Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
XV - MÓDULO DE DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 01 DRGE - doença do refluxo gastroesofágico → Sintomas das doenças do esôfago e considerações importantes O esôfago é um órgão constituído de musculatura estriada em seu terço proximal e de musculatura lisa em seus dois terços distais. Fica entre a traqueia e a coluna vertebral e é composta por musculatura circular interna e longitudinal externa. Entre as camadas musculares longitudinal e circular, existe uma rede nervosa, o plexo mioentérico, dotada de neurônios de comunicação entre o nervo vago e o músculo liso. Possui dois esfíncteres: o esfíncter esofágico superior (EES), que o separa da faringe, e o esfíncter esofagiano inferior (EEI), que o separa do estômago. → SINTOMAS ESOFÁGICOS: ODINOFAGIA: dor ao deglutir. DISFAGIA: dificuldade de deglutir. PIROSE: sensação de queimação retroesternal. REGURGITAÇÃO: retorno do alimento através do esôfago em direção à boca. CÓLICA ESOFAGIANA: dor retroesternal em aperto. HEMATÊMESE: vômito de sangue vivo ou coagulado. SIALOSE: hipersalivação. DRGE e complicações É uma afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes a ele, acarretando um espectro variável de sinais e sintomas, tanto esofágicos quanto extra-esofágicos. Esses sintomas podem ou não estar associados a lesões teciduais. É muito comum na prática médica e trata-se de enfermidade crônica com recidivas e freqüente necessidade de uso continuado de medicação. A pirose, definida como sensação de queimação retroesternal, geralmente de natureza intermitente, é a manifestação clínica mais comum da DRGE. - ETIOPATOGENIA e FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da DRGE tem como evento principal o retorno patológico para o esôfago de agentes agressores como o ácido clorídrico, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas. Para ocorrer lesão dos órgãos expostos (esôfago e órgãos adjacentes), é necessário que os fatores de defesa sejam superados. Esses fatores de defesa fazem uma barreira anti-refluxo que é constituída por componentes anatômicos e fisiológicos que atuam sinergicamente para manter a integridade da mucosa. A defesa propriamente dita depende também da resistência tecidual, que possui características próprias para cada indivíduo. Um dos mecanismos é físico, que são os esfíncteres. Normalmente eles devem estar contraídos após a deglutição para evitar o refluxo, mas há fisiopatologicamente relaxamentos transitórios dos esfincteriano que são resultado da distensão do fundo do estômago por alimento ou gás. Isso acontece mais no período pós prandial, e aí podemos observar o aparecimento dos sintomas principalmente pós refeição. Outro aspecto patológico que podemos observar no paciente portador de DRGE é a hipotonia do esfíncter inferior do esôfago. O sintomas mais graves da DRGE são relacionados justamente a essa hipotonia que ocorre no esfíncter inferior do esôfago, e existem alguns fatores que diminuem essa a pressão basal (tabela II): alimentos como chocolates, gorduras e CAFÉ, muito consumido pela paciente do caso. Outro fator que pode contribuir fisiopatologicamente é a infecção por H. Pylori. Sua participação é controversa e até agora se limita à modificação da acidez do suco gástrico: a infecção pela bactéria causaria uma gastrite que diminuiria Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MEDMANAS XV - MÓDULO DE DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 01 a redução da produção de ácido clorídrico, depois do tratamento os níveis voltariam ao normal e isso favorece o aparecimento do refluxo. Ou seja: a bactéria em si não induz ou agrava os sintomas de refluxo. - MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS É importante considerar que a intensidade e a frequência dos sintomas são fracos preditores da presença ou da gravidade da esofagite. A duração da doença, por outro lado, está associada ao aumento do risco de complicações. As principais manifestações clínicas da DRGE: As manifestações atípicas podem ocorrer por dois