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Ética e Eutanásia na Saúde

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Disciplina: Ética na Saúde
Aula 6: Ética e eutanásia
Apresentação
Estudaremos agora o sentido de eutanásia e distanásia e veremos os principais
argumentos em relação ao questionamento se estas ações podem ou não ser
consideradas como éticas.
Utilizaremos um caso clássico de disputa judicial pelo direito à “boa morte” e
analisaremos se este direito contradiz ou não os princípios básicos da atuação médica.
Conheceremos os tipos e as características da eutanásia quanto ao modo e quanto às
responsabilidades e findaremos nossa aula com um breve comentário sobre a
legislação a respeito do assunto, citando o Código de Ética Médica e a Declaração de
Madri da Associação Médica Mundial.
Bons estudos!
Objetivos
Identificar os conceitos e a definição de eutanásia;
Reconhecer as causas do confronto ético com a distanásia;
Relacionar os diferentes motivos, intenções e efeitos da eutanásia;
Verificar a posição do CFM e da Associação Médica Mundial.
Morte
A consciência de que a morte é um evento natural e indubitável para os seres vivos,
não diminui seu impacto sobre nós e sempre representa uma situação de extrema
dificuldade para os profissionais de saúde que lidam com pacientes em condições
terminais.
 Mulher segura a mão de uma pessoa que faleceu (Fonte: Sfam_photo / Shutterstock)
Uma série de questões éticas e morais afloram no contexto da terminalidade da vida,
associadas a aspectos tão distintos quanto os direitos do paciente em relação à
verdade sobre suas reais condições, os objetivos da atuação médica ou aos paradoxos
entre a consciência e a legalidade.
Dentre estas questões, talvez a mais angustiante seja a de que se pode, ou
deve o médico ajudar um paciente que sofre de modo irreversível, a morrer?
Ou, em outras palavras, a eutanásia pode ser considerada uma ação médica
ética?
Eutanásia
A palavra “eutanásia” tem origem grega e
representa, literalmente, “boa morte”. É
comumente entendida como a prática pela qual o
médico abrevia a vida de um paciente incurável.
 : Dois vidros de remédio e uma seringa usados para
prática de eutanásia (Fonte: Felipe caparros /
Shutterstock)
Esta tem sido uma das questões da bioética e do biodireito mais complexas e
discutidas, na medida em que, se a proteção da vida é um princípio básico do Estado,
também são direitos básicos da pessoa o respeito à autonomia e à vontade próprias.
Assim, o fato de alguém desejar encerrar com sua dor, antecipando sua morte
iminente, ou o desejo de um ente querido em por fim ao sofrimento de alguém sem
chances de recuperação também não pode ser simplesmente ignorado.
Um dos casos mais emblemáticos foi o da italiana Eluana Englaro. Eluana sofreu um
acidente de carro em janeiro de 1992 e permaneceu 17 anos em estado vegetativo, só
vindo a falecer em fevereiro de 2009. Durante estes 17 anos, esta moça foi foco de
uma das mais intensas batalhas judiciais envolvendo o chamado “direito à morte
digna”. Seu pai teve o pedido de autorização para desligamento dos aparelhos que
forneciam alimento a ela aceito e negado através de recursos inúmeras vezes. Quando
finalmente, em fins de 2008 as leis italianas foram alteradas em função da
repercussão do caso e foi concedida a autorização, a Igreja interviu e protestou
veementemente pelo que considerou uma ação criminosa cometida contra o direito à
vida e ameaçou excomungar todos que estivessem associados de alguma forma a este
ato. Seu pai conseguiu o desligamento dos aparelhos, mas em fevereiro de 2009, o
primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi emitiu um parecer forçando a continuidade
da manutenção da vida de Eluana, o presidente Giorgio Napolitano, no entanto, se
recusou a promulgar o decreto, gerou uma crise política intensa e poucos dias depois,
Eluana morreu.
 Foto de Eluana Englaro (Fonte:
https://goo.gl/NJUS6Z
<http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL993961-
5602,00-
MORRE+ELUANA+A+ITALIANA+QUE+ESTAVA+EM+COMA+HAVIA+ANOS.html
> )
Para entendermos melhor todas as implicações, éticas, políticas, sociais, morais e
religiosas envolvidas, precisamos considerar alguns aspectos básicos.
A atuação médica está fundamentada em dois pilares:
1
A preservação da vida
2
O alívio do sofrimento
De modo geral, em condições normais, esses princípios se completam, no entanto, em
determinadas situações específicas podem se tornar antagônicos, um deles precisará
prevalecer sobre o outro.
