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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL CRISTIANO JARDIM COSTA VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO: UM DESAFIO PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA Ijuí (RS) 2015 CRISTIANO JARDIM COSTA VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO: UM DESAFIO PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador: MSc. Aldemir Berwig Ijuí (RS) 2015 AGRADECIMENTOS A Deus, que me concedeu saúde para que eu pudesse vencer. À minha família, base formadora de meu caráter e que sempre apoiou minhas decisões confiando nos ensinamentos a mim repassados. Ao meu orientador Aldemir Berwig, com quem tive o privilégio de trabalhar e contar com seu apoio nos momentos difíceis. À minha esposa, companheira sempre dedicada e atenciosa.com quem dividi várias horas de estudo na busca incansável pelo conhecimento. “Na vida, quanto mais se vive, mais se aprende. No trânsito, quanto mais se aprende, mais se vive.” (Anônimo) RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise das possíveis causas de um trânsito tão violento no Brasil e, em contrapartida, as possíveis alternativas ou soluções paliativas para a redução da quantidade de acidentes no trânsito. Aborda as influências da indústria automobilística no trânsito brasileiro. Faz um estudo da evolução das leis de trânsito. Investiga como é a relação entre trânsito e educação na sociedade brasileira. Finaliza concluindo que apesar das grandes deficiências estruturais da malha rodoviária brasileira, da frota excessiva de veículos circulando pelas ruas e do caráter punitivo das leis, a melhor forma de tornar o trânsito mais seguro é investir na educação das pessoas com o intuito de incorporar cada vez mais a cidadania nas relações no trânsito. Palavras-Chave: Trânsito. Acidentes. Evolução. Leis. Educação. Cidadania. ABSTRACT This course conclusion work analyzes the possible causes of such a violent traffic in Brazil and in return, the possible alternatives or workarounds to reduce the number of traffic accidents. Discusses the influences of the automotive industry in the Brazilian traffic. It makes a study of the evolution of traffic laws. Investigates how the relationship between traffic and education in Brazilian society. Ends concluding that despite major structural deficiencies of Brazilian highways, excessive fleet of vehicles roaming the streets and punitive laws, the best way to make traffic safer is to invest in educating people in order to incorporate ever more citizenship in relations in traffic. Keywords: Traffic. Accidents. Evolution. Laws. Education. Citizenship. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7 1 AS CARACTERÍSTICAS DO TRÂNSITO BRASILEIRO ........................................ 9 1.1 A indústria automobilística ................................................................................ 9 1.2 A infraestrutura da malha rodoviária ............................................................... 12 1.3 A evolução da legislação de trânsito............................................................... 15 1.4 Os índices de acidentes de trânsito ................................................................ 19 2 TRÂNSITO E EDUCAÇÃO .................................................................................. 222 2.1 Leis de trânsito mais rígidas: medidas educativas? .................................... 222 2.2 A psicologia do trânsito e o comportamento do brasileiro ........................... 25 2.3 Trânsito e cidadania .......................................................................................... 28 2.4 A Educação para o trânsito .............................................................................. 30 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 34 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 36 7 INTRODUÇÃO Nos últimos anos tem-se verificado o aumento do número de acidentes de trânsito, com vítimas fatais ou não, o que acarreta em vários transtornos familiares e altíssimos gastos do dinheiro público com o atendimento de suas vítimas, sejam eles pré-hospitalares, hospitalares ou em tratamentos contínuos pós hospitalares. A evolução da ciência e da tecnologia, por outro lado, possibilita o aumento no número de veículos transitando nas rodovias brasileiras e, em contrapartida, o Estado trabalha com a ideia de que basta “arrochar” cada vez mais a legislação de trânsito com o intuito de minimizar os altos índices da violência no trânsito. A presente monografia apresenta um estudo acerca das principais causas para o trânsito brasileiro ser tão violento e, por outro lado, quais as possíveis atitudes que poderiam ser tomadas por governantes e sociedade para se reverter ou no mínimo minimizar esta realidade tão negativa. Em linhas gerais, os três pilares de sustentação da organização do trânsito brasileiro são abordados neste texto: a engenharia, o esforço legal e a educação. Para a construção deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico. Através delas foram analisadas opiniões de autores renomados no estudo do trânsito, legislações pertinentes e dados oficiais, com a finalidade de dar subsídios para o estudo sobre a violência do trânsito brasileiro. O primeiro capítulo aborda as principais características do nosso trânsito, evidenciando como o capitalismo e o consumismo influenciam negativamente no trânsito. Apresenta estudo específico sobre as condições da malha rodoviária brasileira, explora a evolução histórica da legislação brasileira, bem como, os índices alarmantes de acidentes de trânsito no Brasil. 8 No segundo capítulo, investiga-se a relação entre trânsito e educação. Indaga-se sobre a cultura imediatista das normas brasileiras e se o fato de torná-las mais rígidas é necessário e suficiente para convencer a sociedade a cumpri-las. Além disso, apresenta a reflexão sobre o comportamento aristocrata da população brasileira, deixando clara a enorme dificuldade desta em aceitar a igualdade entre aqueles que estão transitando de diferentes formas, na condição de pedestre ou motorista. Por fim, pondera-se como a educação e a cidadania podem auxiliar de forma extremamente positiva para a melhoria da qualidade do trânsito. A partir desse estudo se verifica que os problemas do trânsito brasileiro, sem exceção, estão relacionados ao comportamento humano, isto porque é ele, o ser humano, seja como capitalista, como construtor ou mantenedor das estradas, como aquele que redige as leis, ou mesmo, como pedestre que transita pelas ruas, que está sendo afetado. Tudo está conectado, portanto, à questão cultural, ao descompromisso com a cidadania e à ineficiente educação para o trânsito. 9 1 CARACTERÍSTICAS DO TRÂNSITO BRASILEIRO Atualmente os acidentes de trânsito são a terceira maior causa de mortes em todo o mundo, e no Brasil não é diferente, perde apenas para as doenças cardíacas e para o câncer. Essa realidade não pode ser tratada como um acaso, tendo em vista que, erroneamente, quando acontece alguma ocorrência de trânsito, com feridos ou mortos, todos chamam de acidente, no entanto, conforme será exposto neste capítulo, a imensa maioriadas ocorrências de trânsito poderiam ser evitadas pelos próprios cidadãos, sejam eles agentes públicos ou não. Em suma, esclarece-se que o presente capítulo tem por finalidade trazer a maior quantidade possível de informações que podem influenciar nas causas de um trânsito tão violento, através de levantamentos históricos, evolução, omissão e estatísticas, para que ao final desta pesquisa consiga-se fazer uma análise na busca da identificação das possíveis soluções paliativas para que ao menos minimize-se os efeitos negativos da violência do trânsito. 