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Biodrenagem Salomão de S. Medeiros1, Pedro D. Fernandes1, José A. Santos Jr.1 & Hans R. Gheyi2 1 Instituto Nacional do Semi-Árido 2 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Manejo da salinidade na agricultura: Estudos básicos e aplicados ISBN 978-85-7563-489-9 Fortaleza - CE 2010 Considerações gerais Princípios da biodrenagem Evapotranspiração Evapotranspiração da cultura de referência (ETo) Evapotranspiração da cultura em condições normais (ETc) Evapotranspiração da cultura em condições não padrão (ETc aj) Principais vantagens e limitações da biodrenagem Possíveis cenários para implantação da biodrenagem Sistema de cultivo em sequeiro Interceptação dos fluxos de águas subterrâneas Controle das vazões de descarga Sistema de cultivo irrigado Interceptação do fluxo de água Complementação ao sistema de drenagem convencional Planejamento da biodrenagem Estudos de casos e experiências Índia Israel Considerações finais Referências INTRODUÇÃO Extensas superfícies irrigadas estão localizadas em áreas com problema de drenagem, onde o elevado nível do lençol freático tem provocado perdas na produção, dificuldades no manejo do solo e até deterioração de suas propriedades físico-químicas; segundo Heuperman et al. (2002), cerca de um terço das áreas irrigadas no mundo enfrentam problema desta natureza (60 milhões de hectares), e destas, aproximadamente 20 milhões de hectares apresentam-se acúmulo de sais (salinização). Ante toda essa problemática, a drenagem convencional (superficial e/ou subsuperficial) apresenta-se como técnica de engenharia amplamente difundida e consolidada na resolução do problema. A drenagem convencional é uma prática que permite a incorporação de áreas com deficiência de drenagem ao processo produtivo, possibilita o incremento da produtividade agrícola, controla e recupera áreas com problemas de salinidade e/ou sodificação, evita a ocorrência de inundações, promovendo o seu saneamento, e mantendo sob controle os agentes causadores de doenças de veiculação hídrica, além de evitar danos à infra-estrutura de obras civis (Bernardo, 2005; Batista et al., 2002). Quando de caráter superficial, a drenagem consiste de um sistema de canais abertos conectados entre si, com a função de remover o excesso de água da superfície do solo, na ocorrência de um evento de precipitação ou irrigação. Normalmente, este tipo de sistema de drenagem é empregado em áreas planas, com solo de baixa capacidade de infiltração e permeabilidade ou com camadas impermeáveis logo abaixo da superfície do solo. Já a drenagem subterrânea pode ser entendida como um sistema de canais abertos conectados a uma malha de tubos perfurados, ou constituídos de material poroso, enterrados e conectados entre si, visando à remoção do excesso de água do perfil do solo, com a finalidade de propiciar aos cultivos condições favoráveis de umidade, aeração, manejo agrícola e prevenindo a salinização e a remoção do excesso de sais da área. Dessa forma a drenagem interna facilita a melhoria das condições físicas, químicas e biológicas do solo, criando condições favoráveis para o aumento e a melhoria da produtividade e qualidade dos produtos. No entanto, um dos maiores entraves para utilização desses sistemas de drenagens são o seu alto custo e os impactos ambientais gerados por ocasião da instalação, operação e manutenção. Neste contexto, o presente texto se propõe a abordar a técnica da biodrenagem como tecnologia alternativa para resolução dos problemas de alagamento, rebaixamento do nível do lençol freático e controle das concentrações de sais (salinidade) no perfil do solo, que vem sendo largamente empregada em países como a Índia, Austrália, Israel, Paquistão e Estados Unidos (Ram, et al., 2008; Gafni & Zohar, 2007; Heuperman et al., 2002; Gafni & Zohar, 2001). PRINCÍPIOS DA BIODRENAGEM O termo biodrenagem é relativamente novo, embora, o uso da técnica tenha sido observado em diversas áreas na resolução dos problemas de drenagem. Heuperman et al. (2002) e Ram et al. (2008), relatam que a biodrenagem pode ser entendida como o processo de extração de água do solo através do sistema radicular das plantas, e sua eliminação na forma de vapor, por meio dos processos de evaporação e transpiração (Figura 1). Biodrenagem 432 Salomão de S. Medeiros et al. A evaporação é o processo no qual a água na forma líquida é convertida em vapor de água a partir de uma superfície evaporante (logos, rios, solo úmido, vegetação molhada, etc.). Já o processo de transpiração consiste na vaporização da água líquida contida nos tecidos vegetais para a atmosfera, controlada predominantemente através da abertura e/ou fechamento dos estômatos. Considerando, a disponibilidade de água na superfície do solo, o processo de evapotranspiração pode ser influenciado pelo clima, características da cultura explorada, o tipo de manejo adotado e o meio de cultivo. Então, a escolha de espécies de vegetais que promovam uma intensa demanda evapotranspirométrica é fator determinante para o sucesso da biodrenagem. No entanto, em áreas com problemas de drenagem localizadas em regiões áridas e semiáridas, e que possuam problemas de salinidade, as espécies escolhidas também devem apresentar tolerância aos efeitos dos sais, uma vez que a capacidade de absorção de água pode ser diretamente afetada. Outra característica a ser considerada por ocasião da escolha da cultura a ser utilizada na biodrenagem é a sua posterior rentabilidade, isto é, aliar culturas que atendam aos requisitos da técnica (ter uma alta demanda evapotranspirométrica), e que promova uma remuneração ao produtor através dos seus produtos: madeira, frutas, forragens etc. PRINCIPAIS CULTURAS UTILIZADAS NA BIODRENAGEM Atualmente, vários trabalhos têm sido desenvolvidos com diversas espécies vegetais, na busca de selecionar as mais adaptadas para resolução dos problemas de drenagem. Heuperman et al. (2002) e Ram et al. (2008), descrevem em seus trabalhos desenvolvidos em regiões de clima árido