mecanismos diferentes: ■ ação direta do material refluído sobre a via aérea; ■ reflexo vagal causado pela irritação da mucosa esofágica. Pacientes com manifestações atípicas, muitas vezes, não apresentam concomitância com os sintomas considerados típicos, e o achado de erosões esofágicas ao exame endoscópico é menos comum nas manifestações atípicas da doença. - DIAGNÓSTICO A DRGE pode cursar de duas formas do ponto de vista diagnóstico: → com erosões (forma erosiva) que são identificadas ao exame endoscópico. → sem erosões (forma não-erosiva), o que torna o diagnóstico mais difícil, devendo-se considerar as queixas clínicas do paciente. Que queixas devemos considerar para ajudar no diagnóstico? Presença de pirose/regurgitação com frequência mínima de 2 vezes/semana, por período igual ou superior a 4 semanas, sugere o diagnóstico de DRGE. Então a principal ferramenta no diagnóstico da DRGE é a história clínica. O sintoma mais característico é a pirose, tipicamente referida de 30 minutos a 2 horas após a refeição, podendo ser aliviada pelo uso de antiácidos. A!! A ausência de sintomas típicos, como a pirose, não exclui a possibilidade de DRGE, já que as manifestações podem ser atípicas. Outro fator relevante é a pesquisa de sinais e sintomas que indiquem complicações de DRGE, denominados sintomas de alarme, que englobam disfagia, odinofagia, hematêmese, melena, anemia e emagrecimento. - EXAMES → Endoscopia Digestiva Alta (EDA) e Biópsia O exame de EDA, apesar de baixa sensibilidade para o diagnóstico de DRGE (50%), é importante no diagnóstico diferencial com outras enfermidades, particularmente o câncer de esôfago. Esse exame tem a vantagem de possibilitar a coleta de biópsias, as quais são imprescindíveis para diagnosticar esôfago de Barrett e adenocarcinoma esofágico. Também tem a vantagem de ser amplamente disponível e facilmente executável. As lesões que podem ser visualizadas são: - erosões: definidas como solução de continuidade limitada à mucosa, com pelo menos 3 mm de diâmetro, com depósito de fibrina e permeação neutrofílica do epitélio; - úlceras: definidas como solução de continuidade que atinge pelo menos a camada muscular da mucosa, com presença de tampão e tecido de granulação; - estenose péptica; - esôfago de Barrett. Aqui nesse ponto é bom deixar claro que existem inúmeros tipos de classificação endoscópica, e isso é reflexo da grande dificuldade que é estabelecer o diagnóstico, já que não temos um padrão bem estabelecido. (Aqui do lado duas tabelas de duas classificações diferentes.) Na prática vamos observar indivíduos sintomáticos com exame endoscópico normal ou inespecífico (edema, eritema). Nesses casos a gente sabe que Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MEDMANAS XV - MÓDULO DE DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 01 apesar de ter aparência normal, a mucosa pode estar passando por processo inflamatório → inflamação no esôfago é ESOFAGITE! Essa inflamação se inicia na lâmina própria e progride em direção à superfície da mucosa. A!! A biópsia de esôfago não é realizada rotineiramente na DRGE. A especificidade e a sensibilidade do exame histológico para o diagnóstico da DRGE não-complicada variam conforme o achado endoscópico e o local onde os fragmentos são obtidos. A importância do método cresce quando há suspeita de esôfago de Barrett ou neoplasia, devendo também ser realizado em todos os casos de úlcera e estenose. Não está indicado nas esofagites erosivas não-complicadas. → Manometria esofágica Esse exame tem como finalidade avaliar a motilidade esofágica. Atualmente, as indicações desse exame na DRGE são limitadas e são basicamente as seguintes: - investigação da eficiência da peristalse esofágica em pacientes com indicação de tratamento cirúrgico; - determinação da localização precisa do esfíncter inferior do esôfago para permitir a correta instalação do eletrodo de pHmetria; - investigação apropriada da presença de distúrbio motor esofágico associado, tais como as doenças do colágenoe o espasmo esofágico difuso. → pHmetria de 24hrs Apesar de não ser mais