Se, nesses casos, considerarmos que a preservação da vida é o valor maior podemos
incorrer na chamada “distanásia ”. A manutenção artificial da vida possui
implicações que vão desde os aspectos psicológicos conflitivos de familiares até a
discussão política da utilização de recursos de saúde em pacientes incuráveis.
A questão ética a ser considerada é:
1
A distanásia é mais ética do que a eutanásia?
É válido estender a vida mesmo que a cura não seja possível e o sofrimento
excessivamente penoso?
Naturalmente que, enquanto houver a mais remota possibilidade
de reversão do quadro de morte inevitável deve-se sustentar a
manutenção da vida, mas, em caso contrário, o que a ética
determina é a priorização do segundo pilar: o alívio do
sofrimento.
Poderíamos, então, considerar que aliviar o sofrimento, nesses casos compreendido
como permitir ou antecipar a morte, no entanto, recai em uma outra grave questão:
Quando desistir da vida?
O americano Terry Wallis, após um acidente de carro, ficou 20 anos em estado de
coma e retornou à consciência, voltando a falar e a recuperar movimentos do corpo.
Certamente não é o tempo o padrão capaz de determinar esta resposta.
 Foto de Terry Wallis (Fonte:
https://goo.gl/6tdy3s
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u14796.shtml>
)
Atividade
Retomando o caso de Eluana, podemos dizer que se trata de:
 a) Distanásia
 b) Eutanásia
Bioética
Princípios da Bioética, como a beneficência, a não maleficência, a autonomia e a
justiça, seguem uma sequência determinada por condições de saúde e tratamento.
Em uma condição de tratamento normal e possibilidade de recuperação plena,
evidentemente, o princípio prioritário é a beneficência e o tratamento, mesmo que
implique em algum sofrimento, objetiva a preservação da vida.
 Mulher jovem doente (Fonte: Photographee.eu /
Shutterstock)
Em condições, no entanto, em que a cura não é mais uma possibilidade, os objetivos
precisam estar direcionados para a não maleficência, isto é, não causar dano ou dor
desnecessários e sem justificativa.
Assim, a autonomia em recusar tratamentos, por exemplo, também precisa ser
avaliada dentro desta perspectiva hierarquizada das condições de recuperação. Da
mesma forma, o princípio da Justiça, na medida em que a utilização de recursos de
saúde, como sabemos muitas vezes escassos e caros, em pacientes sem chances de
recuperação por um longo período, implica aspectos sociais e econômicos que, apesar
de delicados, também precisam ser considerados.
Tipos de eutanásia
A eutanásia pode ocorrer de algumas formas distintas e, para cada uma destas
formas, considera-se uma tipologia com características específicas.
Eutanásia ativa
Onde é produzida uma ação que objetiva provocar deliberadamente a morte sem
sofrimento. Com uma injeção letal, por exemplo.
Apenas três países no mundo (Uruguai, Holanda e Bélgica), atualmente admitem
a prática legal da eutanásia ativa. Naturalmente que sem a anuência da Igreja.
Eutanásia passiva
Caracteriza-se pela interrupção de uma terapêutica que atuava na sustentação
artificial da vida. A principal distinção em relação a eutanásia ativa é que nessa é
cometida uma ação (injeção letal, por exemplo), enquanto que na eutanásia
passiva há uma omissão como a não instalação de um procedimento terapêutico
ou seu encerramento.
A eutanásia passiva e a de duplo efeito tem recebido maior condescendência
tanto pela maioria das sociedades médicas quanto por correntes religiosas em
função do princípio de “morte com dignidade”.
Eutanásia de duplo efeito
É quando a morte é promovida indiretamente pelas ações médicas executadas
com o objetivo dealiviar o sofrimento de um paciente terminal, como, por
exemplo, a morfina que administrada para a dor pode provocar depressão
respiratória e morte.
Nestes casos, o objetivo da ação médica não é promover o óbito, mas assume-se
seu risco em prol da amenização do sofrimento.
Outro tipo de classificação da eutanásia, diz respeito ao consentimento ou não do
paciente ou de seus responsáveis legais para o ato. Este tipo de classificação está
diretamente associado à questão do estabelecimento de responsabilidades sobre o ato.
Nesse sentido, a eutanásia pode ser:
1
Eutanásia voluntária
Quando a morte provocada ocorre em atendimento a uma vontade explícita do
paciente. A eutanásia voluntária é muito assemelhada ao conceito chamado de
“suicídio assistido”. A distinção está no fato de que na eutanásia a ação é sempre
realizada por outra pessoa, enquanto que no suicídio assistido a própria pessoa
(mesmo que com auxílio de terceiros) executa a ação que a leva ao óbito.