e simiárido, que a implantação do sistema de biodrenagem utilizando o cultivo de eucaliptos tem tornado-se uma opção bastante interessante, frente a resolução dos problemas de alagamento, rebaixamento do nível do lençol freático e controle das concentrações de sais no solo em áreas com deficiência de drenagem. Holmes & Wronski (1981) sugerem que nas condições climáticas do sudeste da Austrália, com precipitação média anual de 700 mm, as florestas de eucaliptos podem promover um déficit anual de 250 mm, enquanto culturas agrícolas, em condições semelhantes, algo em torno de 180 mm. Tais estimativas implicam que uma bacia que contém floresta de eucalipto, por exemplo, deve, naquelas condições, produzir cerca de 70 mm a menos de deflúvio anual, em comparação a exploração somente de culturas anuais. Já Akram et al. (2009), em seus trabalhos realizados na Índia citam a Tamarix troupii, Tortilis acácia e Acacia nilótica como espécies de alto potencial para utilização em sistemas de biodrenagem. VANTAGENS E LIMITAÇÕES DA BIODRENAGEM Segundo Ram et al. (2008), as principais vantagens da biodrenagem em relação aos sistemas de drenagem convencional são: baixo custo de implantação e manutenção; inexistência de custos operacionais, em razão das plantas utilizarem sua bioenergia para drenar o excesso de água do solo para a atmosfera; maior vida útil do sistema, e sua consequente valorização ao invés de depreciação; inexistência de emissário e de geração de efluentes; redução dos impactos ambientais; resolução dos problemas de alagamento e controle da salinidade do solo; auxilia também no sequestro de carbono, atenuando os problemas decorrentes dos gases do efeito estufa; aumento da cobertura vegetal; atua como quebra vento em sistemas agroflorestais; além de proporcionar renda adicional ao produtor devido a produção de madeira, frutos etc. Na Tabela 1, encontram-se elencados alguns parâmetros que apontam as potencialidades e limitações do sistema de biodrenagem em relação aos sistemas convencionais; e na Tabela2, estão sumarizado diversos cenários, e que tipo de sistema de drenagem é mais adequado a cada situação. BIODRENAGEM E CONTROLE DA SALINIDADE DO SOLO A prática da irrigação sempre aporta certa quantidade de sais ao solo, mesmo quando o suprimento de água é de boa qualidade; as causas deste processo remetem aos grandes volumes de água aplicados via irrigação, que ao final de um ciclo de cultivo aporta quantidades significativas de sais. Figura 1. Conceito de biodrenagem 433Biodrenagem Parâmetros Métodos de Drenagem Convencional Biodrenagem Horizontal Vertical Eficiência e dependência - Boa eficiência - Necessida de emissário - Lagoa de evaporação tem apresentado resultados intermediários - Evaporadores solares podem compor o sistema. - Boa eificiência - Necessidade de reúso dos efluentes - Lagoa de evaporação tem apresentado resultados intermediários - Evaporadores solares podem compor o sistema. - Vários sistemas têm apresentado bons resultados - Atualmente, não tem sido uma alternativa em grandes projetos de irrigação - Não há necessidade de implantação de emissários. Custo - Médio - Médio - Baixo custo e com possibilidade de retorno econômico Vantagens / limitações - Apresenta maior controle do nível do lençol freático - Permite incorporação de áreas alagadas ao processo produtivo - Oferece maior controle da salinidade do solo e a possibilidade da retirada do excesso de sais da área. - Proporciona controle do nível do lençol freático e do escoamento superficial - Permite incorporação de áreas alagadas ao processo produtivo - Oferece maior controle da salinidade do solo e a possibilidade da retirada de sais da área. - Permite incorporação de áreas alagadas ao processo produtivo - Proporciona controle do nível do lençol freático - Oferece segurança a cultura explorada quanto as ações de ventos fortes - Possibilita uma renda extra ao produtor, devido a extração de madeira, óleos vegetais e produtos florestais - Incrementa a biodiversidade local - Ocupa uma área considerável quando comparado ao sistema de drenagem superficial - Proporciona controle limitado da salinidade do solo. Operação e Manutenção - Manutenção periódica da tubulação e drenos abertos - Remoção periódica dos sais nas lagoas de evaporação. - Manutenção periódica da tubulação, motobombas, telas, etc. - Consumo de energia elevado em relação a outros métodos. - Necessidade de poda, desbaste e colheita da madeira - Controle de pragas e doenças. Área ocupada - Somente para os drenos abertos e lagoas de evaporação. - O sistema ocupa uma área muito pequena. - Ocupa áreas relativamente grande; em sistemas implantados na Índia o sistema chega a ocupar 10% da área irrigada. Exigência de água de boa qualidade - Não se aplica. - Não se aplica. - Somente durante a fase de estabelecimento das árvores. Necessidade de energia - Eventualmente, utiliza-se de estações de bombeamento elevatórias quando o terreno apresenta limitações topográficas que não permite o escoamento gravitacional. - Para retirada da água subterrânea através das estações de bombeamento elevatória. - Não se aplica. Impacto ambiental causado no entorno - Adverso; devido à água de drenagem apresentar altas concentrações de sais, produtos químicos e nutrientes - Lagoas de evaporação quando não bem manejadas podem causar impactos ambientais significativos. - Adverso; devido à água de drenagem apresentar altas concentrações de sais, produtos químicos e nutrientes. - Positivo; pelo fato do sistema não produzir afluentes. - Em face da possibilidade de acúmulo de sais na área do sistema, haverá necessidade de implantação de uma área de disposição final dos sais. Tabela 1. Comparação entre diferentes métodos de drenagem Adaptado de Heuperman et al. (2002). a alto a alto 434 Salomão de S. Medeiros et al. Estudos desenvolvidos por Akram et al. (2009), demonstram que em sistemas de biodrenagem, a salinidade do solo na região das linhas de plantio, denominado biodrenos, eleva-se nos primeiros dois anos e, mantendo-se estáveis