considerada o padrão de referência para a DRGE, é ainda o melhor método disponível para caracterizar o refluxo gastroesofágico e permitir a correlação dos sintomas com os episódios de refluxo. Por meio da pHmetria prolongada, é possível quantificar a exposição da mucosa esofágica ao ácido. Este exame está indicado nas seguintes situações: - Pacientes com sintomas típicos de DRGE + não apresentam resposta satisfatória ao tratamento medicamentoso + exame endoscópico não revelou dano à mucosa esofágica. (Ou seja: último dos casos.) Nestes casos, o exame deve ser realizado na vigência da medicação (inibidor da bomba de prótons); - Pacientes com manifestações extra-esofágicas sem presença de esofagite ao exame endoscópico. Nestes casos, é recomendada a realização de exame pHmétrico com dois ou mais canais sensores de pH para caracterizar simultaneamente o refluxo gastroesofágico e supra-esofágico; - pré-operatório de casos bem caracterizados em que o exame endoscópico não caracterizou esofagite. → Impedanciometria Esse método possibilita a investigação do movimento do conteúdo gástrico independentemente da medida do pH, permitindo o diagnóstico de refluxo não-ácido, bem como a altura alcançada pelo refluxato. Permite também o diagnóstico de refluxo gasoso e líquido simultaneamente. → Teste terapêutico Pacientes com menos de 40 anos de idade, portadores de manifestações clínicas típicas de DRGE e sem sinais de alarme podem ser considerados para receber teste terapêutico com medicação inibidora da bomba de prótons (IBP), em dose plena diária por 4 semanas como conduta inicial, em conjunto com as medidas comportamentais (tabela ao lado - VI). O teste é considerado positivo quando são abolidos os sintomas inicialmente presentes, sugerindo fortemente o diagnóstico de DRGE - COMPLICAÇÕES Podem ocorrer complicações como consequência da DRGE de evolução crônica. Costumam ser mais freqüentemente em indivíduos que não procuram auxílio Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MEDMANAS XV - MÓDULO DE DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 01 médico, em casos refratários ao tratamento ou que não o seguem corretamente. As complicações mais comuns são: esôfago de Barrett, estenose, úlceras e sangramento esofágico. A estenose ocorre como consequência da inflamação decorrente do refluxo, que leva a uma fibrose da parede e redução da luz esofágica. A principal manifestação clínica é a disfagia. O sangramento esofágico na DRGE costuma ser lento e insidioso, podendo ser responsável por quadros de anemia crônica. Mais raramente, pode cursar como hematêmese. - TRATAMENTO O tratamento da DRGE tem como objetivo: alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões e a prevenção de recidivas e complicações. Como é difícil estabelecer qual o defeito fisiopatológico predominante, o tratamento visa à melhora na função motora esofágica, estímulo da depuração ácida e elevação da pressão basal do esfíncter inferior do esôfago. Outras alterações na fisiologia podem ajudar no processo do tratamento como: aumentar a salivação para melhor depuração esofágica e tamponamento do ácido refluído; acelerar o esvaziamento gástrico para reduzir o potencial agressivo do suco gástrico, etc. A!! Atualmente, não existem fármacos disponíveis para a correção dos indesejáveis relaxamentos transitórios do esfíncter inferior do esôfago. → TRATAMENTO CLÍNICO: se baseia na alteração de medidas comportamentais que visam eliminar ou reduzir certos alimentos, medicamentos e hábitos que favoreçam o aparecimento do refluxo (tabela VI aqui em cima). É importante ainda que tais recomendações sejam individualizadas, já que existe uma extensa variedade de alimentos e bebidas que podem ou não causar sintomas, dependendo das características de cada caso. É importante enfatizar a necessidade de evitar refeições volumosas, ricas em gorduras, aguardar 1 ou 2 horas após as refeições antes de se deitar e cessar o consumo de tabaco. A!! Aqui nesse ponto é bom a gente lembrar que a obesidade está associada a aumento na pressão intra-abdominal, redução da