2
Eutanásia não voluntária
Quando é provocada sem o consentimento do paciente quando este se encontra
consciente e em condições de escolher e eutanásia não voluntária, quando é
provocada sem que o paciente tenha manifestado seu desejo pelo fato de se encontrar
sem condições de se expressar, normalmente em condições de coma ou no caso de
recém-nascidos.
Legislação
Do ponto de vista legal, é importante frisar que no Brasil, o Conselho Federal de
Medicina através do Código de Ética Médica
<https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etic
a%20medica.pdf> (2009) em seu Artigo 41 explicita de modo claro a proibição de

Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de
seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal,
deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos
disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em
consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua
impossibilidade, a de seu representante legal.
 

Atenção
Entende-se por ações terapêuticas obstinadas a prática da distanásia.
Vejamos a evolução da legislação brasileira sobre esse tema: 
2006
O CFM já havia, nesse ano, aprovado a Resolução 1.805
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>
que regulamentava e autorizava aos médicos a prática da ortotanásia como forma
de desestimular a distanásia (sustentação artificial da vida por tratamentos
desproporcionais à condição de recuperação).
2009
A Justiça Federal, no entanto, entendeu que o Conselho de Medicina não teria
autoridade para legislar em relação a esta questão e apenas em 2009 o Senado
Federal aprovou o Projeto de Lei 6.715
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/730674.pdf> que exclui a ilicitude
da ortotanásia do Código Penal desde que o médico possua o consentimento explícito
do paciente ou de seu representante legal.
2010
No final desse ano, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos
Deputados aprovou um substitutivo ao Projeto de Lei original incluindo a necessidade
de avaliação do caso por junta médica. O texto final da lei, até o momento, ainda
tramita no Legislativo.
Associação Médica Mundial
2
 Mapa mundial (Fonte: DrAndY / Shutterstock)
Esta postura em relação à eutanásia e à ortotanásia também é a posição assumida
pela Associação Médica Mundial. Em uma declaração
<https://www.ufrgs.br/bioetica/madrid.htm > publicada na 39ª Assembleia
Médica Mundial em 1987 na Espanha (Declaração de Madri) e posteriormente
reafirmada em 2005, na 107ª Seção do Conselho da Associação Médica Mundial na
França, esta afirma que:

Eutanásia, que é o ato de deliberadamente terminar com a
vida de um paciente, mesmo com a solicitação do próprio
paciente ou de seus familiares próximos, é eticamente
inadequada. Isto não impede o médico de respeitar o desejo
do paciente em permitir o curso natural do processo de morte
na fase terminal de uma doença.
Assim, sustenta-se a posição de que a eutanásia ativa é um ato que contraria os
princípios éticos e deturpa a principal função médica de preservar a vida.
A aceitação desta como uma postura médica implicaria autorização legal para matar o
que dificilmente será aceito pela comunidade médica mundial, dentre outras razões,
pelo fato de alterar os objetivos dos profissionais de saúde e comprometer,
severamente, as relações de confiança entre os médicos e seus pacientes.
No entanto, garante a legitimidade da suspensão de terapêuticas quando estas se
mostrarem inúteis e estiverem apenas prolongando o sofrimento (ortotanásia).
Atividade
O caso Terri Schiavo
A americana Terri Schiavo, 41, que vivia em estado vegetativo havia 15 anos,
morreu nesta quinta-feira no hospital Pinellas Park (Flórida) após longa batalha
judicial entre seu marido, Michael Schiavo, e sua família. O tubo que alimentava
Terri foi retirado no último dia 18.
Ela era mantida viva artificialmente, e recebia alimentação por meio de um tubo
inserido em seu estômago. A informação da morte foi divulgada pelo porta-voz
dos pais de Terri, o frei católico Paul O'Donnell, e por George Felos, advogado de
Michael Schiavo, marido da paciente e seu guardião legal.
Fonte: FOLHA de São Paulo. Terri Schiavo morre aos 41 anos nos EUA.
Publicação: 31 mar. 2005. Disponível em: https://goo.gl/JgwF2w
<https://goo.gl/JgwF2w> . Acesso em: 10 maio 2018.
Analisando o caso acima, ocorrido em 2005, em qual dos tipos de eutanásia
podemos caracterizar o que ocorreu:
 a) Eutanásia ativa
 b) Eutanásia passiva
 c) Eutanásia duplo efeito
Notas
Distanásia
É o nome do ato de prorrogar a vida através de meios artificiais e, muitas vezes,
desproporcionais à condição de recuperação do doente.
Ortotanásia
Interrupção de terapêuticas que já não surtem mais efeitos em pacientes terminais.
Próximos Passos
1
2
Garantias individuais, coletivas e transpessoais em situações de epidemias;
Alocação ética de recursos em condições epidêmicas;
O princípio da precaução.
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