Prévia do material em texto
AULA 6 PRESTAÇÃO DE CONTAS (ACCOUNTABILITY) Prof. Ricardo Suave 02 CONVERSA INICIAL A presente aula tem o intuito de abordar o controle social e seus diferentes aparatos para a accountability. O controle social, como o nome pode sugerir, são as formas que a sociedade tem de participar da gestão do Governo e controlá-la. Por exemplo, a participação dos cidadãos no orçamento da cidade é uma forma que permite à sociedade em geral participar de decisões com impacto a toda à cidade, inclusive sobre si mesmos. Esta aula discute o controle social e seus aparatos por meio de cinco temas, quais sejam: 1. O acesso às informações; 2. Audiências públicas; 3. Ações populares; 4. Orçamento participativo; e 5. Código de Defesa do Consumidor. CONTEXTUALIZANDO Lima (2018) adverte que um dos maiores problemas na nossa sociedade, como é sabido, é a corrupção. Segundo ele, o desenvolvimento de mecanismos de controle social (que podem ser caracterizados pela accountability vertical, dado que é o controle exercido pelos cidadãos) pode contribuir no sentido de inibir tal prática. Saiba mais Leia sobre o controle social acessando o site a seguir: <https://www.youtube.com/watch?v=trNHRc328q4>. A ocorrência da prática da corrupção, quando já se fala em níveis mais elevados, como o desvio de recursos públicos, em muito prejudica a sociedade, seja pelo roubo do dinheiro advindo do trabalho dos cidadãos, seja pela falta que esse recurso representará em áreas de fundamental importância para a vida digna dos cidadãos, como é o caso da saúde, da educação e da segurança, seja por problemas que acabam sendo consequência disso, em que pesa, principalmente, a desigualdade social. Na contramão dessas práticas, o amplo acesso à informação decorrente de tecnologias com acesso à internet permite que qualquer pessoa analise dados referentes aos orçamentos públicos e sua execução (Lima, 2018). Conforme o autor, destacam-se algumas formas de controle social de que os cidadãos podem participar, que vão desde a participação na elaboração de políticas até sua execução, entre elas: 03 O acesso às informações, previsto na Constituição Federal art. 5º, inciso XXXV, e na Lei de Acesso à Informação, Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011; Participação em conselhos referentes a educação, saúde, cultura, política urbana, política criminal, criança e adolescente etc.; Audiências públicas, como aquelas previstas ne Lei de Responsabilidade Fiscal, Estatuto das Cidades e Lei de Gestão do Sistema Único de Saúde; E, em eventuais desvios por parte do gestor público, destacam-se as ações mandamentais (a ação popular e o mandado de segurança). Albuquerque (2007) elenca ainda o direito a voto, a denúncia perante os Tribunais de Contas e Ministério Público e o orçamento participativo como formas de exercício do controle social. Nesse sentido, abordam-se agora algumas dessas formas de controle que ainda não foram discutidas em aulas anteriores. TEMA 1 – O ACESSO ÀS INFORMAÇÕES Primeiro, vale destacar que o acesso às informações é um direito dos cidadãos previsto em lei. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIII, prevê que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (Brasil, 1988) No sentido de complementar, elaborou-se a Lei n. 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI). Ela regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas e entrou em vigor em 16 de maio de 2012, criando mecanismos que possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades1. Apresenta-se, no Quadro 1 a abrangência da lei. Os procedimentos para o pedido de informações2 ocorrem da seguinte maneira: as informações são solicitadas aos SICs (Serviço de Informação ao Cidadão) de forma física ou pela internet. Deve ser preenchido um formulário para 1 Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/conheca-seu-direito/a-lei-de- acesso-a-informacao>. Acesso em: 5 abr. 2018. 2 Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/central-de- conteudo/infograficos/arquivos/peca-uma-informacao/peca-uma-informacao>. Acesso em: 5 abr. 2018. 