pressão basal do EIE, esvaziamento gástrico retardado e aumento na freqüência de relaxamentos transitórios do EIE, levando a um aumento da exposição ácida do esôfago, então a perda de peso é conveniente para redução dos sintomas. → TRATAMENTO MEDICAMENTOSO: muitos fármacos podem ser utilizados no tratamento da DRGE. De maneira geral, visam à neutralização ou à eliminação do ácido refluído ou, ainda, à melhoria dos distúrbios motores que podem acompanhar essa enfermidade. - Inibidores da bomba de próton (IBP): são a PRIMEIRA escolha no tratamento da DRGE. A lógica do uso desse medicamento é a inibição da produção de ácido pelas células parietais do estômago, reduzindo a agressão que o esôfago sofre. Mas esse medicamento só age sob bombas ativas, ou seja: devem ser administrados antes de uma refeição ( já que o principal ativador de bombas é a alimentação). Recomenda-se que o tratamento inicial deve ser feito com IBP em dose plena, por um período de 4 a 8 semanas. Quando não se observa resposta satisfatória (abolição dos sintomas), deve ser considerado o uso de dose dobrada da medicação. A!! Estima-se que, após a interrupção do tratamento, cerca de 80% dos pacientes vão recidivar em 6 meses. Nos casos que evoluem com recidivas frequentes ou na impossibilidade de se manter o paciente assintomático sem medicação, recomenda-se terapia de manutenção com a dose mínima de IBP, sempre em associação com medidas comportamentais. A!! Esses medicamentos são melhores que bloqueadores dos receptores de H2 de histamina, procinéticos, antiácidos, etc, pq tem menos efeito adverso e melhores índices de cicatrização. - Bloqueadores dos receptores H2 da histamina (ARH2): esses atuam bloqueando os receptores da histamina existentes nas células parietais, bloqueando secreção ácida. Os mais utilizados em nosso meio são a ranitidina, a FAMOTIDINA (paciente do caso) e a cimetidina. Esses são medicamentos seguros, com baixa frequência de efeitos adversos e preço acessível. A limitação desses medicamentos deve-se à baixa eficácia em casos mais graves e ao mecanismo de tolerância, que pode aparecer com o uso crônico, restringindo sua utilização como terapia de manutenção. Resultados melhores são obtidos na associação desse grupo com outras classes. - Procinéticos: apresentam a propriedade de elevar a amplitude das contrações peristálticas do corpo esofágico, acelerar o esvaziamento gástrico e elevar a pressão no Esfíncter Inferior do Esôfago (EIE). A metoclopramida era um Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MEDMANAS XV - MÓDULO DE DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 01 procinético muito usado, mas tem sido substituído pela domperidona, que é um derivado metronidazólico da metoclopramida com ação limitada no sistema nervoso central, e com menores efeitos colaterais. - Antiácidos, alginatos e sucralfato: podem ser usados em situações especiais, como em caso de efeitos adversos com IBP ou ARH2, para fornecer alívio sintomático passageiro. Estes medicamentos atuam neutralizando a secreção ácida e são eficazes para controle, em curto prazo, dos sintomas da DRGE, com propriedade curativa bastante limitada. → TRATAMENTO CIRÚRGICO: evidências têm demonstrado que não existem diferenças significativas entre os resultados dos tratamentos clínico e cirúrgico em um prazo de até 13 anos. O tratamento cirúrgico está indicado nos pacientes que respondem satisfatoriamente ao tratamento clínico, mas não podem ou não querem continuar com o referido tratamento. Pacientes que não respondem ao tratamento farmacológico, em geral não são bons candidatos às intervenções cirúrgicas. O tratamento cirúrgico também é indicado para casos mais graves e quando há complicações como hérnias hiatais, estenose e/ou úlceras e, obviamente, na presença de câncer. Na recidiva do refluxo após tratamento cirúrgico, ou quando houver disfagia prolongada, a indicaçãode nova operação deve ser embasada em exames radiológico, endoscópico, manométrico e, eventualmente, pHmétrico. Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MEDMANAS
Compartilhar