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BIOÉTICA Elany Portela 2 Elany Portela História da Bioética Introdução a Bioética A ética é o ramo da filosofia destinado à análise teórica e científica dos pressupostos, fundamentos e justificativas para as ações humanas. Esse termo pode ser utilizado, também, como sinônimo de moral, para designar o sistema de valores, princípios, normas e preceitos que orientam a conduta de uma pessoa humana ou de um grupo. A ética médica repousou sua tradição no Juramento de Hipócrates durante séculos, até que, a partir da metade do século passado, esse modelo se mostrou inapto para resolver os dilemas morais suscitados pelas novas biotecnologias e pelos escândalos em pesquisas biomédicas. Nesse contexto, surgiu a Bioética - espaço privilegiado de reflexão acerca das questões éticas relativas à vida - a qual rapidamente se apropriou do debate sobre a ética nas profissões biomédicas, passando a se constituir como um novo paradigma, ou em uma nova influência para a ética médica. Essa nova ética médica surge, então, revigorada, livre das marcas do paternalismo e do corporativismo, apta a discutir e apontar soluções para a maioria dos dilemas morais apresentados dia-a-dia aos profissionais. Não se pode dizer que o modelo tradicional de ética médica não tem nenhuma validade nos dias atuais. Até hoje, alguns pacientes ainda aceitam e esperam dos médicos os padrões de comportamentos paternalistas, preconizados nos antigos códigos. A imagem do bom médico, sob o qual não pairava nenhuma desconfiança, sempre disposto a fazer o melhor pelo seu paciente, ainda tem influência no comportamento de uma parcela de pacientes (DRANE J, PESSINI L, 2005). Todavia, essa ética, vinculada à tradição hipocrática, foi incapaz de oferecer respostas aos dilemas morais suscitados pelos notáveis avanços científicos na biomedicina e pelos abusos praticados em pesquisas envolvendo seres humanos. Ética X Moral Temos a seguinte relação: 1. MORAL = Valorização não-refletida (religião, cultura) 2. ÉTICA = Valorização refletida (eticidade) 3 Elany Portela Histórico da Bioética Hipócrates (460-375/351 a.C.), considerado o "Pai da Medicina", foi responsável, devido ao seu juramento, por uma duradoura tradição moral na profissão médica. O Juramento de Hipócrates começa por uma invocação aos deuses, segue com as cláusulas juramentárias e é concluído com uma imprecação. A finalidade dessa fórmula era a de emprestar ao texto um caráter sagrado, não obstante o juramento se constituísse, essencialmente, em um pacto de ordem moral (Ribeiro Jr. W, 1999). O conteúdo desse juramento é o seguinte: Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, conforme o meu poder e a minha razão, o juramento cujo texto é este: 1 - Estimarei como aos meus próprios pais, quem me ensinou esta arte e com ele farei vida em comum e, se tiver alguma necessidade, partilhará dos meus bens; cuidarei dos seus filhos como meus próprios irmãos, ensinando-lhes esta arte, se tiverem necessidade de aprendê-la, sem salário nem promessa escrita; farei participar dos preceitos, das lições e de todo o restante do ensinamento, os meus filhos, os filhos do mestre que me instruiu, os discípulos inscritos e arrolados de acordo com as regras da profissão, mas apenas esses. 2 - Aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja. 3 - A ninguém darei, para agradar, remédio mortal nem conselho que o induza à destruição. Também não fornecerei a uma senhora pessário abortivo. Conservarei puras minha vida e minha arte. 4- Não praticarei a talha, ainda que seja sobre um calculoso (manifesto), mas deixarei essa operação para os práticos. 5 - Na casa onde eu for, entrarei apenas para o bem do doente, abstendo-me de qualquer mal voluntário, de toda sedução e, sobretudo, dos prazeres do amor com mulheres ou com homens sejam livres ou escravos. 6 - O que no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo. Se cumprir este juramento com fidelidade, goze eu minha vida e minha arte com boa reputação entre os homens, e para sempre; mas, se dele me afastar ou violá-lo, suceda-me o contrário (Fávero F, 1991). 