04 a solicitação, e o prazo é de 20 dias, prorrogável por mais 10. Caso a informação não seja fornecida, o requerente tem 10 dias para entrar com recurso. Entre os principais aspectos e abrangência3 da LAI estão: Acesso é a regra, o sigilo, a exceção (divulgação máxima); Requerente não precisa dizer por que e para que deseja a informação (não exigência de motivação); Hipóteses de sigilo são limitadas e legalmente estabelecidas (limitação de exceções); Fornecimento gratuito de informação, salvo custo de reprodução (gratuidade da informação); Divulgação proativa de informações de interesse coletivo e geral (transparência ativa); Criação de procedimentos e prazos que facilitam o acesso à informação (transparência passiva). (Brasil, 2011) Referente à abrangência da LAI, demonstra-se no quadro a seguir. Quadro 1 – Abrangência da Lei de Acesso à Informação Todos os órgãos e entidades Federais/estaduais/distritais/municipais Todos os Poderes Executivo/Legislativo/Judiciário Toda Administração Pública Direta (órgãos públicos) / Indiretas (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mistas) / Demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, estados, Distrito Federal e/ou município Entidades sem fins lucrativos Aquelas que receberam recurso públicos para realização de ações de interesse público, diretamente do orçamento ou mediante subvenção social, contrato de gestão, termo de parceria, convênio, acordo, ajuste. Neste caso, a publicidade a que estão submetidas refere-se à parcela dos recursos recebidos e à sua destinação Fonte: Portal de Acesso à Informação, S.d. O controle social, de acordo com Corbari (2004), configura-se na participação popular nas decisões do Governo, ou seja, o controle da sociedade sobre o Estado. Contudo, ela sustenta que esse controle não se restringe à verificação de falhas e irregularidades, mas sim como auxílio na busca da organização governamental, um instrumento que procura garantir uma boa administração que leve ao alcance dos objetivos traçados. Historicamente, o controle das ações dos gestores era baseado na verificação da constitucionalidade dos seus atos, mas, após a Reforma Gerencial, novas formas de responsabilização dos agentes públicos, como o controle por resultados e o controle social de políticas públicas, passaram a ser utilizadas (Corbari, 2004). Segundo a autora, a participação da sociedade não acontece 3 Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/conheca-seu-direito/principais- aspectos/principais-aspectos>. Acesso em: 5 abr. 2018. 05 apenas durante as eleições, mas também durante a gestão. Dessa maneira, ela afirma que o papel das informações é mais do que a formal prestação de contas, mas sim a transparência das ações públicas. Lopes (2007, p. 37) fala da relação entre a publicação de informações e o gasto público. Ainda que não seja uma ferramenta suficiente o bastante para promover melhora da qualidade do gasto público, a promoção do acesso à informação pública é uma política essencial para um Estado que pretenda gastar melhor e promover maiores ganhos sociais com seus investimentos. A promoção da transparência governamental, como se pode perceber, é condição necessária à modernização dosmecanismos de gestão governamental e, consequentemente, à avaliação da efetividade dos gastos públicos. Raupp e Pinho (2014, p. 145) investigaram a prestação de contas nos portais eletrônicos de Assembleias Legislativas após a Lei de Acesso à Informação entrar em vigor. Os autores consideraram a prestação de contas como parte da accountability, pois envolve, além desta, a responsabilidade, o controle e a transparência, e, como resultado, entenderam que “a implementação de portais eletrônicos pode contribuir para a construção da prestação de contas e, consequentemente, da accountability”. Entre os principais resultados, os autores encontraram evidência da quase inexistência dos portais para prestação de contas referentes aos gastos incorridos pelos deputados. Por fim, o estudo de Angélico (2012) teve por objetivo investigar a contribuição da LAI para a accountability democrática. O autor conclui que a disponibilização das informações não se traduz em garantia de reforço à accountability. Segundo ele, existem os riscos de não processamento das informações por parte dos intermediários, incapacidade dos órgãos públicos em responder às demandas da informação tornada pública e reforço do lobby realizado por diferentes grupos sociais (aqueles com mais recursos poderão aproveitar melhor as informações). Por fim, Angélico alerta que, caso um fato se torne público, isso não significa a resposta do Governo ou ainda a dependência da capacidade dos diferentes atores em capturar a atenção da sociedade. 