nos anos subsequentes. No entanto, a salinidade do solo é proporcional à concentração de sais da água de irrigação; porém, quando se utiliza águas com baixas concentrações, pequenas frações de lixiviação são suficientes para manter os níveis de sais baixos na zona radicular dos biodrenos. Contudo, à medida que a concentração de sais na água de irrigação aumenta, há um incremento significativo da salinidade na zona radicular dos biodrenos, interferindo de forma negativa na absorção de água. Em contrapartida, nas áreas onde a camada impermeável esta localizada em maiores profundidades, menor será a concentração de sais na zona radicular dos biodrenos, devido o deslocamento vertical dos sais para as camadas mais profundas. De acordo com Akram et al. (2009), a principal restrição da utilização da biodrenagem em regiões áridas e semiáridas é o equilíbrio do balanço de sais e a sua acumulação na região dos biodrenos; para estes autores a sustentabilidade do sistema é questionável, exceto quando a qualidade da água de irrigação é boa ou, o sistema está implantado em um local onde a precipitação média anual é elevada. Em zonas áridas e semiáridas, a viabilidade desse sistema só pode ser alcançada se algum tipo de mecanismo de remoção sal for incluído o sistema; estes mecanismos podem ser a colheita da folhagem, raspagem de sais acumulados na superfície do solo onde estão os biodrenos e consórcio utilizando culturas que possuem a capacidade de extrair sais do solo, como a atriplex. Nesses casos alguns autores como Heuperman et al. (2002) sugerem combinar a técnica da biodrenagem com as tecnologias de engenharia de drenagem convencionalmente utilizadas. Obviamente que os estudos relativos à utilização da biodrenagem como alternativa para a prevenção e controle da salinidade em regiões áridas e semiáridas necessita de estudos mais aprofundados, no entanto, Akram et al. (2009), apontam que a salinidade máxima Cenários Potencial e Limitações da Biodrenagem Escala de Eficiência dos Sistemas de DrenagemViabilidade Méritos Benefícios/Limitações Região úmida com água subterrânea de boa qualidade Viável Menor custo com impacto ambiental positivo. Ocupação de parte da área com o sistema Região com excesso de água Região com déficit de água 1. Biodrenagem 2. Drenagem subsuperficial 3. Drenagem superficial 1. Drenagem superficial 2. Biodrenagem 3. Drenagem subsuperficial Região úmida com água subterrânea de má qualidade Quando a salinidade do solo é excessiva (por exemplo, mais de 12 dS m-1) a efetividade do sistema pode ser comprometida Menor custo com impacto ambiental positivo Ocupação de parte da área com o sistema Região costeira Interior 1. Drenagem subsuperficial 2. Biodrenagem 3. Drenagem superficial 1. Biodrenagem 2. Drenagem superficial 3. Drenagem subsuperficial Regiões áridas e semiárida, com água subterrânea de boa qualidade Viável Menor custo com impacto ambiental positivo Não apresenta limitações 1. Drenagem superficial 2. Biodrenagem 3. Drenagem subsuperficial Regiões áridas e semiárida, com água subterrânea de má qualidade Quando a salinidade do solo é excessiva (por exemplo, mais de 12 dS m-1) a efetividade do sistema pode ser comprometida Menor custo com impacto ambiental positivo Quando se dispõem da água de qualidade inferior para irrigação Região costeira Interior 1. Drenagem subsuperficial 2. Biodrenagem 3. Drenagem superficial 1. Biodrenagem 2. Drenagem superficial 3. Drenagem subsuperficial Tabela 2. Escala de eficiência dos sistemas de drenagem segundo as características da região Adaptado de Kapoor (2010). 435Biodrenagem inicial da água do solo passível de controle através da técnica da biodrenagem num período de 5 a 10 anos é de cerca de 5 dS m-1. Em muitos casos, até mesmo uma salinidade do solo inicial de 3 dS m-1 não pode ser tolerada durante um longo período de tempo, por exemplo, 20 anos. Nessas condições, assumindo que a salinidade da água do solo é quase 1,5 vezes a salinidadeda água de irrigação (Ayres & Westcot, 1999), pode-se concluir que o sistema de biodrenagem pode não funcionar corretamente quando a salinidade da água de irrigação excede 3,3 dS m-1. Isso é verdade, claro, onde a precipitação anual é de 250 mm, como foi o caso da área onde estes estudos foram realizados. Considerando que a chuva dilui a salinidade da água do solo, pode-se esperar que o risco de salinização do solo seja menor em áreas úmidas. CENÁRIOS PARA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE BIODRENAGEM Segundo Heuperman et al. (2002) a biodrenagem pode ser empregada tanto em sistemas de cultivos de sequeiro como irrigados. Em sistema de cultivo de sequeiro a biodrenagem pode atuar no controle de recarga dos aquíferos, na interceptação dos fluxos das águas subterrâneas e no controle das vazões de descarga; já em sistemas irrigados sua atuação é no controle do nível do lençol freático da área; na interceptação do fluxo de água em áreas que apresentam maiores probabilidade de ocorrência de infiltração (áreas próximas aos canais de irrigação) e/ou complementando ações dos sistemas de drenagem convencional. Sistema de cultivo em sequeiro Controle de recarga dos aquíferos: Em sistemas naturais a sustentabilidade ambiental depende do equilíbrio entre os fluxos de recarga e descarga da água subterrânea. Notadamente em sistemas de cultivos anuais, caracterizadas por apresentarem sistemas radiculares pouco profundos e com baixo consumo de água, associado à baixa capacidade de movimentação de água dos aquíferos têm favorecido invariavelmente a elevação do nível freático e a consequente salinização dos solos, frente ao desequilíbrio entre os fluxos de água de recarga e descarga. Na Figura 2, apresenta-se o cenário onde a biodrenagem pode atuar no caso do controle da recarga de aquíferos; entretanto, deve-se ressaltar que sistema de biodrenagem mal planejados em áreas de recarga pode ocasionar efeitos negativos. Tal situação pode ocorrer quando o sistema de biodrenagem é superdimensionado – onde se cria uma zona (área localizada no