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CURSO DE HUMANÍSTICA TJ-RJ -------------------------------------------------------------- SOCIOLOGIA JURÍDICA RESUMO AULA 1 #SouOuse #MagistraturaMeEspera #TôDentro TJ-RJ 2 CURSO DE HUMANÍSTICA RANKING: 1. SOCIOLOGIA DO DIREITO, Ponto 2 – Relações Sociais e relações jurídicas. Controle social e Direito. Transformações sociais e Direito. – 4 QUESTÕES 2. ÉTICA, ponto 3 – Código de Ética da LOMAN - 4 QUESTÕES 3. FILOSOFIA DO DIREITO, Ponto 2 – O conceito de Direito. Equidade, Direito e Moral - 4 QUESTÕES 4. PSICOLOGIA JURÍDICA, Ponto 3 – Problemas atuais da psicologia com reflexos no direito: assédio sexual e assédio moral - 3 QUESTÕES 5. ETICA, Ponto 2 – Direitos e Deveres da Magistratura - 2 QUESTÕES 6. FILOSOFIA DO DIREITO, Ponto 3 – Interpretação do Direito - 2 QUESTÕES 7. SOCIOLOGIA DO DIREITO, Ponto 4 – Conflitos sociais e mecanismos de resolução. Sistemas não judiciais de composição de litígios – 1 QUESTÕES 8. OUTROS – 5 QUESTÕES TJ-RJ 3 CURSO DE HUMANÍSTICA NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E FORMAÇÃO HUMANÍSTICA NAS 3 ÚLTIMAS PROVAS DO TJ-RJ ASSUNTOS Nº DE QUESTÕES 1 Filosofia do Direito. O conceito de Direito. Equidade, Direito e Moral 3 2 Direitos e Deveres da Magistratura 1 3 Relações sociais e relações jurídicas. Controle social e Direito 1 4 Código de Ética da LOMAN 1 TJ-RJ 4 CURSO DE HUMANÍSTICA HUMANÍSTICA PARTE 1 - SOCIOLOGIA DO DIREITO 1. Introdução à Sociologia1 Para o Professor Miguel Reale, pode-se dizer “que a sociologia tem por fim o es- tudo do fato social na sua estrutura e funcionalidade, para saber, em suma, como os grupos humanos se organizam e se desenvolvem, em função de múltiplos fatores que atuam sobre as formas de convivência.”2 Nas últimas décadas do século XX podemos presenciar, nesse processo de glo- balização, profundas transformações nas relações sociais que se refletem em todos os âm- bitos da sociedade. Transformações sociais, políticas e econômicas que montam um novo cenário para a atualidade. A velocidade das mudanças advindas com a informatização, a modernização dos meios de comunicação, fez emergir novos modelos de consumo de mas- sa e novas formas de agregação social. O Estado que antes aparecia como intervencionista, através de planos mirabolantes, sofre agora com a influência de novos agentes políticos. A sociologia busca, assim, analisar essas mudanças e instrumentalizar o direito para tentar compreender esse novo cenário. No entanto, antes de assumir tal desafio, é importante compreender o pensa- mento de relevantes sociólogos ao longo do tempo, vejam-se pos mais relevantes abaixo. 2. Principais Sociólogos do Direito 2.1. Pré-Sociologia do Direito: A compreensão dos gregos. O que predominava no período grego clássico como ideia de sociedade era o or- ganicismo e o comunitarismo, o que foi legado de Sócrates, Platão e Aristóteles. O triunvi- rato dos grandes filósofos gregos era manifestamente organicista, ou seja, eles defendiam que o ser humano só se desenvolveria plenamente na vida em sociedade, ou seja, na polis: Os filósofos primitivos não chegaram sequer a estabelecer uma dis- tinção muito nítida entre a natureza e o homem. Certo, não era ain- da o social que traziam à tona. Era a natureza humana integrada ao sistema do mundo físico, resultando numa transposição do humano 1 Vários segmentos deste trecho do material são inspirados na obra: Concurso da Magistratura: Noções gerais de direito e formação humanística / coordenação Jerson Carneiro Gonçalves Jr., José Fábio Rodrigues Maciel. – 2ª Ed. – São Paulo: Saraiva 2012. 2 Lições preliminares de direito, p. 19. TJ-RJ 5 CURSO DE HUMANÍSTICA para o cósmico (...) Sócrates guiará Platão e este elegerá a polis, que servirá para moldar toda visão unitária de natureza3. Dentro desta lógica, os grandes luminares da antiguidade (Sócrates, Platão e Aris- tóteles) elegeram a polis como espaço ideal para propiciar este desenvolvimento e assim, o conceito de Direito de Justiça e Direito de tais autores é pautado por esse comunitarismo, como será melhor destacado no capítulo dedicado à Filosofia do Direito. 2.2. Pré-Sociologia do Direito: a contribuição romana. 2.3. Auguste Comte (1798 – 1857) Considerado fundador da sociologia e pai do positivismo científico, Auguste Com- te esposa ideias consideradas referência para diversos filósofos, economistas e pensadores, em geral, do século XIX em diante. A maior contribuição de Comte ao Direito pode ser enxer- gada no pioneirismo com que o filósofo francês abordou a distinção entre ciência e filosofia naturais, o que desaguou na crença da possibilidade de ordenação da sociedade humana a partir do descobrimento das leis causais e absolutas que regeriam as interações humanas. Tal qual a física newtoniana havia logrado sistematizar um conjunto de leis uni- versais relacionadas à dinâmica dos corpos no espaço, Comte cria em uma “ciência” ou “física” social. Isto é, caberia à sociologia descobrir e sistematizar o conjunto de “leis uni- versais” que regem a sociedade. Seria, assim, uma ciência unificadora, positiva. Tal ciência, contudo, careceu de bases epistemológicas e metodológicas até os avanços empreendidos por Émile Durkheim. Do mesmo modo, enfrentou dificuldade em englobar outras áreas de pensamento como a economia. No entanto, a reviravolta intelectual encabeçada pelo pensador fomentaria a ân- sia, por parte das demais áreas das chamadas ciências humanas, a adotarem o paradigma da “ciência”, conforme compreendida à época, na delimitação de seu objeto de estudo e na justificação da especialização epistemológica pretendida. O desenvolvimento da sociolo- gia, e por conseguinte das abordagens sociológicas do direito (como o institucionalismo) forçou o aprimoramento da legitimação do raciocínio jurídico. Tem-se aí o germe da abor- dagem (pretensamente) científica do Direito. No mesmo sentido, CARNIO & GONZAGA destacam como grande contributo de Comte para a Sociologia: 1) Ter posicionado a Sociologia como Ciência; 2) Ter identificado a Sociedade como uma totalidade real e concreta e identifica- do esta como objeto de estudo da Sociologia; 3 FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Ed. Malheiros, 2000. Pág.106. TJ-RJ 6 CURSO DE HUMANÍSTICA 3) Ter se valido de métodos científicos da historiografia e etnografia como inspi- ração para uma metodologia inicial da Sociologia; 4) Ter buscado uma metodologia para as Ciências Sociais. Por outro lado, um dos principais problemas da obra de Comte está em ter bus- cado uma neutralidade do cientista, o que desprezava a influencia que o meio tinha sobre o próprio cientista. 2.4. Emile Durkheim (1858-1917) 2.4.1 O controle social em Durkheim por meio do Fato Social Durkheim parte de uma análise do comportamento humano em sociedade. Po- der-se-ia traduzir tal ideia da seguinte forma: Agimos conforme nossa consciência ou a so- ciedade determina o nosso modo de agir? Inicialmente, o autor objeta a perspectiva biologista da consciência humana. Vale pontuar que a resistência durkheimiana a esse tipo de concepção que parte do pensamento de ser a consciência como que um reflexo das reações orgânicas cerebrais. A primeira objeção de Durkheim tem relação com a própria essência e com as consequências implicadas na própria noção de consciência: se a consciência é “mecanica- mente” determinada, não seria paradoxal o fato de que, uma vez conscientes de determina- do reflexo - de determinada relação comportamental causal -, possamos hesitar, refletir, e, enfim, até mesmo não levar a cabo a consequência finalística supostamente “determinada” pela cadeia de eventos que a precedeu? Um agente dotado de consciência não se conduz como um ser cuja atividade se reduziria a um sistema de reflexos: ele hesita, tateia, de- libera, e é essa peculiaridade que reconhecemos nele. (...) Essa in- determinação relativa não existe onde não existe consciência, e ela cresce com a consciência. (p. 15) Assim, a referida objeção apresentadapor Durkheim pode ser