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(Harrison) A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é definida como um estado patológico caracterizado por limitação do fluxo aéreo não totalmente reversível. A DPOC inclui o enfisema, a bronquite crônica (somente a bronquite com obstrução crônica) e a doença das pequenas vias respiratórias. → Tabagismo: o tabagismo é o principal fator de risco para mortalidade por bronquite crônica e enfisema. A prevalência historicamente mais alta de tabagismo entre os homens é a provável explicação para a prevalência mais alta de DPOC em homens; contudo, a prevalência dessa doença em mulheres vem aumentado nos últimos 50 anos. → Exposição passiva, ou de segunda mão, à fumaça de cigarro: a exposição de crianças ao tabagismo materno causa redução significativa do crescimento pulmonar. A exposição intrauterina ao tabaco também contribui para as reduções significativas da função pulmonar pós-natal. → Reatividade das vias aéreas: um dos principais aspectos que definem a asma é a tendência ao agravamento da broncoconstrição em resposta a diversos estímulos exógenos, incluindo metacolina e histamina. Entretanto, muitos pacientes com DPOC também mostram essa hiper-reatividade das vias aéras. → Infecções respiratórias: o impacto das infecções respiratórias dos adultos sobre o declínio da função pulmonar é controvertido, mas reduções a longo prazo e significativas da função pulmonar geralmente não são detectadas depois de um episódio de bronquite ou pneumonia. → Exposições ocupacionais: várias exposições ocupacionais específicas, incluindo a poeira em minas de carvão e ouro, assim como da indústria têxtil do algodão foram sugeridas como fatores de risco para a obstrução crônica das vias aéreas. Na maioria dos casos, a magnitude destas exposições ocupacionais no risco de DPOC parece ser significativamente menos importante que o efeito do tabagismo. → Poluição do ar ambiente: a relação entre a poluição do ar e a DPOC ainda não está comprovada. Considerações genéticas Embora o tabagismo seja o principal fator de risco ambiental na patogenia da DPOC, o desenvolvimento de obstrução ventilatória nos fumantes é altamente variável, a deficiência grave de alfa-1-antitripsina é um fator de risco genético comprovado para DPOC. Existem crescentes evidências de que também existam outros determinantes genéticos. → Deficiência de alfa-1-antitripsina: Os efeitos do tabagismo sobre a função pulmonar dependem da intensidade da exposição ao tabaco, da fase do crescimento na qual houve a exposição e da função pulmonar inicial do indivíduo; outros fatores ambientais podem produzir efeitos semelhantes. A maioria dos indivíduos segue uma trajetória progressiva de ampliação da função pulmonar com o crescimento durante a infância e adolescência, seguida de declínio gradativo com o envelhecimento. Os indivíduos parecem entrar em seus quartis de função pulmonar de acordo com fatores genéticos e ambientais. A morte ou limitação física causada pela DPOC podem advir de uma taxa normal de declínio depois de uma fase de crescimento reduzida; do início precoce do declínio da função pulmonar depois do crescimento normal; ou do declínio acelerado depois do crescimento normal. A taxa de declínio da função pulmonar pode ser modificada pela alteração das exposições ambientais. A limitação ou obstrução do fluxo aéreo geralmente é determinada pela espirometria, que inclui manobras de expiração forçada depois que o indivíduo tiver inalado a capacidade pulmonar total. Os parâmetros fundamentais obtidos pela espirometria incluem o VEF, e o volume total de ar exalado durante toda a manobra espirométrica. Os pacientes com obstrução do fluxo aéreo relacionada com a DPOC têm reduções crônicas da razão VEF/CVF. Ao contrário da asma, o VEF reduzido na DPOC raramente mostra grandes respostas à inalação de broncodilatadores, embora seja comum observar melhora de até 15%. O fluxo aéreo durante a exalação forçada resulta do equilíbrio entre a retração elástica dos pulmões que facilita o fluxo de ar e a resistência das vias respiratórias que dificulta o fluxo. Nos pulmões normais e nos afetados pela DPOC, o