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DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA INTRODUÇÃO • A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é uma síndrome clínica atribuída à infecção polimicrobiana do trato genital superior, causada pela ascensão de microrganismos do trato genital inferior, espontânea ou devido à manipulação. • Essa infecção pode comprometer o endométrio, tubas uterinas, anexos uterinos e/ou estruturas contíguas e a virulência dos germes e a resposta imune definem a progressão: endometrite, salpingite, miometrite, ooforite, parametrite, pelviperitonite, peri-hepatite (síndrome de Fitz-Hugh- Curtis), abscesso tubo-ovariano ou de fundo de saco de Douglas. AGENTES ETIOLÓGICOS • Aproximadamente 85% dos casos de DIP são causados por agentes patogênicos sexualmente transmitidos ou associados à vaginose bacteriana. • As principais etiologias de DIP, Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae, têm mostrado incidência decrescente, representando, em alguns estudos, cerca de apenas 1/3 dos casos. • Entretanto, essas bactérias ainda são facilmente encontradas associados à DIP e ela ainda é uma das mais importantes complicações das ISTs, sendo assim, um grave problema de saúde pública. • Apenas cerca de 15% dos casos de DIP não são transmitidos sexualmente, estando associados a germes entéricos, patógenos respiratórios ou outros que colonizam o trato genital inferior. EPIDEMIOLOGIA • A incidência de DIP é extremamente difícil de determinar, pois grande parte dos casos ocorre de forma insidiosa e são assintomáticos ou oligossintomáticos, sendo detectados, principalmente, pelas sequelas que ocasionam. • Quando oligossintomáticos, ainda existe uma chance de serem detectados rapidamente, mas não é o que ocorre na maioria das vezes, pois as pacientes são assistidas no âmbito dos cuidados primários de saúde, tendo dificuldades de realizar exames complementares que consigam caracterizar completamente a doença. • A DIP é um dos processos infecciosos mais frequentes nas mulheres pobres em idade reprodutiva e os dados mais recentes apontam que a incidência de DIP tem diminuído em países desenvolvidos, porém o impacto da infertilidade como sequela não diminuiu. • A DIP é uma síndrome característica de mulheres pobres na idade fértil. • O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) aponta que mais de um milhão de mulheres é tratada anualmente para DIP e que possivelmente mais outro milhão apresenta DIP sem saber. • Conforme dito acima, alguns estudos apontam que a incidência de DIP por Chlamydia trachomatis e a Neisseria gonorrhoeae têm diminuído, porém não podemos tomar isso como verdade absoluta, já que irá depender do local e da população que foi realizado o estudo. • Em alguns locais, como por exemplo o do gráfico abaixo, a Chlamydia trachomatis representa 85% dos casos tratados de DIP, sendo importante o rastreio para esse micro-organismo. FATORES DE RISCO • Diversos são os fatores de risco para DIP e a maior parte deles corresponde a situações de vulnerabilidade social, já que, a maior etiologia dessa síndrome é de causa sexualmente transmissível. a) Idade entre 15 e 24 anos: corresponde ao maior fator de risco para DIP e o risco é tanto maior quanto mais cedo for o início da atividade sexual. Entretanto não somente a atividade sexual predispõe à DIP, mas também a imaturidade do epitélio cervical e a utilização de contraceptivo oral. b) Nível socioeconômico baixo: pela associação com comportamentos promíscuos, menos contato com cuidados médicos, hábitos de higiene deficientes e maior incidência de ISTs. c) Vida sexual ativa: a frequência da atividade sexual influencia pela maior probabilidade de entrar em contato com agentes causadores de DIP e pela maior facilidade na ascenção microbiana. d) Múltiplos parceiros: é um fator de risco importante, pelo contato da mulher com parceiros portadores de ISTs, porém se torna ainda mais importante quando as relações sexuais são desprotegidas. e) Período menstrual: A ascensão dos