sintetizada da se- guinte forma: considerada a consciência como reflexo causal orgânico, o resultado disso implicaria na aniquilação da própria noção do que realmente consideramos consciência, isto é, de suas propriedades singulares. Durkheim aponta ser pouco provável que o comportamento humano tenha por veto estrito a representação consciente. Isso porque a própria noção de atenção conduz à ideia de restrição do campo de atividade mental a determinado ponto, não corresponden- do as expressões comportamentais humanas a tal grau de restrição. TJ-RJ 7 CURSO DE HUMANÍSTICA Conclui, portanto, serem tais representações mentais (ou psíquicas) de certa for- ma independentes da própria consciência humana. Assim sendo, o autor vai apresentar a chamada Teoria do Fato Social como um elemento extra na determinação das ações huma- nas. O fato social é um fenômeno difuso e EXTERIOR ao indivíduo. Nessa perspectiva, podemos afirmar que, na sociologia durkheimiana, o “todo” extrapola a mera soma entre todas as partes (todos os indivíduos), sendo a existência do fato social algo que independe da vontade ou disposição individual. Justamente em virtude de seu caráter genérico e difuso, seria inviável considerar o fato social como o elemento comum às disposições e vontades individuais, uma vez que Durkheim entende intrínseca, à noção de indivíduo, a exclusividade. As pessoas detêm, de modo geral, aspirações e interesses distintos entre si, de modo que, em um cálculo mental hipotético, postula Durkheim que, fôssemos partir da noção de fato social como elemento homogêneo na coletividade (considerada cada pessoa em suas representações individuais particulares), simplesmente NÃO HAVERIA qualquer fato social, uma vez que todas essas aspirações e vontades conflitantes tenderiam a se anular. Seria o mesmo que ocorreria com a soma de diversos vetores opostos, em um determinado sistema físico, conduziria a uma resultante nula. Conforme o próprio autor: O fenômeno social não depende da natureza pessoal dos indivíduos. É que, na fusão da qual ele resulta, todos os traços individuais, sen- do divergentes por definição, se neutralizam e se aniquilam mutua- mente. Somente as propriedades mais gerais da natureza humana subsistem; e, precisamente por causa de sua extrema generalidade, essas propriedades não poderiam justificar as formas tão especiais e tão complexas que caracterizam os fatos coletivos. (pp. 39-40) A perceptibilidade (ou cognoscibilidade) do fato social, na forma como sustenta Durkheim, apesar da contradição de vontades e aspirações individuais4, é o que anima e fundamenta a sociologia enquanto campo de investigação. Como explicar, portanto, sua existência? Para Durkheim, a assunção de que os fatos sociais são exteriores aos indivíduos, INDEPENDENTES de suas vontades leva a concluir pela COERCIBILIDADE do fato social. Com efeito, se talvez possamos contestar que todos os fenômenos sociais, sem exceção, se impõem de fora ao indivíduo, a dúvida não 4 Daí também o motivo pelo qual Durkheim refere-se a seu objeto como fato social; isto é, trata-se de fenômeno presente na sociedade, perceptível e possível de ser conhecido. Importante aludir, neste ponto, à concepção basilar de ciência esposada pelo autor no seguinte trecho: “O fato de um fenômeno não ser claramente representável ao espírito não nos dá o direito de o negar, se ele se manifesta por efeitos definidos, que podem ser representados e lhe servem de sinais. (...). A ciência vai de fora para dentro, das manifestações exteriores e imediatamente sensíveis para os traços internos que essas manifestações revelam” (p. 32). TJ-RJ 8 CURSO DE HUMANÍSTICA parece possível para o que concerne às crenças e às práticas religio- sas, às regras da moral, aos inumeráveis preceitos do direito, isto é, às manifestações mais características da vida coletiva. Todos são ex- pressamente obrigatórios; e a obrigação é a prova de que essas ma- neiras de agir e de pensar não são obra do indivíduo, mas emanam de uma potência moral que o ultrapassa... (p. 38) Desse modo, nota-se que a TEORIA DO FATO SOCIAL busca explicar como a socie- dade determina o agir humano. Segundo, ASSIS; ASSIS; SERAFIM & KÜMPEL, a teoria do fato social será assim pautada em três elementos: a) O Fato Social independe das consciências humanas, logo, é exterior ao indi- víduo; b) O Fato Social exerce uma coercibilidade sobre o indivíduo; c) O Fato Social é generalizado em toda a sociedade. Tudo isso explica como a sociedade exerce um controle social informal (o tema será melhor detalhado abaixo) sobre o indivíduo. 2.4.2 A solidariedade na Sociedade e o Direito Para Durkheim as sociedades são marcadas pelo fato de a vivência em comuni- dade criar laços de solidariedade. As diferentes formas de sociedade caracterizam-se por possuírem dois possíveis tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica. Solidariedade mecânica É presente nas sociedades ditas “primitivas” ou “arcaicas”, ou seja, em agrupa- mentos humanos de tipo tribal formado por clãs. Logo, em grupos com as mesmas noções e valores sociais. Ex.: Vizinhos que se ajudam na época da colheita. Solidariedade orgânica Ocorre nas sociedades “complexas”, em que, não necessariamente, as pessoas compartilharem dos mesmos valores e crenças sociais, os interesses individuais são bastan- te distintos e a consciência de cada indivíduo é mais acentuada. Nesse tipo de sociedade é necessária a criação de ÓRGÃOS para promover a solidariedade. Ex.: o INSS, a DEFENSORIA PÚBLICA etc., que são instituições que promovem a solidariedade, visto que são mantidas pelos tributos de todo o grupo social. TJ-RJ 9 CURSO DE HUMANÍSTICA Tipos de Solidariedade, segundo E. Durkheim Mecânica Orgânica Sociedade Simples Sociedades complexas As funções sociais dos indivíduos são semelhantes As funções sociais dos indivíduos são especializadas e interdependentes Não há significativa divisão social do trabalho A divisão social do trabalho é bastante complexa Predomínio de mecanismo de coerção imediata, violenta e punitiva Predomínio de mecanismos de coerção formais, exercido de forma mediada Predomínio do Direito punitivo Predomínio do Direito restitutivo Sociedades economicamente simples Sociedades economicamente complexas Fonte: Blog Café com Sociologia Nesse sentido, o que seria o Direito para Durkheim? Para Durkheim, o Direito é a forma humana de organizar toda a sua solidarieda- de, as instituições, os órgão as regras em sociedade, ou seja, todas as FORMAS DE ORGA- NIZAÇÃO HUMANA, QUE COMPOEM O DIREITO, são formas da humanidade organizar SUA SOLIDARIEDADE. 2.5. Max Weber (1864-1920) Weber lança alguns dos principais conceitos da Sociologia do Direito. Para com- preender o seu conceito de Direito é necessário, antes disso, compreender seu conceito de Estado. O que é o Estado para Weber? O Estado não se deixa definir pelos seus fins. Estado é um agrupamento político. Sociologicamente, o Estado não se deixa definir senão pelo meio que lhe é peculiar: o uso da coação física – “todo Estado se funda na força” (Trotsky a Brest-Litovsk). Se não houvesse violência, desapareceria o conceito de Estado. Ter-se-ia apenas a Anarquia. Contudo, não é a violência o seu único instrumento, mas o seu específico. A relação entre eles (Estado e violência) é muito íntima. Todos os agrupamentos políticos, a começar da família, recorreram à violência física como instrumento normal de poder. En- tretanto, hodiernamente, o Estado passa a ser concebido como um conjunto de elementos. Dentre eles, o território. Nesse território, há uma comunidade, em que o Estado reivindica para si o monopólio do uso legítimo da violência física – o Estado passa, então, a ser com- preendido como a única fonte do direito à violência. Nesse sentido, para Weber, o Estado é a comunidade humana que detém o uso legítimo da força física (violência). TJ-RJ 10 CURSO DE HUMANÍSTICA O Estadose revela como uma dominação do homem sobre o homem, a partir do uso legitimado da violência. Então, o Estado só pode existir