topo da encosta) de elevada demanda de água (evapotranspiração), que ocasiona uma brusca redução do nível do lençol freático no trecho de jusante (Figura 2), reduzindo a disponibilidade de água no solo para as culturas de sistema radicular pouco profundo, além da diminuição do fluxo de água para o leito dos rios e abastecimento dos poços explorados na área. Figura 2. Plantio de árvore em área de recarga objetivando controle do nível do lençol freático. (Adaptado de Heuperman et al., 2002) Interceptação dos fluxos de águas subterrâneas Outra contribuição da biodrenagem nos sistemas de cultivo de sequeiro é a interceptação dos fluxos de água subterrânea nas áreas de encostas; então, a instalação dos biodrenos deve ser na mudança da face convexa para côncava (Figura 3). Figura 3. Plantio de árvore em encosta objetivando interceptar o fluxo de água subterrânea lençol freático. (Adaptado de Heuperman et al., 2002) 436 Salomão de S. Medeiros et al. Controle das vazões de descarga Nas áreas de várzeas onde o nível do lençol freático é superficial, a introdução da técnica da biodrenagem pode favorecer condições satisfatórias ao desenvolvimento de sistema de cultivo de sequeiro (Figura 4). Todavia, neste caso existem contestações a cerca da sustentabilidade do sistema. Smedema (1997) e Heuperman (2000) sugerem que em áreas de várzeas o sistema de biodrenagem pode ser implantado apenas como ação complementar ao sistema convencional. consequência a ruptura de suas placas de concreto, ocasionado pela elevação do nível do lençol freático, provocado pela irrigação excessiva e agravada pela precipitação ocorrida no período chuvoso. Figura 4. Plantio de árvore em área de várzea objetivando controle das vazões de descargas. (Adaptado de Heuperman et al., 2002) Figura 5. Área localizada no Perímetro Irrigado de São Gonçalo, Sousa-PB, em completo abandono devido altas concentrações de sais na superfície do solo (detalhe A) e do nível do lençol freático a menos de 20 cm da superfície (detalhe B) A B Figura 6. Deslocamento de um trecho do canal principal do Perímetro Irrigado Formoso, Bom Jesus da Lapa-BA (A) com a consequente ruptura de suas placas de concreto (B) decorrente do alto nível do lençol freático Sistema de cultivo irrigado Controle do nível do lençol freático: É vasta a quantidade de áreas cultivadas no Brasil, irrigadas ou não, que apresentam problemas de drenagem natural. Segundo Batista et al. (2002), somente no Vale do Rio São Francisco estima-se que existam, aproximadamente, 50.000 ha irrigados que apresentam problemas de salinidade, ocasionado principalmente pela deficiência de drenagem, e destas, somente na região do sub-médio São Francisco existem em torno de 15.000 ha salinizados e em completo abandono. A existência de áreas irrigadas com problemas de salinização ocasionados principalmente pela falta de drenagem e manejo inadequado da irrigação não é exclusividade do Vale do São Francisco, atualmente, no estado da Paraíba vários perímetros irrigados encontram-se em situação semelhante (Figura 5). Além da salinização dos solos, outro grave problema ocasionado pela elevação do nível do lençol freático são os danos causados as obras civis das áreas irrigadas. Na Figura 6 (A e B), pode ser constatado o levantamento (empuxo) de um trecho de canal, tendo como Na Figura 7, observa-se o afloramento de água em uma área de carga e descarga de um “packing house” ocasionando danos à estrutura de pavimentação, em razão do elevado nível do lençol freático. Em ambas as situações (Figuras 5, 6 e 7) os transtornos e perdas econômicas são grandes, porém, a adoção de um manejo de irrigação racional (baseado nas necessidades hídricas das culturas), associada a implantação de um sistema de biodrenagem podem 437Biodrenagem constituir em soluções eficientes, frente ao controle do nível do lençol freático. Interceptação do fluxo de água Os vazamentos ocorridos ao longo dos canais de irrigação (Figura 8) é também uma das causas relacionadas à elevação do nível do lençol freático em áreas irrigadas. Dependendo da natureza do vazamento podem ocorrer altas taxas de infiltração de água causando nas áreas adjacentes alagamento e consequentemente problemas de salinidade. Outro problema relacionado com vazamentos dos canais são os danos a infraestrutura da propriedade, em especial, a malha viária (Figura 8 B). Sendo, o desgaste das juntas de dilatação e as trincas ocorridas nas placas de concreto (Figura 8 A e B, respectivamente) as principais causas para a ocorrência de vazamentos nos canais de irrigação; a solução precede de uma adequada manutenção preventiva dos canais; entretanto, dependendo da natureza do vazamento a implantação da biodrenagem pode minimizar os efeitos negativos, pela interceptação do fluxo de água subterrânea, evitando assim encharcamento e alagamento das áreas adjacentes e os danos a malha viária. Complementação ao sistema de drenagem convencional A biodrenagem também pode, e deve sempre ser utilizada quando possível complementando ações dos sistemas de drenagem convencional. O principal cenário que se pode lançar mão da biodrenagem como ação complementar, é na retirada de parte do excesso de água Figura 7. Afloramento superficial de água em área de carga e descarga de um packing house ocasionado pelo elevado nível do lençol freático no Perímetro Irrigado Nilo Coelho, Petrolina-PE A B Figura 8. Ocorrência de vazamentos ao longo dos canais de irrigação no Perímetro Irrigado Tourão (A), Juazeiro-BA e São Gonçalo (B), Sousa-PB em áreas que requer gastos com sistemas de bombeamento, em face das limitações topográficas (Figura 9). PLANEJAMENTO DE SISTEMAS DE BIODRENAGEM O planejamento de qualquer sistema de drenagem requer o conhecimento das características do solo, geologia, topografia, estudos da variação do lençol freático e da qualidade de sua água, qualidade da água de irrigação e do tipo de sistema a ser utilizado, condutividade hidráulica, porosidade drenável,condições climáticas e quais culturas irão ser exploradas economicamente