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30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 1/46 POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Descrever alguns marcos políticos internacionais e nacionais, bem como alguns conceitos que subsidiam as práticas pedagógicas de forma teórica e metodológica. Problematizar alguns aspectos políticos tendo como base os principais conceitos que orientam as práticas pedagógicas a �m de organizá-las de forma a que todos possam aprender nos contextos educacionais. Apresentar as principais políticas que ancoram a educação inclusiva, a partir de 1990. A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Capítulo 2 NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 2/46 Importa mostrar nesse capítulo como determinadas políticas foram criadas, a partir da Constituição de 1988, a �m de identi�car alguns efeitos que elas produzem nos contextos educacionais. Alguns princípios e conceitos já foram anunciados no capítulo anterior, que subsidiam o planejamento e desenvolvimento de propostas pedagógicas inclusivas em diferentes contextos educacionais. Além disso, o conceito de in/exclusão como princípio organizacional das práticas, permite identi�carmos como a inclusão se tornou um imperativo de Estado e que, a partir das políticas de inclusão e dos organismos nacionais e internacionais, podemos visualizar as possibilidades de construir outras práticas no contexto da educação. A partir daí, pode-se perceber outros conceitos relacionados à Educação Inclusiva, considerando os já discutidos, tais como integração, inclusão, acessibilidade, de�ciência e o imperativo da inclusão. Assim, temos que buscar de forma constante outras referências para continuarmos pensando sobre as diferenças. Precisamos nos perguntar de forma constante: será que as políticas de inclusão estão atendendo as necessidades dos sujeitos e dos contextos educacionais? Será que esse tipo de inclusão que vem ocorrendo nos contextos educacionais é o que os sujeitos a serem incluídos almejam? Será que os sujeitos estão se sentindo incluídos nos espaços, nas práticas educacionais e nas relações entre os sujeitos? Quem estaria sendo mais bene�ciado com esse tipo de inclusão ocorrendo no contexto educacional? Essas re�exões que consideram as políticas e seus impactos no contexto da Educação e na Escola, pode incentivar a construção de uma atitude investigativa, que problematiza as práticas realizadas com os sujeitos, voltando-se o olhar para todos, incluindo aqueles que vivenciam esse lugar de “incluído” ou de aluno com necessidades educacionais especiais, ou ainda, pessoa com de�ciência (KLEIN, 2015). O marco histórico ao qual será apresentado as principais políticas que ancoram a educação inclusiva, será a partir de 1990. Primeiramente, é importante destacar o conceito de política que se defenderá nesse capítulo. Não se trata de veri�car se as políticas estão ou não sendo cumpridas, mas antes de pensar em como elas foram criadas e o que elas são capazes de instituir nos contextos aos quais se vinculam. De acordo com Mainardes (2006), apoiado nos estudos de Stephen Ball e Richard Bowe, a abordagem do ciclo de políticas constitui-se num referencial analítico útil para a análise de programas e políticas educacionais porque permite a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde sua formulação inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus e efeitos. A seguir, trataremos sobre esse contexto da prática educacional, ao qual as políticas inclusivas estão vinculadas e que possibilitaram a criação das mesmas no que se refere ao marco principal a partir da constituição de 1988. Por isso, a partir daí, aborda-se alguns princípios e conceitos que podem subsidiar o planejamento e desenvolvimento de propostas pedagógicas inclusivas em diferentes contextos Capítulo 2 NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 3/46 educacionais. Assim, importa ressaltar, que as políticas de inclusão são fundamentais para que possamos avançar em termos de direitos à inclusão em nosso país (RECH, 2011; MENDES, 2010). No entanto, precisamos re�etir sobre o que fazemos cotidianamente no contexto educacional, pois não bastam as políticas existirem, elas por si só não garantem a inclusão (PROVIN, 2015). Dessa forma, iremos compreender e, retomando o capítulo anterior desse livro, veremos que a inclusão deve ser tomada a partir dos processos de in/exclusão. Diante dessa premissa, iremos também re�etir sobre a ideia de que a inclusão tornou-se um imperativo de Estado (LOPES; FABRIS, 2013) e que, a partir das políticas de inclusão e dos organismos nacionais e internacionais, é preciso visualizar as possibilidades de construir outras práticas inclusivas no contexto da educação, não apenas copiar modelos prontos de outros países. Nesse sentido, precisamos ainda explorar de forma mais aprofundada, a respeito do conceito de in/exclusão como princípio organizacional das práticas. Vinculado a esse conceito central - in/exclusão -, visualizaremos outros que igualmente constituíram o que chamamos hoje de Educação Inclusiva, bem como as políticas de inclusão, no campo da Educação (LOPES; FABRIS, 2013). Os conceitos de integração, inclusão, acessibilidade, de�ciência e o imperativo da inclusão, serão explorados aqui a �m de que possamos observar como as práticas inclusivas são e podem ser organizadas no contexto educacional. Veremos que muitas delas são realizadas para cumprir a legislação, ou seja, como um imperativo de Estado, a inclusão torna-se possível. Assim temos que nos perguntar: será que esse tipo de inclusão é o que almejamos? Será que os sujeitos se sentirão incluídos nos espaços e nas relações que se estabelecem no interior das instituições? Quem estaria sendo bene�ciado com esse tipo de inclusão ocorrendo? Para �nalizar, apresentaremos algumas considerações sobre as políticas e seus impactos no contexto da Educação e na Escola. Situar tais impactos não signi�cam imobilizar-se diante das situações de inclusão, acreditando que as políticas por si só garantem tais impactos de forma natural e automática. Não se trata de incitar imobilização em relação as propostas pedagógicas. Ao contrário, o que se pretende é incentivar uma atitude investigativa, que pode problematizar as práticas realizadas com os sujeitos, voltando-se o olhar para todos, incluindo aqueles que vivenciam esse lugar de “incluído” ou de pessoa com de�ciência (KLEIN, 2015). Essa postura investigativa vai exigir “rever, experimentar, avaliar, planejar, investigar, discutir, conversar, compreender, questionar, criticar”, envolvendo a todos os interessados, numa relação de simetria de saberes, não assumindo o lugar de especialista que sabe mais e, por isso, de�ne o que é melhor. Vai, antes, escutar a todos, a partir daí buscar referenciais para analisar e re�etir sobre a situação, estudando e investigando, a partir dela, as possibilidades ainda não pensadas e das contingências daquela situação, a qual uma nunca será igual a outra situação já ocorrida. Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 4/46 Conforme Lopes (2005), será preciso “desarrumar a casa”. Essa autora a�rma que precisamos sempre considerar o currículo - ou seja, quais são as orientações institucionais, quais conteúdos ensinar, porque ensinar estes e não outrosconteúdos - que orienta as práticas, visualizando os sujeitos e suas necessidades, bem como os nossos princípios pro�ssionais e éticos. 2 POLÍTICAS QUE ANCORAM A EDUCAÇÃO INCLUSIVA Antes de trazer algumas políticas para compreender como elas tem ancorado a Educação Inclusiva, iniciamos com o conceito de política a �m de explicar que elas podem ser entendidas como práticas de um tempo. “As políticas são práticas que fazem mais do que nomear e regular a população, mas que ao fazer isso, produzem posições, outras práticas até mesmo os sujeitos que vivem sob essas políticas” (LOPES; FABRIS, p. 80). Isso signi�ca que as políticas não são aleatórias ou nos apresentam textos neutros, criados apenas para “ajudar” ou “contribuir” para resolver determinada situação no contexto da prática. As políticas nunca serão neutras, Sardanha (2006, p. 3) a�rma que elas são um “conjunto de práticas que inventa o que elas de�nem e que, por sua vez, é condição de possibilidade para se estabelecerem verdades especí�cas que, ao serem atravessadas pelas tendências globais, constituem os próprios sistemas de ensino”. São estas verdades especí�cas relativas ao campo educacional, que abordaremos a �m de questioná-las. Não se trata de retirar a importância, a validade de tais políticas, ou mesmo de colocar-se contra a elas; mas antes, de perceber o quanto elas são discursos que expressam verdades, de�nem ações, modos de agir e de pensar. “Os discursos incorporam signi�cados e utilizam de proposições e palavras, onde certas possibilidades de pensamento são construídas” (BALL, 1993 apud MAINARDES, 2006, p. 54). Nesse sentido, a política como discurso estabelece limites sobre o que se pode pensar e tem o efeito, segundo esse autor, de distribuir “vozes”, porque que somente algumas vozes serão ouvidas como legítimas e investidas de autoridade. Podemos