enquanto os dominados se sujeitarem ao domínio dos dominadores. Assim, Weber provoca-nos a entender as condi- ções e o porquê dessa submissão, bem como as justificações internas os meios externos em que se apoia. No tocante às razões internas, são três os fundamentos apontados: primeiro, a autoridade do “passado eterno”, encontrada nos costumes santificados (trata-se do “poder tradicional”); segundo, o carisma (autoridade que se funda em dons pessoais e espirituais do indivíduo, que justificam até mesmo a devoção); por fim, a autoridade legal, aquela que se impõe por força da norma/lei/convenção, que se funda no reconhecimento de uma competência positiva, na obediência e nas regras a partir de um estatuto estabelecido. Tal é o poder que exerce o servidor do Estado. E a obediência dos súditos tem razão seja na esperança de recompensa, seja no medo da vingança e se legitima por esses três fundamentos supra apontados – que podem aparecer de forma pura ou imbrincados entre eles. Assim sendo, surge a noção de Direito em Weber, o Direito é um meio de a auto- ridade buscar a adesão de seus súditos e assim conseguir exercer sua autoridade, isto é, o Direito é um meio de legitimar o uso da força física dentro do Estado. O Estado, enquanto um modo de dominação organizada, necessita, de um lado, de um estado-maior administrativo e, por outro lado, dos meios materiais de gestão. Esse estado-maior administrativo, que é a organização de dominação política, não se inclina a obedecer ao detentor do poder apenas pelos institutos que o legitimam, mas pelo conjunto de vantagens e prestígios envolvidos nessa relação, bem como o medo de perdê-los. Assim sendo, o Direito não somente cria um fundamento de legitimidade para a autoridade e para o Estado, como cria uma rede burocrática interna para estruturar e man- ter esse estado. 2.6. Karl Marx Karl Marx, indubitavelmente, foi o maior autor do socialismo. Marx é um nome fundamental à compreensão da sociologia contemporânea. Destaca-se em relação à Weber e Durkheim por parte de uma análise mais econômica da realidade social. Marx estou as re- lações sociais a partir das relações produtivas. Marx, mormente, em O Capital demonstrou como a forma de produção capitalista determina as relações sociais, incluindo as relações jurídicas e de poder. TJ-RJ 11 CURSO DE HUMANÍSTICA Marx demonstra que a forma de produção capitalista gera uma cisão na socieda- de entre aqueles que possuem os meios de produção e aqueles que não os possuem. Meios de produção são todos aqueles bens que ao serem objeto de propriedade por alguém são capazes de gerar riqueza, como a terra, os imóveis, as máquinas de uma empresa. Assim, aquelas pessoas que são proprietárias dos meios de produção conseguem subjugar aqueles que não possuem tais meios. Assim, surgem as classes sociais na obra de Marx. Há classe burguesa, que detém os meios de produção e o proletariado, que, ao não possuir meios de produção, apenas possui o seu trabalho para ser vendido como unidade econômica dentro do sistema social. Nesses termos, o próprio Marx afirma: “(...) A totalidades destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma su- perestrtura jurídica e política, e a qual correspondem formas sociais determinantes de consciência. O modo de produção da vida mate- rial condiciona o processo em geral da vida social, política e espiri- tual. (...)”. Ou seja, as relações de produção criam abstrações na consciência do indivíduo de modo a formar uma superestrutura social justificadora das relações produtivas. 2.6.1. Infraestrutura e Superestrutura Dois conceitos são de grande importância para compreender a função do Direito dentro do pensamento marxista: infraestrutura e superestrutura. A infraestrutura é tudo aquilo que está vinculado aos meios de produção e possui capacidade de gerar riqueza, como a indústria, a agricultura, o comércio, a mineração etc., sustentando a organização econômica da sociedade. A infraestrutura gera e dá suporte à superestrutura, noção abstra- ta que serve de sustentáculo à sociedade capitalista, sendo composta pela noção de estado (relações políticas; sociedade (relações sociais); religião; cultura; ideologias; e a Justiça (Di- reito). Todos esses elementos da superestrutura não foram escolhidos pelos indivíduos, mas impostos contexto social, de modo a justificar a concentração dos meios de produção nas mãos da burguesia. Portanto, para Marx o Direito é elemento da superestrutura que possui como objetivo manter a infraestrutura da sociedade capitalista. TJ-RJ 12 CURSO DE HUMANÍSTICA 2.6.2. Instituições no pensamento de Karl Marx Segundo Marx, as instituições estão divididas em dois grupos distintos que se complementam para a manutenção do status quo, são eles: aparelhos repressivos e apare- lhos ideológicos. Dentro dos aparelhos repressivos estão os órgão que utilizam ostensivamente a força (violência), como a polícia e as forças armadas. Servem para reprimir eventuais rebe- liões contra o sistema, através da imposição da violência, gerando temor nos dominados. Por outro lado, os aparelhos ideológicos se prestam a gerar uma sensação de defesa de interesses, equidade e representação, sendo representados pelo Judiciário, Le- gislativo, Defensoria Pública, dentre outros. 2.6.3. O Direito e suas ilusões Marx fala em duas ilusões promovidas pelo Direito: a ilusão legalista e a ilusão de igualdade. Pela primeira, ilude-se o indivíduo com a ideia de que as leis mudam as si- tuações, quando na verdade elas se prestam à manutenção da situação opressiva. Por sua vez, a ilusão de igualdade diz respeito ao fato de que somente existe uma igualdade legal, restrita à letra fria da lei, mas não uma igualdade real, material. 2.6.4. O Estado e suas formas Políticas A concepção de Estado sob a ótica Marxista foi objeto de ampla pesquisa pelo Prof. Alisson Mascaro, grande expoente do neomarxismo na Filosofia do Direito e Ciência Política, o que culminou com a publicação da obra “Estado e forma política”. Sobre o estu- do, assim escreveu Slavoj Žižek: “A inovadora investigação de Mascaro pode ser considerada a mais avançada reflexão sobre o Estado produzida no Brasil. O estudo re- presenta um deslocamento da teoria política, fazendo-a girar não em torno de suas instituições, definições jurídicas ou análises sobre as disputas em torno do poder estatal, mas sim a partir das formas sociais do capitalismo. Para tanto, Mascaro incorpora diretamente o pensamento de Marx e a tradição teórica sobre o Estado, incluindo as pesquisas mais recentes sobre o tema, empreendidas no mundo, nas últimas décadas, por variados pensadores marxistas e críticos. Mascaro afirma que um entendimento mais profundo do Estado e da política, exigido pela urgência da atual conjuntura, só é possível me- diante uma análise de sua posição relacional, estrutural, histórica, dinâmica e contraditória no todo da reprodução social. É, portanto, TJ-RJ 13 CURSO DE HUMANÍSTICA com a perspectiva da totalidade, própria da tradição marxista, que lança as bases para um projeto emancipatório, em que a forma polí- tica só pode ser compreendida como derivação da forma mercado- ria, que se instaura no capitalismo”. O cerne da pesquisa é analisar como as instituições do Estado existem num pa- drão de mercadoria, a forma por excelência das relações de produção. Marx, em sua obra O Capital determina que o item básico nas relações produtivas é a mercadoria, em que até o próprio operário é tratado como tal. Assim, as próprias instituições repercutem essa cons- ciência. Sobre as formas políticas, é importante frisar que o conceito de forma está vincu- lado ao de superestrutura, que, conforme mencionado anteriormente, diz respeito às cria- ções promovidas pelas relações de produção na mentedo indivíduo. Segundo Marx, o Esta- do é uma forma política, pois existe somente na superestrutura como forma de manutenção da infraestrutura. Assim a própria noção de Estado decorre da forma mercadoria. 