fluxo expiratório máximo diminui à medida que os pulmões se esvaziam, porque o parênquima pulmonar gera retração elástica progressivamente menor e porque a área transversa das vias respiratórias diminui, elevando a resistência ao fluxo aéreo. A redução do fluxo de ar que coincide com a diminuição do volume pulmonar é facilmente detectável no componente expiratório da curva fluxo-volume. Nos estágios iniciais da DPOC, a anormalidade da ventilação é evidenciada apenas com volumes pulmonares situados em torno ou abaixo da capacidade residual funcional. Nos pacientes com doença mais avançada, a curva inteira mostra redução do fluxo expiratório em comparação com indivíduos normais. Hiperinsuflação Na DPOC, geralmente há retenção de ar (aumento do volume residual e da razão entre volume residual e capacidade pulmonar total) e hiperinsuflação progressiva (ampliação da capacidade pulmonar total) nos estágios avançados da doença. A hiperinsuflação do tórax durante o volume corrente preserva o fluxo expiratório máximo, porque, à medida que o volume pulmonar aumenta, a pressão da retração elástica se eleva e as vias respiratórias dilatam-se, de modo que a resistência diminui nessas vias. Apesar de compensar a obstrução das vias aéreas, a hiperinsuflação pode empurrar o diafragma para uma posição retificada, o que acarreta algumas consequencias desfavoráveis. Primeiramente, devido à redução da zona de aposição entre o diafragma e a parede do abdome, a pressão abdominal positiva durante a inspiração não é aplicada de forma tão eficiente na parede torácica, limitando os movimentos do gradil costal e dificultando a inspiração. Em segundo lugar, como as fibras musculares do diafragma retificado são mais curtas do que as do diafragma com curvatura mais normal possuem menor capacidade de gerar pressões inspiratórias do que as fibras normais. Em terceiro lugar, o diafragma retificado precisa gerar tensão maior para desenvolver a pressão transpulmonar necessária para produzir o volume corrente. Além disso, como o gradil costal está distendido além do seu volume de repouso normal, durante o volume corrente os músculos inspiratórios precisam realizar esforço para suplantar ainda mais os pulmões, em vez de contar com a colaboração normal da retração da parede torácica em direção ao seu volume de repouso. Troca gasosa Embora exista significativa variabilidade nas relações entre VEF e as anormalidades fisiológicas da DPOC, é possível fazer algumas generalizações. Em geral, a PaCO2 permanece praticamente normal até que o VEF fique reduzido a <50% do valor previsto, e níveis ainda mais baixos de valores de VEF podem estar associados a valores normais de PaO2, pelo menos em repouso. Uma elevação do nível arterial de dióxido de carbono (PaCO2) não é esperada até que o VEF seja <25% do valor previsto e, ainda assim, este aumento pode não ocorrer. A hipertensão pulmonar grave, a ponto de causar cor pulmonale e insuficiência ventricular direita decorrente da DPOC, ocorre em indivíduos com reduções extremas do VEF (<25% do previsto) e com hipoxemia crônica. Ventilação heterogênea e desigualdade da ventilação-perfusão são anormalidades típicas da DPOC, refletindo a natureza heterogênea da doença envolvendo as vias respiratórias e o parênquima pulmonar. A desigualdade da ventilação-perfusão é responsável por quase toda a redução da PaO2 associada à DPOC. Vias respiratórias de grande calibre Em geral, o tabagismo causa dilatação das glândulas mucosas e hiperplasia das células caliciformes levando à tosse e expectoração de muco que definem a bronquite crônica, mas estas anormalidades não estão relacionadas com a imitação do fluxo aéreo. As células caliciformes aumentam não apenas em número, mas também em extensão na arvore brônquica. Os brônquios também sofrem metaplasiaescamosa, predispondo à carcinogênese e interrompendo a depuração mucociliar. Embora não seja tão marcante quanto se observa na asma, os pacientes podem ter hipertrofia da musculatura lisa e hiper-reatividade brônquica acarretando limitação do fluxo aéreo. O afluxo de neutrófilos está associado à expectoração purulenta das infecções das vias aéreas superiores. Vias