06 TEMA 2 – AUDIÊNCIAS PÚBLICAS As audiências públicas são mais uma forma de participação da sociedade no Governo, o que corrobora a ideia de não restringir a participação do povo apenas ao voto. Elas têm de objetivo buscar soluções de problemas públicos em busca de informações; definição de políticas públicas; elaboração de projetos de lei; empreendimentos com impacto à cidade; e, após implantação das políticas, na avaliação de seus impactos e resultados (Pereira, 2016). Saiba mais Para saber sobre situações em que cabem audiências públicas, assista ao vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8IPyH3Cj6-U>. Oliveira (1997, p. 160) afirma que ao “lado da coleta de opinião, debates e consultas públicas, colegiado público e diversas formas de co-gestão, a audiência pública está inserida no rol dos mecanismos ou instrumentos de participação dos cidadãos na esfera administrativa”. Em suma, o instituto da audiência pública é um processo administrativo de participação aberto a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando ao aperfeiçoamento da legitimidade das decisões da Administração Pública, criado por lei, que lhe preceitua a forma e a eficácia vinculatória, pela qual os administrados exercem o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a decisões de maior aceitação consensual (Moreira Neto, 1997, p. 14). “É mediante a realização dessas audiências que se garante um direito fundamental dos cidadãos, que é o direito de ser ouvido, o direito de poder opinar, de modo eficaz, notadamente a respeito daqueles assuntos que interessam à coletividade” (Oliveira, 1997, p. 160). As audiências públicas são previstas em diferentes órgãos e situações. No cenário de agências reguladoras4, por exemplo, as audiências públicas propiciam o debate público e presencial com representantes da sociedade civil e com os atores afetados pela atuação regulatória. Na prática, trata-se de uma modalidade de consulta pública, mas com a particularidade de se materializar por meio de debates orais em sessão previamente designada para esse fim. A LRF também prevê a sua realização, no art. 9, parágrafo 4, da Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000: 4 Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/audiencias-publicas#/>. Acesso em: 07/03/2018. 07 Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão referida no § 1o do art. 166 da Constituição ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais. (Brasil, 2000) O Estatuto das Cidades, por sua vez, também prevê a realização de audiências públicas. Com previsão na Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, as audiências públicas podem ser realizadas para a garantia da gestão democrática da cidade, juntamente com consultas públicas; para a elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação; e também para a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Modesto (1999, p. 1) divide a participação em administrativa e popular. Na primeira, consideram-se “todas as formas de interferência de terceiros na realização da função administrativa do Estado”. A segunda forma é mais restrita, pois se trata da interferência na administração do Estado “em favor de interesses da coletividade, por cidadão nacional ou representante de grupos sociais nacionais, estes últimos se e enquanto legitimados a agir em nome coletivo”. Como exemplos de participação cidadã, Modesto (1999, p. 1) considera: Participação do cidadão na composição do Conselho de Contribuintes; a denúncia de irregularidades ou do abuso de poder, mediante representação; a participação em conselhos deliberativos onde são debatidos temas de interesse geral, a participação em audiências públicas, a reclamação relativa à prestação dos serviços públicos, entre outras formas. A participação administrativa, conforme Moreira Neto (1997), divide-se em três institutos. Tais institutos são demonstrados no quadro a seguir. Quadro 2 – Formas de participação administrativa Coleta de Opinião Processo de participação administrativa