visualizar esse entendimento a partir de Foucault, o quanto as políticas podem tornar-se “regimes de verdade”. Esses regimes de verdades, representados pelas políticas, serão tratados como discursos que inventam práticas. Quando falamos em política estaremos sempre nos referindo a preocupação com o governo da população, da vida das pessoas e de uma nação. O termo governo é utilizado como a ação de governar. Com base nos estudos de Veiga-Neto (2005), é preciso fazer essa distinção entre Governo e governo. Nesse caso, a ação de governar a população será mais importante – governo - do que olharmos para a forma de Governo de uma determinada gestão política especí�ca, a qual seria tratada como Governo com “G” maiúsculo. Nesse Capítulo 2 NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 5/46 sentido, o autor defende que quando o uso de governo for no sentido de ação que ele possa ser grafado como governamento para tornar: mais rigoroso e mais fácil o duplo entendimento que, na perspectiva foucaultiana, é possível atribuir à palavra governo. Foi por isso, certamente, que o �lósofo usou duas palavras diferentes – gouverne e gouvernement – em seus escritos de Filoso�a Política (VEIGA-NETO, 2005, p. 81). Nessa perspectiva, os governos – o Governo da República, o Governo municipal, o Governo do Estado (em geral grafado com G maiúsculo) – refere-se ao Estado que centraliza ação de governar. É justamente o que o autor sugere é o uso do vocábulo governo que seja substituído por governamento nos casos em que estiver sendo tratada a questão da ação ou ato de governar. Muito se vê expressa essa centralidade na ação de governar por parte do Estado nos textos políticos. A exemplo disso, o documento citado a seguir apresenta as políticas de inclusão em termos de avanços. É citado nesse documento que a partir dos anos 1960, houve uma espécie de “politização do tema da de�ciência, capitaneada por ativistas e organizações de pessoas com de�ciência ao redor do mundo, o que resultou em maior visibilidade e importância da questão para os agentes políticos e para a sociedade em geral” (BRASIL, 2012, p. 16). De acordo com esse documento intitulado “Avanços das políticas públicas para as pessoas com de�ciência: uma análise a partir das conferências nacionais”, vários países foram envolvidos, criando medidas antidiscriminatórias que objetivava garantir direitos iguais para pessoas com de�ciência. A partir desse entendimento, expresso no documento, o conceito de de�ciência vai se modi�cando: era visto como resultado de algum impedimento físico ou mental, devendo ser tratada e corrigida, por algum tipo de intervenção de pro�ssionais para “resolver” o “problema”, e assim se adaptar à sociedade. A visão assistencialista, de caráter paternalista e excludente, era a que permanecia nesse período (BRASIL, 2012). No entanto, o documento aponta então para os avanços, mostrando que o conceito de de�ciência vai sendo modi�cado e questionado, voltando-se para as formas de exclusão provocada pela organização social contemporânea, com foco não mais na culpa individual daquele que tem a de�ciência, mas sim nas barreiras que impedem o acesso dessas pessoas. O foco então das políticas, segundo o documento, passa a ser a preocupação com o acesso dessas pessoas em que é possível observar já no documento da Constituição Federal de 1988. A constituição, institui um conjunto de outras políticas expandindo-se os direitos em diferentes setores sociais. Cita-se nesse documento: 1) no Capítulo II da Constituição, que trata dos Direitos Sociais, o inciso XXXI do artigo 7º proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com de�ciência. 2) no artigo 23, inciso II, prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios tratarem da saúde e assistência pública, da proteção e da garantia dos Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 6/46 direitos das pessoas com de�ciência. 3) no artigo 24, inciso XIV, de�ne que é competência da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteção e integração social das pessoas com de�ciência. 4) no artigo 37 trata da reserva de percentual de cargos e empregos públicos para pessoas com de�ciência (BRASIL, 2012). Assista ao vídeo “Ted Ideas Worth spreading” - “Não sou sua inspiração, obrigada”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch? v=8K9Gg164Bsw>. FIGURA 1 – “NÃO SOU SUA INSPIRAÇÃO, OBRIGADA” FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=8K9Gg164Bsw>. Ao apresentar a sua história, Stella Yung, nos apresenta questões fundamentais para pensarmos sobre como os sujeitos com de�ciência eram (ou ainda são?) narrados e representados. Ela a�rma que o modelo social da de�ciência como falta, como sinônimo de incapacidade, como algo digno de pena, tem incitado a algumas pessoas com de�ciência que não representam esse modelo pautado a partir da necessidade de compartilhar sua vida servindo de inspiração para as demais pessoas consideradas “normais”. Stella diz que sente muito, mas que irá desapontar o público, pois não irá inspirá-lo. Servir de inspiração apenas pelo simples fato de acordar pela manhã e sair para trabalhar, por exemplo, não a faz melhor do que ninguém, e muito menos servir como exemplo a ser seguido. Stella a�rma que a de�ciência torna você excepcional. Essa representação está posta nas Capítulo 2 https://www.youtube.com/watch?v=8K9Gg164Bsw https://www.youtube.com/watch?v=8K9Gg164Bsw 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 7/46 políticas que visam garantir diretos a todos, mas que diferenciam para poder classi�car, nomear e instituir práticas que possam bene�ciar essas pessoas. Stella também questiona as políticas no sentido de que todosprecisam reconhecer a importância delas para garantir direitos iguais a todos, mas que elas produzem esses efeitos de representação de quem é o outro de�ciente. Ela reconhece que aprende de forma constante com o outro, com as resistências uns dos outros e não contra os seus corpos e diagnósticos, que aprendeu a usar seu corpo ao máximo. Ela sonha com um modelo de sociedade em que a de�ciência não seja mais a exceção, e sim o normal. Tendo em vista esse cenário mais amplo de garantia de direitos às pessoas com de�ciência na constituição federal de 1988, pode-se a�rmar que em relação a política educacional Brasileira do início da década de noventa, de acordo com Mendes (2010), foi marcada pelo discurso esperançoso dessa ênfase nos direitos sociais conquistados através desse documento. A ênfase na universalização do acesso à educação, também buscava atender as premissas do projeto neoliberal que prometia o ingresso do país na era da modernidade através da reforma do Estado. Então o que se evidenciou foi uma onda de reforma no sistema educacional. A autora destaca que diante dos problemas de desempenho da educação nacional o país vai sendo cada vez mais pressionado por agências multilaterais a adotar políticas de “educação para todos” e de “educação inclusiva”. Nesse sentido, podemos observar a inclusão a partir da ideia de imperativo. De acordo com Lopes e Fabris (2013) tem sido imprescindível discutir a educação a partir dos processos inclusivos no cenário nacional e internacional, colocando-se de forma favorável, defendendo essa posição de forma constante. Percebe-se uma defesa da inclusão nos debates políticos, associações, sindicatos, escolas, empresas, ONGs, mídias, ou seja, todos os níveis de ensino e espaços da sociedade. A mídia tem sido enfática em seus posicionamentos favoráveis à inclusão, abordando o tema através de propagandas de televisão, �lmes, telenovelas, desenhos animados etc. Exemplos de práticas de inclusão na mídia 1 Cite dois exemplos em que a mídia aborda o tema da inclusão. Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 8/46 Responder Responder 2 Formule uma questão a respeito dos seus exemplos que expressa uma visão que não apenas concorda com o que foi mostrado, mas busca questionar sobre as verdades que aquela representação sobre a de�ciência quer evidenciar. Importa destacar que esses posicionamentos não garantem processos inclusivos. O que temos visto como necessidade é compartilhar questões a respeito desses discursos pró-inclusão. Lopes e Fabris (2013, p.78) a�rmam que num primeiro momento as políticas de inclusão, ou esses discursos pró-inclusão, aparecem de forma compulsória, como um imperativo, mas num segundo momento “é preciso que cada um se dobre a essas verdades, acredite nelas ou ao menos as aceitem como promessa de mudança de vida”. Trata-se de uma rede em que cada um de nós participa enquanto uma população. Primeiro de forma compulsiva e, posteriormente, cada um deve se curvar a essas verdades, acreditar nelas para Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 9/46 transformar suas vidas. De acordo com as autoras citadas, a inclusão como imperativo, pode ser vista como uma lógica orientadora da vida, como condição de participação de todos. Nesse contexto, destaca-se a partir da década de 1990, que a ênfase nas políticas educacionais passou a apontar para a necessidade de ofertar educação para todos. Sardanha (2006) apresenta alguns elementos que explicitam tal