1.1 A indústria automobilística Os primeiros veículos inventados e produzidos no mundo foram a partir do final do século 19, principalmente na França e na Alemanha, com motores a vapor, dois tempos e a gasolina, ou seja, a ideia inicial não teve tantas variações do que se tem atualmente nos veículos automotores e sim, obviamente, apenas a evolução tecnológica. A iniciativa da criação de veículos automotores partiu dos mesmos princípios que era facilitar a locomoção das pessoas e o transporte de cargas. Isso ocasionou uma grande corrida dos capitalistas, pois tinham o interesse de produzir carros em grande escala, vislumbrando um ótimo mercado para se obter lucros. Atentos a essa questão os inventores, como Nicolas Cugnot, Gotllieb Daimbler, Henry Ford e Karl Benz patentearam suas invenções no intuito de vender suas criações. Neste mesmo século já deram início à fabricação e venda de veículos em maior escala na França e nos Estados Unidos. (VIANA, 2013). No entanto, mesmo tendo iniciado uma produção em larga escala os carros eram bens de consumo apenas para a burguesia, tendo em vista seu alto valor e o baixo crédito. Prova disso é a afirmação de Marco Aurélio Lagonegro (2008, p. 40): 10 “Na virada do século 20, automóveis e caminhões já eram uma realidade para fazendeiros graúdos, que os adquiriram como ferramentas e símbolos de status numa sociedade em processo de modernização acelerada.” Essa realidade começou a ser mudada a partir da ascensão do regime de acumulação conjugado instaurado por Henry Ford onde a facilitação do crédito faz aumentar o acesso a bens de consumo, dos quais o carro era o mais desejado. Tudo isso impulsionado pelo capitalismo automobilístico. Essa avaliação do capitalismo com o automóvel como carro chefe é indispensável para a determinação das inúmeras causas da violência no trânsito (VIANA, 2013). O apoio a esse consumismo de veículos tem influência no mercado capitalista até hoje, em contrapartida, também nas consequências negativas para o trânsito. É com a emergência do regime de acumulação conjugado que Henry Ford, ex simpatizante do nazismo, instaura a hegemonia do fordismo – que se torna forma de organização do trabalho dominante – e o sistema de crédito é um dos incentivos materiais planejado para aumentar o mercado consumidor. A produção em massa de automóveis se expande. Da mesma forma, o sistema de crédito facilita sua compra. Isso é acompanhado, historicamente, pelo seu barateamento crescente, não só devido ao aumento da oferta, mas também graças à produção de automóveis a preços mais baixos para atingir uma fatia do mercado consumidor com poder aquisitivo mais baixo, ou seja, o automóvel acaba indo das classes com maior poder aquisitivo para as de menor num processo sucessivo, até chegar às classes trabalhadoras. O acesso a veículos usados é outra fonte de aquisição com custo mais baixo. (VIANA, 2013, p. 31). Essa visão capitalista do mercado do automóvel em detrimento à sua real função sempre foi um grande desafio para um trânsito mais seguro e eficaz, como explica Tatiana Schor (1999, p. 107): O uso do automóvel como objeto técnico, como meio de transporte, não é questionado, pois como uso individual, como máquina, é um desenvolvimento oriundo da necessidade social de locomoção. O problema se revela então como uma especificidade urbana, resultado da escassez, da falta de estruturas para seu funcionamento. Esta compreensão se dá pelo fato de que o uso individual de tal máquina, diferentemente de outras, se realiza em público. O consumo do automóvel como mercadoria só pode ocorrer nas ruas, na esfera pública1 da vida e é por isto que seu uso social, como objeto técnico determinante da vida cotidiana, não é neutro, mas carrega consigo e revela muitas das contradições até então invisíveis. 11 Neste mesmo sentido, ainda falando-se em automóvel como bem de consumo e não como um meio de locomoção e transporte de pessoas e/ou coisas, Schor (1999, p. 108), afirma que: O uso do automóvel como consumo individual de um objeto técnico, como meio de transporte, é “positivo”, mas como meio social de transporte passa a portar elementos de “negatividade”, como a exclusão da possibilidade de uso (a generalização universal do uso do automóvel é a negação interna a esta mercadoria, pois se todos tivessem um carro e resolvessem consumi-lo ao mesmo tempo, este consumo não se realizaria para ninguém). Esse consumo individual de automóveis excessivo faz com que haja uma grande quantidade de veículos nas ruas, acarretando em congestionamentos, stress e ansiedade em motoristas e pedestres e, por consequência, o aumento da quantidade de acidentes de trânsito. Ainda neste âmbito do apoio ao mercado de automóveis e a falta de atenção à mobilidade urbana e à segurança dos motoristas e pedestres, Aldemir Berwig (2013, p. 24) comenta que: Acima de tudo, podemos constatar que os problemas do trânsito são antigos e nossos governantes não conseguem resolver, talvez em virtude das políticas públicas equivocadas, que privilegiam os veículos individuais em detrimento dos coletivos, de modo que trânsito e mobilidade urbana estão na pauta do dia. O autor trouxe mais uma questão importante ao tema, a falta de atenção dos governantes às políticas públicas, as quais acabam beneficiando o capitalismo e o consumismo de automóveis de modo individualista, ao invés de apoiar medidas que privilegiassem ao transporte coletivo. Com políticas públicas voltadas ao transporte coletivo haveriam menos veículos nas ruas, principalmente nas grandes metrópoles, diminuindo os congestionamentos e aumentando o número de motoristas profissionais conduzindo os veículos automotores, isso, sem contar com a grande diminuição de gases poluentes lançados na atmosfera, mas este não é o enfoque deste estudo. André Gorz (2005, p. 74) faz uma forte crítica a esse capitalismo automobilístico onde cada indivíduo prefere ter seu próprio veículo ao fazer uso de 12 transporte coletivo, o que acaba por atestar uma característica individualista e egoísta do ser humano: A massificação do automóvel materializou um triunfo absoluto da ideologia burguesa no que tange à prática cotidiana: ela constrói e mantém em cada um a crença ilusória de que cada indivíduo pode prevalecer e tirar vantagem à custa de todos. O egoísmo cruel e agressivo do motorista que, a cada minuto, assassina simbolicamente ‘os outros’, que aparecem para ele meramente como obstáculos materiais à sua própria velocidade – esse egoísmo marca a chegada, graças ao automobilismo cotidiano, de um comportamento universal burguês, e tem existido desde que dirigir um carro tornou-se lugar-comum. A indústria automobilística possui uma enorme relação com a violência no trânsito atual, pois há várias influências extra trânsito às quais desvirtuaram as principais intenções da criação dos veículos automotores, que era facilitar a vida das pessoas, no entanto, acabaram por não visar apenas a mobilidade, o transporte seguro, equilibrado, consciente, etc., mas sim, a indústria, o dinheiro, a venda, a economia, portanto, sempre visando o lucro de grandes empresários e montadoras. 1.2 A infraestrutura da malha rodoviária No final do século 19 e no início do século 20, surgiram as primeiras vias paralocomoção, nesta época não havia a menor preocupação com trânsito “pesado”, acidentes ou dificuldades de logística, tendo em vista que todos os meios de locomoção nas grandes cidades eram coletivos. Em 1856, no Rio de Janeiro, foi feito o primeiro Decreto sobre transportes urbanos que eram por meio de animais sobre trilhos de ferro. No início de 1900, em São Paulo, foi a vez dos bondes elétricos e, a partir de 1934, deu-se início à circulação de ônibus montados pela GM. E a partir daí que se iniciou o desenvolvimento da malha rodoviária de forma mais enfática. (BERWIG, 2013, p. 22). A partir desta mesma época, deu-se início ao rodoviarismo como política de Estado, em São Paulo, com o ex-presidente Washington Luis o qual disse, ainda como governador de São Paulo, a frase: “Governar é povoar, mas, não se povoa sem abrir estradas, e de todas as espécies; governar é, pois, fazer estradas”! Como governador de São Paulo, o ex-presidente projetou, inaugurou e modernizou várias rodovias importantes do interior do Estado. Inclusive, criou um mecanismo para 13 promover o rodoviarismo no Brasil: o Fundo Especial para Construção e Conservação de Estradas de Rodagens Federais. (SILVA, 2015). No entanto, segundo Júlio César Lázaro da Silva (2015), foi durante o governo do ex-presidente Juscelino Kubitschek, a partir da década de 50, que o rodoviarismo tomou corpo: [...] foi durante a presidência de Juscelino Kubitschek, ao final da década de 1950, que o rodoviarismo foi implementado de maneira contundente. A estratégia do “presidente bossa-nova” pode ser analisada em dois aspectos distintos. Primeiramente, a intenção de Kubitschek foi integrar o Brasil, principalmente com a transferência da capital para Brasília, no coração do território brasileiro. Logo após a inauguração de Brasília foram construídas as rodovias Belém-Brasília, Brasília-Rio Branco e Cuiabá-Porto