3. Controle social e o Direito Segundo Durkheim, o homem deixou de ser apenas um “animal” e se tornou hu- mano porque foi capaz de se tornar sociável. Durante esse processo é formado no indivíduo o que ele chamou de consciência coletiva, que seria “um conjunto de crenças e de senti- mentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado que tem sua vida própria”. 5 Como visto no tópico próprio, segundo Durkheim, todos os indivíduos possuem suas “consciências individuais”, sua forma própria de se comportar e interpretar a vida, mas para ele há nesse comportamento formas padronizadas de se pensar e agir. O resultado dis- so é o surgimento de uma solidariedade social que ele dividiu em dois estágios. A solidariedade mecânica – que predominava nas sociedades pré-capitalistas, onde não havia uma complexa divisão do trabalho e, assim, cada indivíduo se identificava através da família, da religião, dos costumes, momento em que a consciência coletiva exer- cia forte poder sobre o indivíduo. A solidariedade orgânica – que predomina nas sociedades capitalistas, onde há uma complexa divisão do trabalho social. Nesta os indivíduos se tornam cada vez mais in- terdependentes e no lugar dos costumes, da tradição, é o que garante a união social. Nesse estágio os indivíduos se sentem mais autônomos, uma que desenvolvem atividades espe- cializadas, contudo, estão mutuamente dependentes. 5 Sociologia, Coleção Grandes Cientistas Sociais, v.1, p. 74. TJ-RJ 14 CURSO DE HUMANÍSTICA IMPORTANTE! O controle social é exercido em todas as sociedades, consistindo na tentativa de adaptar a conduta do indivíduo aos padrões de comportamento dominantes. A depender do grau de organização social, os meios de controle podem ser formais ou informais. O controle informal é difuso, móvel e espontâneo, sendo típico – MAS NÃO EX- CLUSIVO – de sociedades menos complexas, realizando-se, através das famílias, dos ami- gos, dos colegas de trabalho, dos fiéis da mesma religião etc., que reprovam determinados comportamentos e fazem recomendações, tendo como principal instrumento de controle a Moral. Nas sociedades desenvolvidas e complexas denota-se a existência de meios de controle tanto formais como informais. O controle formal é realizado, principalmente, pe- las autoridades do Estado. Este pressupõe um processo de institucionalização. O Direito consiste em uma forma específica de controle social nas sociedades complexas. Trata-se de um controle formal, determinado por normas de conduta, que apresentam três características: a) são explícitas, indicando à população de forma exata e clara aquilo que não deve fazer; b) são protegidas pelo uso de sanções; c) são interpretadas e aplicadas por agentes oficiais. 4. Transformações sociais e Direito A sociedade sofre constantemente transformações. E essas transformações vão modificando o comportamento das pessoas em suas relações sociais. O Direito, que deve refletir normativamente essas relações, não pode deixar de acompanhá-las. Com o fortalecimento da economia mundial, crescem também a miséria e as de- sigualdades sociais na maioria dos países periféricos. A população se vê desamparada do Estado regulamentador. O Estado começa a ser questionado tanto pelos problemas ligados à globalização como por ordem interna, dos movimentos sociais. Cabe então questionar: qual o papel do Direito diante das transformações sociais provocadas pela globalização? Com a globalização, países que lideram a economia e a política global investem contra os países em desenvolvimento e impõem determinadas regulamentações que os obrigam a perfilarem dentro de determinadas normas, que nada têm a ver com a sua reali- dade. TJ-RJ 15 CURSO DE HUMANÍSTICA O cidadão na era da globalização sente-se mais dotado de informação da reivin- dicação de seus direitos. Assim, a exigência de normatização onde há carência de regras por parte do Estado e a participação do cidadão nas ações governamentais e não governamen- tais tornaram-se, nos últimos anos, mais intensas. IMPORTANTE! A Questão da estratificação social: As ciências sociais usam o termo estratificação para indicar que a sociedade é dividida em vários grupos sociais, constatando-se um fenômeno de superposição ou hie- rarquização. As classes sociais podem ser caracterizadas levando em conta dois critérios: a) qualitativo: é o adotado por Marx, que estuda as características do modo de produção dominante em cada sociedade. Desse modo, Marx identifica duas principais classes sociais: as dos proprietários dos meios de produção e a dos explorados por esses meios de produção, classe chamada de proletariado; b) quantitativa: é a adotada por Weber, que leva em conta o grau de educação, nível de renda, tipo de profissão, religião, espaço de moradia (rural ou urbano), comporta- mento, prestígio e mentalidade etc. Desse modo, apesar de o Direito visar a imparcialidade e a isonomia, NÃO se pode afirmar que a divisão da sociedade em classes sociais é irrelevante para a aplicação das normas jurídicas, posto que a posição dos indivíduos nas classes sociais influencia a aplicação do Direito em diferentes aspectos, como, por exemplo, no nível de acesso ao sis- tema jurídico, e o do tratamento dado pelo sistema jurídico a tais sujeitos. As sociedades podem possuir estratificação fechada ou estratificação aberta. Nesse contexto, Ana Lúcia Sabadel, em seu Manual de Sociologia Jurídica, afirma que: “Os sociólogos também concordam que existem sociedades com estratifica- ção fechada e outras com estratificação aberta. No caso da estratificação fechada, o in- divíduo não pode mudar a sua posição, porque há limites sociais e legais praticamente insuperáveis. Este é o caso das sociedades divididas em castas ou estamentos, legalmen- te protegidos. A Índia constitui, até hoje, um exemplo de sociedade de castas. A organi- zação social em vigor na Europa durante a Idade Média era fundamentada na divisão em estamentos legalmente protegidos. A estratificação aberta encontra-se nas sociedades capitalistas. Estas sociedades são denominadas de ‘sociedades de classe abertas’, por- que se constata o fenômeno da mobilidade social, ou seja, a frequente mudança de sta- tus social dos indivíduos”. TJ-RJ 16 CURSO DE HUMANÍSTICA Logo, percebe-se que, no caso da estratificação fechada, o indivíduo não pode mudar a sua posição social. Na estratificação aberta, é possível o fenômeno da mobilidade social. O Direito pode promover transformações sociais? O tema é objeto de severa divergência entre os sociólogos do Direito, havendo teóricos sustentando que o Direito é um simples reflexo da realidade, sendo, por isso, in- capaz de promover transformações sociais, por outro lado, há aqueles que defendem a possibilidade de transformação social via Direito e há até mesmo aqueles que entendem que o Direito pode ser um obstáculo à transformação social. Savigny, por exemplo, sustentou veementemente que o Direito é um simples reflexo da realidade, sendo incapaz de promover transformações sociais. Puchta manifes- tou-se partidário de ideia semelhante ao afirmar que “a gênese ou o desenvolvimento do direito, partindo do espírito do povo, é um processo invisível. Quem seria capaz de em- preender a tarefa de seguir os caminhos por meio dos quais surge no povo a convicção, como germina, cresce, prospera e se desenvolve? O que vemos é tão só o produto – o di- reito – tal como surgiu do obscuro laboratório em que foi preparado e fez dele realidade”. Em sentido contrário, W. Friedmann sustenta, por exemplo, que “a teoria de Sa- vigny é hoje um tema histórico excessivamente fora de tom em relação às condições da sociedade moderna para que possa constituir um motivo sério de discussão”. Outrasescolas vão ainda afirmar que o Direito não só é incapaz de transformar a realidade social como é um obstáculo a isso. Os juristas marxistas, por exemplo, vão sus- tentar que o Direito é um elemento da superestrutura capitalista para manter as relações de produção existente, mantendo as posições de dominação, típicas da luta de classes, por isso, servindo como instrumento que