na área do projeto. Então, na implantação de um sistema de biodrenagem além destas características, deve-se conhecer a taxa de evapotranspiração diária da espécie vegetal, de modo 438 Salomão de S. Medeiros et al. que seu valor seja compatível com a taxa de recarga líquida. Para fins de planejamento consideram-se que as plantas que irão constituir os biodrenos estão livres de pragas e doenças, sem restrições nutricionais, em excelentes condições de umidade no solo, baixo níveis de salinidade e, alcançando elevados índices de produtividade; nestas condições a evapotranspiração processa-se em condições padrão, podendo ser estimada pelo produto da evapotranspiração do cultivo de referência e o coeficiente de cultivo (Eq. 1). coc K*ETET em que: ETc - evapotranspiração do cultivo em condições padrão, mm dia-1; ETo - evapotranspiração do cultivo de referência, mm dia-1; Kc - coeficiente de cultivo, admensional. O conceito de evapotranspiração do cultivo de referência foi introduzido para estudar a demanda de evapotranspiração da atmosfera, independente do tipo e estádio de desenvolvimentos das culturas, e das práticas de manejo; porém, em face da não restrição de água na superfície de evapotranspiração de referência, as características do solo não influenciam o seu valor, sendo, as variáveis meteorológicas (temperatura do ar, umidade relativa, velocidade do vento e radiação solar) as únicas a influenciá-la, onde, o modelo FAO Penman-Monteith tem sido proposto como padrão para sua estimativa (Allen et al., 2006). 2 as2 med n o u34,01 eeu 273T 900GR*408,0 ET onde: ETo - evapotranspiração de referência, mm dia1; - declividade da curva de pressão de vapor, kPa °C-1; Rn - radiação líquida na superfície de cultivo, MJ m-2 dia-1; G - fluxo de calor do solo, MJ m2 dia-1; - constante psicrométrica, kPa °C-1; Tméd - temperatura média do ar medida a 2 m de altura, °C; es - pressão média de saturação de vapor, kPa; ea - pressão real de vapor, kPa; u2 - velocidade do vento medida a 2 m de altura, m s-1. Por outro lado, a capacidade de absorção de água pela plantas é bastante influenciada pelas concentrações de sais no solo, no entanto, as plantas que irão constituir os biodrenos deverão apresentar tolerância (Tabela 3) a fim de minimizar esse efeito. DIMENSIONAMETO DO SISTEMA DE BIODRENAGEM Do ponto de vista hidrológico, o dimensionamento dos sistemas de drenagem consiste em determinar a relação entre o espaçamento e a profundidade dos drenos laterais, de modo que, o sistema satisfaça um determinado critério de drenagem. Todavia, os modelos utilizados no cálculo dos espaçamentos dos drenos são agrupados de acordo com o regime de escoamento: permanente e variável. A aplicação dos modelos de regime permanente pressupõe que o lençol freático encontra-se estabilizado no tempo e no espaço, isto é, a quantidade de água que entra no sistema (carga) é igual à quantidade eliminada pelos drenos (descarga). Esta situação geralmente ocorre em regiões, onde as chuvas têm baixa intensidade e longa duração. Neste caso, Heuperman et al. (2002), indicam o modelo desenvolvido por Hooghoudt (Eq. 3) como o mais indicado na estimativa do espaçamento entre biodrenos. R Kh4 R hKY8 L 2 o2 Figura 9. Área de várzea em que as limitações topográficas restringem o escoamento de água por meio gravitacional (1) (2) (3) 439Biodrenagem onde: L - Distância entre biodrenos (m) R - Taxa de recarga (m dia-1) Yo - Distância entre o rebaixamento do nível do lençol freático e a camada de impedimento (m) K - Condutividade hidráulica do extrato saturado (m dia-1) h - depressão do lençol freático (m) Considerando o cenário apresentado na Figura 10, uma R = 0,0005 m dia-1; Yo = 10 m e h = 10 m; as distâncias entre biodrenos (L) serão de 1.500, 500 e 150 m para valores de K de 1, 0,1 e 0,01 m dia -1, respectivamente. Sob condições de regime variável a principal proposta para espaçamento de drenos foi feito por Glover-Dumm (Eq. 4), pressupondo que: em consequência do evento de chuva ou de irrigação, o lençol freático eleva-se a certa altura, em relação a seu nível inicial e, cessada o evento, ele começa a descer; esta situação corresponde ao caso de regiões com precipitação irregular, de intensidade variável e de curta duração. No Brasil, especialmente no semiárido, os regimes pluviométricos têm esta característica, sendo este modelo uma boa aproximação. t o 2 2 h h 16,1ln thdKL em que: L - distância entre os biodrenos (m); K - condutividade hidráulica do extrato saturado (m dia-1); d - estrato do solo (m); t - tempo transcorrido a partir do momento que o lençol freático começou a descer (dias); h - raiz quadrada do produto entre h0 e ht; µ - espaço poroso drenável que se considera constante; h0 - carga hidráulica inicial no ponto médio entre os biodrenos (m). ht - carga hidráulica inicial no ponto médio entre os biodrenos no tempo (t). ESTUDOS DE CASOS E EXPERIÊNCIAS Índia O estudo ora apresentado foi desenvolvido na Unidade de Pesquisa de Puthi, distrito de Hissar no Tabela 3. Relação de algumas espécies arbóreas que podem ser utilizadas em biodrenagem, classificadas segundo a tolerância ou sensibilidade à salinidade Classificação Espécies Tolerante (CEes 25 - 35 dS m-1) Tamarise troupii, Tamarise artiaulata, Prosopis juliflora, Pithecollobium dulce, Parkinsonia aculeata, Acacia farnesiana Moderadamente tolerante (CEes 15 - 25 dS m-1) Callistemon lanceolatus, Acacia nilotica, Acacia pennatula, Acacia tortilis, Casuarina glauca, Casuarina obessa, Casuarina equisetifolia, Eucalyptus camaldulensis, Leucaena leucocephala, Erescentia alata Moderadamente sensível (CEes 10 - 15 dS m-1) Casuarina cunninghamiana, Eucalyptus tereticornis, Acacia auriculiformis, Guazuma ulmifolia, Leucanea shannonii, Samanea saman, Albizzia caribea, Senna atomeria, Terminalia arjuna, Pongamia pinnata Sensível (CEes 7 - 10 dS m-1) Syzigium cumimi, Syzigium fruticosum, Tamarindus indica, Salix spp., Acacia deanei, Albizia quachepela, Alelia herbertsmithi, Ceaselpimia eriostachya, Caesalpinia velutina, Halmatoxylon