aberto a grupos sociais determinados, identificados por certos interesses coletivos ou difusos, visando à legitimidade da ação administrativa pertinente a esses interesses, formalmente disciplinado, pelo qual o administrado exerce o direito de manifestar sua opção, orientadora ou vinculativa, com vistas à melhor decisão do Poder Público. Debate público Processo de participação administrativa, aberto a indivíduos e grupos sociais determinados, visando à legitimidade da ação administrativa, formalmente disciplinado, pelo qual o administrado tem o direito de confrontar seus pontos de vista, tendências, opiniões, razões e opções com os de outros administrados e com os do próprio Poder Público, com o objetivo de contribuir para a melhor decisão administrativa. (continua) 08 (continuação do Quadro 2) Audiência pública Acresce às características dos dois institutos anteriores um maior rigor formal de seu procedimento, tendo em vista a produção de uma específica eficácia vinculatória, seja ela absoluta, obrigando a Administração a atuar de acordo com o resultado do processo, seja relativa, obrigando a Administração a motivar suficientemente uma decisão que contrarie aquele resultado. Fonte: Moreira Neto (1997, p. 20). Barros e Ravena (2011) analisaram a associação entre as demandas qualificadas nas audiências públicas para o licenciamento da usina de Belo Monte e as estratégias de formação de opinião pública. Os autores argumentam que, embora as audiências públicas se enquadrem num processo deliberativo para construção de conhecimento e debate sobre determinadas questões, as audiências desse caso foram usadas estrategicamente por políticos das esferas municipal e estadual do Pará e representadas de forma diferenciada na mídia. A conclusão foi de que atores de movimentos contrários à construção da usina tiveram lugar de fala restritos na mídia. O estreitamento dos laços da sociedade civil com o Estado, a ser alcançado sobretudo atravésdo aprimoramento dos vínculos mantidos por esse com os cidadãos, tende a tornar mais efetiva a finalidade primeira do atuar dinâmico da Administração Pública: o agir a serviço da comunidade. [...] Inseridas na fase de instrução dos processos administrativos, podendo ocorrer também na fase decisória, as audiências públicas têm por escopo tornar efetivo o direito de defesa dos cidadãos, o direito de opinar e ser ouvido, quando a situação envolva direitos coletivos e difusos. (Oliveira, 1997, p. 166). Dessa forma, conforme salienta o autor, as audiências públicas garantem a observância do direito de informação e de garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa. TEMA 3 – AÇÕES POPULARES As ações populares são mais uma forma de participação da sociedade na administração pública. Segundo Blume (2017), tiveram origem há muito tempo, já na primeira constituição, em 1824. Tais ações visam proteger direitos difusos, coletivos e, por isso, o maior beneficiário de uma ação popular não é apenas a pessoa que a criou, mas sim a população em geral. Atualmente, as ações populares estão previstas no art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988: Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio 09 histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (Brasil, 1988) Além desse inciso da CF, também está em vigor a Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. Conforme Mota (2006), enquanto essa lei determina que o objeto das ações populares se limita ao patrimônio público, na Constituição ele é ampliado para a moralidade administrativa, o meio ambiente, o patrimônio histórico e o patrimônio cultural. Assim como a ação popular, uma ação civil pública também se trata de um mecanismo de controle social. Enquanto a ação popular permite ao cidadão recorrer à Justiça na defesa da coletividade para prevenir ou reformar atos lesivos que forem cometidos pela Administração Pública, a Ação Civil Pública pode ser proposta pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, os estados, municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações interessadas, desde que constituídas há pelo menos um ano. (Conselho Nacional de Justiça, 2015) No caso da ação civil pública, de maneira semelhante à ação popular, o objetivo é proteger os interesses da coletividade, mas não apenas