respiratórias de pequeno calibre Na maioria dos pacientes com DPOC, o principal local de aumento da resistência são as vias respiratórias com diâmetro menor ou igual a 2mm. As alterações celulares típicas são metaplasia das células caliciformes, com estas células secretoras de muco substituindo as células Clara secretoras de surfactante. A infiltração de fagócitos mononucleares também é significativa. Também pode haver hipertrofia da musculatura lisa. Essas anormalidades podem causar estreitamento do lúmen por fibrose, excesso de muco, edema e infiltração celular. A redução do surfactante pode aumentar a tensão superficial na interface entre o ar e os tecidos, predispondo ao estreitamento ou colapso das vias respiratórias. A bronquiolite respiratória com acúmulo de células inflamatórias mononucleares nos tecidos das vias respiratórias distais pode causar destruição proteolítica das fibras elásticas dos bronquíolos respiratórios e ductos alveolares, nos quais as fibras estão concentradas em forma de anéis. Como a permeabilidade das pequenas vias respiratórias é mantida pelo parênquima pulmonar circundante, que gera tração radial sobre os bronquíolos nos pontos de fixação aos septos alveolares, a perda das inserções bronquiolares em razão da destruição da matriz extracelular pode causar distorção e estreitamento das vias respiratórias dos pacientes dom DPOC. Parênquima pulmonar O enfisema caracteriza-se por destruição dos espaços aéreos envolvidos na troca gasosa, ou seja, bronquíolos respiratórios, ductos alveolares e alvéolos. As paredes dessas estruturas tornam-se perfuradas e mais tarde seu lumen é obstruído pela coalescência de pequenos espaços aéreos independentes para formar espaços aéreos anormais e muito maiores. Os macrófagos acumulam-se nos bronquíolos respiratórios de essencialmente todos os fumantes jovens. O enfisema é classificado em tipos diferentes, dos quais os mais importantes são o centroacinar e o pan-acinar. → O enfisema centroacinar, associado mais comumente ao tabagismo, caracteriza-se por dilatação dos espaços aéreos envolvendo, inicialmente, os bronquíolos respiratórios. Esse tipo de enfisema é normalmente mais marcante nos lobos superiores e segmentos superiores dos lobos inferiores, sendo geralmente focal. → O enfisema pan-acinar refere-se à presença de espaços aéreos anormalmente grandes que se distribuem iniformemente dentro e ao longo das unidades acinares. Em geral, o enfisema pan-acinar é observado nos pacientes com deficiência de alfa-1-antitripsina, que mostra predileção pelos lobos inferiores. → O enfisema trivial associado ao tabagismo geralmente é misto, em especial nos casos avançados. A limitação do fluxo aéreo é a principal alteração fisiológica da DPOC e pode advir da obstrução das pequenas vias respiratórias e do enfisema. O paradigma dominante da patogenia do enfisema compreende quatro eventos interrelacionados: 1. Exposição crônica à fumaça de cigarro pode estimular o recrutamento de células inflamatórias ara os espaços aéreos terminais do pulmão. 2. Essas células inflamatórias liberam proteinases elastolíticas que destroem a matriz extracelular dos pulmões. 3. A morte celular estrutural resulta do stress oxidativo e da perda de aderência das células-matriz. 4. Um reparo ineficaz da elastina e talvez outros componentes da matriz extracelular leva ao alargamento dos espaços aéreos que define o enfisema pulmonar. Anamnese Os três sintomas mais comuns na DPOC são tosse, produção de escarro e dispneia aos esforços. Alguns pacientes têm esses sintomas durante vários meses ou anos, antes de buscarem auxílio médico. Embora o aparecimento de obstrução do fluxo aéreo seja um processo gradativo, muitos pacientes assinalam que o início da sua doença coincidiu com uma doença aguda ou exacerbação. Entretanto, a história cuidadosa geralmente revela a existência de sintomas antes da exacerbação aguda. O início da dispneia de esforço pode ser insidioso. Essa queixa é evidenciada mais claramente pela historia detalhada enfatizando as atividades típicas e de que forma a capacidade de realiza-las foi modificada. As atividades que envolvem esforço significativo com os braços elevados