brasiletto Adaptado de Heuperman et al., 2002. Figura 10. Rebaixamento do lençol freático em razão da distância entre linhas de plantio. (Adaptado de Heuperman et al., 2002) (4) 440 Salomão de S. Medeiros et al. estado de Haryana, e consistiu em avaliar a configuração de um sistema de biodrenagem, em uma área com problemas de alagamento devido à deficiência de drenagem natural e a ocorrência de vazamentos em canais de irrigação (Figura 11 A). Anteriormente, ao agravamento dos problemas de drenagem na área era possível a exploração de milheto, feijão, mostarda, algodão e trigo, todavia, à medida que o problema foi se intensificando a exploração resumiu-se ao cultivo de trigo e arroz. O clima da região é semiárido monsonico, com verão quente, inverno frio e precipitação média de 212 mm. O solo da área experimental apresentava textura arenosa, sodicidade e condutividade elétrica (CE) da pasta saturada do solo variando de 0,53 a 2,67 dS m-1. Para monitorar o nível do lençol freático da área experimental foram instaladas duas fileiras de poços de observação, uma mais ao Norte e outra mais ao Sul; o espaçamento entre as fileiras dos poços de observação foi de 60 m e entre poços de 33 m (Figura 11 B). No sentido Norte/Sul da área foram construídos quatro camalhões no formato trapezoidal (base maior 2,60 m, base menor 2,00 m e altura de 0,50 m), espaçados a cada 66 m. Em cada camalhão foram plantadas duas fileiras de árvores (Eucalyptus tereticornis) no espaçamento 1,0 x 1,0 m, resultando em uma densidade de 300 plantas por hectare. Em razão desta densidade de plantio, o sistema de biodrenagem ocupou apenas 4% da área total, permitindo que 96% da área fossem exploradas com trigo. Por meio da Figura 12, constata-seque a configuração do sistema de biodrenagem apresentou eficácia no controle do nível do lençol freático da área. Segundo Ram, et al. (2008), dois anos e três meses após a implantação do sistema, a redução média do lençol freático na área experimental foi em torno de 18 cm; enquanto, durante o período compreendido entre abril de 2005 a abril de 2008 o rebaixamento médio foi de 85 cm (Figura 12).(A) (B) Figura 11. Localização (A) e layout (B) da Unidade de Pesquisa de Puthi. (Adaptado de Ram et al., 2008) Figura 12. Comportamento do lençol freático antes e após implantação do sistema de biodrenagem. (Adaptado de Ram et al., 2008) Ram, et al. (2008), também relatam que em maio de 2008, a taxa de transpiração das plantas alcançou valores médios de 50 L dia-1 por planta, correspondendo a 438 mm por ano em uma região com precipitação média de 212 mm. Diante do exposto, evidencia-se que o sistema de biodrenagem pode a vir como uma alternativa na incorporação de áreas com deficiência de drenagem ao processo produtivo, possibilitando assim o incremento da produção agrícola. Outros aspectos importantes do sistema é a geração de renda adicional na propriedade, por meio da produção de madeira, e a contribuição ao meio ambiente, pela possibilidade de Distância (m) Pr of un di da de (m ) 441Biodrenagem sequestro de carbono; os autores relatam ainda que o sistema de biodrenagem implantada na Unidade de Pesquisa de Puthi, após cinco anos e quatro messes, produziu em média 47 m3 ha-1 de madeira, reteve aproximadamente, 25 t ha-1 de carbono e possibilitou que os rendimentos de trigo na área fosse 3,34 vezes superior as das áreas adjacentes ao sistema. Israel O Vale de Yizre’el é uma extensa planície circundada de montanhas localizada na porção Norte do Estado de Israel (Figura 13 A); caracteriza-se por apresentar clima semiárido, e preponderância de Vertissolos crômicos com predomínio de argila montmorilonita, e não isotrópicos. Em meados dos anos 1960, quando o algodão tornou-se a cultura dominante no Vale, a irrigação foi amplamente difundida e diversos reservatórios foram construídos visando regularizar a oferta de água no período de escassez (verão). Ao longo dos anos, essas ações associadas às condições climáticas e ao uso indiscriminado de águas de qualidade inferior (águas residuárias tratadas) associado à falta de manejo de irrigação em solos com deficiência de drenagem resultou na elevação do nível do lençol freático, provocando a salinização e o início do processo de sodificação de extensas áreas agrícolas (Gafni & Zohar, 2001 e Heuperman et al., 2002). Gafni & Zohar (2007), relatam que os efeitos da salinidade foram mais pronunciados em meados da década de 1980, quando, estudos identificaram que em todo o Vale de Yizre’el mais de 1.500 ha apresentavam indícios de salinização, dos quais, 800 ha já se encontravam em processo avançado de salinização e sodificação. Estudos apontaram que a primeira ação para inibir os avanços da salinização e sodificação, e a incorporação das áreas já afetadas ao processo produtivo, passava inicialmente, pelo rebaixamento do nível do lençol freático; então, vários tipos de sistemas de drenagem convencional foram concebidos, testado e amplamente utilizados em todo o Vale, provando-se ser um sucesso. No entanto, com o declínio da rentabilidade das culturas exploradas, e agravada pela falta de subsídio do governo, a drenagem convencional tornou-se economicamente inviável, abrindo discussões entre os especialistas, acerca da viabilidade da biodrenagem (Gafni & Zohar, 2007). Os estudos de biodrenagem foram realizados com duração de dez anos (1993 a 2003), em cinco áreas experimentais (Figura 13 B), representativas da variabilidade climática, regime hidráulico e do grau de salinização e sodificação que o Vale Yizre’el apresentava. Na implantação do sistema de biodrenagem foram plantadas mudas de Eucalyptus camaldulensis em um (A) (B) Figura 13. Mapa de situação do Vale Yizre’el no Estado de Israel (A) e localização das cinco áreas piloto de biodrenagem (B) área de 0,625 ha utilizando-se de onze clones diferentes no espaçamento de 3 x 3 m, alcançando uma densidade de plantio de 1.100 árvores por hectare. As variáveis monitoradas foram nível do lençol freático; salinidade do solo, expressa pela concentração de