obstaculariza as transformações sociais! É interessante em casos como esse, apresentar as divergências doutrinárias sem assumir uma posição muito taxativa. Caso seja chamado a se manifestar, é interessante adotar uma posição de equilíbrio, adotando uma multifuncionalidade do Direito, podendo servir tanto à mudança como à manutenção do status quo a depender da forma de sua criação e aplicação. A questão do multiculturalismo Multiculturalismo é o movimento de grupos minoritários pelo reconhecimento de suas culturas e identidades frente ao restante da sociedade, ressaltando diferenças cul- turais, mas sem perder a integridade social, buscando acolhimento institucional do Estado e sua proteção jurídica. TJ-RJ 17 CURSO DE HUMANÍSTICA Multiculturalismo é o movimento, cada dia mais constante, dos grupos minori- tários pelo reconhecimento de suas culturas e identidades frente ao restante da socieda- de. O objetivo de tais minorias é ressaltar as diferenças culturais, mas sem perder a inte- gridade social, tornando a malha legislativa e governamental mais sensível aos interesses do grupo. Apesar do conceito acima exposto de Multiculturalismo, deve-se afirmar que esse não é um termo unívoco, havendo, como alerta Semprini , dois sentidos possíveis para ele: o político e o cultural. O primeiro sentido de Multiculturalismo é o político, relacionado ao conceito tradicional de minorias, limitando-as a um estudo sob uma perspectiva nacional ou étnica. Esse é o posicionamento adotado pelo canadense Will Kymlicka: “Tudo isso põe manifesto a complexidade do termo cultura. Muitos destes grupos têm uma cultura distinta em um dos sentidos habituais do termo, quando ‘cultu- ra’ alude aos diferentes costumes, perspectivas ou ethos de um grupo ou uma associa- ção; por exemplo, quando se fala em uma ‘cultura gay’ ou de uma ‘cultura burocrática’. Este é, talvez, o sentido mais correto de ‘uma cultura’. (...) Por minha parte emprego os termos cultura (e multicultural) em um sentido diferente. Centro-me em um tipo de ‘multiculturalismo’ derivado das diferenças nacionais e étnicas. Como disse antes, utili- zo ‘cultura’ como sinônimo de ‘nação’ ou ‘povo’”. Já o sentido cultural ou culturalista não se vincula estritamente à questão na- cional ou étnica, abrangendo todos os seguimentos sociais, que têm uma cultura própria, mas que não são hegemônicos socialmente. É dentro dessa perspectiva de Multiculturalis- mo que se encontra o segmento da doutrina que vem tentando ampliar o conceito de mi- noria, destaca-se nessa corrente o posicionamento do sociólogo italiano Andrea Semprini: “Uma segunda interpretação do multiculturalismo privilegia sua dimensão especificamente cultural. Ela concentra sua atenção sobre as reivindicações de grupos que não têm necessariamente uma base ‘objetivamente’ étnica, política ou nacional. Eles são movimentos sociais estruturados em torno de um sistema de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimento de identidade ou pertença coletivos, ou mesmo de uma experiência de marginalização. Com frequência é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reconhecerem, ao contrário, como possuidores de valores comuns a se perceberem como um grupo à parte”. Como se percebe, o sentido cultural de Multiculturalismo é mais amplo e permi- te que mais grupos sociais sejam abrangidos por seu estudo. Pelo segundo sentido, grupos que há muito são excluídos e marginalizados pela sociedade, como as pessoas com defi- TJ-RJ 18 CURSO DE HUMANÍSTICA ciência, os homossexuais e as mulheres, são considerados minorias, além de não excluí- rem os grupos de base étnica, como os afrodescendentes e os indígenas. O segundo sentido possível é o mais difundido no Brasil. 5. Conflitos Sociais e Mecanismos de Resolução Os conflitos estão presentes em todos os tipos de sociedade. Sejam elas mais simples ou mais complexas. Não existe sociedade onde não há conflitos. As soluções que podem ser dadas aos conflitos sociais não ficam somente relegadas às normas jurídicas. “Os costumes, as normas de natureza moral ou religiosa, e outras formas normativas da vida social, conduzem também à acomodação dos interesses conflitantes, de modo que no universo da interação social muitos mecanismos, ou processos, atuam simultaneamente, compondo, acomodando ou ajustando situações”. 6 IMPORTANTE! Os conflitos entre os indivíduos ou grupos sociais é tão natural e comum quanto as próprias divergências entre os interesses humanos, sejam eles, individuais, coletivos ou difusos. O Direito é assim um dos mecanismos sociais que se propõe a solucionar esses conflitos, garantindo direitos e deduzindo pretensões. Na história da humanidade, continuamente, há a busca pela criação e o aper- feiçoamento dos meios de pacificação dos conflitos. O ponto máximo de desenvolvimento desses meios é o processo judicial e suas garantias legais. Na antiguidade, apenas existia a autotutela ou autodefesa. Este modelo foi gra- dativamente substituído pelo autocomposição. Neste, a vingança individual ou coletiva contra o ofensor, a vítima passou a ser ressarcida por meio de uma indenização estabele- cida por um árbitro, o Estado começa assim a intervir obrigando a adoção da arbitragem. O estabelecimento do juiz estatal se deu no período romano, com a figura do magistrado, que passou a solver os conflitos em nome do Estado, surgindo assim a hetero- composição. Frise-se que essa evolução histórica não signifique que a heterocomposição não possa conviver com os outros meios, o que inclusive, é bastante buscado nos dias atuais. 6 Felippe Augusto de Miranda Rosa. Sociologia do direito: o fenômeno jurídico como fato social, p. 67-68. TJ-RJ 19 CURSO DE HUMANÍSTICA 6. Sistemas não judiciais de composição de litígios Basicamente o Direito possui duas funções sociais: a de prevenir conflitos e de compor conflitos. Previne à medida que o Direito promove um disciplinamento social, evi- tando o quanto possível e o choque de interesses. O Direito proporciona a discussão dos interesses antagônicos das partes no conflito. Podemos encontrar quatro tipos de composição de conflitos: a) A negociação direta: as partes se entendem mutuamente e estabelecem um acordo, negociam que uma das partes se submeta aos interesses da outra de maneira que cessa o conflito. b) A mediação e a conciliação: quando a negociação direta fracassa entra em cena um mediador ou conciliador, que busca um entendimento entre as partes a fim de acomodá-las, dirimindo as divergências para que não seja necessário às partes o litígio. c) O arbitramento: neste caso não existe a consensualidade. Um árbitro é escolhi- do pelas partes para que decida sobre o conflito. Apesar de ser extrajudicial, a decisão tem o caráter de título executivo judicial. d) A composição jurídica: quando os casos “a” e “b” fracassam, é necessário ape- lar ao aparato estatal para a resolução do litígio. Neste caso, mediante critérios conhecidos pelas partes é resolvido o conflito por meio do aparelho judicial. Os sistemas não jurídicos são conseqüência dos novos direitos e de novos tipos de conflitos que não existiam, não eram discutidos em décadas anteriores. Esses conflitos exigem novos mecanismos procedimentais que possam valer na sua composição sem in- terferência do Estado. Isso força a emergência de mudanças estruturais de tribunais, ou novos tribunais, novos profissionais a fim de facilitar uma solução. Solução onde possam ser utilizados mecanismos formais ou informais para o litígio. A mediação, o arbitramento ou mesmo a negociação são instrumentosque vêm ao encontro dessas questões. 