necessidade. De acordo com os estudos dessa autora, as formas de ingresso, as �exibilizações curriculares, as novas ofertas de educação à distância, as implementações de propostas de ensino para todas as idades, entre outras, representam esse cenário onde todos devem estar contemplados. Proliferam-se a partir daí, discursos que consolidam “[...] práticas e signi�cados tomados como premissa inquestionável, uma vez que o sentido dado a essas práticas supõe a luta pela humanidade em favor daqueles que estão em condições desfavoráveis” (SARDANHA, 2006, p. 1). Ao analisar o Movimento de Educação para todos, Sardanha (2006) utiliza-se do Plano Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2001) para mapear as ações de promoção da universalização do ensino, de melhoria da qualidade e promoção do acesso a todos os níveis de ensino. O PNE visa resolver uma série de problemas relacionados a exclusão por meio do processo de escolarização. Pretende-se: a) diminuir as taxas de analfabetismos, b) reduzir o número de crianças fora da escola, c)elevar o nível de escolaridade da população, d) melhorar a qualidade de ensino em todos os níveis, e)reduzir as desigualdades sociais e regionais, e f)democratizar a gestão da Educação pública (BRASIL, 2001). Em relação a matrícula dos alunos com necessidades especiais, pode-se perceber no documento da LDBEN/96, que o termo “preferencialmente” indica que a matrícula pode ocorrer na rede regular de ensino (BRASIL, 1996, p. 6). Posteriormente, consolidando esse movimento de ingresso de todos na escola e, ainda o quanto antes melhor, observa-se também na Lei 11.114/20053, a obrigatoriedade do ingresso de alunos a partir dos seis anos de idade no ensino fundamental, a ampliação da jornada escolar em turno integral, as classes de aceleração, a universalização do ensino e a minimização da repetência. Todas essas ações são indicativas dessa lógica da educação para todos que pautaram e continuam pautando as políticas educacionais em todas as instâncias. Importante ressaltar que essa lógica pretendeu atingir todos os níveis de ensino, buscando constituir sujeitos cidadãos de um mundo global, uma vez que estamos vivendo num mundo considerado global. Essa orientação passou a pautar a redução das desigualdades sociais e a ampliação das oportunidades de aprendizagem. Pode-se destacar tais ações a partir da Declaração Mundial sobre Educação para Todos” conferência mundial realizada em Jomtien, Tailâdia (1990). Tal Declaração foi convocada pelos seguintes organismos: Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas para o Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 10/46 Responder Desenvolvimento (PNUD); Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Ciência (UNESCO); Banco Mundial (BM). (SARDANHA, 2006). Essa Declaração incita compromissos internacionais, de�nindo que os países envolvidos elaborassem Programas para serem desenvolvidos em dez anos. Nosso PNE, portanto, é resultado desses movimentos realizados em nível global, e tem como objetivo central a formação de: Sujeitos com mobilidade para viver num mundo em constantes mudanças, que se possam adequar facilmente aos preceitos globais, uma vez que visam desenvolver as competências exigidas pelas transformações contemporâneas. Nessa lógica, o acesso à escola está vinculado ao exercício da cidadania (SARDANHA, 2006, p. 7). Importa ainda chamar a atenção que estes preceitos globais engendram práticas cada vez mais voltadas ao apelo às parcerias aliado ao imperativo de educação para todos. As parcerias rea�rmam as responsabilidades da União para outros setores, inclusive, para a iniciativa privada. De acordo com Veiga-Neto (2000, p. 198), essa minimização do Estado traduz a seguinte operação: “[...] o Estado deve se ocupar só com algumas atividades ‘essenciais’, como a Educação e a Saúde; e, assim mesmo, encarregando-se de, no máximo, regulá-las ou provê-las”. Exemplo de programa de inclusão 1 Cite alguns programas de inclusão voltados a área da educação. 2 Disserte sobre um dos programas, apresentando mais detalhes e destacando os objetivos e os resultadosesperados. Consulte a internet para pesquisar sobre o programa escolhido. Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 11/46 Responder Diante desse cenário podemos situar as políticas de educação inclusiva a partir da Declaração de Salamanca que resultou da Conferência Mundial de Educação Especial, realizada na Espanha em 1994. Percebeu-se um comprometimento das nações para que a educação das pessoas com necessidades especiais ocorresse e se desenvolvesse nos sistemas de ensino regular. Na LDBEN/96, conforme citado anteriormente, já havia esse propósito, mas o termo “preferencialmente” e a forma de chamar “pessoas com de�ciência”, ainda não expressava os princípios legitimados em Salamanca. O conceito “necessidades educativas especiais”, portanto, mostra-se como uma forma de suavizar os termos anteriormente relacionados às pessoas com de�ciência (RECH, 2010). Nesse sentido, que a Educação Inclusiva vai ganhando espaço e força nos discursos pró-inclusão, podendo ser vista como um jargão na área educacional para marcar práticas que desejamos mais justas, democráticas e solidárias (KLEIN, 2010). O imperativo da inclusão, o qual iremos abordar com mais detalhes adiante, primeiramente foi centrado no acesso arquitetônico, incentivando e buscando garantir que todos ingressassem no ensino regular, mas atualmente percebe-se uma ênfase na dimensão pedagógica, ou seja, perguntando-se como esses sujeitos ditos incluídos estão aprendendo. Trazer para o debate, a questão curricular nesse caso, é fundamental, pois já sabemos que não se trata mais de apenas colocar os sujeitos para dentro, ou de se colocar contra ou a favor da inclusão, não é uma questão que pode ser analisada de forma binária. De acordo com Klein e Lopes (2008 apud KLEIN, 2010, p. 15) “colocando o foco na escola, quando penso em inclusão, referimo-nos a toda e qualquer posição de aprendizagem e de aluno criada a partir das relações que são estabelecidas naquele espaço”. A partir dessa premissa é que as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (2001) vão trazer o conceito de Educação Especial de forma integrada a Educação Inclusiva, abarcando até a Educação Básica. Posteriormente, no documento da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação inclusiva (2008) Capítulo 2 NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 12/46 é que a Educação Inclusiva vai ganhar mais centralidade e a Educação Superior passar a ser abarcada. A de�nição de Educação Especial é nos apresentada neste documento da seguinte forma: A Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2007, p. 10). Como uma modalidade de ensino, conforme já vimos no capítulo anterior, a Educação Especial é atravessada por dois movimentos distintos: o de integração e de inclusão escolar. O primeiro deles, de acordo com Rech (2010) marcou um “movimento de integração” que iniciou muito antes do Governo de Fernando Henrique Cardoso como presidente do Brasil, pois tratava-se de uma necessidade de encontrar um lugar para as crianças que estavam fora da escola, dando-lhes oportunidades de estudar na classe regular e quando possível na escola especial. Muitas campanhas e sensibilizações foram surgindo nesse período do primeiro mandato que transcorreu de janeiro de 1995 à 1999. “Iniciativas como o projeto Nordeste, O Programa Dinheiro na Escola, O Programa Comunidade Solidária, O programa TV Escola e o Programa do livro didático”, são citados pela autora como um fortalecimento, e “uma forma de transformar todos na extensão do Estado, ou seja, todos vão fazer a vigilância de todos. (RECH, 2010, p. 25). O segundo movimento, a partir de 1999, de acordo com a mesma autora, o “movimento de inclusão escolar”, passa a ganhar centralidade. Esse movimento signi�cou uma ênfase em práticas de inclusão fortemente ligada às questões sociais, mas na escola a proposta de integração ainda era visível. Esse movimento, portanto, pretendia uma transformação educacional que visava novos desa�os para incluir a todos, não mais apenas integrando-os no contexto educacional, até porque a legislação vigente passava a exigir. Diante desse cenário, pode-se analisar o cenário contemporâneo, a partir dos princípios neoliberais em que “[...] o governo repassa à população a tarefa do cuidado de si e do outro, diminuindo as responsabilidades do Estado com relação à vigilância da ordem publica e aumentando, dessa forma, as práticas de governamento” (RECH, 2010, p. 28). Trata-se, segundo a autora, de uma lógica pautada em dar maior oportunidade a todos onde se estimula ao mesmo tempo valores como autonomia, liberdade, solidariedade e competição (RECH, 2010). A inclusão pode ser caracterizada a partir daí, como um imperativo. Todos precisam estar incluídos para permanecerem e sustentarem essa lógica. Lopes e Fabris (2013) a�rmam que a inclusão como imperativo precisa necessariamente aceitar essa forma de interpelação do Estado, onde mais do que impor a todos, são necessárias Capítulo 2 NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 13/46 normativas para fazer valer e