4 Elany Portela Como pode ser visto, a primeira cláusula juramentaria (1) se desdobra em um pacto familiar em relação ao mestre e em um pacto corporativo, ambos desprovidos atualmente de qualquer interesse. A segunda (2) materializa a postura paternalista do médico, hoje já censurada. A quarta (4) e a quinta (5), de tão impertinentes nos dias atuais, dispensam qualquer comentário. Apenas a terceira cláusula (3), que fala da vedação à prática da eutanásia e do aborto, impondo o respeito absoluto à vida, e a sexta e última (6), que trata da questão do sigilo médico, continuam a ter pertinência na atualidade, ainda que com ponderações. Todavia, mesmo em face da sua manifesta inadequação aos dilemas morais da medicina do tempo atual, não se pode deixar de reconhecer a valiosa contribuição do Juramento de Hipócrates. Basta ver que seus postulados influenciaram os Códigos de Ética Médica adotados no mundo inteiro até mais da metade do Século XX, precisamente até o fim da década de 60 (França G, 2000). Uma característica importante desse longo período de influência da ética hipocrática é que nele as discussões éticas eram tratadas como assunto interna corporis, interessando apenas aos profissionais da medicina, e marcadas, por isso, por posicionamentos corporativistas e paternalistas. Os deveres gerais e as obrigações específicas dos médicoseram desenvolvidos por membros instruídos da corporação, os quais eram responsáveis por regular a conduta ética da profissão. Nesse período, os Códigos de Ética Médica eram impostos à sociedade, que não tinha a oportunidade de participar, direta ou indiretamente, de sua elaboração (Drane J, Pessini L, 2005). Diante, pois, da incapacidade do modelo de ética hipocrática de atender às novas demandas, suscitadas principalmente pelos avanços das biotecnologias, eclodiu um movimento de mudanças na ética médica. Esse movimento, que se tomou mais evidente a partir dos anos 70 do Século XX, pode ser melhor compreendido a partir da análise do conjunto de fatos que o procederam e que são apontados, com frequência, como responsáveis pelo surgimento da Bioética, em 1971. Entre esses fatos, podem-se ressaltar: Notícias de brutais experimentos realizados por médicos nazistas em prisioneiros nos campos de concentração, durante a segunda guerra mundial. Esses fatos culminaram com o julgamento e a condenação de alguns deles pelo Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Na sua decisão, em 1947, o Tribunal incluiu uma declaração contendo 10 recomendações, que constituem o chamado Código de Nuremberg; Descoberta do ácido desoxirribonucleico – DNA, por Crick e Watson em 1953. Essa descoberta criou condições para um vertiginoso movimento de inovações tecnológicas 5 Elany Portela na área da genética, de consequências inquietantes; Acontecimentos em torno da diálise em Seattle (EUA). Em 1960, diante da disponibilidade de um pequeno número de máquinas de diálise (recém- inventadas), foi entregue a uma comissão formada por membros leigos da comunidade a prerrogativa de selecionar quais os pacientes que iriam ter acesso àquele recurso. Até então, decisões dessa natureza eram exclusivas dos profissionais de saúde; REVISTA LIFE “eles decidem quem vive e quem morre” Hospital Estatal de Willowbrook (New York – 1950 a 1970): A fim de estudar a história natural da hepatite A e desenvolver uma vacina, investigadores infectavam deliberadamenteparte das crianças recém internadas; Estudo da sífilis em Tukesgee (Alabama – 1932 a 1972): foram deixados sem tratamento 408 negros portadores de sífilis, com o objetivo de estudar a história natural da doença. Os resultados foram publicados em 1954, em uma revista de Saúde Pública dos Estados Unidos, e mostravam que a mortalidade dos pacientes não tratados era maior que a dos indivíduos sem sífilis. Mesmo diante dessa conclusão, o estudo prosseguiu, mantendo-se os pacientes sem tratamento até 1972, quando houve a denúncia na imprensa leiga; Hospital Israelita de doenças crônicas (New York – 1963): com o objetivo de estudar o processo de rejeição nos transplantes em humanos, investigadores injetaram células cancerígenas em 22 idosos. Realização do primeiro transplante cardíaco (África do Sul – 1967): o cirurgião Christian Barnard fez o primeiro transplante cardíaco, o que suscitou a necessidade de elaborar uma definição de morte encefálica. Além disso, entre 1960 e 1970, diante da contestação da Guerra do Vietnã, por parte da opinião pública norteamericana e mundial, cresceu um importante movimento pela defesa dos direitos humanos, que realçava os direitos individuais, como à liberdade, à igualdade e à justiça, entre outros, em contraposição ao abuso de poder, praticado por alguns Estados. Nesse contexto instala-se uma crise da ética médica tradicional, cujos pressupostos podem ser sintetizados em dois pontos: o ultraje moral em face do desrespeito aos direitos dos sujeitos de