7. Da Administração da Justiça7 É crescente não somente entre os operadores do Direito, mas, sobretudo na po- pulação em geral, um sentimento de que o Judiciário não responde às expectativas míni- mas das resoluções de conflitos sociais com rapidez e eficácia. É chamada crise do Judiciá- rio. Enquanto a sociedade segue numa velocidade alarmante, a Justiça caminha a passos 7 Vários segmentos deste trecho do material são inspirados na obra: Concurso da Magistratura: Noções gerais de direito e formação humanística / coordenação Jerson Carneiro Gonçalves Jr., José Fábio Rodrigues Maciel. – 2ª Ed. – São Paulo: Saraiva 2012. TJ-RJ 20 CURSO DE HUMANÍSTICA lentos e sem perspectivas. É consenso também que urge mudanças estruturais administra- tivas que possam auxiliar nas mudanças que se fazem necessárias no Judiciário. É necessário repensar a justiça e a administração dela como forma de adequação à contemporaneidade que se nos mostra. A utilização na atividade jurisdicional de técnicas antes somente usadas pela ad- ministração, criou um novo campo de atuação, o da administração judiciária. Os operado- res do Direito voltam-se, assim, para as técnicas de administração na tentativa de retirar o atraso em que se encontra o sistema judiciário. Administração judiciária é a aplicação de técnicas administrativas na realização das atividades do Judiciário. No caso brasileiro, a gestão do Estado está muito aquém das práticas empre- sariais no que tange à organização, gestão, coordenação, controle, recursos humanos, ou qualquer elemento administrativo. O Estado, não somente o campo que representa o Ju- diciário, mas sim como um todo, não acompanhou as grandes transformações administra- tivas que foram necessárias para a eficiência do serviço no mundo contemporâneo. Essa questão somente levantada agora, como resultado de uma crise do Judiciário advinda das críticas de praticamente todos os setores da sociedade que reclamam da morosidade do sistema, da ineficiência e do afastamento cada vez maior do cidadão de seus instrumentos mais básicos de cidadania. 8. Aspectos gerenciais da atividade judiciária (administração e economia)8 O que se mostra como forte impedimento para as mudanças na administração do Poder Judiciário é a cultura instalada em todos os setores. Por exemplo, a burocratização que provoca não somente a lentidão nos processos, mas também onera o sistema de forma imperiosa. É necessária uma transformação da mentalidade não somente dos que traba- lham nos tribunais e fóruns, mas em todos os indivíduos que participam de alguma forma do andamento dos processos e podem interferir nele. Um consenso que percorre as discussões sobre as atividades judiciárias é que no cotidiano o que emperra o bom andamento dos trabalhos é a falta de administração da estrutura do Judiciário. Há ainda uma aceitação, tradicional até, de que o magistrado tem a função de mero agente dos sujeitos processuais. Contudo, no mundo contemporâneo, atra- vessado por inúmeras transformações, é preciso que o magistrado adote também postura 8 Vários segmentos deste trecho do material são inspirados na obra: Concurso da Magistratura: Noções gerais de direito e formação humanística / coordenação Jerson Carneiro Gonçalves Jr., José Fábio Rodrigues Maciel. – 2ª Ed. – São Paulo: Saraiva 2012. TJ-RJ 21 CURSO DE HUMANÍSTICA de administrador do Judiciário, que regule, estabeleça normas administrativas, que antes eram estritamente utilizadas por agentes administrativos privados. Assim, recai sobre o magistrado atual a função de administrador não somente em função de algum processo, mas sobretudo para que possa organizar a Justiça em prol do bem comum. Dessa forma, atividade de premiação, hierarquia, organogramas, gestão de pessoal entram na pauta dos envolvidos no sistema. 9. Gestão. Gestão de pessoas9 Nas empresas públicas a prestação de serviços deveria ser a função essencial para o alcance do bem comum. No caso do Poder Judiciário, o objetivo final é a presta- ção de uma boa jurisdição, solucionando os conflitos. Não obstante, encontramos diversas circunstâncias adversas, que dificultam o alcance de tal finalidade, gerando morosidade e queda na qualidade dos serviços, frustrando a sociedade. Em tais circunstâncias, as mais citadas são: o número cada vez maios de demandas, insuficiência de juízes e servidores e legislação processual inadequada, entre outros. 10 A última Constituição Federal de 1988 aponta que um dos princípios da adminis- tração pública é a eficiência. Isso obrigou o Conselho Nacional de Justiça a exigir a eficiên- cia nas administrações dos tribunais e, por conseqüência, ampliou a função dos magistra- dos, que era essencialmente jurisdicional, para a questão da gestão de pessoas na esfera da administração dos tribunais. Pelas próprias características do trabalho nos tribunais, o planejamento, que é fundamental em empresas privadas, não é realizado. O planejamento de gestão de pessoal tem que se moldar à realidade social dos objetivos da Justiça. Mudanças, realocação de tarefas, transferência de pessoal – que são atividades comuns nas empresas privadas – no trabalho do Judiciário caminham lentamente. A gestão de pessoas busca entender os in- divíduos, como seu comportamento, suas necessidades, para que sua qualidade de vida reflita em suas atividades a fim de que haja motivação em seu trabalho. Um dos pontos que é considerado importante é a recompensa para o funcioná- rio que responde acima das expectativas. No setor privado é comum o prêmio, a ascensão no cargo, a proposta de novas atividades, etc. No setor público isso não se realiza, não há meios, ou recurso para tal. Não há desafios e a não perspectiva de mudança reforça a ima- gem de imobilidade e ineficiência. 9 Vários segmentos deste trecho do material são inspirados na obra: Concurso da Magistratura: Noções gerais de direito e formação humanística / coordenação Jerson Carneiro Gonçalves Jr., José Fábio Rodrigues Maciel. – 2ª Ed. – São Paulo: Saraiva 2012. 10 Andrea Rezende Russo. Uma moderna gestão de pessoas do Poder Judiciário, p. 9. TJ-RJ 22 CURSO DE HUMANÍSTICA 10. Direito, Comunicação social e opinião pública A sociedade não é algo homogêneo, onde todos têm os mesmos interesses, as mesmas vontades, os mesmos objetivos. Ao contrário, a sociedade é um amálgama de gru- pos diferentes, com objetivos diferentes, que buscam a todo instante fazer valer seus direi- tos. No mundo real, nos aproximamos de grupos e pessoas que identificamos com nossas ações, ou nos afastamos pelos mesmos motivos. Um dos elementos da integração social é a comunicação. É a linguagem que “estabelece pontes entre diferentes zonas den- tro da realidade da vida cotidiana e as integra em uma totalidade dotada de sentido”. 11 Um dos elementos que é essencial nos grupos sociais é a linguagem, não somen- te entre os membros do grupo, mas do grupo com outros grupos e entre indivíduos com ou- tros fora do grupo. A linguagem é um dos fatores determinantes para o indivíduo pertencer ao social. O campo do conhecimento que estuda a comunicação humana é a comunicação social. É nesse campo que são estudadas as questões que envolvem a interação entre os indivíduos em sociedade, o funcionamento e conseqüências dessas interações, bem como as relações entre a sociedade e os meios de comunicação em massa. A mídia é um dos instrumentos que pode transformar o comportamento do sujei- to, orientando suas opiniões a serviço de um determinado grupo ou grupos. O efeito dessas opiniões modificadas pode ter proporções alarmantes. Quando se consegue transformar a opinião da maioria, por exemplo, podemos criar leis, transformar o Estado, mudar gover- nos, fazer revoluções. Assim, temos uma sociedade onde alguns menos privilegiados lutam pelos seus direitos e outros lutam para manter seus privilégios. Cabe ao Direito intermediar essas re- lações. 11. A Sociologia como instrumentode compreensão da sociedade Por tudo que aqui já foi estudado, já se sabe que a Sociologia é uma ciência ex- tremamente importante para compreender o mundo atual, porque além da busca da com- preensão das causas e consequências do que ocorre nas relações sociais, ela busca rever e até mesmo antecipar eventos sociais, ajudando a entender e procurar soluções que solu- cionem os principais problemas sociais (criminalidade, educação, pobreza, desigualdades, entre outros), que acabam sendo também problemas que chegam ao Judiciário. 