Velho, no intuito de estabelecer relações comerciais e proporcionar o povoamento em áreas mais afastadas do Centro-Oeste e da região Norte. Com esse total apoio do ex-presidente Juscelino ao investimento em rodovias, deu-se início ao abandono das ferrovias, mesmo sendo elas as principais vias de transporte de carga na época: O outro aspecto da opção incentivada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek foi o caráter político-econômico. Ampliar a malha rodoviária poderia atrair empresas internacionais do ramo automobilístico. De acordo com a Teoria dos Polos Econômicos, a participação de um tipo de indústria como a de automóveis permite efeitos de escala ou de arraste, por atrair empresas correlatas ao ramo central; no caso dos automóveis, empresas de autopeças, componentes elétricos, lubrificantes etc. Em nome dessa estratégia de atração de capitais e geração de empregos, as ferrovias, que tiveram maior importância durante o período do ciclo do café, foram sucateadas e desprezadas em favor do rodoviarismo. (SILVA, 2015). Como pode-se observar, mais uma vez os argumentos foram a economia e o capitalismo através da implantação de indústrias automobilísticas o que culminou no total descaso às ferrovias brasileiras, o que atualmente fica nítido, pois, considerando a grande extensão do território brasileiro são pouquíssimas às ferrovias em condições de funcionamento o que acaba refletindo diretamente nas rodovias por conta do transporte de carga do país ser realizado principalmente por caminhões acarretando em grandes danos à via por conta do excesso de peso. Ou seja, houve uma grande falha de planejamento. [...] não pretendemos dizer que não deveriam ser instaladas indústrias automotivas no Brasil, mas é visível que as políticas públicas e de planejamento não foram adequadas ao tipo de desenvolvimento e ocupação 14 do espaço público, o que vem se agravando especialmente nestes últimos anos. Verificamos a cada dia que ocorre um incremento de veículos nas ruas e rodovias e, ao mesmo tempo, verificamos que não há a devida ampliação da infraestrutura. (BERWIG, 2013, p. 97). Todo esse apoio ao rodoviarismo fez com que várias indústrias automobilísticas se instalassem no Brasil, atingindo o objetivo dos governantes, no entanto, houve uma crescente produção de veículos automotores o que necessitaria cada vez mais rodovias adequadas à circulação desses veículos, todavia, todo o crescimento da indústria automobilística e, por consequência, o de número de veículos nas ruas, não foi acompanhado pela infraestrutura da malha rodoviária brasileira. O apoio ao capitalismo automobilístico existe até os dias atuais, ou seja, continua aumentando o número de veículos automotores, no entanto, sem que haja o acompanhamento proporcional da quantidade e qualidade das rodovias. Prova disso, é que segundo dados do Denatran (BRASIL, 2015c), em 1999 eram por volta de 27,1 milhões de veículos nas ruas brasileiras enquanto, segundo Dnit (BRASIL, 2015d), a malha rodoviária de responsabilidade federal, por exemplo, era de 70,7 mil Km, e destes 55,9 mil km pavimentados e 14,8 mil km não, já no ano de 2013 eram 81,1 milhões de veículos 77,9 mil km de rodovias, sendo 65,3 mil km pavimentados e 12,6 mil km não pavimentados. Nota-se nesses números uma alta de 66,6% de aumento no número de veículos rodando nesses 14 anos e, em contrapartida, há um aumento de apenas 9,3% da malha rodoviária federal e de apenas 10 mil quilômetros pavimentados. Considerando os números totais da malha rodoviária nacional entre federal, estadual e municipal a situação é ainda pior, pois, as áreas pavimentadas somam apenas 12% do total, segundo o Dnit (BRASIL, 2015d). Portanto, há um grande aumento da quantidade de veículos, com maior potência e mais tecnologia, e o não acompanhamento desse aumento em quantidade e qualidade das rodovias e, ainda, se for considerada toda a malha rodoviária nacional 88% não são pavimentadas o que acaba trazendo ainda mais risco ao cidadão considerando a precariedade de uma rodovia não pavimentada. Mostra-se claro que o excesso de veículos em pouca estrada pavimentada, as más condições das vias, dos acostamentos, da sinalizações podem ser causas de acidentes, no entanto, mesmo aquelas que são mantidas de forma adequada 15 podem ter perdido as condições de manter critérios básicos de segurança devido à evolução do tráfego ou alterações no local, como por exemplo: urbanização de uma zona atravessada pela rodovia, construção de acessos intermediários sem a necessária visibilidade, criação de linhas de ônibus sem paradas adequadas. Ou certas situações que na época da construção eram aceitáveis e já não são mais: acostamentos estreitos, velocidade autorizada excessiva, interseções em nível, etc. (VIAS SEGURAS, 2015). Em contrapartida a todos esses dados negativos levantados até aqui, existe no Brasil, o Sistema de Gerência de Pavimentos (SGP), com o objetivo principal de avaliar a melhor forma de aplicação dos recursos públicos disponíveis para a aplicação nas rodovias através de projetos, planejamentos e programação de investimentos para oferecer aos cidadãos um transporte mais seguro, compatível e econômico. Foi idealizado visando a obtenção de um banco de dados a nível nacional que permite a análise para definições de prioridades e de soluções para manutenção e restauração da malha rodoviária. O banco de dados é alimentado por informações de tráfego, estrutura deflexão, irregularidades e defeitos nas vias. (BRASIL, 2015d). Essa engenharia é um dos principais métodos para se diminuir a quantidade e a gravidade dos acidentes de trânsito, assim afirma Cássio Mattos Honorato (2009, p. 03) “A Engenharia de Tráfego, como representante das ciências exatas, é responsável pela segurança, fluidez do tráfego e evolução tecnológica dos veículos”. 1.3 A evolução da legislação de trânsito A primeira lei de trânsito a ser criada foi o Decreto n. 8.324 em 27 de outubrode 1910 o qual versava sobre o transporte de passageiros e de mercadorias por meio de veículos. Também tratou das rodovias, na época chamadas estradas de rodagem. Já naquele tempo legislou-se neste decreto sobre medidas de segurança de forma bastante genérica mas já havia um controle sobre a situação de segurança do veículo antes de o mesmo poder rodar. Versou alguns artigos sobre estipulação de horários de rodagem, bem como, do valor de tarifas de transporte. O Decreto trazia algumas penalidades e formas de fiscalização, no entanto, não visando o motorista, ou “motorneiros”, como eram chamados na época, mas principalmente as 16 empresas responsáveis por realizar as obras das estradas de rodagem e por transporte. (BRASIL, 2010). Importante salientar que, mesmo sendo a primeira legislação sobre trânsito, este Decreto já trazia em seu texto algumas preocupações dos legisladores com medidas de segurança na condução dos veículos, citadas entre os artigos 18 e 26 do Decreto. Como por exemplo: Art. 18. Nenhum automóvel poderá ser posto em serviço sem prévio exame do engenheiro fiscal, que deverá proceder as experiências que julgar convenientes, afim de verificar que não apresenta nenhuma causa de perigo, sendo empregado no trafego da estrada. A infracção deste artigo sujeita o concessionário á penalidade estatuída pelo art. 33. (BRASIL, 2010, p. 19). Este artigo demonstra a preocupação do legislador com o estado de conservação do veículo para que ele fosse autorizado a rodar, assim como é efeito atualmente nas vistorias efetuadas pelos CRVA’s, resguardadas, obviamente, as diferenças das evoluções dos veículos e dos órgãos públicos. Resta claro também a responsabilidade imposta ao condutor quanto ao controle da velocidade em que conduz seu veículo, como uma maneira de se evitar acidentes. Era previsto na norma de uma maneira mais ampla e não tão dogmático como é atualmente, no entanto, com a mesma intenção, como se vê: Art. 21. O motorneiro deve estar constantemente senhor da velocidade de seu vehiculo, devendo diminuir a marcha ou mesmo pará o movimento, todas as vezes que o automóvel possa ser causa de accidentes. A velocidade deverá ser reduzida o mais possível nos pontos da estrada, onde, por qualquer obstáculos, não se possa extender á distancia o raio visual, ou quando atravessar caminhos ou ruas de povoados. (BRASIL, 2010, p. 20). Em 1922 foi criado o Decreto Legislativo n.4.460 o qual tratava basicamente de regras às estradas de rodagem, principalmente, visando