoal que fomos”.1
Em meio a avalanche anual de lançamentos para crianças e jovens que lotam as livrarias, é possível encontrar
títulos assinados por autores de grande prestígio na literatura “para adultos” que têm contribuído muito para a
reflexão sobre essa necessária “refundação do gênero” proposta por Montes. Muitos desses autores lançam
livros voltados para o público infantil com textos originalmente escritos para adultos. Analisaremos a seguir como
alguns deles transitam de um público a outro de modo consistente, mantendo traços de sua escrita para adultos
nos textos destinados às crianças, sem perda da qualidade literária.
Quando eu era pequena é o primeiro livro destinado ao público infantil
escrito por Adélia Prado. Publicado em 2006, pela Editora Record, com
ilustrações de Elizabeth Teixeira, recebeu o Prêmio ABL de literatura
infantojuvenil, em 2007. É possível identificar um diálogo claro entre essa
obra e outros textos de Adélia, publicados principalmente em seus livros de
poesia. Há trechos e poemas inteiros espalhados pelo livro e
ressignificados pelo novo contexto em que estão inseridos: a narrativa
poética em primeira pessoa, das lembranças de infância da menina
Carmela. As figuras materna e paterna, por exemplo, bem como a
presença marcante dos avós, são recorrentes na poética da autora e
também têm destaque nestas memórias.
O poema “Solar”, publicado em O coração disparado, de 1978, encontra-se
reescrito nas páginas de Quando eu era pequena: “Um dia estava no quintal vendo o sol bater nas flores de
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abóbora e só pelo cheiro adivinhei o que minha mãe cozinhava para o almoço: arroz, feijão roxinho e molho de
batatinhas. Ela estava cantando e eu fiquei esquisita de tanta felicidade!”. No poema publicado em obra
destinada ao público adulto, temos o mesmo trecho, mas em linguagem condensada: “Minha mãe cozinhava
exatamente:/ arroz, feijão-roxinho, molho de batatinhas./ Mas cantava.”
No primeiro caso, trata-se de uma imagem solar, em prosa poética, construída a partir do recurso da sinestesia –
o leitor é aquecido pelos raios que emanam do texto, visualiza cores, experimenta sabores e aromas, embalado
pelo cantar materno. No poema original, a mesma imagem é decomposta em fragmentos de luz: os versos têm
brilho próprio e compõem um todo também sinestésico.
Esses exemplos nos permitem refletir sobre o movimento suave que a autora realiza ao escrever para públicos
distintos. Longe de representar mera “reescritura adaptada para menores”, as apropriações que Adélia faz de
seus textos anteriores em sua obra infantojuvenil revelam uma concepção especial de criança e de literatura que
merecem atenção. Em entrevista concedida por ocasião do lançamento da obra, ao ser questionada sobre a
diferença entre escrever para um público e outro, Adélia afirmou: “É a mesma diferença entre um vestido para
uma velha senhora e para uma menina, feitos do mesmo pano. Os tamanhos são diferentes, mas o corte e a
costura exigem o mesmo cuidado”.2Isso mostra que, para a autora, o adjetivo “infantil” não se sobrepõe ao
substantivo “literatura”, já que este último contém, por si só, toda substância artística de que é feito o texto, seja
ele destinado a qualquer público. Apesar disso, ainda que a matéria-prima seja a mesma e o trato formal exija
semelhante cuidado, Adélia destaca uma diferença sutil, ao comparar a feitura do texto com a de um vestido: os
tamanhos.
É evidente que, no caso da literatura, o “tamanho” citado pela autora não é sinônimo de quantidade de texto,
pois sabemos que as crianças são capazes de ler ou ouvir leituras extensas e que muitos adultos não se
interessam por livros longos… Uma possível interpretação nos leva a crer que essa diferença de “tamanho”
refere-se a uma consciência de que adultos e crianças são singulares, têm experiências de vida diversas, já que
se encontram em etapas diferentes do desenvolvimento humano, com a ressalva de que devem ser tratados
com o mesmo respeito, já que ambos têm direito à arte em sua forma mais plena.
A qualidade literária de Quando eu era pequena está na união indissolúvel de forma e conteúdo – própria do
discurso literário, em que forma definitivamente também é conteúdo. Ao tratar das memórias de infância de uma
senhora em tom confessional, a prosa poética parte da memória e se expande em imaginação e
fantasia.3 Como a própria autora já afirmou, referindo-se à sua poética “as marcas autobiográficas são inegáveis
– minha fé, minha experiência de filha de ferroviário, de pessoa do interior mineiro – mas espero que tenham
ultrapassado este limite e, literariamente, tenham dado o voo que interessa ao leitor.”4
É este “voo literário” que faz do primeiro livro infantojuvenil da autora um exemplo de que literatura infantil é,
antes de tudo, literatura – aquela linguagem carregada de significado em seu mais alto grau, conforme definiu
Ezra Pound.5Nesse sentido, Quando eu era pequena transborda significâncias e ressignificâncias. A
atemporalidade da memória afetiva, que “guarda o que ama” e é capaz de reinventar sem perder a essência,
ocupa largo espaço nas páginas do livro. O primeiro parágrafo é um ótimo exemplo:
Eu me chamo Carmela. É um nome que não se usa mais, um nome antigo. Quando eu nasci, os nomes
das meninas eram Luzia, Conceição, Clotilde, Rita, Aparecida e Ana. Ângela foi um nome diferente que
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apareceu. Queria muito me chamar Ângela ou Lucinha. Lucinha quer dizer luz pequenina. Não é lindo?
 