legislar sobre as práticas. As autoras nos permitem ir além nessa análise sobre a inclusão a�rmando que esse conceito precisa ser tomado a partir de uma radicalização da crítica mais ampla atrelada ao sistema neoliberal. Elas a�rmam que é necessário: “[...] analisar as condições de possibilidade para que os diferentes gradientes de inclusão sejam vividos e que a inclusão não seja entendida como um ponto de chegada, mas como um desa�o permanente” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 110). Para analisarmos nessa perspectiva é preciso optar então por compreender a inclusão a partir do processo de in/exclusão, o qual apresentaremos em maior detalhamento no próximo subtítulo. Vale situar a legislação vigente, a qual evidencia essas tendências neoliberais também em relação a Educação, pois ao criarem estratégias e técnicas que indicam a inclusão de todos no ensino regular, permitem a regulação de todos aqueles que estavam em escolas especiais ou fora das instituições. Conforme o documento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, os dados do Censo Escolar/2006, na educação especial, registram a evolução de 337.326 matrículas em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um crescimento de 107%. No que se refere à inclusão em classes comuns do ensino regular, o crescimento é de 640%, passando de 43.923 alunos incluídos em 1998, para 325.316 alunos incluídos em 2006 (BRASIL, 2008). O Brasil, portanto, sob a ótica do Estado, vem avançando, alcançando números expressivos com relação a essa premissa de todos pela educação e todos na escola regular. No entanto, não somente os números precisam ser considerados, e sim a lógica orientadora desse projeto neoliberal como já vimos. De acordo com Rech (2010) a ênfase está na inclusão da pessoa, e não mais na sua integração. A inclusão de todos no espaço escolar não exigirá esforços da população, pois as políticas, os programas, as legislações é que precisarão garantir o direito de todos a educação regular. O que vai mudar são as práticas, o que veremos mais adiante com a instituição do Atendimento Educacional Especializado - AEE na escola, visando constituir uma rede de apoio aos alunos considerados “incluídos”.Esses rótulos “aluno incluído” ou “aluno de inclusão” ou “aluno com necessidades educacionais especiais”, precisam ser mantidos como uma condição necessária para que ele possa permanecer no jogo competitivo da escola e do mercado, sendo contabilizado nos censos, nas estatísticas, legitimando a lógica neoliberal (RECH, 2010). Formas de nomear os alunos na escola A partir de uma conversa informal com professores que atuam em escolas pergunte como eles tem chamado os alunos que apresentam questões em Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 14/46 relação à aprendizagem. Aqueles alunos que frequentemente não acompanham o ritmo da turma e que, por isso, exigem um olhar diferenciado do professor. Caso os professores não apresentem outras formas de nomearem, pergunte a ele se já ouviram outros professores nomeando seus alunos. Faça o registro dessas formas de nomear, analise e re�ita sobre isso com base nos estudos realizados até aqui. A ideia é ampliar o repertório sobre as formas como os alunos são chamados para além do politicamente correto. Poderá aparecer formas pejorativas ou estereotipadas, tais como “lento”, “agitado”, “hiperativo”, “quieto”, “tímido”, entre outros, que nos remetem a re�exão sobre como tais nomes podem contribuir com a maneira que esses alunos se identi�cam e constituem suas identidades. Essas formas de nomear não apenas descrevem como os alunos são, mas acabam posicionando-os na escola fazendo com que acreditem nessas descrições e agindo dessa forma sugerida por estas caracterizações. Com relação à necessidade de modi�car as práticas pedagógicas, tornando-as mais inclusiva, é que o texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva apresenta-nos como objetivo: [...] assegurar a inclusão escolar de alunos com de�ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais pro�ssionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p. 14). No texto �ca evidente preocupações do âmbito do acesso, mas também pedagógico visando assegurar o direito de todos os alunos participar e aprender. Conforme as discussões apresentadas sobre o imperativo da inclusão de todos, pode-se a�rmar que ele não está presente somente nas legislações brasileiras, mas nos discursos dos principais organismos internacionais. De acordo com Provin (2015), não se trata de colocar-se contra, pois buscamos uma educação que esteja de fato ao alcance de todos. Contudo, há de se considerar que Capítulo 2 NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 15/46 [...] os discursos que constituem as políticas educacionais, através dos processos de signi�cação, vão produzindo modos especí�cos de ser aluno, sujeito, cidadão, cujos sentidos estão também nos discursos econômicos, sociais, culturais em âmbito nacional e internacional, que tecem as práticas da globalização (PROVIN, 2015, p. 7). Nessa perspectiva, como a escola tem se organizado, preparado para trabalhar com todos os alunos? Uma das possibilidades que tem exigida pela legislação é a adaptação curricular. Conforme Klein (2010) a adaptação curricular precisa ser muito discutida no âmbito da escola, pois ela é muito perigosa. A adaptação curricular pode ser pensada como um conjunto de estratégias que permitem �exibilizar os conteúdos do currículo de modo a permitir a todos estabelecer relações com o saber. No entanto, a adaptação curricular pode permitir fazer ajustes em relação ao que se pretende ensinar, mas o conhecimento não é problematizado e muito menos a própria base epistemológica em que a inclusão é proposta (Klein, 2010). A autora a�rma que: [...] o currículo não só dispõe, mas constitui os escolares a partir de práticas que visam a sua inclusão. Essa inclusão, não sendo permanente, está constantemente sendo movimentada pelos diagnósticos, estatísticas e avaliações que nós, pro�ssionais da educação, ajudamos a constituir. Por isso, deixamos aqui um convite para, quando falarmos de “inclusão”, a relacionarmos com as questões curriculares (KLEIN, 2010, p. 25). Se o currículo é capaz de construir práticas, identidades, modos de ser e de agir no contexto educacional, precisamos estar atentos as formas como os alunos vem se constituindo. Segundo ainda o texto da Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, considera-se alunos com de�ciência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais especí�cos estão: dislexia, disortogra�a, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros (BRASIL, 2008, p. 15). O que representa mantermos o “especial” em relação as práticas pedagógicas diferenciadas? (LOPES; FABRIS, 2013, p. 113). A marca do especial aquele que não aprende é representada por uma série de justi�cativas, tais como impedimentos, Capítulo 2 NOTEBOOK Realce NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 16/46 restrição, transtornos, alterações, repetições, elevação, entre outras. Se por um lado, precisamos trabalhar com as diferenças, considerando-as em nosso fazer pedagógico – que discutiremos a seguir – a �m de ajustar os planejamentos de acordo com as necessidades que se apresentam, por outro corre-se o risco de reforçar esse lugar de aluno incluído, aluno especial, dentre outras formas de nomear, conforme já vimos. Na charge a seguir pode-se analisar o quanto essas diferentes formas de nomear os alunos passam a ser naturalizadas a partir de um determinado padrão normal, o qual serve de referência, como óculos para nos fazer enxergar. FIGURA 2 - A AVALIAÇÃO Fonte: <www.museudainfancia.unesc.net>. No caso representado na charge, todos os alunos apresentam questões que incomodam a professora, pois somente um aluno pode ser considerado normal. Ou seja, somente o aluno que ela vê como sendo igual a ela. Observe que as Capítulo 2 http://www.museudainfancia.unesc.net/ 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 17/46 caracterizações - “vivo demais”, “desorganizada”, “abúlico” (indiferente, sem vontade), “de�ciente”, “caracterial” (apresentaperturbações de carácter), “tímida demais”, “mal educada”, e somente um deles como sendo “normal” – elas não apenas são utilizadas para descrever determinados comportamentos, mas antes eles de�nem a forma como cada um se vê e passar a assumir para si determinadas características como suas, sendo impossível de serem modi�cadas. De acordo com Ross (2007), o grande desa�o seria suspeitarmos de forma constante do nosso olhar e de nossas atuações. Além disso, a autora diz que é necessário re�etir sobre o lugar de um suposto padrão e as relações que se estabelecem nas instituições. Segundo Ross (2007) precisamos repensar as maneiras de olhar para as diferenças na escola e experimentar um olhar que procure suspeitar como elas são percebidas e nomeadas por nós, pois elas “são produzidas em nossa cultura escolar, emaranhada em uma ampla rede de relações de poder e de discursos que constituem o modo como olhamos, como dizemos, como descremos, como avaliamos, como agimos” (ROSS, 2007, p. 65). Essas formas de nomear os alunos, utilizando-se não mais apenas o senso comum, mas os diagnósticos clínicos, ou seja, a visão dos especialistas, médicos, neurologistas, psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros pro�ssionais, começa a surgir mais fortemente quando o Atendimento Educacional Especializado – AEE passa a ser legitimado pelas políticas educacionais. Nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, já se evidenciava a necessidade desse tipo de atendimento especí�co para os alunos considerados “com necessidades especiais” dentro da escola regular, conforme pode-se visualizar, no Art 7º e 8º: Art. 7º O atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica. Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns: I - Professores das classes comuns e da educação especial capacitados e especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos; II - Distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas várias classes do ano escolar em que forem classi�cados, de modo que essas classes comuns se bene�ciem das diferenças e ampliem positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar para a diversidade; III – �exibilizações e adaptações curriculares que considerem o signi�cado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos Capítulo 2 NOTEBOOK Realce 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 18/46 que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória; IV – Serviços de apoio pedagógico especializado, realizado, nas classes comuns, mediante: a) atuação colaborativa de professor especializado em educação especial; b) atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis; c) atuação de professores e outros pro�ssionais itinerantes intra e interinstitucionalmente; d) disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação. V – Serviços de apoio pedagógico especializado em salas de recursos, nas quais o professor especializado em educação especial realize a complementação ou suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais especí�cos; (BRASIL, 2001, p. 2). Percebe-se a preocupação com a formação de professores, com a distribuição e classi�cação dos alunos considerados com necessidades especiais, com as �exibilizações e adaptações no currículo, com o provimento e organização dos serviços de apoio especializado. Ou seja, há uma ênfase na regulamentação desse tipo de atendimento, descrevendo como ele deve ocorrer no contexto escolar regular a �m de que o aluno, classi�cado como “com necessidades especiais”, possa ser inserido, participar e aprender. Documentos legais posteriores a este vão enfatizar e detalhar ainda mais no sentido de aperfeiçoar o trabalho a ser realizado junto ao AEE, tais como a própria Política da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) já citada e, posteriormente, de modo mais especí�co, a nota técnica Nota técnica SEESP/GAB nº 19/2010. Esta nota visou regulamentar as práticas realizadas nesse contexto, pois buscava garantir a existência de pro�ssionais especí�cos para a realização de apoio para atividades de locomoção, higiene e alimentação para os estudantes que não realizam essas atividades com independência. O documento aponta também que não seria atribuição desse pro�ssional desenvolver atividades educacionais diferenciadas nem se responsabilizar pelo ensino destes alunos. Ou seja, a preocupação deveria centrar-se em subsidiar o professor em sala de aula a �m de que ele possa realizar o trabalho pedagógico com o aluno. Mas, posteriormente, para garantir que todos os alunos que apresentassem questões em relação a aprendizagem pudessem participar desse tipo de atendimento, a Nota Técnica n°04/2014 Secadi/MEC, visava regulamentar esse atendimento para todos, a�rmando que não seria mais necessário a apresentação de documentos comprobatórios (laudo médico e/ou diagnóstico clínico) para matrícula no AEE. Esse pro�ssional é contratado para apoiar o trabalho pedagógico no sentido de auxiliar o aluno com necessidades educacionais especiais nas questões de Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 19/46 locomoção, higiene e alimentação. No entanto, esta contratação produz muitas discussões no contexto educacional em relação a real função desse pro�ssional de apoio. A orientação é a de que ele não deveria se responsabilizar pelo processo de ensino e de aprendizagem, por isso, que ocorre, muitas vezes, uma individualização das práticas desenvolvidas ao aluno atendido. Ou seja, muitas vezes, esse pro�ssional de apoio acaba privando este aluno da socialização com os demais colegas da turma e mesmo com o professor. A �m de garantir a inclusão de todos, a aprendizagem de todos aqueles que passaram a fazer parte da escola regular com essa marca de “aluno incluído” (não que antes não tivéssemos todos os tipos de alunos dentro da escola, talvez a questão era que eles não conseguiam permanecer na mesma e eram automaticamente evadidos) é que precisamos “[...] considerar os efeitos que têm sido produzidos a partir da implantação dessa política, especialmente aqueles relacionados às práticas desenvolvidas pelo professor que atua no AEE” (SCHERER, 2015, s.p.). O que a autora aponta em seus estudos é que as formas de nomear, classi�car, identi�car e diagnosticar esses alunos, a �m de que eles possam frequentar o AEE, tem implicações na sua constituição como sujeito/aluno. As SRM são divididas em dois tipos, de acordo com o material que é enviado pelo Ministério da Educação. A sala tipo 1 conta com: microcomputadores, monitores, fones de ouvido, microfones, scanner, impressora a laser, teclado e colmeia, mouse e acionador de pressão, laptop, materiais e jogos pedagógicos acessíveis, software para comunicação alternativa, lupas manuais e eletrônica, plano inclinado, mesas, cadeiras, armário, quadro melanínico. A sala tipo 2 conta com os mesmos recursos, mais recursos especí�cos para o trabalho com alunos cegos (SCHERER, 2015). Seja do tipo 1 ou do tipo 2, o trabalho desenvolvido no AEE, com base na Nota Técnica n°04/2014, deve ser marcadamente um atendimento pedagógico, e não clínico, tanto que essa nota vai indicar que o laudo clínico sobre o aluno não poderá de�nir se ele tem ou não direito a esse atendimento. O objetivo desta nota também é o de regulamentaro trabalho do professor do AEE no sentido de que ele deve enfatizar o olhar pedagógico sobre a aprendizagem do aluno, buscando o professor em sala de aula para que possam construir possibilidades de trabalho, contribuindo assim para esse processo de inclusão. Segundo a nota técnica: Para realizar o AEE, cabe ao professor que atua nesta área, elaborar o Plano de Atendimento Educacional Especializado – Plano de AEE, documento comprobatório de que a escola, institucionalmente, reconhece a matrícula do estudante público alvo da educação especial e assegura o atendimento de suas especi�cidades educacionais. Neste liame não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com de�ciência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, uma vez que o AEE se caracteriza por atendimento pedagógico e não clínico. Durante o estudo de caso, primeira etapa da elaboração do Plano de AEE, se for necessário, o professor do AEE, Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 20/46 poderá articular-se com pro�ssionais da área da saúde, tornando-se o laudo médico, neste caso, um documento anexo ao Plano de AEE. Por isso, não se trata de documento obrigatório, mas, complementar, quando a escola julgar necessário. O importante é que o direito das pessoas com de�ciência à educação não poderá ser cerceado pela exigência de laudo médico (BRASIL, 2014, s.p.). Diante de imobilismos, muitas vezes, por parte dos pro�ssionais da educação, os quais a�rmam não saber qual seria a questão que impediria a criança ou o jovem de aprender é que essa nota contribui, enfatizando o olhar pedagógico. Ou seja, enquanto pro�ssionais da educação, mais do que saber sobre a síndrome é necessário conhecer as potencialidades desse sujeito para que ele aprenda. Não adianta saber se ele tem Síndrome do Espectro do autismo ou se ele tem Síndrome de Down, se não se sabe o nome da criança, quem é sua família, seu contexto cultural e social onde está inserido. Importa dizer que a de�ciência não é a única identidade deste sujeito. Portanto, caberá ao professor que atua nesse espaço organizar o tipo e o número de atendimentos, bem como elaborar o Plano de AEE de cada aluno. O Plano de AEE deverá resultar das escolhas do professor sobre o aluno e seu histórico escolar, contexto familiar e cultural, entre outras questões, quanto ao uso de recursos, equipamentos e apoios mais adequados para eliminar as barreiras que impedem ou di�cultam o aluno de ter acesso ao que lhe é ensinado na sua turma da escola comum (BRASIL, 2010). Tudo isso sendo considerado a partir de toda a escola e, principalmente com os professores da turma que atuam com esse aluno. Bridi (2011 apud Scherer, 2015) realizou um estudo sobre essa questão dos diagnósticos e nos traz algumas questões interessantes para re�etir a respeito do trabalho realizado na escola atualmente: em uma escola por ela pesquisada dos 600 alunos, 25, frequentavam a