pesquisa e a perplexidade diante das descobertas técnico-científicas na medicina e nas demais ciências biológicas. No centro dessa crise, nasce a Bioética (1971), destinada a oferecer um novo arsenal de fundamentos para os crescentes dilemas éticos impostos à medicina e às demais ciências biológicas. Ao oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter (1911-2001), atribui-se a obra inaugural desse ramo da ética aplicada - Bioética, uma ponte para o futuro. Dr. 6 Elany Portela Edmund Pellegrino, médico clínico, humanista e bioeticista, foi o responsável pela estruturação da Bioética como disciplina acadêmica em todas as faculdades de medicina dos EUA e sua aplicabilidade na prática médica, sendo responsável também pela criação do Instituto de Valores Humanos da Medicina. Hoje, a ética da medicina, profissão cuja história se confunde com a história da própria humanidade, vive um novo momento. Superado o modelo de ética hipocrática, a Bioética se consolidou como um novo paradigma a orientar a conduta ética do médico. Essa nova ética, revigorada, desprovida de corporativismo, sem marcas do já ultrapassado paternalismo, não é mais autoaplicável, como outrora, mas nasce do desejo de todos. É fruto de múltiplas contribuições, não apenas de filósofos, teólogos, juristas, médicos e outros estudiosos, mas também dos diversos segmentos da coletividade, refletindo, por isso, os sentimentos e os valores morais mais relevantes para a sociedade. Pode-se conceituar a bioética como: “Ética aplicada à vida (solucionadora de problemas) e se apresenta como a procura de um comportamento responsável por parte daquelas pessoas que devem decidir tipos de tratamentos, pesquisas ou posturas com relação à humanidade.” (Reich, 1995) 7 Elany Portela Introdução a Bioética A Ética vai ser responsável por uma ação que vai ter uma dimensão ora moral (voluntária) ora jurídica ( obrigatória) A bioética inclui o espiritual, cultural, político, psicológico, educacional, científico, economico, legal, moral, social, biológico, assistencial e profissional.... Bioethics: a Bridge to the Future – obra que referenciou a bioética, foi publicada em 1971 pelo cancerologista Van Rensselaer Potter Originalmente a bioética focava em uma questão global frente o equilíbrio e a preservação da relação dos seres humanos com o ecossistema e a vida. Bioética sob o ponto de vista principialista A obra The Principles of Bioethics de Beauchamp e Childress mudou o conceito original da bioética, pautando-a sob uma linha conhecida atualmente como “principialismo”., que estuda a bióetica a partir de principios e analisa a aplicação destes em contextos sociais específicos. Não existe apenas uma forma de se entender a bioética. A forma que mais se especializou e se adequou foi o principialismo. A bioética foi dividida em 4 principios básicos.: não-maleficência e justica (caráter deontológico); beneficência e autonomia (caráter teleológico) Houve a tendência bioética de enquadrar os problemas nesses 4 princípios, que tornaram-se o centro das discussões sobre bioética. Não existe uma hierarquia entre esses princípios. A boa prática média continua baseada na observação dos conceitos hipocráticos, beneficência, não-maleficência, respeito à vida, confidenciabilidade, e à privacidade, além do respeito a autonomia do paciente, e do seu direito a receber todas as informações e participar ativamente no seu tratamento. Princípio da autonomia Significa autogoverno e autodeterminação da pessoa em tomar decisões sobre sua saúde, sua integridade físico-psiquica e relações sociais. Deve haver opções para a liberdade de escolha., mas é necessário que o indivíduo seja capaz de agir de acordo com as deliberações feitas. 8 Elany Portela O respeito à autonomia baseia-se no princípio da dignidade da natureza humana, acatando-se o imperativo categórico kantiano que afirma que o ser humano é um fim em si mesmo. Variáveis como condições biológicas, psíquicas e sociais interferem na autonomia do indivíduo. Podem ocorrer situações transitórias ou permanentes que uma pessoa pode ter uma autonomia diminuída, cabendo a terceiros o papel de decidir. Autonomia e individualismo não são a mesma coisa, os limites da autonomia são estabelecidos com o respeito ao outro e ao coletivo. O consentimento esclarecido é a manifestação da essência da autonomia: Todo indivíduo tem direito de consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que tenham potencial de afetar sua integridade físico- psíquica ou social. O consentimento deve