Em reflexão sobre o próprio nome, a narradora-personagem situa-se diante do leitor: quem fala tem nome
antigo, mas sabe brincar com isso como se fosse criança de hoje em dia. Gostaria de ter outros nomes e
compartilha suas preferências, convidando o leitor a opinar a partir da pergunta final “não é lindo?”. Se quem fala
por trás desse narrador-personagem é a própria Adélia, pouco importa para o leitor. O que se destaca é a forma
lúdica e poética como ela se apresenta, aproximando-se desse leitor que, afinal, está internalizado, como
sugeriu Montes. A aproximação se intensifica ao narrar episódios como o dos brinquedinhos de ferro construídos
pelo pai – “para toda a vida” – e a alegria de vestiro primeiro uniforme. Trata-se de uma criança interior que
percorre todo o texto, dando, ao mesmo tempo, um tom literário e infantil à obra, sem que um minimize o outro.
Se a memória que guia a escrita é afetiva, não guarda apenas recordações alegres, mas também as tristes.
Afinal, quem disse que tristeza, morte e assuntos complexos não podem fazer parte dos livros destinados às
crianças? Em Quando eu era pequena há trechos tristes e complexos, como o episódio da morte de duas irmãs
por ocasião de um raio que lhes atingiu a casa ou a narração da imensa tristeza do pai com a morte de tia
Severa. Há espaço para todos esses assuntos porque é vasto o campo da memória e amplos os recursos da
arte literária. Alarga os sentimentos e convida o leitor a demorar-se mais em cada cena. Os acontecimentos
narrados adquirem grandeza e universalidade porque a linguagem que os comunica é, antes de tudo, poética.
Como já escreveu a autora em versos do poema “A esfinge”, publicado em O pelicano, 1987: “não quero contar
histórias porque história é excremento do tempo/ queria dizer-lhes é que somos eternos”. As crianças e os
demais leitores da obra terminam a leitura experimentando poeticamente o significado de tristeza, felicidade,
amor, desejo, saudade. Sem saber, compreendem também o que é poesia. Não porque recebem uma “aula” à
moda antiga, com explicações intermináveis e lições moralizantes, mas porque vivenciam intensamente todos
estes sentimentos por meio da experiência com a palavra literária que lhes é ofertada com maestria, respeito e
delicadeza.
Ainda no campo das memórias autobiográficas, acaba de ser lançado no Brasil O
silêncio da água, segundo título infantojuvenil de José Saramago, escritor
português premiado com o Nobel, em 1998. Publicado pela Companhia das
Letrinhas um ano após a morte do autor, com ilustrações de Manuel Estrada, O
silêncio da água é um fragmento de As pequenas memórias, obra de Saramago
lançada pela mesma editora em 2006 que reúne suas memórias de infância e
adolescência. Segundo a Fundação José Saramago6, a obra significou a conclusão
de um projeto previsto havia mais de vinte anos. Em 1998 Saramago afirmava: “O
que quero é recuperar, saber, reinventar a criança que fui, que é o pai da pessoa
que sou. Para além do pai e da mãe biológicos, eu diria que o pai espiritual do
homem que sou é a criança que fui”. Retomando a reflexão proposta por Montes, encontramos também aqui,
uma literatura destinada ao público infantil cuja fonte original é justamente “a memória da própria criança interior,
da criança histórica e pessoal que fomos”.
Classificado pela Fundação José Saramago e pela própria editora responsável pela publicação do livro no Brasil
como conto autobiográfico, O silêncio da águaé escrito em primeira pessoa e tem como paisagem a pequena
povoação de Azinhaga, às margens do rio Almonda, onde o escritor nasceu e viveu sua infância. A singela
história que o livro narra – o dia em que um menino tenta pescar um peixe grande, este lhe escapa, leva-lhe os
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apetrechos de pesca, o menino insiste e volta ao rio para recuperar o peixe, encontrando apenas o silêncio da
água – constrói-se sob o signo da multiplicidade dos significados.
 Pode-se observar isso na escolha das imagens que traduzem alguns elementos da narrativa. Para descrever a
foz do rio Almonda, espaço onde se dá a fabulosa pesca, as palavras escolhidas são: “chamávamos-lhe a ‘boca
do rio’, onde por uma estreita língua de areia se passava nessa época ao Tejo”. Nesse trecho, as ilustrações de
Manuel Estrada concretizam a boca do rio e a língua de areia numa colagem de intenso azul que exacerba o rio
de palavras onde pesca o menino. Já para indicar a vagarosa passagem do tempo para o pescador amador,
apresenta-se a seguinte imagem: “(…) e ali estava, já o dia fazia as suas despedidas” – acompanhada pela
ilustração que agora destaca o sol se pondo por detrás do menino. No momento em que ocorre o ápice da
tensão narrativa – em que o grande peixe praticamente pesca o menino – a escolha das palavras não poderia
deixar de solicitar do leitor semelhante atenção à construção do discurso: “quando, de repente, sem ter passado
antes por aquele tremor excitante que denuncia os tenteios do peixe mordiscando o isco, mergulhou de uma só
vez nas profundas”. A “tristeza na alma” com que o protagonista retorna à casa também invade o leitor. O
silêncio do recolhimento abre caminho para um desfecho em que predomina a sabedoria: “aquele barbo tinha
vivido muito, devia ser, pela força, uma besta corpulenta (…) De uma maneira ou de outra, porém, com o meu
anzol enganchado nas guelras, tinha a minha marca, era meu”.
Também aqui, o amálgama entre forma e conteúdo mostra que é preciso ter algo para contar e ferramentas para
saber como contar quando se quer conversar literariamente com o leitor – seja ele adulto, ou criança. Os
momentos epifânicos de O silêncio da água ampliam as possibilidades dessa conversa em movimento
semelhante ao que observamos em Quando eu era pequena, de Adélia Prado. Já não é a memória dos
episódios narrados a única coisa que se conta ao leitor, ressoa também a vibração do não-dito. Esse quase
murmúrio da linguagem, fazendo um contraponto na escuta, resume-se na frase que dá título à obra: “não creio
que haja no mundo um silêncio mais profundo que o silêncio da água. Senti-o naquela hora e nunca mais o
esqueci.” Trata-se de um exemplo claro do que já afirmou o escritor e crítico literário Ricardo Piglia: “os contos
modernos contam sempre duas histórias (…) Os elementos essenciais de um conto têm dupla função. (…) Os
pontos de cruzamento são o fundamento da construção.”7 E como nada é à toa num texto construído com bases
sólidas, fincadas na qualidade literária, o leitor de O silêncio da água experimenta a surpresa, a súbita coragem,
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o vazio, os limites do desejo e as ilimitadas possibilidades de compreensão que a invenção pode emprestar ao
vivido.
 