evitar transtornos aos veículos que trafegavam. Neste Decreto é perceptível uma regressão da norma, pois a atenção estava voltada muito mais ao fluxo dos veículos do que a segurança dos cidadãos, conforme comenta Berwig (2013, p. 50): “Nota-se que no início do século passado nossos governantes já resguardavam a passagem do automóvel em 17 detrimento de outros impeditivos. Foi o início da crescente importância dos veículos automotores na história brasileira”. Em 5 de janeiro de 1927 foi criado o Decreto Legislativo n. 5.141 o qual criava um fundo para a construção e manutenção das estradas de rodagem. O Decreto n. 18.323, de 24 de julho de 1928, trouxe algumas regulamentações mais complexas, inclusive estão presente na legislação atual, como a presença de polícia nas estradas, sinalização, pagamento prévio de licença para trafegar e as competências de União, Estados e Municípios quanto as estradas de sua jurisdição. (BERWIG, 2013). Na data de 28 de janeiro de 1941 foi criado o primeiro Código Nacional de Trânsito, Decreto-Lei n. 2.994, no entanto, com pouco tempo de vigência tendo em vista a criação do Decreto-Lei n. 3.651 o qual revogou o Código de Trânsito e determinou algumas competências aos Estados para legislar sobre trânsito, conforme texto da época, hoje revogado, Brasil (2015b): Art. 1º O trânsito de veículos automotores de qualquer natureza, nas vias terrestres abertas a circulação pública, em todo o território nacional, regular- se-á por este Código. As leis estaduais, relativas ao trânsito e aos condutores dos demais veículos, aos pedestres, aos animais e à sinalização local, devem adaptar- se às disposições deste Código, no que for aplicável. Os Estados baixarão, para esse fim, regulamentos e instruções complementares. Art. 2º Cada Estado organizará, de acordo com as suas necessidades, os serviços administrativos destinados ao cumprimento dos dispositivos deste Código, obedecendo às normas gerais da legislação federal. Este Decreto norteava diretrizes gerais para o trânsito como, por exemplo, alguns deveres e proibições impostos aos condutores, sendo mais específico e claro do que em normas anteriores, visando a segurança dos motoristas e/ou pedestres, conforme exemplo do texto original, Brasil (2015b): Art. 6º É proibido: [...] 9, passar à frente: a) entre o meio-fio e o bonde que houver feito parada temporária regulamentar para deixar ou receber passageiros; b) sem estar certo de que dispõe para isso de espaço suficiente, à esquerda, ou de que o pode fazer sem risco de acidente; 18 c) quando a visibilidade não for satisfatória; d) nas curvas, no cume de uma elevação, nas passagens de nivel, nos cruzamentos, pontes ou viadutos; 10, forçar passagem entre dois veículos que, trafegando em sentido contrário, estejam na iminência de cruzar-se; No ano de 1966 foi criado o segundo Código Nacional de Trânsito, a Lei 5.108, de 21 de setembro, onde previa que Estados legislariam dentro de algumas peculiaridades de sua região desde que seguissem os preceitos da legislação federal base e, criava órgãos e entidades no âmbito federal, estadual, distrital e municipal, ou seja, retirou o poder dos Estados de legislarem, autorizando apenas naqueles casos em que não fosse satisfeito pela lei maior. Neste código as maiores diferenças para o antecessor são no âmbito administrativo, através da criação do sistema Nacional de trânsito, portanto, a atenção foi menor às regras de trânsito e maior à organização das responsabilidades Estatais quanto ao trânsito. (BRASIL, 2015b; 1966). Em 1988, com o advento da Constituição Federal atual, foi previsto no art. 22, XI que compete privativamente a União legislar sobre trânsito e transporte. Nota-se que a competência exclusiva da União é no âmbito legislativo, tendo em vista que há várias competências atribuídas aos Estados e Munícipios, no entanto, elas são administrativas, exercidas por inúmeros órgãos políticos-administrativos. (BERWIG, 2013). Inclusive essa prerrogativa é clara no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) vigente: Art. 5º O Sistema Nacional de Transito e o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades. (BRASIL, 1997). O atual CTB (Código de Trânsito Brasileiro) foi instituído no dia 23 de setembro de 1997 pela Lei n. 9.503, o qual recepcionou todas as resoluções anteriores do CONTRAN e determinou que o mesmo fizesse uma revisão da melhor aplicabilidade dessas resoluções ao novo código com acréscimo de novas, caso necessário para maior efetividade do mesmo. Para alguns este código é um dos melhores do mundo desde que bem interpretado. (BERWIG, 2013). Pois trata das 19 mais variadas questões relacionadas ao trânsito como, por exemplo, da educação para o trânsito, dos veículos em circulação internacional, da condução de escolares, das infrações, limitação de velocidade, dos crimes de trânsito, etc., no entanto, como citado anteriormente, ele é vasto, mas necessita deuma boa interpretação. (BRASIL, 1997). Ainda no quesito legislação de trânsito não há como deixar de fazer uma breve citação da Lei Federal nº 11.705, de 19 de junho de 2008, popularmente denominada “Lei Seca”, alusão às alterações feitas no CTB, das quais a mais emblemática foi a tolerância zero ao consumo de álcool para motoristas: Art. 1o Esta Lei altera dispositivos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool [...]. (BRASIL, 2015h). Nota-se uma atenção especial do legislador à problemática da união entre álcool e direção, combinação responsável por inúmeros acidentes de trânsito no país, números estes que serão foco ainda nesse capítulo. Essas alterações feitas pela “Lei Seca” deixaram as regras mais rígidas no tocante ao álcool, seu uso, propaganda e venda, tendo em vista as multas de valores mais altos, suspensão no direito de dirigir e o limite zero de álcool por litro de sangue. 1.4 Os índices de acidentes de trânsito O Instituto Avante Brasil fez um levantamento no ano de 2010 quanto ao número de mortes no trânsito a nível mundial e, dentre 183 países o Brasil ficou na 4º colocação com 42.844 mortes no ano, ou seja, pouco mais de 117 mortes no trânsito por dia, são 22 mortes por cada 100 mil habitantes. Outro dado interessante nesse levantamento é que os países que despontam como mais violentos possuem um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) baixo. (GOMES, 2015a). O jurista e presidente do Instituto Avante Brasil, Luiz Flávio Gomes (2015a), afirma que: Em termos absolutos, o Brasil é 4º país do mundo com maior número de mortes no trânsito, ficando atrás somente da China, Índia e Nigéria. Dentre os 10 países mais violentos do planeta não aparece nenhum do grupo do capitalismo evoluído, fundado na educação de qualidade para todos, na difusão da ética e no império da lei e do devido processo legal e http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm 20 proporcional (Dinamarca, Suécia, Suíça, Coreia do Sul, Japão, Cingapura, Áustria etc.). Essa realidade é ainda mais preocupante porque segundo dados do Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF) fazendo um comparativo entre os anos de 2005 e 2011 houve uma aumento na quantidade de acidentes de trânsito na casa de 41,7% e daqueles que resultaram em mortes o aumento foi de 28,6. (BRASIL, 2015e). Isso, sem contar aquelas mortes que ocorreram durante o deslocamento da ambulância até o hospital, dentro do hospital ou aqueles que ficaram com sequelas irreversíveis por consequência do acidente sofrido, já que a maioria dos dados são baseados no momento em que aconteceu o acidente, ou seja, os números reais de feridos podem ser menores e, em contrapartida, o número de mortos pode ser ainda maior. Na imensa maioria das vezes o condutor é o culpado pela ocorrência do acidente de trânsito, pois 75% dos acidentes são causados por falha humana (condutor), 12% por falhas mecânicas do veículo, 6% por má conservação das vias e 7% por causas diversas, portanto, o homem é responsável, direta ou indiretamente, por 93% dos acidentes, seja pela má conservação das vias, uma responsabilidade pública, mas não deixa de ser humana, já que são os agentes os responsáveis por elas; seja pelas falhas mecânicas ocasionada pela falta de zelo do motorista com manutenção do veículo; ou ainda pela falha humana direta, a qual é dividida em três grupos qual sejam: a imperícia que seria a falta de técnica ou conhecimento adequado para realizar alguma manobra, a negligência