11 Idem, p. 59. TJ-RJ 23 CURSO DE HUMANÍSTICA A Sociologia o ser humano a buscar uma vida na sociedade mais tolerante, com transformações sociais e intelectuais que visam a diminuir os males da sociedade. A Sociologia é importante para o mundo contemporâneo, assim como outras ciências, porque ela volta especificamente para a compreensão dos problemas sociais, e assim adquire reflexões e debates sobre estes problemas com o intuito de, além de gerar pensamentos também gerar soluções. 12. A importância do Judiciário no Estado Democrático de Direito O Art. 1º estabelece os aspectos centrais do estado brasileiro: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indisso- lúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Assim, a Federação brasileira é formada pela associação indissolúvel de União, Estados e Municípios possui as seguintes características: Forma de Governo: República. Forma de Estado: Federação. Sistema de Governo: Presidencialista. Regime Político: Democrático. Nos termos preconizados por Pablo Lucas Verdu, a fórmula política do Brasil é de “Estado Democrático de Direito”. No Estado contemporâneo, com a maximização do papel do poder público, a ex- pressão “Estado Democrático de Direito” ganha uma extensão quase que ilimitada. Tal como estatui Enio Moraes da Silva: “A democratização do processo de decisões políticas, num Estado Democrático de Direito, também deve se estender ao Poder Judiciá- rio, muitas vezes esquecido nesse processo, permitindo uma melhor visualização de sua estrutura e modos de decisão. Fala-se que o con- trole de constitucionalidade difuso seria mais democrático do que o controle concentrado, em razão de que desconcentraria essa deci- são tão relevante para a sociedade. Necessário dizer que o Estado Democrático de Direito somente se realiza quando se constata que ele propicia uma real proteção e ga- rantia efetiva dos direitos humanos em seu seio. Há autores, inclusi- TJ-RJ 24 CURSO DE HUMANÍSTICA ve, que defendem que o Estado atual deve ser denominado de Esta- do Democrático de Direitos Humanos. Em resumo, o Estado Democrático de Direito deve realizar a institu- cionalização do poder popular, num processo de convivência social pacífico, numa sociedade livre, justa e solidária e fundada na digni- dade da pessoa humana”12. Nesses termos, o papel do Judiciário é totalmente reformulado no Estado Demo- crático de Direito, sendo, cada dia mais, uma engrenagem essencial para a Harmonia dos Poderes. Há, no entanto, severas dúvidas sobre os limites de sua atuação. Toda essa discus- são é enfrentada no estudo da decisão judicial e da Filosofia da Constituição. 13. Relações Jurídicas Virtuais A globalização trouxe manifestou-se também por meio do advento da internet, que alterou completamente a vida das pessoas. No mundo virtual, o Direito tradicional ain- da possui baixa permeabilidade. Em razão disso, os Estados buscam, desesperadamente, a regulação dessas novas relações jurídicas virtuais. Alguns pontos destacam-se nesta seara: 13.1. Marco Civil da Internet É a lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria. Nos termos do Art. 2º: Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamen- to o respeito à liberdade de expressão, bem como: I - o reconhecimento da escala mundial da rede; II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede. Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes prin- cípios: 12 O Estado Democrático de Direito. In: Revista de Informação Legislativa. TJ-RJ 25 CURSO DE HUMANÍSTICA I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede; V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões interna- cionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII - preservação da natureza participativa da rede; VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei. Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem ou- tros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à maté- ria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. São direitos dos usuários: Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e in- denização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela inter- net, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armaze- nadas, salvo por ordem judicial; IV - não suspensão da conexão à internet, salvo por débito direta- mente decorrente de sua utilização; V - manutenção da qualidade contratada da conexão à internet; VI - informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de prote- ção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade; VII - não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo me- diante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; TJ-RJ 26 CURSO DE HUMANÍSTICA VIII - informações claras e completas sobre coleta, uso, armazena- mento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que: a) justifiquem sua coleta; b) não sejam vedadas pela legislação; e c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet; IX - consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma desta- cada das demais cláusulas contratuais; X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a de- terminada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obriga- tória de registros previstas nesta Lei; XI - publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedo- res de conexão à internet e de aplicações de internet; XII - acessibilidade, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos ter- mos da lei; e XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet. Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expres- são nas comunicaçõesé condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. Parágrafo único. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput, tais como aquelas que: I - impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet; ou II - em contrato de adesão, não ofereçam como alternativa ao con- tratante a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil. 13.2. Crimes Cibernéticos Para Luciana Machado: “Cibercrimes”, “Crimes Cibernéticos”, “Crimes Digitais”, “Crimes Informáticos”, “Crimes Eletrônicos”, são termos para definir os de- litos praticados contra ou por intermédio de computadores (dispo- sitivos informáticos, em geral), importam nas menções às condutas de acesso não autorizado a sistemas informáticos, ações destrutivas TJ-RJ 27 CURSO DE HUMANÍSTICA nesses sistemas, a interceptação de comunicações, modificações de dados, infrações a direitos de autor, incitação ao ódio e descrimina- ção, escárnio religioso, difusão de pornografia infantil, bullying, ter- rorismo, entre outros. Exemplos: Pedofilia; Invasão de dispositivo informático (CP: Art. 154-A); Revenge Porn: Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou ex- por à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - in- clusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informá- tica ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. 