sala de recursos, sendo que 15 deles apresentavam de�ciência mental e somente dois tinham diagnósticos clínicos da de�ciência. O restante fora encaminhado por identi�cação de seus professores. Mesmo após a nota técnica que permite o atendimento ao aluno é preciso perguntar sobre a forma como os professores estão fazendo a leitura sobre o aluno e suas aprendizagens. Concordo com Scherer (2015) quando esta a�rma que precisamos (re)pensar de que forma a escola como um todo pode envolver-se nesse processo de inclusão, não apenas delegar ao AEE ou a professora da turma ou às famílias. Para que esse trabalho possa ocorrer da forma mais signi�cativa possível, é necessário que todos possam se responsabilizar, principalmente, a equipe de gestão da escola, incluindo aí, a ideia de rede de apoio. Na reportagem de Eliane Brum (2013) “Acordei doente mental”, citada a seguir, pode-se observar o quanto esses diagnósticos que de�nem as identidades dos sujeitos são passíveis de análise e crítica. A autora menciona a quinta edição do que ela chama de a “Bíblia da Psiquiatria”, o DSM-5, que transformou numa “anormalidade” ser “normal”. De acordo com a autora, estamos cada vez mais nos Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 21/46 encaixando em uma ou várias doenças do manual Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Principalmente o número de pessoas com doenças mentais vai ser multiplicado, pois a psiquiatria conseguiria a façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O “normal” seria ser “anormal”. FIGURA 3 – ACORDEI DOENTE MENTAL Retirada do site: Fonte: <https://glo.bo/3jIIxKg>. Vale a pena conferir e re�etir sobre o conteúdo da reportagem, ainda que não trate diretamente da Educação, o quanto os efeitos desses diagnósticos estarão presentes no contexto educacional, produzindo alunos considerados “doentes”. Não se trata de ser contrária ao posicionamento médico, duvidar de seus saberes. Trata-se antes de descon�ar, problematizar um tipo de visão - clínica e biológica - a respeito dos sujeitos. Veremos no próximo subtítulo sobre essas questões mais especí�cas, que competem ao trabalho pedagógico e não clínico, considerando as possibilidades que o pro�ssional tem dentro do contexto educacional. Conforme vimos no primeiro capítulo, a ênfase nas pedagogias corretivas e psicológicas proliferam nessa lógica de inclusão de todos na escola. Podemos nos perguntar a partir daí, como a própria pedagogia se constitui historicamente como um saber da educação? Nesse sentido, analisar as concepções dos professores sobre o diagnóstico relativo aos alunos com necessidades educacionais especiais ou alunos com de�ciência no Capítulo 2 https://glo.bo/3jIIxKg 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 22/46 processo de ensino e aprendizagem, pode contribuir para uma mudança de olhar para esses sujeitos e seus processos educacionais, orientados para a tese das possibilidades, e não dos limites. Monteiro (2014) aponta alguns termos que marcam o discurso dos professores: dé�cit; incapacidade; imaturidade; transtornos; anormais; portadores de de�ciência; síndromes; retardos, entre outros, que se alinham a concepções negativas que não contribuem para a representação dos alunos com de�ciência. Esses alunos devem ser vistos a partir de possibilidades ou de suas potencialidades e não desses termos que os enquadram, �xando-os como não aprendentes. A partir do uso de estereótipos o trabalho pedagógico não tem razão de existir no contexto educacional, cabendo apenas a função de socialização, ou seja, estar junto no mesmo espaço para garantir que esses sujeitos possam aprender muito mais comportamentos sociais do que conhecimentos, o que seria a função primeira da instituição escolar. A mesma autora trata ainda desses termos como “mitos sobre a de�ciência” que subestimam as capacidades de aprendizagem dos alunos a partir de uma visão médico-psicológica, conforme já vimos no capítulo anterior. Como defeito orgânico e funcional naturalizado, ou seja, esse aluno não tem chance de ser diferente do que representa ser ou do que os outros dizem sobre ele. E ainda esses discursos marcados pela falta (sensorial, motora, verbal, cognitiva), muitas vezes, orienta o olhar e os pareceres descritivos redigidos pelos professores como resultados das avaliações das aprendizagens dos alunos na escola, �cando marcados pela impossibilidade de aprender. Diante desse cenário político importa re�etir sobre quais as possibilidades de construirmos atitudes inclusivas no contexto educacional? São muitas as ambiguidadesenvolvidas nesse processo que visa incluir a todos, mas que pode de dentro, excluir. Se as políticas de educação e de inclusão objetivam garantir essa inclusão, a aprendizagem de todos como um direito; existe por outro lado, as relações entre esses sujeitos, as relações de poder e de saber que envolvem os pro�ssionais, os especialistas, as premissas do Estado neoliberal que movimenta esse processo de in/exclusão. É sobre ele que nos deteremos a seguir a partir de exemplos, de cases, de materiais diversos que podem contribuir para essa compreensão de como as políticas educacionais e de inclusão não apenas descrevem orientando práticas no contexto educacional, mas constituem ações, alunos, famílias, pro�ssionais da educação, entre outros. Veremos a seguir como o conceito de in/exclusão pode contribuir nesse sentido. 3 CONCEITO DE IN/EXCLUSÃO COMO PRINCÍPIO ORGANIZACIONAL DAS PRÁTICAS A partir desse conceito - in/exclusão grafados juntos - podemos logo remeter a um tipo de entendimento: a algo que não será tomado de forma separada, binária, Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 23/46 como sendo duas palavras com signi�cados contrários. Essas palavras serão entendidas como dois lados da mesma moeda, ou seja, nenhum dos dois conceitos são �xos, eles se movimentam a partir de um processo que envolve múltiplas questões, relações, compreensões, conforme já apontado no subtítulo anterior. Procurou-se descrever a inclusão como um imperativo, “como condição necessária, embora não su�ciente, para desencadearmos práticas de inclusão que nos mobilizem a realizar mudanças culturais” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 111). Mudanças estas, marcadas por lutas constante entre estar e não estar incluído, não nos lugares, mas nas relações estabelecidas dentro dos espaços criados para conviver, ensinar, trabalhar etc., com o outro. Nesse sentido, precisamos compreender que com a possibilidade da inclusão sempre há a possibilidade da exclusão, e que esse é o processo necessário para que não deixamos “esmaecer nossas lutas pelos direitos, pelo respeito ao outro e a nós mesmos e pela dignidade humana” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 111). O que veremos a seguir em relação a algumas práticas educacionais é que essas mudanças não �cam apenas no âmbito das técnicas e fórmulas prontas de como sermos politicamente corretos para chamarmos e nos relacionarmos com o outro. Trata-se de uma mudança da cultura, uma atitude inclusiva, que venha mobilizada pelo “dar-se conta” de que estar incluído não é um status que uma vez atingido, poderemos viver de modo mais tranquilo. De acordo com autores, pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em Inclusão (GEPI/CNPQ), alguns estudos contribuem para problematizar os processos inclusivos que se estabelecem nos ambientes educativos para que possamos compreender os sentidos que a inclusão escolar vem assumindo no cenário educacional e acadêmico contemporâneo, principalmente após a proliferação das políticas de inclusão. Esses estudos tratam a inclusão e exclusão como invenções do nosso tempo. Isso signi�ca que pensar que elas são completamente dependentes e necessárias uma para a outra porque pautada pela “ideia de ordem social e de posições de sujeitos dentro de tramas sociais de�nidas no tempo e no espaço” (LOPES, 2007, p. 12). A autora a�rma que precisamos visualizar o princípio regulador que orienta os sujeitos para essa ordem social que se dá a partir de fronteiras imaginárias de�nidoras das práticas, autorizando uns a participar de um lado ou de outro. Tais fronteiras não são �xas, são antes construídas pelas redes de saber e de poder que engendram as práticas, as quais passamos a analisar a seguir para pensar sobre o processo de in/exclusão. Nesse sentido, será utilizado aqui alguns materiais que dão visibilidade a essa produção do aluno como anormal, a partir dos diagnósticos e possibilidades de encaminhamentos para tratamentos clínicos e psicológicos. De acordo com Hattge e Klaus (2014, p. 327) essa visibilidade contribui para a re�exão sobre as práticas Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 24/46 que tem ocorrido nos contextos educacionais, principalmente na escola. As autoras a�rmam que está ocorrendo “um silenciamento da Pedagogia, que se submete ao saber clínico ou da área psi e acaba por não cumprir sua função na produção de práticas pedagógicas que atendam às necessidades especí�cas dos sujeitos”. Por isso, o diagnóstico clínico precisa ser problematizado como uma verdade absoluta sobre o sujeito, pois ele acaba determinando