Recém lançado para o público infantil pela Editora Objetiva, Fonchito e
a lua é assinado pelo também prêmio Nobel de Literatura (2010), o
autor peruano Mario Vargas Llosa e tem ilustrações de Marta Chicote
Juiz. Originalmente, a publicação faz parte do projeto da Alfaguara
espanhola de publicar os grandes nomes da literatura do país para
crianças menores de dez anos. Convidado pelo autor e idealizador do
projeto, Arturo Perez Reverte, Vargas Llosa conta que escrever um livro
infantil “foi a realização de um sonho muito antigo, de um projeto que
estava abandonado e que há muito gostaria de ter retomado”.8
Diferente dos livros analisados anteriormente, Fonchito e a lua não parte das memórias do autor, nem se
apropria de trechos de suas obras. Trata-se de uma narrativa sobre as emoções que os sentimentos de amor e
amizade geram na infância, em que predominam “delicadeza, inteligência e humor, três das condições mais
difíceis de se conseguir no ofício literário”9, segundo Gabriela Damián Miravete, escritora mexicana de livros
infantojuvenis. Na história, o pequeno Fonchito morre de vontade de dar um beijinho no rosto de Nereida, a
menina mais bonita da turma, que impõe como condição conseguir-lhe a lua – tarefa que se torna ainda mais
difícil em uma cidade como Lima, onde se passa a história, cujo céu costuma ficar nublado meses a fio.
Desolado com a exigência de Nereida, Fonchito coloca-se triste e contemplativo quando, então, a solução lhe é
apresentada. Sem a intenção de roubar do leitor o prazer de descobrir o final da história, o que se pode adiantar
aqui é que o caráter sugestivo do texto preserva-lhetoda a graça.
Insinuar, mais do que mostrar, é o que fazem autor e ilustradora em Fonchito e a lua. Se na literatura de Vargas
Llosa para adultos, o erótico é reconhecido como marca, em sua estreia na literatura para crianças essa marca
reaparece no caráter poético da linguagem, sem o peso moralista que frequentemente associa o erótico ao
pornográfico. O tempo todo o narrador se refere aos personagens como amigo e amiga, forma de tratamento
que se consolida na inocência das ações tomadas por eles e afasta qualquer possibilidade de leitura
equivocada. O princípio erótico da poesia, defendido por Roland Barthes em O prazer do texto, é o de não
revelar, mas ocultar. Sugerir para atrair. Sugestão que só se sustenta com a firmeza de um discurso cuidadoso,
como podemos atestar no diálogo central da história:
– Eu queria dar um beijo no seu rosto. Você deixa?”
 