que nada mais é do que a falta de cuidado na execução das manobras, e a mais impactantes e preocupantes de todas, pois está diretamente ligada ao comportamento do motorista, a imprudência que são aquelas ações de má fé do condutor, o excesso de velocidade, dirigir alcoolizado, falar ao celular, não respeitar as sinalizações, etc. (TRÂNSITOBR, 2015). Segundo dados do IPEA, em 2006 o Brasil sofreu um impacto econômico de R$ 24,6 bilhões, o que causa prejuízo a toda a sociedade brasileira. Foram considerados para os dados quatro componentes de custo, qual sejam: o primeiro grupo considerou os valores da remoção das vítimas do local do acidente, os cuidados com saúde, o custos da perda de produção e os gastos previdenciários; o 21 segundo grupo tratou dos danos aos veículos, a perda de carga e a remoção dos veículos do local do acidente; o terceiro grupo foi relacionado com os gastos com a reposição ou recuperação do mobiliário público danificado no acidente; já o quarto componente considerou o tempo gasto por policiais e resgatistas nos deslocamentos até o acidente, hospital ou delegacia. (BRASIL, 2015f). Para tentar mudar essa realidade alarmante do trânsito brasileiro Gomes (2015b) defende a imediata implementação de um plano, o qual já é previsto no CTB, através de dois instrumentos: a Política Nacional do Trânsito, a qual as diretrizes já foram estabelecidas pela Resolução n. 166/04 do CONTRAN; e o Programa Nacional de Trânsito, o qual ainda não foi elaborado por omissão dos órgãos públicos. 22 2 TRÂNSITO E EDUCAÇÃO Trânsito e educação estão intimamente ligados devido à complexidade da convivência entre as pessoas nesse ambiente. Vale lembrar que no trânsito há vários interesses diferentes, alguns indo trabalhar, outros atrasados para um compromisso, ou aqueles que estão apenas passeando, e ainda há o agravante de que eles estão se locomovendo de forma diferente, carro, caminhão, ônibus, a pé, etc. E para que tudo isso flua de forma adequada e para que todos cheguem aos seus destinos em segurança, deve-se cumprir regras e ter um comportamento aceitável. Em síntese, este capítulo trará discussões sobre a efetividade do endurecimento das leis de trânsito e se elas de fato causam nas pessoas um efeito educacional. E ainda tratará sobre o comportamento dos brasileiros no ambiente do trânsito, e como a educação e a cidadania podem ser fortes aliadas na melhoria da convivência entre todos os envolvidos. 2.1 Leis de trânsito mais rígidas: medidas educativas? Muito se fala em tornar as leis de trânsito cada vez mais rígidas e punitivas, na verdade não apenas as leis de trânsito, já que essa é uma tendência que está sendo seguida na grande maioria das normas brasileiras. Inclusive, fala-se em conscientização do motorista ao tornar as leis mais rígidas, ou seja, as punições e a rigidez da legislação são tratadas como medidas educativas. Isso demonstra a fragilidade de nossa cultura, onde a punição é o principal método educativo. Gomes (2015c) classifica essa forma de legislar como injusta e ilusória: Além de injusta, imagina-se que é com essa interpretação que serão reduzidas as mortes no trânsito. E o governo ainda divulga isso como algo verdadeiro. Fabrica-se uma nova lei e acredita-se que ela faça mágica! O Poder Político (Executivo e Legislativo), no campo criminal, sempre se comporta como nossos ancestrais, que pintavam os bichos nas cavernas e 23 acreditavam que, com isso, já detinham a posse desses animais. Publica-se uma nova lei no Diário Oficial (versão moderna das paredes das cavernas) e acredita-se que esse conjunto de palavras mal escritas e despoticamente interpretadas possa mudar a realidade! A história e os números provam que essa cultura de tornar as leis cada vez mais rígidas surtem efeito apenas nos primeiros anos de vigência. Com o passar do tempo os índices voltam a aumentar, demonstrando a ineficácia desse tipo de abordagem ao tentar diminuir a violência no trânsito, assim afirma Gomes (2015c) inclusive com fortes críticas aos governos: A propaganda enganosa e populista do governo diz:“Mais rigor, menos violência no trânsito”. Os números comprovam essa mentira: houve rigorismo penal em 1997 (quando tínhamos 35.620 mortes), em 2006 (agora já contávamos com 36.367 mortes) e 2008 (quando chegamos a 38.273 mortes). Depois da Lei Seca alcançamos, em 2010, quase 43 mil mortes. Que eficácia é essa da lei penal nova mais rigorosa? Em todo momento produzimos nova lei penal, mas as mortes, logo que a fiscalização fraqueja, voltam a aumentar. O autor afirma, ainda, que se pode ter a melhor legislação do mundo, a mais dogmática e perfeita, mas se não houver fiscalização de nada adianta. Para ele, os pilares, para que haja uma melhora na qualidade do trânsito brasileiro, devem ser conforme é seguido na Europa. Em suas palavras: “A solução para as mortes no trânsito passa pela educação e conscientização cívica e ética do cidadão, engenharia (dos carros, das ruas e das estradas), fiscalização, primeiros socorros e punição concreta (efetiva). A fórmula é: ECE-FPP” (GOMES, 2015d). Caso todas essas variáveis não forem levadas em consideração de forma conjunta não surtirá efeito expressivo na melhoria do trânsito brasileiro. A grande crítica daqueles que são contra essa ideia de endurecer cada vez mais as leis de trânsito é justamente o não cumprimento do item “punição concreta”, tendo em vista que a impunidade impera no sistema no legal brasileiro, pois possui leis duríssimas, realmente, no entanto pouco se cumpre devido as mazelas do ordenamento jurídico e/ou administrativo, onde as pessoas raríssimas vezes viram alguém ficar preso durante seis anos em caso de homicídio culposo no trânsito, por exemplo, como prevê o CTB. Isso acarreta na grande sensação ou até certeza da impunidade dos infratores, resultando em uma punição existente, mas em proporções bem menores do que versa a lei. Neste sentido, defende-se que haja, 24 talvez, menos rigor com as punições previstas em lei, entretanto, que as existentes sejam efetivamente cumpridas. Ainda neste viés, existem as punições pecuniárias, as quais, mais uma vez, traz o intuito do legislador em tornar mais dura a punição de multa. Porém, sua eficácia é discutível, pois não se observa o poder aquisitivo das pessoas multadas, onde aqueles mais ricos pagam o mesmo valor que os mais pobres, ou seja, há uma desproporção na punição, e por consequência, torna discutível sua eficácia. Inclusive, sobre este tema, há um grande descontentamento popular, os quais acusam o governo de utilizar-se da justificativa das infrações para arrecadar dinheiro para a máquina pública. Mas neste sentido, o texto legal é bastante transparente ao referenciar para que devem ser destinados os valores arrecadados com as multas das infrações de trânsito. Art. 320. A receita arrecadada com a cobrança das multas de transito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de trafego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de transito. Parágrafo único. O percentual de cinco por cento do valor das multas de transito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado a segurança e educação de transito. (BRASIL, 2015g). Roberto DaMatta (2015), quando questionado em uma entrevista sobre a punição versus educação no trânsito, respondeu o seguinte: A gente tem que preparar a sociedade para internalizar as normas no seu comportamento. Quando tentaram obrigar as pessoas a usar cinto de segurança em 1985, não adiantou muito porque as pessoas tinham acabado de sair de uma ditadura e não queriam que o governo dissesse mais o que eles tinham que fazer. Mais tarde, nos anos 90, apesar dos lobbies e das restrições de alguns setores, acabou dando certo porque as pessoas já estavam prontas para a lei. Mudaram por causa da lei? Claro. Mas porque viram que o cinto realmente protegia, o que deveria ter sido posto em primeiro lugar; a lei estava atrelada a uma prática social, em vez de estar contra ela. É de se destacar que em momento algum se afirma que as punições devem acabar e que as leis não servem de nada, mas sim, que essa não pode ser a principal forma de convencer as pessoas dos perigos do trânsito. Por isso esse 25 modo de pensar as leis de trânsito é bastante criticada (a punição como a principal “arma de combate”), tendo em vista que as pessoas devem entender o porquê e a importância de cumprir as leis de trânsito e não apenas que devem cumprir. Nas palavras de Gomes (2015e): A emergência, com frequência, aparece na justificação do poder punitivo ou do seu incremento. Desde a antiguidade. Para aplacar o medo e o pânico gerados pelo delito, muitos governantes, tomados pela “paixão”, invocam a emergência para a prática de todo tipo de atrocidade contra o inimigo de cada momento. No caso em tela, o inimigo do momento é a violência no trânsito e essa maneira de legislar demonstra, mais uma vez, a tendência imediatista de nosso governo, o qual prefere uma resposta rápida para seus eleitores a uma resposta eficaz em que os frutos serão colhidos mais à frente. 