microrganismos é favorecida por variações hormonais do ciclo menstrual. O muco cervical durante o fluxo menstrual apresenta menor efeito bacteriostático. f) Menstruação retrógrada: pode favorecer a ascensão dos agentes patogênicos. g) Características imunológicas: podem contribuir para a disseminação da infecção. h) Antecedentes ginecológicos e obstétricos: Esse grupo de risco heterogêneo engloba mulheres que realizaram a inserção de dispositivo intrauterino (DIU) há menos de 20 dias, histeroscopia, curetagem, partos recentes, abortos e utilização de duchas vaginais. A utilização de duchas vaginais pode parecer estranha quando se diz, porém o risco se dá devido à destruição da microbiota normal da vagina, com favorecimento de outras bactérias até o trato genital superior. i) Utilização de pílulas combinadas: pela possibilidade de causar ectopia, facilita a infecção por N. gonorrhoeae e C. Trachomatis. j) História pregressa de DIP, vaginites e vaginoses bacterianas. Outros: Alcoolismo, tabagismo, drogas, mulher solteira. QUADRO CLÍNICO • O quadro clínico geralmente tem início durante ou após a menstruação, podendo também surgir alguns dias ou semanas após o contato com alguma IST. • Pelo fato da DIP ter caráter recidivante, é muito importante realizar uma história clínica bem elaborada, a fim de se observar a existência de uma história prévia semelhante. • Os sinais e sintomas são inespecíficos e variados, porém, existem algumas particularidades a depender da etiologia e da estrtutura acometida. • Os sintomas mais frequentes são: a) Dor pélvica: aguda ou insidiosa, na maior parte das vezes bilateral, de início durante ou logo após a menstruação. b) Corrimento vaginal: purulento, com ou sem odor fétido. c) Disuria e dispareunia: presente principalmente em casos insidiosos e crônicos. d) Náuseas e vômitos: surgem quase sempre quando há acometimento peritoneal (abcessos tubo-ovarianos). e) Febre e calafrios: é um sintoma inespecífico, porém auxilia no diagnóstico diferencial de gravidez ectópica. f) Metrorragia: presente particularmente em 1/3 das pacientes, sendo as mais acometidas as jovens e com envolvimento endometrial. • Astenia. g) Dor à mobilização uterina e palpação dos anexos. h) Tensão abdominal nos quadrantes inferiores do abdome, distensão abdominal e ausência ou diminuição dos ruídos hidro-aéreos. i) Febre COMPLICAÇÕES • Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis: corresponde a uma peri-hepatite que causa dor no hipocôndrio direito e pode resultar de salpingites agudas pelo gonococo ou clamídia. A infecção pode se tornar crônica, caracterizada por exacerbações e remissões intermitentes. • Abcesso tubo-ovariano: é uma coleção de pus nos anexos que se desenvolve a partir de uma tentativa do organismo de conter uma salpingite. Pode surgir acompanhando uma infecção aguda ou crônica e há maior probabilidade de sua ocorrência se o quadro for tratado tardiamente ou de maneira incompleta. A pior complicação do abcesso é o seu rompimento e a ocorrência de um possível choque séptico. • Hidrossalpinge: geralmente assintomática, corresponde à obstrução das fímbrias e distensão tubária com líquido não purulento, podendo causar pressão pélvica, dor pélvica crônica, dispareunia e/ ou infertilidade. • Cicatrizes e adesões tubárias: podem ser causadas pela salpingite e geralmente ocasionam dor pélvica crônica, menstruação irregular, infertilidade e risco aumentado de gestação ectópica. COMPLICAÇÕES AGUDAS: Abcesso tubo ovariano, fase aguda Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, morte. COMPLICAÇÕES CRÔNICAS: Infertilidade, gestação ectópica, dor pélvica crônica, dispareuria, recorrência da DIP, fase crônica Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis. DIAGNÓSTICO • Antes de falar de diagnóstico de DIP, é importante lembrar que você deve sempre colher uma boa anamnese e realizar um bom exame físico com todos os pacientes que entrarem em seu consultório. • A propedêutica básica deverá estar na‘ponta da língua’ de qualquer médico, pois ela é