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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Campo Grande – MS. João Paulo da Silva, devidamente qualificado nos autos (nº _) da Ação Penal que o Ministério Público move em seu desfavor, vem, por intermédio de seu advogado, expor e requerer o que se segue. O acusado foi denunciado (f. 2/6) pela prática do crime de furto qualificado, previsto no artigo 155 § 4º, inciso I, do Código Penal, por ter, no dia 09 de fevereiro de 2019, por volta das 9 horas, na Rua 13 de Maio, no Jardim São Francisco, subtraído, da residência de Maria Antônia Lima, uma televisão de 32 polegadas, da marca Samsung, mediante rompimento das grades da janela. Embora o crime tenha sido praticado em 9 de fevereiro do ano passado e a instrução já tenha sido iniciada com a realização da oitiva das testemunhas de acusação, ressalta-se que o acusado faz jus ao benefício do Acordo de Não Persecução Penal, trazido pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Senão vejamos: 1. Da presença dos requisitos do artigo 28-A do Código de Processo Penal A Lei nº 13.964/2019 entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2020 e acrescentou o artigo 28-A ao Código de Processo Penal, cujo caput tem a seguinte redação: Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (...) Verificando-se tal dispositivo legal, nota-se que o benefício do Acordo de Não Persecução Penal pode ser concedido, desde que presentes os seguintes requisitos cumulativos: a) existência de confissão por parte do agente infrator; b) infração penal cometida sem violência ou grave ameaça contra a pessoa; e c) infração penal com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos. No caso em tela, constata-se a presença de todos estes requisitos legais, uma vez que a infração penal, que restou imputada ao acusado na denúncia, é a de furto qualificado – artigo 155 § 4º, inciso I, do CP – crime contra o patrimônio, cometido sem violência ou grave ameaça contra a pessoa. Além disso, a pena mínima cominada ao delito de furto qualificado é de 2 anos de reclusão e, portanto, menor que 4 anos. Por outro lado, conforme consta no inquérito policial, que serviu de base para o oferecimento da denúncia, o acusado confessou a prática da infração penal (f.). Analisando-se ainda o novel artigo 28-A do Código de Processo Penal, percebe-se que o § 2º traz outras situações que acabam por impedir a concessão do benefício do Acordo de Não Persecução Penal: § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. Na presente ação penal, como já ressaltado, o crime imputado ao acusado é o de furto qualificado e, por se tratar de uma infração cuja pena máxima supera 2 anos, não é considerada de menor potencial ofensivo. Por tal motivo, não sendo possível a aplicação do benefício da transação penal (art. 76 da Lei nº 9099/95), conforme o § 2º, inciso I, do artigo 28-A do CPP, demonstra-se perfeitamente cabível o Acordo de Não Persecução Penal. Do mesmo modo, como demonstra a folha de antecedentes criminais juntada aos autos (f.), o acusado é primário e de bons antecedentes, de sorte que inexistem quaisquer elementos fáticos capazes de asseverar que tenha uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional que o impeça de receber o referido benefício legal. Também não custa lembrar que o acusado jamais foi beneficiado anteriormente por qualquer medida de natureza semelhante, como a transação penal ou a suspensão condicional do processo, ou pelo próprio Acordo de Não Persecução Penal, passando ileso pela condição de inadmissibilidade prevista no § 2º, inciso III. Igualmente, sua situação não se subsume à hipótese do inciso IV, por não se tratar de violência doméstica, familiar ou contra mulher, por razões de sexo. Destarte, preenchidos os requisitos exigidos por lei para a concessão do benefício do Acordo de Não Persecução Penal, nada obsta que sejam os autos encaminhados ao representante do Ministério Público a fim de que seja, então, formulada a respectiva proposta, fixando-se as condições nos termos dos incisos I a V do artigo 28-A do Código de Processo Penal, ainda que a denúncia já tenha sido oferecida e a instrução criminal já tenha sido iniciada. 2. Da retroatividade do artigo 28-A do Código de Processo Penal Pela leitura do artigo 28-A do Código de Processo Penal, é forçoso reconhecer que o Acordo de Não Persecução Penal acontece ao final da primeira fase da persecução penal (investigação), ou seja, antes do oferecimento da denúncia. No caso em tela, quando o artigo 28-A, que prevê o Acordo de Não Persecução Penal, entrou em vigor – dia 23 de janeiro de 2020 –, a denúncia já tinha sido oferecida e recebida. Além do mais, a instrução criminal já havia sido até iniciada, com a inquirição das testemunhas de acusação. Acontece que tal fato não impede que a proposta seja formulada neste momento, uma vez que o artigo 28-A, embora se encontre topograficamente no Código de Processo Penal, é norma de natureza mista ou híbrida, de conteúdo processual penal material e, por esta razão, de eficácia retroativa. Realmente, porquanto se refira à possibilidade de não oferecimento da denúncia, o Acordo de Não Persecução Penal, se devidamente cumprido pelo beneficiário, gera a extinção da punibilidade, fato este que justifica o caráter penal do novo dispositivo legal. Logo, por se tratar de lex mitior, por ter conteúdo híbrido, o artigo 28-A do Código de Processo Penal deve ter eficácia retroativa, alcançando as infrações penais cometidas antes mesmo da sua entrada em vigor (23 de janeiro de 2020), em decorrência do Princípio da Retroatividade da Lei Penal mais Benéfica, expressamente previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”). Inclusive, tal entendimento foi sufragado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, ainda no ano de 1996, quando a Corte foi chamada a se manifestar acerca da retroatividade das prescrições legais contidas na Lei nº 9.099/95, em especial no tocante à aplicabilidade de institutos despenalizadores semelhantes ao Acordo de Não Persecução Penal, como a Transação Penal e a Suspensão Condicional do Processo: A Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, subordinou a perseguibilidade estatal dos delitos de lesões corporais leves (e dos crimes de lesões culposas, também) ao oferecimento de representação pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 88), condicionando, desse modo, a iniciativa oficial do Ministério Público a delação postulatória da vítima, mesmo naqueles procedimentos penais instaurados em momento anterior ao da vigência do diploma legislativo em questão (art. 91). A lei nova, que transforma a ação pública incondicionadaem ação penal condicionada a representação do ofendido, gera situação de inquestionável beneficio em favor do réu, pois impede, quando ausente a delação postulatória da vítima, tanto a instauração da persecutio criminis in judicio quanto o prosseguimento da ação penal anteriormente ajuizada. (...) Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva as premissas ideológicas que dão suporte as medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, atribui, de modo consequente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (arts. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89). As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto a sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe a lex mitior uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata (STF – Inq 1055 QO/AM – Rel. Min. Celso de Mello – julgamento: 24/04/1996 – publicação: 24/05/1996 – Tribunal Pleno). No mesmo sentido, ainda no ano de 1996, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre a eficácia retroativa do artigo 89 da Lei nº 9099/95, que prevê a suspensão condicional do processo: Efeito retroativo das medidas despenalizadoras instituídas pela citada Lei nº 9099 (Precedente do Plenário, Inquérito nº 1055, DJ de 24/05/96). Pedido deferido para, anulados o acórdão e a sentença, determinar-se a remessa dos autos da ação penal ao Tribunal Especial Criminal, para a aplicação, no que for cabível, do disposto nos artigo 76 e 89 da Lei nº 9099/95 (HC 74017-1 CE, de 13/08/1996). Após a edição da Lei nº 13964/2019, que inseriu o artigo 28-A no Código de Processo Penal, o Desembargador Paulo Fontes, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal, veio a adotar o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal e determinou a suspensão de uma ação penal a fim de que Ministério Público e acusado pudessem concluir as tratativas para a realização do Acordo de Não Persecução Penal: Nesse ponto, entendo que o acordo de não persecução penal deverá ser aplicado em termos semelhantes ao que ocorre com os institutos da transação penal e da proposta de suspensão condicional do processo e, assim, analogicamente, cabe ao Ministério Público Federal a sua propositura. Caso a defesa discorde do não oferecimento do benefício, deve se valer do artigo 28-A, § 14, do Código Processo Penal, requerendo a remessa dos autos ao órgão superior, o que, ao que tudo indica, não foi realizado nos autos de origem. Contudo, verifico da manifestação do ilustre membro do Parquet, acima transcrita, que acenou com a possibilidade de a defesa ajustar-se aos dois aspectos que indicou como indispensáveis à pactuação do acordo. Sem dúvida, o contexto atual da pandemia da Covid-19 pode ensejar atrasos e dificuldades na obtenção de documentos e no trato direto com as autoridades. Por outro lado, encerrada a instrução com a próxima audiência, eventual prolação de sentença tornaria sem objeto o ANPP, de maneira que considero razoável suspender por ora o curso da ação penal, a fim de que a defesa prossiga nas tratativas com o Parquet (HC Nº 5012419-44.2020.4.03.0000 – Des. Fed. Paulo Fontes 20/05/2020). E, seguindo o mesmo norte, a 2ª Câmara Criminal do Ministério Público Federal editou o Enunciado de nº 98, admitindo a possibilidade da realização do Acordo de Não Persecução Penal nos feitos que se encontram em andamento: É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A da Lei n° 13.964/19, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes. Por tais razões, é de se concluir que jamais constituirá empecilho para a realização do Acordo de Não Persecução Penal o fato de a ação penal já estar em franco andamento. Primeiro, porque o acusado preenche integralmente os requisitos exigidos por lei para o recebimento do benefício despenalizador e, segundo, porque, tratando-se o artigo 28-A de novatio legis in mellius, deve retroagir em conformidade com o Princípio constitucional da Retroatividade da Lei mais Benéfica. III – Do pedido Ante o exposto, requer que as presentes razões sejam tomadas como fundamento para, com fulcro no artigo 28-A § 3º do Código de Processo Penal, intimar o Ministério Público para se manifestar acerca da proposta de Acordo de Não Persecução Penal em favor do acusado. Por outro lado, caso haja recusa por parte do representante ministerial em propor o referido benefício, já se requer a remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público, nos termos do § 14 do artigo 28-A do Código de Processo Penal. Nestes termos, pede deferimento. Campo Grande, 21º de julho de 2020. Advogado – OAB/MS
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