ao nível ou acima do ombro são particularmente difíceis para os pacientes com DPOC. Por outro lado, atividades que permitem que os pacientes estiquem os braços e uso os músculos acessórios da respiração são mais bem toleradas. À medida que a DPOC avança, a principal manifestação é o agravamento da dispneia aos esforços com crescente interferência na capacidade de realizar atividades profissionais ou de outros tipos. Achados físicos Nos estágios iniciais da DPOC, os pacientes costumam apresentar exame físico normal. Nos pacientes com doença mais grave, o exame físico caracteriza-se por uma fase expiratória longa e pode incluir sibilância à expiração. Além disso, os sinais de hiperinsuflação são tórax em barril e ampliação dos volumes pulmonares com limitação das excursões diafragmáticas avaliadas pela perxussao. Os pacientes com obstrução grave do fluxo aéreo também podem mostrar que usam os músculos acessórios da respiração, sentando-se na posição típica de tripé para facilitar a ação dos músculos esterocleidomastoideos, escalenos e intercostais. Alguns pacientes podem apresentar cianose dos lábios e leitos ungueais. Embora o ensino tradicional diga que os pacientes com enfisema predominante, descritos como sopradores rosados (pink puffers), sejam magros, não cianóticos durante o repouso e façam uso importante dos músculos acessórios, e que os pacientes com bronquite crônica apresentam maior probabilidade de serem pesados e cianóticos (blue bloaters), evidências atuais demonstram que a maior parte dos pacientes apresenta elementos tanto de bronquite quanto de enfisema e que o exame físico não diferencia confiavelmente as duas entidades. A doença avançada pode acompanhar-se de consumpção sistêmica com perda significativa de peso, depressão bitemporal e perda difusa de tecido adiposo subcutâneo. Tal síndrome tem sido associada à ingestão oral inadequada e níveis elevados das citocinas inflamatórias (TNF-alfa). A consumpção é um fator intependente de prognóstico desfavorável na DPOC. Alguns pacientes com doença avançada apresentam movimentos paradoxais do gradil costal para dentro durante a inspiração (sinal de Hoover). O baqueteamento digital não é um sinal de DPOC e sua ocorrência deve alertar o médico para a necessidade de iniciar uma investigação das causas deste sinal. Nessa população, o câncer de pulmão é a explicação mais provável para o baqueteamento digital. Achados laboratoriais As provas de função pulmonar mostram obstrução ventilatória com reduções do VEF e da razão VEF/CVF. Com o agravamento da doença, os volumes pulmonares podem aumentar, resultando na ampliação da capacidade pulmonar total, capacidade residual funcional e volume residual. Os valores da gasometria arterial e a oximetria podem demonstrar hipoxemia em repouso ou em situação de esforço. A gasometria do sangue arterial fornece informações adicionais quanto à ventilação alveolar e o equilíbrio ácido-básico. A gasometria arterial é um componente importante da avaliação dos pacientes que se apresentam com sintomas de exacerbação. Um hematócrito elevado sugere a presença de hipoxemia crônica, assim como a existência de sinais de hipertrofia ventricular direita. Exames radiográficos ajudam a classificar o tipo de DPOC. → Bolhas evidentes, escassez da trama parenquimatosa ou hipertransparencia sugerem enfisema. → O aumento dos volumespulmonares e a retificação do diafragma indicam hiperinsuflação, mas não fornecem indícios quanto à cronicidade das alterações. Fase estável da DPOC Apenas três intervenções mostraram-se capazes de influenciar a história natural dos pacientes com DPOC: cessação do tabagismo, oxigenoterapia para os pacientes com hipoxemia crônica e cirurgia de redução do volume pulmonar em pacientes selecionados com enfisema. Tratamento farmacológico → Abandono do tabagismo: bupropiona, terapia de reposição de nicotina. → Broncodilatadores: costumam ser usados para obter alivio sintomático nos pacientes com DPOC. A via inalante é preferível para a administração. → Agentes anticolinérgicos: o brometo de ipratópio atenua os sintomas e produz aumento imediato do VEF.
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