essencial para qualquer diagnóstico. • O diagnóstico diferencial de DIP, quando sintomática, deverá ser realizado mediante manifestações uroginecológicas, gastrointestinais e esqueléticas. • Com isso, diversas hipóteses devem ser levantadas (por exemplo: gravidez ectópica, apendicite aguda, infecção do trato urinário, litíase ureteral, torção de tumor cístico de ovário, torção de mioma uterino, rotura de cisto ovariano, endometriose (endometrioma roto), diverticulite etc.) a fim de se implantar terapêutica precoce e evitar sequelas nos pacientes. • Quando uma mulher sexualmente ativa se apresenta com dor abdominal baixa e/ou dor pélvica, deverá investigar DIP no diagnóstico diferencial, independentemente da história de atividade sexual recente. EXAME CLÍNICO • O profissional de saúde deverá realizar a aferição dos sinais vitais, o exame abdominal completo, exame especular vaginal e o exame bimanual. • Lembrando que o exame especular vaginal deve incluir a inspeção do colo do útero para verificar se ele está friável e se existe a presença de corrimento mucopurulento cervical. Além disso, no exame bimanual não pode faltar a mobilização do colo e palpação dos anexos. • Sangramento vaginal anormal em pouca quantidade (spotting), dispareunia, corrimento vaginal, dor pélvica, dor no abdome inferior e dor à mobilização do colo do útero ao toque podem estar presentes na DIP. • Deve-se ficar atento para a existência de spotting em pacientes que utilizam anticoncepcional de baixa dosagem. Esse sinal é comum e pode ser indicativo de DIP. • O diagnóstico clínico de DIP é feito com base em uma lista de critérios: maiores, menores e elaborados. • O dignóstico é realizado a partir da presença de três critérios maiores mais um critério menor ou apenas um critério elaborado isoladamente. EXAMES COMPLEMENTARES • Os exames complementares de imagem e laboratorial devem ser realizados para diagnóstico etiológico e avaliação da gravidade. • Exames laboratoriais: hemograma completo, VHS, PCR, exame bacterioscópico para vaginose bacteriana, cultura de material de endocérvice com antibiograma, detecção de clamídia e gonococo por biologia molecular, pesquisa de N. gonorrhoeae e C. trachomatis no material de endocérvice, da uretra, de laparoscopia ou de punção do fundo de saco posterior, exame qualitativo de urina e urocultura (para afastar ITU, hemocultura, B-HCG (para afastar gravidez ectópica). • Exames de imagem: USG transvaginal e pélvica. O principal achado ultrassonográfico na DIP é a presença de uma fina camada líquida preenchendo a trompa, com ou sem a presença de líquido livre na pelve. TRATAMENTO • O tratamento de DIP deve ser imediato, por menor que seja a suspeita, visando evitar complicações tardias, como infertilidade, gravidez ectópica e dor pélvica crônica. • O tratamento ambulatorial é realizado em mulheres que apresentam quadro clínico leve, na ausência de sinais de pelviperitonite nos exames abdominal e ginecológico. Faz uso de medicação oral. • As mulheres que apresentam abscesso tubo-ovariano, gravidez, ausência de resposta clínica após 72h do início do tratamento com antibioticoterapia oral, intolerância a antibióticos orais ou dificuldade para seguimento ambulatorial, estado geral grave (com náuseas, vômitos e febre) e dificuldade na exclusão de emergência cirúrgica (apendicite, gravidez ectópica), necessitam realizar o tratamento hospitalar. • A monoterapia não é recomendada na DIP devido à diversidade de agentes etiológicos implicados nessa condição. • Com isso, a melhor conduta é a associação de antibióticos, visando cobrir Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, anaeróbios (em especial o Bacteroides fragilis), vaginose bacteriana, bactérias Gram-negativas, bactérias facultativas e estreptococos, mesmo que esses agentes não tenham sido confirmados nos exames laboratoriais. TRATAMENTO CIRÚRGICO: falha de tratamento clínico, presença de massa pélvica persistente ou que aumenta de volume, rotura de abcesso ovariano, hemoperitônio, abcesso de fundo de saco de Douglas.