2.2 A psicologia do trânsito e o comportamento dos brasileiros Em um primeiro momento, todos aqueles que estão envolvidos no trânsito, sejam eles pedestres, motociclistas, motoristas, etc., têm o mesmo intuito, qual seja deslocar-se de um lugar para o outro. No entanto, no momento em que se deparam com a situação em concreto iniciam-se as individualidades. Aquele que é pedestre, deseja que o trânsito seja mais lento, tendo em vista a velocidade desproporcional dos veículos, já o motorista de um automóvel deseja um trânsito mais ágil, aproveitando, assim, a velocidade de seu carro. Mas o que a maioria das pessoas não se dão conta é que em algum momento haverá a inversão de papéis, onde aquele que era pedestre, agora é motorista, e o que era motorista, agora é pedestre, invertendo, também, suas vontades na hora de transitar. Isso demonstra o quão egoísta e individualista é o brasileiro no trânsito. (ROZESTRATEN, 1986). Para DaMatta (2010, p. 47), essa forma individualista que o brasileiro pensa em vários momentos, acaba por transformar o trânsito num caos. Nas suas palavras: A dialética entre hierarquias e igualdades compulsórias na casa e na rua resulta num conjunto de decisões individuais, sem dúvida, mas que, em cada sistema, seguem sempre e previsivelmente na direção de ignorar ou ultrapassar a regra em nome de alguma singularidade, contexto ou circunstância pessoal. Tal subordinação ou englobamento das normas 26 cívicas por alguma motivação pessoal leva a perceber esse espaço como a mais perfeita encarnação do caos, inferno, bagunça e violência. No Brasil, as pessoas têm grande dificuldade de enfrentarem o trânsito como um ambiente igualitário entre todos, onde não existe um maior ou melhor que o outro, mas que todos têm os mesmos direitos e deveres e que só assim o trânsito fluirá de forma coerente. As pessoas são treinadas de forma que sempre haja em seu cotidiano uma regra de hierarquia, de superioridade e inferioridade, nas mais variadas relações humanas como familiares ou de trabalho, por exemplo. Esse “treinamento” faz com que os indivíduos tenham o mesmo comportamento no trânsito, ou seja, eles têm muitas dificuldades em aceitar a igualdade entre todos que estão transitando, pois sempre esperam ser superiores ao condutor do veículo ao lado, no entanto, aquele condutor pode estar pensando da mesma forma, iniciando, assim, uma discussão ou até um acidente considerando a velocidade em que as decisões devem ser tomadas no trânsito. (DAMATTA, 2010). Neste sentido, Guiomar Namo Mello (2002, p. 23) diz: Antigamente, apenas obedecíamos aos mais velhos como se fossem “superiores” a nós. No mundo democrático, porém, não há espaço para a obediência cega e nem para a ideia de superioridade. Ninguém é superior a ninguém! O convívio entre os cidadãosse faz por meio do diálogo e do respeito entre as pessoas (homens e mulheres, pais e filhos, professor e alunos etc.). DaMatta (2010, p. 98) é enfático ao afirmar a postura aristocrata da sociedade brasileira no trânsito, quando, no entanto, deveria agir de forma cidadã. Como se vê: Tal constatação nos leva a uma reiterada e inevitável discussão daquilo que, para nós, é certamente a maior contradição da vida moderna brasileira. O encontro complicado, que já chamei de dilema, de um espaço público construído como igualitário, mas sobre o qual condutores de veículos e pedestres atuam com expectativas hierárquicas. Um palco desenhado para cidadãos que, entretanto, nele atuam como aristocratas. Esse modo de pensar e agir do brasileiro fica evidenciado todos os dias em nosso trânsito, quando o carro luxuoso tem preferência em relação ao veículo mais simples, ou quando o caminhão traz sua imponência sobre o motociclista. Isso demonstra que este pensamento hierárquico está intrínseco em nossa sociedade, afirmando que o mais rico ou mais forte tem superioridade ao mais pobre ou mais 27 fraco, frustrando, assim, a ideia de um trânsito igualitário e, por consequência, faz com que aconteçam os acidentes, quando, por exemplo, um carro muito potente e veloz tenta uma ultrapassagem forçada sobre um veículo de potência inferior. (DAMATTA, 2010). Neste mesmo sentido, Reinier Rozestraten (1986, p. 02), ainda nos anos 80, fazia a mesma constatação: Na nossa realidade, algumas pessoas têm mais direitos do que os outros. O filho do prefeito, o deputado, a mulher do governador e muitas outras pessoas acham que não precisam respeitar as regras porque são exceções às regras. Assim, reforça-se o desrespeito às regras, que depois se generaliza: se essas pessoas podem, por que eu, cidadão comum, também não posso? Em outros países, o processo é totalmente inverso ao nosso. Lembro que na Holanda, um policial multou o príncipe Bernard e por isso foi condecorado. Quem vai ser condecorado no Brasil por multar o Presidente da República? Nota-se que ele afirmava, já naquela época, que no Brasil impera a lei do mais forte, inclusive no cumprimento das leis de trânsito, e até hoje no Brasil tem-se a ideia de inferioridade de todos em face ao indivíduo denominado poderoso ou influente. Ainda neste contexto o brasileiro possui grandes dificuldades em respeitar as regras, e neste caso específico que se está analisando, em respeitar as leis de trânsito, os sinais, limites de velocidade, locais de ultrapassagem, ou seja, demonstrando mais uma vez que tem muita dificuldade em aceitar a democracia, e de se desvencilhar do senso aristocrata e hierárquico. Isso é tão natural para o brasileiro que, se questionado sobre como é o trânsito e quais seriam as possíveis maneiras de melhorá-lo, afirmam que é algo caótico e de difícil reparação. (DAMATTA, 2010). Tudo isso encontra-se dentro de um contexto muito amplo, já que não se está falando apenas do comportamento do brasileiro no trânsito, mas sim, de seu comportamento em sociedade, onde aquele que faz o correto, que segue as regras, que espera sua vez em uma rotatória ou que espera o pedestre passar na faixa de segurança, é taxado como otário. Onde a culpa de um trânsito tão problemático é sempre do governo que não põe mais sinalização nas ruas, que não posta mais agentes de trânsito nas esquinas e estradas para aumentar a fiscalização, mas 28 esquecem que quem faz o trânsito são as próprias pessoas e não apenas os governantes. (DAMATTA, 2010). Neste mesmo viés, Rozestraten (1986, p. 02), afirma: Precisamos abandonar a idéia de que o trânsito é um assunto só do DETRAN, do CONTRAN, do DNER. Os órgãos públicos colocam as placas de sinalização, marcam as ruas etc., mas quem faz o trânsito somos nós. Eles podem fazer o Código Nacional de Trânsito, mas quem obedece ou desobedece somos nós. Todos nós participamos do trânsito e nessa medida temos uma certa parcela de responsabilidade nisso. Portanto, ainda que os governantes criem as mais variadas regras e leis de trânsito a serem seguidas, a sociedade brasileira insiste em continuar a não cumpri- las de forma ao menos satisfatória, pois, via de regra, o brasileiro segue o raciocínio de que as infrações de trânsito são apenas deslizes, nada que deva ser considerado algo preocupante, reafirmando seu egoísmo, individualismo e sua limitação cultural. 