qual será o tipo de intervenção que precisa ser assumida pelo professor. Muitas vezes o caminho para essa intervenção restringe-se à medicalização. A �m de visualizarmos como esse conceito aparece no contexto educacional apresenta-se a seguir alguns cases expressos em forma de parecer descrito que visa encaminhar os alunos para os Serviços de Apoio, narrando aspectos que atrapalham suas aprendizagens e seus comportamentos. Além disso, em alguns pareceres �ca expressa a orientação às famílias a respeito do que seria possível fazer para resolver a situação apresentada. Esses cases foram retirados para �ns de pesquisa do espaço de apoio chamado Programa de Educação e Ação Social, pertencente a Universidade do Vale do Rio dos Sinos. De acordo com Klein (2015) o Educas, atende crianças nos anos iniciais ou mesmo em anos �nais do Ensino Fundamental, buscando estabelecer, há mais de 20 anos, uma relação permanente entre a Universidade e as escolas ao possibilitar que estagiários/estudantes dos cursos de Psicologia e Pedagogia (ou outra licenciatura) atendam os alunos encaminhados pelas escolas. Esses atendimentos são realizados de forma interdisciplinar para atender as demandas de aprendizagens dos alunos independentes de eles apresentarem um diagnóstico clínico; a grande maioria não apresenta tal diagnóstico, mas sim, um parecer do/a professor/a, que narra sobre as di�culdades do aluno. A seguir é apresentando um recorte do parecer da professora da escola que encaminhou o aluno ao Educas: (serão preservadas as identi�cações dos alunos, utilizando-se apenas a letra inicial do seu nome). M., 8 anos, estudante do 3º ano da rede pública de São Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao EDUCAS com a seguinte descrição: Apresenta TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), comportamento opositor, di�culdades em estabelecer vínculos (com colegas e professores), em aceitar a rotina da escola e da sala de aula. Além do diagnóstico mencionado, tem comportamento infantilizado não conseguindo brincar com o outro, nem identi�car colegas pelo nome apesar de quase dois períodos letivos de convivência. OBS.: Seria importante acompanhamento/orientação para a família em paralelo ao atendimento da criança. Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 25/46 Parecer sobre o aluno redigido por sua professora - Material fornecido pelo Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS para �ns de pesquisa. O aluno do 3º ano encaminhado ao Educas apresenta um diagnóstico clínico como Transtorno do Espectro do Autismo, o qual se supõem que tenha sido apresentado à escola, porque em algumas vezes, como o aluno não apresenta nenhum laudo, a professora deduz um diagnóstico através das características apresentadas pelo aluno. Percebe-se que a professora realiza uma descrição genérica através de aspectos gerais sobre a síndrome e não de seu aluno e sua aprendizagem. Conforme o Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-IV) e pela Classi�cação Internacional de Doenças (CID-10) para ser considerada pessoa com autismo, a criançadeve apresentar comprometimento em três áreas principais: alterações qualitativas das interações sociais recíprocas; modalidades de comunicação; interesses e atividades restritos, estereotipados e repetitivos, ou seja, a forma como está escrito o parecer remete a essa conceituação mais geral sobre essas características nas três áreas. No entanto, Santos e Oliveira (2016) ressaltam que é importante considerar que existe uma heterogeneidade de comportamentos e atitudes entre os sujeitos com autismo. Nem todos se comunicam mediante verbalização. Alguns aceitam o toque, enquanto outros rejeitam. Os comportamentos estereotipados podem estar presentes ou ausentes. Essas situações tornam os indivíduos únicos e distantes do olhar congelado sobre o autismo. A descrição da professora segue com características negativas em relação ao comportamento do aluno, reforçando que o mesmo não segue a rotina da sala de aula, tendo um comportamento infantilizado. A professora ainda reforça ao �nal de seu parecer que “seria importante acompanhamento/orientação para a família em paralelo ao atendimento da criança”. Precisamos perguntar a partir deste parecer como a professora passou a considerar essa forma de olhar para seu aluno? Não olharemos para a situação no sentido de julgar a professora que o redigiu, mas antes analisar a sobreposição de saberes que constitui o olhar dos professores no contexto educacional. Hattge e Klaus (2014) nos dão algumas pistas para pensar como essa visão tem sido construída. Segundo as autoras (2014, p. 329), o fato de “a inclusão escolar ser vista como a grande metáfora da solidariedade, da evolução humana, trazendo o discurso da aceitação, da tolerância e da benevolência como central” permite que o aluno com de�ciência ou com necessidades educacionais especiais na sala de aula seja visto a partir da ênfase na socialização, ou seja, o simples fato de o aluno frequentar a escola, tendo a oportunidade de conviver com os demais colegas e professores, justi�caria sua permanência em sala de aula. Negligencia-se a construção do conhecimento em prol da socialização do sujeito. Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 26/46 Com essa ênfase na socialização, o conhecimento, parece não ser o mais importante a ser considerado pela professora. Nesse sentido, ela utiliza-se de expressões voltadas apenas ao comportamento do aluno. Por �m, a professora ainda faz recomendações para acompanhamentos e orientações a família do aluno, não considerando em suas preocupações a prática pedagógica desenvolvida. Não aparece em nenhum momento como esse aluno aprende, o que mais lhe interessa em aprender, o que ele já conseguiu aprender, entre outros critérios de ordem pedagógicos. Olhares sobre o aluno: tendo como base o recorte anterior, sobre o parecer da professora da escola que encaminhou o aluno ao Educas, re�ita sobre as seguintes questões: 1 Quais saberes a professora utilizou para descrever o aluno? 2 Quais são os saberes da área médica e quais são os saberes da área pedagógica? 3 De que forma pode-se perceber uma sobreposição de saberes da área médica em detrimento da pedagógica? 4 Colocando-se no lugar da professora e tendo esse aluno em sua turma, como poderia ser o seu parecer se você utilizasse o campo pedagógico para se posicionar? A professora utilizou-se de saberes da área médica de modo não aprofundado, de forma genérica sem especi�car de que modo essas características se expressam em sala de aula. Quando a professora menciona o diagnóstico como primeira informação sobre o aluno, é possível associar que a descrição poderia ter sido feita por um médico e não por um professor, pois dizer que ele tem Autismo, transtorno opositor, comportamento infantilizado, remete a uma caracterização genérica que se aplicaria em qualquer contexto onde o aluno estive inserido. Ou seja, um médico é capaz de fazer isso, pois seus saberes o autorizam a diagnosticar com base em exames realizados nos sujeitos. No entanto, o professor não pode realizar dessa forma, pois faltam elementos do seu contexto, o qual remete ou deveria remeter a sala de aula, trazendo detalhes sobre os momentos pedagógicos, as ações realizadas ou não pelo aluno as quais dizem respeito ao processo de ensinar e aprender. Pode-se observar a sobreposição de saberes na medida em que esses elementos do contexto escolar não são abordados de forma aprofundada. Portanto, considerando não só o que o aluno apresenta, ou o que o aluno faz ou não em sala de Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 27/46 aula, mas também o que é proposto a ele. Ou seja, considerar a prática docente em relação a turma e ao aluno é fundamental. Como professora desse aluno descreveria primeiro seu contexto familiar, o que ele gosta de fazer, o que consegue realizar e quais são os desa�os para desenvolver seu processo de aprendizagem. A partir daí, descreveria de modo especí�co em diferentes atividades propostas como é a sua reação, qual seria a di�culdade apresentada em cada uma delas a �m de que o serviço de apoio pudesse trabalhar justamente a respeito dessas di�culdades. Tais di�culdades poderiam estar relacionadas ao comportamento do aluno, mas seriam trazidas para descrever sobre de que forma e em que momentos estaria interferindo em seu processo de aprendizagem. A centralidade, portanto, do parecer é nas questões relativas ao processo de ensinar e de aprender que precisam ser constantemente repensadas, replanejadas e discutidas no contexto educacional, seja com a professora da sala de recursos, com a gestão da escola, com a família do aluno. A dimensão da família precisa ser problematizada a partir desses discursos da inclusão escolar que enfatizam a socialização do aluno e consideram as famílias como responsáveis pelo fracasso/sucesso escolar das crianças. Dal´Igna (2016) em seu estudo analisa os discursos dos professores em relação as famílias. Ela a�rma que a família é colocada como a responsável pelo desenvolvimento integral (e normal) das crianças, cabendo a ela estimular e promover o desenvolvimento físico e emocional das crianças. Além disso, esses discursos também posicionam a família como responsável pelo desempenho escolar de seus/suas �lhos e �lhas. Nesse sentido, quando a professora participante da pesquisa de Dal´Igna (2016) a�rma em seu parecer que seria indicado que a família fosse acompanhada e orientada é com base nesses discursos da família como responsável pelas crianças. Na pesquisa da autora também é problematizado a noção de ‘família desestruturada’, sendo apontada como a causa da não aprendizagem dos �lhos e �lhas. Muitas vezes aparece essa noção de desestrutura da família no Projeto Político Pedagógico da escola quando descrevem a comunidade a qual a escola está inserida ou quando reiteram a importância da participação da família (mãe?) no processo de educação de �lhos e �lhas. Ao descrever sobre as famílias ou sobre as aprendizagens das crianças e jovens, os professores indicam prescrições que pretendem regular a participação da família junto a escola. Para maior aprofundamento a respeito dessas questões, recomenda-se o vídeo: “A família no fogo cruzado da educação contemporânea”, onde o Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 28/46 autor Julio Groppa Aquino apresenta uma série de elementos muito atuais sobre como a família tem sido tomada, muitas vezes acusada, diante das questões sociais e escolares. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0u48uOxCZyQ>. FIGURA 4 – A FAMÍLIA NO FOGO CRUZADO DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=0u48uOxCZyQ>Quando falamos em processos de in/exclusão a família precisa ser considerada. No entanto, não se trata de colocar a escola de um lado e a família do outro como dois lados antagônicos diante do aluno ou das questões que interferem em sua Capítulo 2 https://www.youtube.com/watch?v=0u48uOxCZyQ https://www.youtube.com/watch?v=0u48uOxCZyQ 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 29/46 aprendizagem. A escola por sua vez precisa assumir a sua função, a qual não se restringe a socialização do aluno, conforme vimos. Segundo Hattge e Klaus (2014, p. 329) a convivência dos alunos na escola é fundamental: [...] mas, a participação dos alunos em sala de aula deve buscar a aprendizagem, pois a escola tem um compromisso com o desenvolvimento dos sujeitos [...] a construção de materiais e a implementação de metodologias de ensino que venham a produzir uma aprendizagem individualizada, levando em consideração as necessidades especí�cas dos sujeitos, suas potencialidades e desa�os. Nesse sentido, o parecer a seguir sobre a aprendizagem do aluno do 3º ano nos apresenta uma preocupação de ordem pedagógica, pois a professora menciona o que ele consegue em relação ao processo de alfabetização. No entanto, destacamos uma outra dimensão de ordem clínica, médica, em que esta professora vai dando visibilidade em seu parecer. Ela menciona que o aluno apresenta “confusão mental” e “necessita de diagnóstico urgente porque deve ter alguma coisa” como justi�cativa para a não identi�cação dos sons das letras e das sílabas. J., 8 anos, estudante do 3º ano da rede pública de São Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao EDUCAS com a seguinte descrição: O aluno não identi�ca sons de letras isoladas e nem sílabas. Observo (professora) que apresenta grande confusão mental. Não cumpre ordens simples nem realiza atividades simples no caderno. Necessita diagnóstico urgente porque deve ter alguma coisa. Parecer sobre o aluno redigido por sua professora - Material fornecido pelo Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS para �ns de pesquisa. No parecer a seguir, igualmente do estudante do 3º ano, a dimensão pedagógica aparece de forma misturada a um olhar clínico: “di�culdade de concentração”, “irritabilidade”, “nervosismo”, atira-se no chão e não demonstra noção de perigo. B., 10 anos, estudante do 3º ano da rede pública de São Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao EDUCAS com a seguinte descrição: Aluno com di�culdades de concentração, facilmente manifesta irritabilidade e nervosismo. Não interage com os colegas. Permanece sentado no seu lugar, “no seu mundo”, mexendo e estragando o seu próprio material. Não demonstra noção de perigo: quer subir no muro, atirar-se no chão da sala. A professora manifesta preocupação para que ele não se machuque. Parecer sobre o aluno redigido por sua professora - Material fornecido pelo Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS para �ns de pesquisa. Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 30/46 Saber pedagógico X saber médico/clínico Com base nos dois pareceres anteriores, re�ita sobre as seguintes questões: 1 Qual a ênfase de saberes expressada pelas professoras nos pareceres? 2 Re�ita sobre a dimensão médica e clínica expressa no parecer, pensando como você escreveria o mesmo parecer valendo-se de uma ênfase no saber pedagógico. A dimensão pedagógica não é expressa porque em nenhum momento do parecer aparece a relação do aluno com a turma e do aluno com a professora. A professora preocupa-se com o aluno tomando-o de forma individual, acionando discursos do campo médico “concentração”, “irritabilidade e nervosismo”. Além disso, descreve elementos de ordem social para alertar sobre os perigos dele ocupar esse espaço, ou dele estragar seu material, atentar contra os colegas e a si mesmo. A não interação com os colegas e a professora aproxima-se da dimensão pedagógica, pois para aprender o aluno precisa necessariamente interagir seja com o que está aprendendo ou com o outro. No entanto, o parecer da professora poderia valer-se de elementos mais fortemente marcados pelo campo pedagógico que é a descrição a respeito de como este aluno aprende, em quais momentos ele aprende mais, permanecendo maior tempo concentrado, quando ele demonstra interesse por interagir, mesmo que seja momentos muito curtos, em quais atividades ele demonstra maior interesse em realizar, ou se não realiza, pelo menos participa com maior tranquilidade em algumas delas. Essas perguntas são fundamentais de serem respondidas pelo professor porque vai levá-lo a re�exão sobre sua proposta de ensino. Pode o fazer pensar sobre o quanto ela está ou não atendendo esse aluno em relação a essa turma. Não há como evitar a ambivalência presente nas relações sociais e de aprendizagem que vivenciamos diariamente. O que cabe à Pedagogia, ao saber pedagógico, nesse caso especí�co que estamos analisando, é que a professora pode a partir desses processos de in/exclusão criar e organizar estratégias que possam perceber sim essas questões individuais, mas também as questões do grupo, da turma, pois elas permeiam o processo de aprendizagem, e precisam ser utilizadas a seu favor, seja como pistas para estudo e pesquisa, seja como produção de práticas pedagógicas que tensionem permanentemente os processos de ensino e aprendizagem implementados em sala de aula (HATTGE; KLAUS, 2014). Capítulo 2 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 31/46 Não se trata de negar, silenciar, apagar as diferenças que esses alunos vêm apresentando para deixá-los nessa condição de não aprendente. Importa mencionar que a preocupação é justamente fazer com que eles aprendam. As professoras certamente desejam também isso ao redigir esse encaminhamento do aluno ao serviço de apoio. No entanto, o que se faz necessário é pensar sobre o porquê esse saber pedagógico não é presente em relação às práticas docentes. Hattge e Klaus (2014) a�rmam que o diagnóstico virou uma verdade absoluta sobre o sujeito, modi�cando as práticas, muitas vezes, restringindo as mesmas à medicalização. “Psicologia, Neurologia, Psiquiatria e Fonoaudiologia, dentre outras áreas de conhecimento, são acionadas no sentido de “falarem sobre o sujeito” e “darem conta da sua situação” – medicalização da anormalidade” (HATTGE; KLAUS, 2014, p. 332). Para reforçar a crítica a essa prática da medicalização que explicita uma ação constante de usos de medicamentos para tratar, corrigir, ordenar os sujeitos, seus comportamentos, pode-se indicar a entrevista a seguir da autora Maria Aparecida Moisés, médica/pediatra, que nos apresenta uma crítica a esse movimento de medicalização, falando de dentro do próprio saber médico para re�etir sobre o uso desenfreado da medicação chamada de Ritalina. Disponível em: https://bit.ly/2BJB0dp FIGURA 5 – MEDICALIZAÇÃO: MARIA APARECIDA MÓISES Capítulo 2 https://bit.ly/2BJB0dp 30/04/2021 Livro Digital - Educação Especial e Inclusão Escolar - 2ªEd https://livrodigital.uniasselvi.com.br/pos/educacao_especial_e_inclusao_escolar/conteudo.html?capitulo=2 32/46 FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=MTFOb2bLjLA&t=11s> Quando a repórter pergunta à pediatra se ela utilizaria ritalina para seu �lho se ele viesse a apresentar essa necessidade, Maria Aparecida responde: “eu não daria ritalina, eu daria Rita Lee”. Isso signi�ca, que muitas vezes a criança não precisa de medicação. Ao contrário, a criança precisa de atenção! Escutar mais as crianças, conhecer mais sobre seus cotidianos, suas necessidades, en�m, ao invés de partir para o que se diz sobre elas, pautados em saberes verdadeiros e padronizados sobre o que devem ou não fazer,