ser dado livremente, após completo esclarecimento sobre o procedimento, dentro de um nível intelectual do paciente; renovável e revogável. Para Hewlett, o consentimento apenas é aceito quando possui informação, competência, entendimento e voluntariedade. Por tanto, o Princípio da Autonomia é regra, que consiste no fato de que é direito do paciente escolher a cerca do tratamento aos quais ele vai ser submetido ou não. Cabe ao profissional médico fornecer ao paciente, em palavras simples, os meios de tratamento que o mesmo será submetido. Princípio da Beneficência A exceção à regra da autonomia é o Princípio da Beneficência, que representa os casos em que o médico vai agir para fazer o bem do paciente mesmo contra a sua vontade. Deve-se considerar o bom senso: por exemplo, se um paciente chega no hospital com quadro de desidratação. O médico, no caso, afirma que o melhor no momento seria a aplicação de soro. Se o paciente negar, o médico deve observar se o paciente corre mesmo perigo de vida ou apenas risco de vida (situação na qual todas as pessoas convivem diariamente: risco remoto de sofrer qualquer tipo de acidente), na qual não é necessária uma intervenção urgente do médico. Nesse caso, o Princípio da Autonomia predomina como regra. Se um paciente chega ao centro de emergência correndo perigo de vida (ou risco eminente de vida: situação real e concreta na qual, a juízo do médico, a intervenção do médico é necessária para evitar a morte do paciente. Não é só um juízo de prognóstico, mas sim, um diagnóstico), o médico deve agir prontamente, mesmo contra a autonomia do paciente (se caso for), ou seja, mesmo se o paciente não permitir a intervenção para salvar a sua vida. Caso contrário,o médico responde a um tipo de homicídio culposo. 9 Elany Portela Princípio da não-maleficência O Princípio da Não-Maleficência é o mais controverso de todos. Isto ocorre quando uma ação, aparentemente de menor ou nenhuma repercussão, agravar-se progressivamente, com tendência a ocorrer cada vez mais, gerando malefícios não previstos inicialmente. Muitas vezes o médico tem que se omitir de alguma ação ou deixar de realizar algum procedimento para evitar algum mal ao paciente. Por exemplo, é comum e correto um anestesista, no caso, se negar a aplicar anestésico em um paciente idoso que viria a realizar alguma cirurgia não necessária. Essa decisão seria importante para preservar a integridade da vida do paciente ao invés de correr o risco por uma cirurgia desnecessária. .Princípio da Justiça A justiça define que o correto é “dar a cada qual o que é seu”. Critérios justos devem ser estabelecidos para conduzir a atuação do médico diante dos acontecimentos de seu cotidiano. O tratamento estabelecido para um médico não visa sempre ser o melhor para um só paciente, mas sim, o mais efetivo para um maior número de pacientes. Pode-se resumir os quatro princípios éticos da seguinte maneira: Beneficência: o ato de fazer o bem. Não maleficência: primeiramente, não fazer mal (não matar, não causar dor, não incapacitar e não privar daquilo que é bom). Autonomia: dever de o médico respeitar o direito do paciente. Justiça: igualdade básica de todos os seres humanos. É importante ter em conta que o médico não é obrigado a atender a quem ele não deseja, salvo em três situações: 1. situações de urgência ou emergência; 2. quando não há outro médico que possa realizar o procedimento; 3. quando a recusa do médico trará danos ao paciente 10 Elany Portela Privacidade e Confidencialidade Desde Hipócrates, em seu juramento, já existia uma preocupação com o sigilo que deveria haver entre o médico e o paciente. Sigilo médico é o silêncio que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos de que tomou conhecimento em face de sua profissão, com as ressalvas feitas aos casos especiais, respeitando sempre o princípio da Autonomia (dever de o médico respeitar o direito do paciente). Limites do Segredo Médico Tomando por base os princípios orientadores da conduta profissional da bioética principialista, proposta por Beauchamp e Childress, eticamente a quebra de confidencialidade só pode ser admitida quando: 1. Houver alta probabilidade de acontecer sério dano físico a uma pessoa identificável e específica, estando, portanto, justificada pelo princípio da não-maleficência; 2. A quebra de sigilo resultar em um benefício real, baseando-se essa decisão no princípio da beneficência; 3. Se esgotarem todas as abordagens para o respeito ao princípio da autonomia, a quebra do sigilo for a última