2.3 Trânsito e cidadania Para que se faça uma melhor análise da relação entre trânsito e cidadania deve-se, primeiramente, conceituar o que é ser cidadão e o que é cidadania. O Dicionário do Aurélio (2015), conceitua cidadão como sendo “o indivíduo no gozo de seus direitos civis e políticos de um estado livre”. E que cidadania é “a qualidade ou estado de cidadão”. No entanto, não se pode tomar por base apenas os conceitos basilares do dicionário, tendo em vista que se trata de algo muito mais complexo do que o citado, pois o cidadão não possui apenas direito, mas também deveres que devem ser aplicados na sociedade. Todos têm direito ao trânsito e de não ser ferido nele, assim como todos têm o dever de não pôr em perigo ou de limitar as outras pessoas de ir e vir. Segundo De Plácido e Silva (1987, p. 427), cidadão tem a seguinte definição: [...] quer designar a pessoa que reside no território nacional, não indicando simplesmente o que se diz brasileiro, mas também o estrangeiro, neste sentido, apenas, vem significar a condição de habitantes do país, que adotou o sistema republicano, em oposição ao súdito, mas próprio aos regimes monárquicos. Mas quando utilizada a palavra cidadania, Silva (1987, p.427) afirma que “a cidadania é expressão, assim, que identifica a qualidade da pessoa que, estando na 29 posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no gozo de seus direito políticos, que se indicam, pois, o gozo desta cidadania”. O cidadão é aquele consciente de seu papal na sociedade, ele quer seus direitos garantidos, porém não esquece de seus deveres. E no trânsito isso é de suma importância para que haja respeitabilidade entre as pessoas. Carlos B. Bruns et al, comentam: O cidadão tem o dever de obedecer às leis e códigos, em benefício do bem comum. Esta é a melhor forma de respeitar o direito das demais pessoas e ter os seus respeitados. As mesmas leis e códigos definem que estamos sujeitos a punições toda vez que nosso comportamento for nocivo para a coletividade ou para nós mesmos. (BRUNS et al, 2006, p. 07). O trânsito talvez seja um dos ambientes mais complexos de se relacionar na sociedade, tendo em vista que é nele que se encontram os mais variados tipos de pessoas, cada uma diferente da outra, exigindo, dessa forma, que os indivíduos sejam cidadãos o máximo que puderem afim de respeitar uns aos outros e as leis de trânsito. Esse modo de agir é chamado de cidadania ativa, ou seja, exercer a cidadania, neste caso, exerce-la no trânsito. (BRUNS et al, 2006). Nesse mesmo sentido, Mello (2002, p. 24), também confia na tese de que os cidadãos devem praticar a cidadania: Ser cidadão, portanto, é participar o máximo possível da vida em comunidade, para que seja possível compartilhar com os semelhantes as coisas boas da vida – as materiais e as culturais. Ser cidadão é, ainda, opor-se a toda forma de não participação. Ser cidadão, é enfim, adotar uma postura em favor do bem comum. O autor faz uma abordagem ampla do que é ser cidadão, mas esse trabalho, especificadamente, trará para uma visão de cidadania aplicada no trânsito. Apesar de parecer simples, praticar a cidadania é muito complicado na sociedade brasileira, isso porque ela (sociedade brasileira) ainda é pouco cidadã, pois, as pessoas têm um conhecimento considerável de seus direitos, porém, pouco sobre seus deveres. Isso demonstra a pobreza de nossa cultura, bem como, o baixo investimentoem educação para o trânsito, deixando clara mais uma condição para um trânsito tão violento. 30 Apesar das dificuldades estruturais e culturais de nosso país, atualmente já há algumas linhas de pensamento no sentido de trazer a educação e a cidadania para dentro do trânsito, e deixando um pouco de lado a forma policial de solucionar os problemas do trânsito. Esse entendimento de que o trânsito deveria ser tratado como caso de polícia baseia-se em uma ideia de que o Brasil tem “um trânsito ruim e no limite do criminoso” (BRASIL, 2015a, p. 06), ou seja, a primeira coisa que vem à cabeça é que se deve tratar como caso de polícia. Não obstante, a cidadania também traz junto a ela um certo “conflito”, onde de um lado estão os direitos individuais de cada cidadão e de outro as regras gerais a serem seguidas por todos os indivíduos, aí está o conflito, e é neste momento que o cidadão deve ter a capacidade de agir de forma que não prejudique a si próprio e nem ao próximo. “Assim considerando, é fundamental destacar a dimensão de cidadania inserida no trânsito, uma vez que este configura uma situação básica de diferença, diversidade, equidade, tolerância e de direitos humanos”. (BRASIL, 2015a, p. 06). A grande vantagem desse conflito instaurado pela aplicabilidade da cidadania é o constante exercício da democracia incutida no aprimoramento de nosso trânsito, tendo em vista que traz, cada vez mais, a sociedade para dentro das discussões sobre o aprimoramento do trânsito brasileiro. Lembrando, ainda, que a o Código de Trânsito Brasileiro, bem como, as resoluções do CONTRAN, conscientes da importância da difusão da cidadania, fazem inúmeras menções à relação entre cidadania e trânsito, e da sua incontestável influência para que se conquiste um trânsito mais respeitoso e seguro. (BRASIL, 2015a). 2.4 A educação para o trânsito A educação para o trânsito é peça chave para a evolução da qualidade do trânsito brasileiro, não se tem dúvida disso, e apesar das constantes críticas aos governos quanto ao baixo investimento na educação para o trânsito, não se pode negar que nossa legislação de trânsito aborda de forma bastante ampla as obrigações e competências para a aplicação da educação para o trânsito. O Código de Trânsito especifica em seu texto de quem são as responsabilidades para estabelecer as diretrizes da Política Nacional de Trânsito com vistas a educação 31 para o trânsito, o exercício, planejamento, elaboração de projetos, coordenação de programas, dentre outros, visando a educação para o trânsito. (BRASIL, 2015g). Apesar do bom texto legal sobre trânsito que há no Brasil, o governo deve encontrar maneiras de aplica-las de forma concreta e eficiente. [...] legalismo, que, como tenho indicado sistematicamente em minha obra, crê que todas as questões sociais podem ser resolvidas pela polícia e pela lei – por meio de protocolos jurídicos, repressão policial e fórmulas legais, sem o concurso paralelo da conduta de todos os atores que atuam nesse espaço. Nessa perspectiva, a alternativa seria a educação, que igualmente sai do papel em fórmulas mágicas, ficando – esse é o ponto que passa despercebido – a cargo do Estado e do governo. (DAMATTA, 2010, p. 39). Ademais, o CTB possui o capítulo VI inteiro versando sobre educação para o trânsito, cujo primeiro artigo diz o seguinte: “Art. 74. A educação para o transito é direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes do Sistema Nacional de Transito” (BRASIL, 2015g). Isto é, toda a sociedade brasileira tem direito à educação para o trânsito de qualidade, a qual deve ser oferecida pelo Sistema Nacional de Trânsito, inclusive, dentro de suas mais variadas responsabilidades, essa (educação para o trânsito) como prevê a lei, deve ser, ou ao menos deveria ser prioridade na construção de um trânsito mais seguro. Nessa esteira, o CTB prevê ainda que: Art. 75. O CONTRAN estabelecerá, anualmente, os temas e os cronogramas das campanhas de âmbito nacional que deverão ser promovidas por todos os órgãos ou entidades do Sistema Nacional de Transito, em especial nos períodos referentes as férias escolares, feriados prolongados e a Semana Nacional de Trânsito. § 1o Os órgãos ou entidades do Sistema Nacional de Trânsito deverão promover outras campanhas no âmbito de sua circunscrição e de acordo com as peculiaridades locais. § 2o As campanhas de que trata este artigo são de caráter permanente, e os serviços de rádio e difusão sonora de sons e imagens explorados pelo poder público são obrigados a difundi-las gratuitamente, com a frequência recomendada pelos órgãos competentes do Sistema Nacional de Trânsito”. (BRASIL, 2015g). Como se nota, o texto de lei busca trazer visibilidade às campanhas educativas propostas pelos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, através dos meios de comunicação, e principalmente nas épocas em que o movimento no trânsito é mais intenso. Além disso, considera as peculiaridades locais 32 devido às grandes dimensões de nosso país, pois existem as mais diversas diferenças culturais, e por consequência, em alguns casos, deve-se fazer campanhas específicas, dependendo de região para região. Talvez uma das previsões mais importantes do CTB no que tange à educação seja o art. 76, que estabelece: Art. 76. A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1o, 2o e 3o graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas respectivas áreas de atuação. (BRASIL, 2015g). No entanto, essa educação para o trânsito promovida nas escolas deve ter uma divisão de responsabilidades junto com as famílias dos jovens, as quais auxiliam para a mudança cultural de nosso país. “A educação inclui a percepção da realidade e a