cloreto (Cl-) e condutividade elétrica do extrato da pasta saturação do solo (CE), e a sodicidade pela relação de adsorção de sódio (RAS). No entanto, sendo as áreas experimentais de Nahalal e Genigar (Figura 13 B) representativas dos dois extremos em termos de clima, hidrologia, salinidade, sodicidade e associada à taxa de crescimento das espécies de eucalipto plantadas, foram objeto de estudo mais detalhado por Gafni & Zohar (2007). De acordo com relatos desses autores, a precipitação média anual em Nahalal é de 650 mm, e a área também recebe o excesso de água a partir de várias outras fontes locais; já em Genigar, a precipitação média anual é de 450 mm 442 Salomão de S. Medeiros et al. e não recebe contribuição de nenhuma fonte externa de água. A evaporação máxima registrada durante a execução do experimento foi de 6,9 mm dia-1 em agosto de 2003. Na Figura 14, são registradas as flutuações sazonais dos níveis dos lençóis freáticos nas áreas experimentais de Nahalal (A) e Genigar (B), e em áreas nas suas adjacências. Observa-se que nas áreas experimentais o sistema de biodrenagem influenciou o nível do lençol freático em relação às áreas sem o sistema; no entanto, na área experimental de Nahalal apesar do sistema de biodrenagem extrair aproximadamente 1.350 mm por ano, as flutuações do nível do lençol freático foi semelhante a da área em sua adjacência, em virtude das contribuições dos volumes de entrada de água (precipitação e fontes externas) se aproximar dos extraídos (evapotranspiração das árvores) pelo sistema de biodrenagem, em grande parte do tempo, exceto no período de estiagem. Já na área experimental de Genigar (Figura 14 B), o sistema de biodrenagem mostrou-se mais efetivo no controle do nível do lençol freático, mantendo-se aproximadamente a 2,0 m de profundidade, na maior parte do tempo. Segundo Gafni & Zohar (2007), a efetividade do sistema deve-se a maior extração de água pelas plantas (evapotranspiração) quando comparadas com o volume precipitado e a baixa influência de fontes de águas externas (irrigação). Na Figura 15 e na Tabela 4, apresenta-se o comportamento da salinidade do solo, expressa pela CE e a concentração de Cl- no perfil do solo (por ser o íon presente em maior concentração em relação aos demais íons na solução do solo) durante os dez anos de monitoramento nas áreas experimentais de Nahalal e Genigar. Constata-se que na área experimental de Nahalal o comportamento da salinidade no perfil do solo (Figura 15 A e Tabela 4) até 4,0 m de profundidade foi Figura 14. Comportamento do nível do lençol freático nas áreas experimentais de Nahalal (A) e Genigar (B) e em áreas nas suas adjacências no Vale Yizre’el, Israel. (Adaptado de Gafni & Zohar, 2007) A B A B Figura 15. Comportamento da condutividade elétrica do extrato saturado do solo nas unidades experimentais de Nahalal (A) e Genigar (B) no Vale Yizre’el, Israel. (Adaptado de Gafni & Zohar, 2007) Pr of un di da de (m ) Pr of un di da de (m ) Pr of un di da de (m ) Pr of un di da de (m ) Condutividade elétrica (dS m-1) Condutividade elétrica (dS m-1) 443Biodrenagem altamente variável; influenciada pela limitada capacidade de drenagem do solo, que manteve o nível do lençol freático elevado na maior parte do tempo (Figura 14 A), restringindo a lixiviação dos sais para as camadas inferiores. Gafni & Zohar (2007), ressaltam que, além das condições ambientais locais (condutividade hidráulica do solo, regime pluviométrico, balanço hídrico, qualidade da água local e o volume extraído pelo sistema de biodrenagem), o uso excessivo de insumos agrícolas (adubos) e o manejo de irrigação inadequado nas áreas adjacentes pode ter influenciado esse comportamento.Quanto à área experimental de Genigar, observa-se que antes da implantação do sistema de biodrenagem (Figura 15 B), a camada superficial (0 – 0,60 m) apresentava altos valores de CE (> 10 dS m-1), e posteriormente, observa-se uma redução significativa; em uma análise mais cuidadosa do comportamento da CE no perfil do solo ao longo do tempo, observa-se aumento da CE com aumento da profundidade; revelando uma migração gradual dos sais para as camadas mais profundas (Tabela 4). A implantação do sistema de biodrenagem não demonstrou efetividade na redução dos níveis de sodicidade do solo nas áreas experimentais (Tabela 5). Na área experimental de Nahalal observa-se um ligeiro aumento da RAS na camada de 0 – 0,60 m, atingido um Prof. (m) Concentração de Cloreto (mg L-1) Nahalal Genigar 1993 1999 2001 2002 2003 1993 1999 2001 2002 2003 0,00 - 0,30 232 1498 1558 1007 1052 3607 705 293 226 484 0,30 - 0,60 612 1370 2245 632 816 1072 1390 524 852 744 0,60 - 0,90 682 1216 673 422 482 725 1513 974 1471 1194 0,90 - 1,20 533 676 675 388 472 489 1446 1567 1644 1651 1,20 - 1,50 610 600 706 415 275 730 1267 1484 1766 1999 1,50 - 1,80 476 320 547 389 293 559 1260 1500 1753 2028 1,80 - 2,10 414 277 801 412 186 450 1267 1402 1619 2147 2,10 - 2,50 - 233 618 516 171 - 1493 1321 1678 2027 2,50 - 300 - 531 256 251 192 - 1589 1409 2228 2356 3,00 - 350 - 405 248 260 233 - 1376 1787 1596 2105 3,50 - 400 - - 266 271 248 - - 2054 467 820 4,00 - 4,50 - - 337 282 181 - - 1729 459 207 4,50 - 5,00 - - 334 245 187 - - 307 293 179 5,00 - 5,50 - - 280 280 203 - - 421 221 213 5,50 - 6,00 - - - 280 211 - - 424 212 193 Tabela 4. Concentrações de Cl- no perfil do solo nas áreas experimentais de Nahalal e Genigar localizadas no Vale Yizre’el, Israel. (Adaptado de Gafni & Zohar, 2007) Tabela 5. Valores da razão de absorção de sódio (RAS) no perfil do solo nas áreas experimentais de Nahalal e Genigar localizadas no Vale Yizre’el, Israel. (Adaptado de Gafni & Zohar, 2007) Prof. (m) RAS Nahalal Genigar 1993 1999 2001 2002 2003 1993 1999 2001 2002 2003 0 - 0,30 4,79 4,70 7,21 5,53 6,31 7,63 4,37 6,31 6,76 9,50 0,30 - 0,60 5,10 4,03 6,34 4,95 7,36 7,93 6,5 7,11 9,62 9,80 0,60 - 0,90 5,12 3,84 3,85 4,58 4,44 7,35 6,83 8,00 8,37 9,46 0,90 - 1,20 4,97 2,97 3,67 3,61 4,20 8,11 7,17 8,54 8,27 10,74 1,20 - 1,50 5,09 2,79 3,74 3,54 3,57 8,18 7,40 8,73 8,14 10,67 