Nereida, um pouquinho vermelha, olhou para ele muito séria antes de responder:
 
– Eu deixo se você trouxer a Lua para mim.
 
Fonchito ficou triste e desanimado.
 
Será que essa resposta significava que Nereida nunca ia deixar que ele lhe desse um beijinho?
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Nereida cora diante do pedido de Fonchito, deixando entrever uma pontinha do desejo correspondido. Mas, é
com seriedade que a interdição à realização do desejo do amigo é colocada por Nereida. E a pergunta que ele
se faz, coloca-se também para o leitor. Aparentemente condenado à eterna contemplação é que Fonchito
descobre a possibilidade de concretizar seu desejo: contemplando a distância da lua, de repente a enxerga
próxima no reflexo da água. O que parecia impossível, revela-se acessível. Um tema que poderia ser
considerado tabu por aqueles que leem literatura pelo viés reduzido do pedagógico moralizante, torna-se
possível mediante trato artístico da palavra e da imagem.
Saturadas de tanta literatura travestida de informação e entretenimento — nesse caso sim, pornograficamente
explícita — lançada por aqueles que tratam os objetos da arte e da cultura como mercadorias semelhantes a
outra qualquer, as crianças agradecem a presença de obras literárias que primam por oferecer-lhes algo sobre o
qual possam se debruçar para contemplar e descobrir nuances e para as quais valha a pena voltar, reler, rever
porque sempre haverá algo precioso para encontrar.
 
 
Notas
1 Graciela Montes, El corral de la infancia. México: Fondo de Cultura Económica, 2001, p. 26.
2 Citação de Adélia Prado reproduzida no texto de apresentação da reedição de sua obra, pela Editora Record.
3 Conceito apresentado por Giambattista Vico e relido por Alfredo Bosi em “Uma leitura de Vico”. BOSI, Alfredo. O ser
e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.233.
4 Citação da autora em entrevista concedida a Augusto Massi e publicada na Folha de S. Paulo em 1984, sob o título
“Adélia é que é a mulher de verdade”.
5 Pound, Abc da Literatura. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 32.
6 “‘O Silêncio da Água, novo livro de José Saramago para crianças”. Clique aqui para acessar o site. 11/03/2011.
http://www.josesaramago.org/
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7 Ricardo Piglia, Formas breves. Buenos Aires: Temas Grupo Editorial, 1999.p. 92 e 93.
8 Informações disponíveis aqui. 
9 Gabriela Damián Miravete. “Desenha-me um carneiro… Por que os adultos devem ler livros para crianças?”. Revista
Emília. Setembro de 2011.
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SOBRE O AUTOR
Cristiane Fernandes Tavares
É graduada em Comunicação Social pela
Faculdade Cásper Líbero e Mestre em Literatura
e Crítica Literária pela PUC-SP. Publicou artigos
sobre leitura e literatura em revistas acadêmicas
como a Comunicação & Educação – USP/ECA e
é autora de Quintais, Editora Salesiana, 2007.
Realizou assessorias, cursos e oficinas pelo
Centro de Estudos da Escola da Vila. Integrou e
coordenou a equipe de formadores de
professores da rede municipal de São Caetano do
Sul. É colaboradora do Movimenta Projetos em
Educação e da Comunidade Educativa CEDAC e
coordena projetos na Associação Crescer
Sempre, em parceria com escolas estaduais da
comunidade de Paraisópolis. É resenhista
no Caderno Literatura da revista Brasileiros.
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