agentes da administração pública podem figurar como réus, e sim qualquer pessoa física ou jurídica que cause os danos. Conforme Blume (2017, p. 1), também existe a figura da ação popular preventiva, dado que a legislação prevê que essas ações sejam uma forma de remédio para um ato já causado. Esse tipo de ação vem no sentido de evitar que um ato lesivo ocorra. Como exemplo, “se algum órgão público determina que um prédio histórico tombado deve ser demolido, um cidadão pode entrar com uma ação popular pedindo a suspensão desse ato, evitando que a demolição aconteça” (Blume, 2017). As ações públicas podem ser usadas contra atos que prejudiquem, por exemplo, “o patrimônio público, a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural”, para que, dessa forma, os cidadãos ou as organizações possam “se intrometer na administração pública, fazendo valer seus direitos de contestar junto a ela todo e qualquer ato que acredite prejudicar algum direito compartilhado por toda a sociedade” (Pereira, 2008, p. 26). A ação popular é um importante dispositivo [...] aliado da população no exercício da cidadania e do controle social sobre a Administração Pública. Ele permite a qualquer cidadão, independente de estar associado ou não a qualquer tipo de grêmio ou sindicato a fiscalizar a atuação de seus representantes públicos, servidores e agentes cuja função seja cuidar dos bens públicos, independente dos seus níveis hierárquicos administrativos. (Pazzaglini Filho, 1999, citado por Pereira, 2008, p. 26) 010 Pereira (2008) aborda ainda o importante papel de aliado do Ministério Público como fiscal da lei e produtor de provas. Nesse sentido, segundo o autor, a ação popular se torna uma forma de controle social sobre os atos e o desempenho dos seus representantes públicos, assim como em relação à conservação e à aplicação dos bens públicos, dado que esses representantes são os responsáveis na prestação de serviços que satisfaçam às necessidades da sociedade. Mota (2006, p. 144) afirma que a ação popular é por excelência um instrumento de accountability, pois reúne suas dimensões essenciais. “Ela viabiliza a defesa dos interesses públicos e coloca em evidência a possibilidade do cidadão comum atuar em prol do bem coletivo”. A ação popular faz parte de um conjunto de dispositivos de proteção que autorizam e ressaltam a necessidade da atuação dos cidadãos no controle dos atos administrativos, denominado “microssistema de tutela de interesses difusos” e instituído com o fim de garantir a probidade administrativa. Reúnem os elementos viabilizadores da transparência administrativa, requerem a prestação de contas com a devida informação sobre a razoabilidade e a eficiência das decisões tomadas e ensejam anulação dos atos lesivos ao patrimônio coletivo, constituindo, portanto, importantes mecanismos de accountability. (Mota, 2006, p. 145) TEMA 4 – ORÇAMENTO PARTICIPATIVO De acordo com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (2015), o orçamento participativo contribui para a democracia representativa, pois a população passa a participar do processo decisório. Decisões importantes, como prioridades de investimentos e serviços a serem executados pela prefeitura, passam a ter a participação dos cidadãos em sua escolha, o que seria impossibilitada na ausência desse mecanismo. Além disso, trata-se de um exercício de cidadania, dado que o cidadão, em conjunto com o Governo, passa a ser responsável pela gestão da cidade. Peixoto (2017) sustenta que o orçamento participativo, como parte da participação da sociedade, é indispensável para o bom funcionamento de uma democracia. Permite que os cidadãos influenciem ou decidam os orçamentos, geralmente nos municípios, para assuntos referentes a investimentos, como infraestrutura e saneamento. Além disso, a autora sustenta que se trata de uma transferência de poder da alta burocracia e das pessoas influentes para toda a sociedade. 