adaptação, assimilação e incorporação de novos hábitos e atitudes frente ao transito – enfatizando a co-responsabilidade governo e sociedade, em busca da segurança e bem-estar” (BRASIL, 2015a, p. 04). Neste mesmo sentido, Berwig (2013, p. 40), afirma que: Essa educação, evidentemente, não deve ser responsabilidade apenas da escola, uma educação formal apenas. Deve ser uma construção voltada à moldagem do caráter da pessoa e deve ter o comprometimento da família e da escola, pois sem o envolvimento da família dificilmente conseguiremos mudar esse quadro, posto que a figura paterna/materna é o modelo para os filhos, os quais assimilam e copiam hábitos e atitudes. São inúmeros os autores que têm se manifestado pela necessidade de mudanças, dado que o sistema tradicional de ensino parece não dar conta da complexidade do mundo atual. Eloir de Oliveira Faria e Marilita Gnecco de Camargo Braga (2015) fazem uma síntese de como deve ser a forma de se educar as crianças e adolescentes nas escolas para que haja um ganho real no comportamento daqueles que hoje são pedestres e ciclistas, e que amanhã estarão conduzindo veículos, mas de qualquer forma já são atores do trânsito: [...] um programa de educação para o trânsito, que transforme o estudante em um agente ativo no processo ensino/aprendizagem e que contribua para a adoção de comportamentos humanos no trânsito e para a mudança de comportamentos de risco, deverá ter como meta contribuir para o processo de formação de cidadãos conscientes de sua responsabilidade individual e respeitadores dos direitos dos outros. Deve também desenvolver o tema de uma maneira abrangente nos seus diferentes aspectos (histórico, social, local, legal, comunitário, etc.), de forma a favorecer a compreensão do aluno 33 de sua realidade local e da relação desta com o conjunto da sociedade. Só assim, um programa educativo tem condições de promover de modo mais efetivo a adoção de comportamentos adequados e a mudança de comportamentode risco dos usuários dos sistemas de transporte. Vale lembrar que, agora incluindo os adultos, a educação para o trânsito a ser realizada pelos órgãos públicos não devendo ter apenas um caráter educacional no sentido de conhecer bem as regras de trânsito e/ou como conduzir bem um veículo, mas que se tenha o intuito de tornar as pessoas mais cidadãs. Assim afirma Berwig (2013, p. 40): Cremos que o objetivo principal da educação para o trânsito deva ser visto não somente como o ensino destinado à condução de veículos automotores, mas como o despertar de uma nova consciência na utilização do espaço de circulação, incluída a viária, quando seja priorizada a to- lerância, a solidariedade, a cooperação e o comprometimento em substituição ao individualismo, à competição e ao exibicionismo. Ou seja, uma educação que tenha por fundamento axiológico a valorização do ser humano. Semelhante a isso prevê a Resolução do Contran nº 166, Brasil (2015a, p. 04): A educação para o trânsito ultrapassa a mera transmissão de informações. Tem como foco o ser humano, e trabalha a possibilidade de mudança de valores, comportamentos e atitudes. Não se limita a eventos esporádicos e não permite ações descoordenadas. Pressupõe um processo de aprendizagem continuada e deve utilizar metodologias diversas para atingir diferentes faixas etárias e clientela diferenciada. Concluindo, [...] “o fato concreto é que o cidadão brasileiro, seja pedestre ciclista, motociclista, motorista ou até carroceiro, tem uma dificuldade atrávica no que diz respeito a obedecer à lei” (DAMATTA, 2010, p. 76), em razão disso, não há como melhorar o comportamento dos brasileiros sem que a educação seja implantada em um contexto mais amplo, trabalhando a cidadania e a ética como base dos ensinamentos, para que as pessoas não tenham que apenas decorar os artigos de leis, mas que tenham uma atitude humana no trânsito. (FARIA; BRAGA, 2015). 34 CONCLUSÃO A violência no trânsito, nos últimos anos, vem se destacando como uma das principais causas de mortes no Brasil, com o agravante de que o número de mortos e feridos aumenta ano após ano. Esse caos vivido no trânsito acarreta em vultuosos gastos de dinheiro público com atendimento emergencial e tratamentos para a recuperação dos feridos, sem contar os grandes traumas familiares que aqueles envolvidos em um acidente irão carregar para o resto de suas vidas. A quantidade excessiva de veículos nas ruas e a má qualidade das rodovias estão entre as principais causas de acidentes no Brasil. Esta, por conta do baixo investimento do poder público nas estradas, pois não houve o acompanhamento da estrutura da malha rodoviária com o crescente número de veículos circulando pelas ruas ao passar dos tempos. E aquela, em virtude do senso capitalista e consumista da sociedade brasileira, que prefere cada um “ostentar” com seu próprio veículo a utilizar os meios de transportes coletivos. Mesmo com toda a evolução histórica das leis de trânsito até a criação do Sistema Nacional de Trânsito, ainda há quem sustente que as normas de trânsito brasileiras são muito brandas, e que essa seria a principal causa da violência desenfreada no trânsito. Todavia, é uma forma muito simplista de se pensar o trânsito. Esse raciocínio pode ser aceito como uma medida eficaz desde que posto por cidadãos comuns, leigos no assunto, cansados da mortandade no trânsito. Porém, não poderia, um tema tão complexo, ser tratado pelos legisladores da forma imediatista como é, visto que, na grande maioria das vezes em que as normas foram endurecidas pelo legislador com o intuito de diminuir a quantidade de acidentes, seus efeitos foram temporários, ou seja, dois ou três anos depois o percentual de 35 acidentes tornava a evoluir negativamente, deixando visível a ineficácia dessa prática. Fato é que a o comportamento do brasileiro no trânsito é preocupante, pois seu perfil aristocrata enraizado por nossa cultura, faz com que seja individualista e mesquinho, o que acaba dificultando a convivência no trânsito, que via de regra, deveria ser um ambiente igualitário. Para tentar minimizar os efeitos desse perfil deve-se buscar cada vez mais a transformação de simples indivíduos da sociedade em cidadãos, ou seja, aqueles que não pensam apenas em si próprios, mas em algo que seja bom para todos, que tenha conhecimento de seus direitos, e principalmente seus deveres na sociedade, isto é, com relação ao trânsito, é aquele que cumpre as normas, não ultrapassa em local proibido, para no sinal vermelho, respeita o limite de velocidade, etc. E essa transformação, aparentemente, só será possível por meio da educação baseada na ética e na cidadania, principalmente das crianças que são aquelas que têm maior facilidade em assimilar mudanças e/ou novidades. Ou seja, não se trata apenas daquela educação tradicional onde se ensina português e matemática pura e simples ou, dentro do contexto deste estudo, a norma de trânsito pura e simples, mas principalmente, de uma educação na qual o indivíduo seja capacitado a entender o contexto geral em que o trânsito está envolvido, os porquês de cumprir a legislação de trânsito e respeitar os direitos dos outros que estão transitando naquele mesmo ambiente. Em remate, apesar da excessiva quantidade de veículos nas estradas, da péssima qualidade de infraestrutura rodoviária e do hábito ineficaz de criação de leis emergenciais, ainda assim, a maioria esmagadora dos acidentes de trânsito são causados pelo comportamento humano, ou melhor, por seu mau comportamento. Portanto, falta um maior investimento em políticas públicas eficazes que visem a inserção em grande escala da educação para o trânsito na vida das pessoas, e por consequência, vem a cidadania, ela que é tão importante para uma vida de qualidade em sociedade e mais segura no trânsito. 36 REFERÊNCIAS BERWIG, Aldemir. Direito do Trânsito. Ijuí: Editora Unijuí, 2013. BRASIL. Contran. Resolução nº166, de 15 de setembro de 2004. Disponível em: < http://www.denatran.gov.br/consolidadas.htm>. Acesso em: 17 maio 2015a. ______. Decreto-Lei nº 3.651, de 11 de setembro de 1941. Revogado. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3651-11- setembro-1941-413903-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 12 abr. de 2015b. _______. Denatran. Frota de veículos 1999 e 2013. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/frota.htm>. Acesso em: 12 abr. 2015c. _______. 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