1,50 - 1,80 4,25 2,56 3,20 3,90 3,03 8,48 7,30 9,06 8,82 11,18 1,80 - 2,10 3,96 2,50 3,36 2,92 2,93 7,92 7,27 8,55 9,67 11,22 2,10 - 2,50 - 2,36 3,03 2,69 3,08 - 8,83 9,24 10,29 11,78 2,50 - 300 - 2,58 2,52 2,43 3,09 - 10,08 10,15 11,16 11,23 3,00 - 350 - 2,77 2,51 2,38 3,20 - 8,84 11,44 8,56 14,46 3,50 - 400 - - 2,66 2,31 3,19 - - 12,09 6,36 10,01 4,00 - 4,50 - - 2,66 2,30 3,07 - - 10,73 6,22 6,06 4,50 - 5,00 - - 2,63 2,28 2,82 - - 6,78 4,90 6,17 5,00 - 5,50 - - 2,67 2,34 3,05 - - 6,83 4,32 5,78 5,50 - 6,00 - - - 2,25 3,06 - - 7,92 4,16 5,45 444 Salomão de S. Medeiros et al. valor máximo de 7,36 em 2003, posteriormente, foi observado uma pequena redução nas demais camadas. Na área experimental de Genigar o efeito da sodicidade no solo foi mais pronunciado que em Hahalal, muito embora, tenha ocorrido redução do nível do lençol freático ao longo dos anos (Figura 16 B), a migração de sódio no perfil do solo foi incipiente, quando comparados aos de Ca2+, Mg2+ e Cl- resultando em aumentos nos valores de RAS, mas, sem afetar de forma significativa a condutividade hidráulica do solo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente no Brasil, não existem relatos na literatura especializada acerca do uso da biodrenagem, apesar do sistema apresentar inúmeras potencialidades, em especial em áreas irrigadas no semiárido. A bacia do São Francisco atualmente apresenta uma superfície irrigada de 514 mil hectares (ANA, 2009), onde, uma porção significativa tem apresentado problemas de drenagem. Nessa bacia, atualmente, encontram-se implantados vários Perímetros Públicos de Irrigação, onde é possível verificar áreas com problemas de alagamento, nível do lençol freático elevado e com problemas de salinização. Nessas condições, a implantação de sistemas de biodrenagem pode constituir em uma alternativa viável, frentes a resolução dos problemas de drenagem e os elevados custos dos sistemas convencionais; todavia, estudos norteadores deverão ser realizados objetivando a definição de critérios técnicos adequados as condições locais. Dentre as prioridades de pesquisas destacamos: 1. Extração de água pelo sistema de biodrenagem: as plantações florestais de eucalipto têm estado no meio de grandes controvérsias e continuam a despertar acalorados debates quanto a seus impactos no meio ambiente. De modo geral, criticam-se os efeitos sobre o solo (empobrecimento e erosão) e a água (impacto sobre a umidade do solo, os aquíferos e lençóis freáticos) (Vital, 2007); neste contexto, estudos comparativos entre o consumo de água em plantações de eucaliptos (Eucalyptus grandis W. Hill ex Maiden) e de florestas nativas (Mata Atlântica) desenvolvidos por Almeida & Soares (2003), constataram que os consumos se equivalem. Sendo a evapotranspiração da cultura o meio de extração de água pelo sistema de biodrenagem, pesquisas quanto ao consumo de espécies florestais mais adaptadas as condições do semiárido brasileiro precisam ser realizadas, demonstrando que o balanço entre as entradas (precipitação, irrigação e/ou contribuição externas) e saídas (evapotranspiração) de água na área seja negativo, comprovando a eficácia do sistema. Densidade de plantio é outro ponto que deve ser considerado, visto que, o sistema deve promover a máxima taxa de evapotranspiração por unidade de área ocupada. 2. Tolerância das espécies florestais a salinidade do solo: geralmente, as áreas com problemas de drenagem, especialmente, aquelas localizadas em regiões áridas e semiáridas, apresentam concentrações significativas de sais na solução do solo; em princípio, os sais tendem afetar negativamente o desenvolvimento das plantas, devido o efeito osmótico restringir a disponibilidade de água e, reduzindo a taxa de evapotranspiração da cultura. Pode haver também o efeito tóxico de íons específicos, como sódio, cloreto e boro, dentre outros, que causam sintomas característicos de injúria, associados à acumulação do íon específico na planta. Entretanto, estudos direcionados na definição de espécies florestais tolerantes a salinidade, constitui-se fator preponderante para a eficiência do sistema de biodrenagem. 3. Balanço de sais: a rigor, todas as águas naturais, quer sejam elas de origem pluvial, superficial ou subterrânea, contêm sais dissolvidos em quantidades variadas, porém, a prática de irrigação, mesmo quando se utiliza água de boa qualidade aporta significativas quantidades de sais ao solo, em razão dos elevados volumes de água aplicados. Pesquisas em várias regiões demonstram que a absorção do sais pelas plantas é insignificante em comparação com as aportas via irrigação. Hoffman (1990) menciona que na maioria das condições agrícolas onde a salinidade é uma preocupação, as remoções dos sais pelas colheitas podem ser ignoradas na equação do balanço de sais. Então, estudo direcionado a espécies florestais que, além de promover a extração máxima de água, incorpore em sua biomassa, significativa quantidade de sais, visando à manutenção do equilíbrio de sais no solo. 4. Manejo do sistema de biodrenagem: estudos também devem orientar os critérios técnicos quanto aos tratos culturais, desbaste, modelo de exploração do potencial madeireiro sem o comprometimento da eficiência do sistema e a relação custo beneficio do sistema. REFERÊNCIAS Akram, S.; Kashkouli, A, H.; Pazira, E. Sensitive variables controlling salinity and water table in a bio-drainage system. Berlim: Springer Science, 2009, p271-285. Allen, R. G.; Pereira, L. S.; Raes, D.; Smith, M. Evapotranspiración del cultivo – Guías para la determinación de los requerimientos de agua de los cultivos. Rome: FAO, 2006. 298p. Riego y Drenaje Paper 56 445Biodrenagem Almeida, A. C.; Soares, J.V. Comparação entre uso de água em plantações de Eucalytus grandis e floresta ombrófila densa (Mata Atlântica) na costa leste do Brasil. Revista Árvore, v.27, n.2, p.159-170, 2003. ANA - Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2009. Brasília: ANA, 2009. 204p. Ayers, R.S.; Westcot, D.W. 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