011 O art. 29 da Constituição Federal prevê que os municípios serão regidos por lei orgânica e deve atender, entre outros preceitos, o da “XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal”. Além da CF, o Estatuto das Cidades também determina a participação da sociedade no planejamento municipal: Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. (Brasil, 1988) Peixoto (2017) elenca algumas das vantagens do orçamento participativo, entre elas o aumento da transparência por conta da prestação de contas das autoridades, com consequente geração de confiança, melhoria da governança e redução da corrupção e do gasto inadequado dos recursos públicos. Como benefícios principais, tem-se “o desenvolvimento de uma cultura democrática dentro da comunidade e fortalecimento da sociedade local, inclusive na criação de lideranças locais que representam a vontade das suas comunidades” (Peixoto, 2017, p. 1). De acordo com Peixoto (2017), não há uma forma universal da elaboraçãodo orçamento participativo, contudo sustenta que a discussão, a negociação e a elaboração duram cerca de um ano e elenca os principais estágios, demonstrados a seguir: Quadro 3 – Ciclo do orçamento participativo Estágio Características Assembleias Locais e Setoriais Nessas assembleias, o prefeito relata aquilo que foi realizado e que não existia no período anterior, apresenta o plano de investimentos e as regras do processo do orçamento participativo. Os delegados locais e setoriais (temáticos e por questões específicas) do orçamento participativo são eleitos (ou designados), com base em critérios estabelecidos no conjunto de regras. Reuniões locais e setoriais São reuniões entre os delegados e as comunidades. Elas podem acontecer sem a presença das autoridades, se os delegados desejarem. Nessas reuniões, os participantes decidem os projetos prioritários que serão executados. Câmara municipal Após as reuniões, o orçamento participativo chega à Câmara Municipal. Este é um evento onde o Comitê do Orçamento Participativo entrega oficialmente ao Prefeito a lista de projetos prioritários definidos através da participação dos cidadãos. É nesse evento que os membros do Comitê do Orçamento Participativo são oficialmente instalados. (continua) 012 (continuação do Quadro 3) Desenho da matriz orçamentária O município e o Comitê do Orçamento Participativo fazem o desenho da matriz orçamentária. Estes são momentos essenciais e também os mais controversos do processo. O Plano de Investimento é criado, compartilhado com a população e, em seguida, publicado para ser usado no monitoramento e no cumprimento do que foi acordado. Avaliação do processo Uma vez concluído o ciclo, as regras do processo do OP são avaliadas e ajustadas. As novas regras são usadas no ano seguinte. O primeiro ciclo vai das primeiras reuniões nos bairros, sendo concluído com a aprovação da matriz orçamentária. Fonte: Peixoto (2017, p. 1). Azevedo e Anastasia (2002) chamam o orçamento participativo de uma instituição híbrida, pois é mista, com a participação de representantes do Estado e da sociedade civil. Eles argumentam que o orçamento participativo (OP) ganhou visibilidade nacional a partir de sua implementação, no ano de 1999, em Porto Alegre. A dinâmica do OP possui grande potencialidade educativa, significando ganhos em várias dimensões da cidadania. Cresce o número de pessoas envolvidas com a questão do orçamento e, ademais, altera-se a natureza de sua interação com os poderes públicos, aumentando os graus de accountability e de responsiveness da ordem política. (Azevedo; Anastasia, 2002, p. 90) Por fim, Azevedo e Anastasia sustentam que, embora a quantidade de recursos destinados ao orçamento público se situe num patamar modesto, as pressões devido ao sucesso dessas políticas acarretam pressões para a maior destinação de recursos, e os ganhos dessa prática ultrapassam em muito o simples acesso a bens públicos de primeiro nível. Fonseca (2003, p. 302) ainda realiza uma ligação entre diferentes formas de participação da sociedade e as previsões legais, como seria o caso da participação pública prevista na LRF e no Estatuto das Cidades no orçamento, o que a transforma “em requisito de validade para o processo legislativo que tenha por objeto os Planos, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual”. Finalizando, Brelàz (2012) conclui em seu estudo sobre participação por meio de audiências públicas no orçamento na câmara municipal de São Paulo que, apesar de institucionalizada, a participação tem dificuldades para ser exercida na prática. Entre as razões para tal, a autora cita valores e normas próprias dos vereadores que dificultam