opção; 4. A mesma decisão de revelação puder ser utilizada em outras situações com características idênticas, independentemente da posição social do paciente, contemplando o princípio da justiça e fundamentado no respeito pelo ser humano, tornando-se um procedimento generalizável. A partir desses princípios, é possível concluir que o segredo médico deve ser rompido apenas quando houver risco de dano físico ao paciente, quando resultar em um benefício maior para ele, em caso de não haver outra possibilidade que permita o respeito ao princípio da autonomia, e quando o caso sigiloso puder ser generalizado e implicar no benefício a outras pessoas. Desse modo, a quebra do sigilo se justifica apenas em situações bastante específicas e necessárias, o que faz com que a publicidade de informações dos pacientes, em outras circunstâncias, implique nas repercussões penais. Implicações Penais “O que eu no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu ver ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo” “Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra.” “Guardarei segredo acerca de tudo o que ouça ou veja... e não seja preciso que se divulgue, seja ou não do domínio da minha profissão, considerando um dever o ser discreto...” 11 Elany Portela O paciente tem o direito à inviolabilidade dos seus segredos, resguardado jurídica e penalmente, para que possa ter as suas condições pessoais protegidas do conhecimento prejudicial de terceiros. Sendo assim, a quebra do sigilo médico constitui-se um crime contra a liberdade individual, haja vista que a obrigatoriedade do sigilo busca justamente proteger a privacidade daquelas pessoas que, por necessidade, tiveram que confidenciar certos fatos de sua intimidade, que precisam ser mantidos sob sigilo. Pela legislação penal, a quebra do sigilo médico, quando repercute em danos ao seu paciente, é passível de punição É importante ressaltar que a existência de uma justa causa deixa de configurar a quebra do sigilo como um crime, quando há, por exemplo: 1. Notificação de doença infectocontagiosa à saúde pública 2. Comunicação à autoridade policial competente de crimes sujeitos à ação pública, desde que não exponha o seu paciente a um procedimento criminal. 3. No caso de o paciente ser uma possível vítima de crime de ação pública, a comunicação se torna obrigatória, uma vez que a proteção da integridade do paciente passa a ser uma obrigação do médico. 4. O paciente consente a sua quebra, pelo fato de esse consentimento ser necessário para autorizar o médico a depor em juízo como testemunha, ficando essa revelação sujeita também à intenção do profissional em manter o sigilo ou não. Por outro lado, a revelação de informações sigilosas, por meio de conversas entre o médico e seus colegas, não se configura em crime, apesar de ser uma conduta reprovável eticamente. 12 Elany Portela No caso de pacientes terminais, não há mais razões para discutir “a morte” (que já é certa), mas sim o “morrer”, ou seja, o processo de como a morte ocorrerá. Neste aspecto, o médico apresenta um papel extremamente fundamental, uma vez que ele quem vai conduzir, junto com o paciente e familiares, o morrer. Conceitos Eutanásia (boa morte): em estricto senso, consiste na antecipação da morte do paciente terminal, para aliviar-lhe de sofrimento (neste conceito, se trata de um paciente terminal). Em lato senso, consiste na antecipação da morte do enfermo que padece de intenso sofrimento em face de doença (não necessariamente um paciente terminal). Pode se dar das seguintes maneiras: suicídio, suicídio assistido ou eutanásia propriamente dita. No Brasil, a eutanásia é proibida. Ortotanásia (morte no momento certo): consiste em permitir que o paciente terminal tenha a evolução para a morte determinada pelo avanço irremediável de sua doença, se tratando de uma morte com dignidade (o que nem sempre acontece com a dignidade necessária). Em outras palavras, consiste em “deixar que a morte aconteça no momento em que a doença determinar”. Se o paciente já se sente incapaz e pede para que o médico não o reanime ou tente o salvar, ainda é enquadrado em ortotanásia. Distanásia (obstinação terapêutica): consiste em utilizar todos os meios cabíveis e possíveis para prolongar a vida do doente em fase terminal. Essa conduta não deve ser estimulada pelo médico, porém, é direito do paciente, a partir do Princípio da Autonomia, optar por este tratamento. No Brasil, a distanásia é, portanto, aceita.
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