14. Direitos étnicos, raciais e proteção às minorias e aos vulneráveis As minorias têm uma série de desafios a serem superados, que vão desde a re- gulamentação e efetivação de direitos até o reconhecimento e respeito pelo restante da sociedade. O desafio das minorias é gigantesco, começando pela própria definição do que é minoria, questão de relevante importância e de graves conseqüências, pois como afirma Ana Maria D’Ávila Lopes: “A demora na regulação do reconhecimento dos direitos das mino- rias pode ter sido conseqüência da dificuldade em definir o próprio termo minoria”13. Resta, portanto, o questionamento: qual o critério para afirmar que determinado grupamento hu- mano consiste em uma minoria? Esse tipo de indagação se refere ao conceito de minoria. O critério adotado para se conceituar minoria, obviamente, não pode ser o meramente quantitativo, o exemplo para demonstrar o equívoco desse critério é o da Bolívia, onde a população indígena representa mais de metade da população, mas, social e institucionalmente, prevalecem os paradigmas do modo de vida das pessoas brancas. Outro exemplo, bem mais citado, é o dos negros, na África do Sul, durante o regime de apartheid. Ao se analisar a sociedade brasileira, nota-se também que as mulheres (maioria da população) são consideradas minoria, pois o padrão hegemônico em nossa sociedade é o masculino. Logo, surge um novo critério do que seja minoria, que é o da ‘não-dominân- 13 LOPES D’ÁVILA, Ana Maria. A participação política das minorias no Estado democrático de direito brasileiro in Democracia, Direito e Política: estudos Internacionais em Homenagem a Friedrich Müller. Florianópolis: Conceito Edi- torial, 2006, p. 88. TJ-RJ 28 CURSO DE HUMANÍSTICA cia cultural’, ou seja, seriam minorias os grupos que estivessem à margem do padrão hege- mônico da sociedade. De forma sucinta, pode-se concluir, afirmando que a qualificação do que seja mi- noria não parte de um critério quantitativo, mas qualitativo, baseado em uma premissa ob- jetiva. Minorias são aqueles grupamentos humanos que não compartilham do paradigma hegemônico da sociedade. O critério da ‘não-dominância’ parece ser eficaz, mas a doutrina alienígena, men- cionada por Gabi Wucher14, inclui outros critérios, esses de cunho subjetivo, para conceituar minorias, por exemplo, o da identidade de preservação cultural e o do auto-reconhecimen- to enquanto membro de uma minoria. “O elemento da solidariedade entre os membros da minoria, com vistas à preservação de sua cultura, tradições, religião ou idioma, re- veste-se de suma importância por implicar o critério subjetivo, ou seja, a manifestação de uma vontade implícita ou explícita de pre- servação das próprias características”15. Percebe-se, todavia, que os critérios subjetivos não abarcam todos os grupamen- tos humanos reconhecidos como minorias, por exemplo, as mulheres e os portadores de necessidades especiais não se amoldam a tal critério, já que não estão dispostos a preservar a cultura e as tradições excludentes em que estão imersos. A constatação é que apenas o critério objetivo da ‘não dominância’ é capaz de definir de forma aceitável as minorias. Outro problema na conceituação das minorias é apresentado por Ana Maria D’Ávi- la Lopes ao afirmar que, tradicionalmente, o conceito de minoria tem se limitado a aspectos étnicos, nacionais ou lingüísticos, não atentando para outras formas de ‘não-dominância’ social (critério objetivo para definição das minorias). Nas palavras da professora: “De qualquer forma, o conceito tradicional de minoria, constante nos documentos internacionais e na doutrina mais conservadora, tem se limitado a considerar apenas as características lingüísticas, religiosas e étnicas de um grupo para sua definição como minoritá- rio”16. Com efeito, uma nova doutrina vem surgindo, tentando ampliar o conceito de minoria. Para compreender esse novo segmento doutrinário, faz-se necessário o prévio co- 14 WUCHER, Gabi. Minorias: proteção internacional em prol da democracia. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. 15 Idem, Ibidem, p. 47. 16 LOPES D’ÁVILA, Ana Maria. Ibidem, p. 89. TJ-RJ 29 CURSO DE HUMANÍSTICA nhecimento do Multiculturalismo, que pode ser conceituado como o movimento, cada dia mais constante, dos grupos minoritários pelo reconhecimento de suas culturas e identida- des frente ao restante da sociedade. O objetivo de tais minorias é ressaltar as diferenças cul- turais, mas sem perder a integridade social, tornando a malha legislativa e governamental mais sensível aos interesses do grupo. Nesse sentido, a participação política das minorias está diretamente ligada ao Multiculturalismo. Apesar do conceito acima exposto de Multiculturalismo, deve-se afirmar que esse não é um termo unívoco, havendo, como alerta Semprini17, dois sentidos possíveis para ele: o político e o cultural. O primeiro sentido de Multiculturalismo é o político, relacionado ao conceito tra- dicional de minorias, limitando-as a um estudo sob uma perspectiva nacional ou étnica. Para essa vertente há uma fusão entre os termos cultura e nação ou povo. Esse sentido, apesar de reconhecer que há minorias outras, que não as estritamente étnicas ou nacionais, dedica preocupação científica apenas às últimas. Esse é o posicionamento adotado por Will Kymlicka. “Tudo isso põe manifesto a complexidade do termo cultura. Muitos destes grupos têm uma cultura distinta em um dos sentidos habi- tuais do termo, quando ‘cultura’ alude aos diferentes costumes, perspectivas ou ethos de um grupo ou uma associação; por exemplo, quando se fala em uma ‘cultura gay’ ou de uma ‘cultura burocrática’. Este é, talvez, o sentido mais correto de ‘uma cultura’. (...) Por minha parte emprego os termos cultura (e multicultural) em um sentido di- ferente. Centro-me em um tipo de ‘multiculturalismo’ derivado das diferenças nacionais e étnicas. Como disse antes, utilizo ‘cultura’ como sinônimo de ‘nação’ ou ‘povo’”18. Já o sentido cultural ou culturalista não se vincula estritamente à questão nacio- nal ou étnica, abrangendo todos os seguimentos sociais, que têm uma cultura própria, mas que não são hegemônicos socialmente. É dentro dessa perspectiva de Multiculturalismo que se encontrao segmento da doutrina que vem tentando ampliar o conceito de minoria, destaca-se nessa corrente o posicionamento do sociólogo italiano Andrea Semprini. “Uma segunda interpretação do multiculturalismo privilegia sua di- mensão especificamente cultural. Ela concentra sua atenção sobre as reivindicações de grupos que não têm necessariamente uma base ‘objetivamente’ étnica, política ou nacional. Eles são movimentos 17 SEMPRINI, Andréa. Multiculturalismo. Bauru: EDUSC, 1999. 18 KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural: una teoria liberal de los derechos de las minorias. Barcelona: PAI- DÓS, 1996. p. 35 e 36 (tradução livre do autor). TJ-RJ 30 CURSO DE HUMANÍSTICA sociais estruturados em torno de um sistema de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimento de identidade ou pertença coletivos, ou mesmo de uma experiência de marginaliza- ção. Com freqüência é esse sentimento de exclusão que leva os indi- víduos a se reconhecerem, ao contrário, como possuidores de valo- res comuns a se perceberem como um grupo à parte”19. Como se percebe, o sentido cultural de Multiculturalismo é mais amplo e permite que mais grupos sociais sejam abrangidos por seu estudo. Pelo segundo sentido, grupos que há muito são excluídos e marginalizados pela sociedade, como os portadores de necessidades especiais, os homossexuais e as mulheres, são considerados minorias, além de não excluírem os grupos de base étnica, como os afro-descendentes e os indígenas. As minorias também são chamadas de grupos vulneráveis, sendo os grupamentos humanos com características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes da maioria da sociedade, tendo, em regra, seus direitos restringidos ou negados por motivos discriminatórios. Possuem definição nas 100 Regras de Brasília: Secção 2ª.- Beneficiários das Regras 1.- Conceito das pessoas em situação de vulnerabilidade (3) Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da sua idade, género, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, económicas, étnicas e/ou culturais, encon- tram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurí- dico. (4) Poderão constituir causas de vulnerabilidade, entre outras, as seguintes: a idade, a incapacidade, a pertença a comunidades indí- genas ou a minorias, a vitimização, a migração e o deslocamento in- terno, a pobreza, o género e a privação de liberdade. A concreta determinação das pessoas em condição de vulnerabilidade em cada país dependerá das suas características específicas, ou inclusive do seu nível de desenvolvimento social e económico. No Brasil, destacam-se a proteção dos seguintes grupos: mulheres (Lei Maria da Penha); deficientes (Estatuto da Pessoa com Deficiência); idosos (Estatuto dos Idosos); indígenas (OIT 169); negras (Estatuto da Igualdade Racial e Leis de Cotas). 19 SEMPRINI, Andréa. Ibidem, p. 44.
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