a entrada da sociedade civil para participar da discussão do orçamento. A participação existente é baseada no clientelismo, que por meio de emendas atende demandas pontuais da sociedade civil, mas não 013 uma participação voltada à discussão de políticas públicas, ou seja, um verdadeiro exercício de controle social por meio da participação no orçamento. Saiba mais Para ilustrar o orçamento participativo, assista ao vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YGHUopWkPZs>. TEMA 5 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Pereira (2008) atenta para o código de defesa do consumidor como mais um mecanismo de controle social, pois, além de garantir os direitos dos consumidores no que se refere ao fornecimento de bens e serviços por parte da iniciativa privada, visa garantir também os direitos dos consumidores quando esses bens e serviços são provenientes da administração pública. O código de defesa do consumidor é regido pela Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, e define o consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Entre os fornecedores “que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”, a lei inclui pessoa física ou jurídica, pública ou privada. No art. 6º, inciso X, a lei prevê “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. O art. 22 da referida lei também aborda o fornecimento dos serviços públicos: Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código. (Brasil, 1990) Castro (2013) afirma que os serviços públicos se diferenciam daqueles prestados por particulares. Por exemplo, o regime jurídico que se segue obedece aos princípios da administração pública e às prerrogativas do direito público, além da lógica de mercado da iniciativa privada que se trata do lucro. A autora ressalta que, apesar das dificuldades, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor é necessária devido aos dispositivos legais, entretanto é feita sobre serviços 014 remunerados, sem menção àqueles custeados por meio de arrecadação de tributos. Reinaldo (2014, p. 1) também afirma que os serviços a serem regidos pelo Código de Defesa do Consumidor são aqueles “remunerados por tarifa, pelo fato de que nestes encontra-se presente o direito de escolha do usuário e esse direito de escolha é um dos direitos fundamentais do consumidor, sendo necessário à sua caracterização como tal”. A explicação da necessidade de pagamento para enquadrar o código na prestação de serviços públicos é dada por Lacerda, Santos e Sampaio (2015), dado que a prestação de serviços remunerados é aquela realizada por meio de remuneração em que se caracteriza relação de consumo. Porém, como limitação, caracteriza-se como relação de consumo quando há relação contratual. Dessa forma, quando da aplicação do código na prestação de serviços públicos, o objetivo é proteger o consumidor, parte considerada mais frágil nas relações de consumo. FINALIZANDO Na presente aula, foram abordadas diferentes formas de controle social institucionalizadas no Brasil com vistas a fortalecer a accountability. Como primeira forma de controle social, abordou-se o acesso às informações, que no Brasil é conferido, principalmente, por meio da Lei de Acesso à Informação. Outra forma de participação discutida foi a utilização de audiências públicas. Em terceiro lugar, referente às ações populares, viu-se que se tratam de um mecanismo de defesa dos cidadãos no que se refere a ações lesivas por parte dos administradores públicos. Em seguida, sobre o orçamento participativo, abordou-se que, além de proporcionarà sociedade em geral a participação em importantes decisões, essa forma de participação atua de maneira educativa e gera ganhos em várias dimensões da cidadania. Por fim, quanto ao Código de Defesa do Consumidor, percebe-se que pode atuar para além dos serviços fornecidos pela iniciativa privada, como na proteção dos consumidores quando tais serviços são provenientes da administração pública. 015 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, J. H. M. et al. Um estudo sob a óptica da teoria do agenciamento sobre a accountability e a relação estado-sociedade. In: Congresso USP de Controladoria e Contabilidade. 2007. p. 26-39. ANGÉLICO, F. Lei de acesso à informação pública e seus possíveis desdobramentos para a accountability democrática no Brasil. 133f. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, 2012. AZEVEDO, S.; ANASTASIA, F. Governança, “accountability” e responsividade. Revista de Economia Política, v. 22, n. 1, p. 85, 2002. BARROS, T.; RAVENA, N. Representações sociais nas audiências públicas de Belo Monte: do palco ao recorte midiático. ENCONTRO DA COMPOLÍTICA, Rio de Janeiro, 2011. BLUME, B. A. O que é e para que serve a ação popular? Politize. Disponível em: <http://www.politize.com.br/acao-popular-o-que-e/>. Acesso em: 5 abr. 2018. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. _____. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 set. 1990. BRASIL. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. O que é orçamento participativo? Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/serv icos/faq/orcamento-da-uniao/elaboracao-e-execucao-do-orcamento/o-que-e- orcamento-participativo>. Acesso em: 5 abr. 2018. BRELÀZ, G. de. O processo de institucionalização da participação na Câmara Municipal de São Paulo: uma análise das audiências públicas do orçamento (1990-2010). 314 f. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, 2012. http://www.planejamento.gov.br/servicos/faq/orcamento-da-uniao/elaboracao-e-execucao-do-orcamento/o-que-e-orcamento-participativo http://www.planejamento.gov.br/servicos/faq/orcamento-da-uniao/elaboracao-e-execucao-do-orcamento/o-que-e-orcamento-participativo http://www.planejamento.gov.br/servicos/faq/orcamento-da-uniao/elaboracao-e-execucao-do-orcamento/o-que-e-orcamento-participativo 016 CNJ – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ serviço: entenda a diferença entre ação popular e ação civil pública. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81222-cnj-servico-entenda-a-diferenca-entre- acao-popular-e-acao-civil-publica>. Acesso em: 5 abr. 2018. CORBARI, E. C. Accountability e controle social: desafio à construção da cidadania. Caderno da Escola de Negócios da UniBrasil, v. 1, n. 2, 2014. FONSECA, G. N. A participação popular na administração pública: audiências públicas na elaboração e discussão dos planos, Lei de Diretrizes Orçamentárias e orçamentos dos municípios. Revista de Informação Legislativa, ano 40, n. 160, 2003. LIMA, C. H. S. A construção de mecanismos para o efetivo controle social (ou accountability vertical). Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jan-01/mp-debate-construcao-mecanismos- efetivo-controle-social>. Acesso em: 5 abr. 2018. LOPES, C. A. Acesso à informação pública para a melhoria da qualidade dos gastos públicos – literatura, evidências empíricas e o caso brasileiro. Caderno de Finanças Públicas, v. 8, p. 5-40, 2007. MODESTO, P. Participação popular na administração pública: mecanismos de operacionalização. Jus Navigandi, v. 6, 1999. MOREIRA NETO, D. F. Audiências públicas. Revista de Direito Administrativo, v. 210, p. 11-23, 1997. MOTA, A. C. Y. H. A. Accountability no Brasil: os cidadãos e seus meios institucionais de controle dos representantes. 250 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. OLIVEIRA, G. H. J. As audiências e o processo administrativo brasileiro. Revista de Direito Administrativo, v. 209, p. 153-167, 1997. PEREIRA, B. Audiências públicas: saiba como participar. Politize, 2016. Disponível em: <http://www.politize.com.br/audiencias-publicas-como- participar/>. Acesso em: 5 abr. 2018. PEREIRA, M. Perspectivas dos instrumentos de accountability sobre a supervisão da atividade parlamentar. 47 f. Monografia (Especialização em Ciência Política) – Universidade do Legislativo Brasileiro, Brasília, 2008. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81222-cnj-servico-entenda-a-diferenca-entre-acao-popular-e-acao-civil-publica http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81222-cnj-servico-entenda-a-diferenca-entre-acao-popular-e-acao-civil-publica 017 PEIXOTO, A. E. T. Orçamento participativo: como funciona e como participar. Politize. Disponível em: <http://www.politize.com.br/orcamento-participativo- como-funciona/>. Acesso em: 5 abr. 2018. RAUPP, F. M.; PINHO, J. A. G. Prestação de contas nos portais eletrônicos de assembleias legislativas: um estudo após a Lei de Acesso à Informação. Revista Gestão & Planejamento, v. 15, n. 1, p. 144-161, 2014.