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186 Aula 9 - Biorremediação Microbiologia Ambiental Centro de Biociências e Biotecnologia Laboratório de Fisiologia e Bioquímica de Microrganismos Profa. Aline Intorne aline_intorne@yahoo.com.br Autoria: Aline Chaves Intorne Lívia Marini Palma Thaís Motta Granato 187 Nessa aula serão discutidos os temas: “Introdução à biorremediação”, “Poluição ambiental”, “Biorremediação”, “Tipos de biorremediação” e “Aplicações da Biorremediação”. 188 Introdução à biorremediação Vamos iniciar explicando o que quer dizer o termo biorremediação, que é o tema central na Microbiologia Ambiental. Biorremediação refere-se ao ato de remediar, ou seja, atenuar a contaminação ambiental através da utilização de processos biológicos. Podemos dizer que biorremediação é o processo pelo qual organismos vivos (micróbios, fungos, plantas, algas verdes ou suas enzimas) são utilizados para remover ou remediar contaminações no ambiente. Agora que já sabemos que a biorremediação de ambientes existe devido a uma contaminação, faz-se necessário avaliar a origem destes contaminantes. Então, antes de aprofundarmos nos processos de biorremediação, vamos rever nossos problemas de poluição. Na maioria das vezes, a problemática da poluição está relacionada com o crescimento populacional e, consequentemente, ao aumento do consumo, da produção energética e da produção de rejeitos. O grande boom de produtos aconteceu a partir da revolução industrial. A população cresceu – e agora? O crescimento da população humana aumentou em sete vezes nos últimos 200 anos, passando de 1 para 7 bilhões de pessoas. No gráfico apresentado abaixo (Figura 1), percebe-se que com o advento da Revolução Industrial, o crescimento populacional é potencializado. A Revolução iniciada em 1780 e notada em 1840 é um marco na história. A partir deste momento a população experimenta um crescimento sustentado, nunca ocorrido antes. Figura 1: Aumento populacional a partir da Revolução Industrial. Fonte: Google Imagens. Então, a partir da Revolução Industrial, houve um crescimento na produtividade em função da utilização de máquinas, da energia a vapor e, posteriormente, da eletricidade. A utilização de novos métodos e equipamentos agrícolas, o uso de sementes selecionadas e a rotação de culturas possibilitaram um aumento na produção de alimentos, em especial a produção de carne, o que refletiu em melhores condições de vida à população (Figura 2). Como podemos observar no gráfico abaixo, o aumento da população ao longo dos anos foi acompanhado por um aumento da produção de carne. 189 Figura 2: Aumento da produção de carne e da população humana após a Revolução Industrial. Fonte: Google Imagens. O crescimento dos setores industriais, agrícola e da própria população levou ao aumento do consumo de água, a fim de atender esses setores que estavam em expansão (Figura 3). Portanto, podemos notar que o aumento na utilização da água de superfície está diretamente relacionado com o aumento da população no gráfico. O aproveitamento dessa água permite a geração de energia hidrelétrica, o abastecimento da população com água potável e a irrigação de áreas agricultáveis, além de outras formas de utilização. Figura 3: O uso da água ao longo dos últimos anos. Fonte: Google Imagens. Os efeitos do aumento do consumo generalizado ocorrido no último século e a perspectiva para esse século podem ser avaliados através da produção de resíduos (Figura 4). Na linha azul Ín d ic e d e cr es ci m en to 190 do gráfico, observamos que há uma estimativa de aumento na produção dos resíduos provenientes de todos esses processos que foram incentivados após a Revolução Industrial. Figura 4: Geração de resíduos mundial: passado e projeção futura. Fonte: Google Imagens. É fato que, concomitante ao aumento da produção de alimentos e dos avanços tecnológicos e industriais, ocorre também o aumento na produção de resíduos. O problema é que esses resíduos muitas vezes são descartados de forma inadequada, comprometendo o equilíbrio ambiental, levando a contaminação de ambientes, perda da biodiversidade e a propagação de doenças. Logo, há uma necessidade crescente de tratamento destes resíduos, a fim de que não haja mais contaminação do ambiente, buscando minimizar, remediar os problemas ambientais já existentes. No entanto, a legislação brasileira que regulamenta esta destinação é recente, como por exemplo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que data de 2010, enquanto a poluição causada pelo crescimento populacional vem aumentando desde o século XIX. Além do consumo de água e a produção de alimentos abordados aqui, diferentes insumos podem ser considerados nesta análise, como as emissões de derivados de combustíveis fósseis e o acúmulo de lixo. Pensar em reciclagem é importante, mas uma preocupação maior ainda é dada à necessidade de reduzir a produção de lixo. Isto está diretamente relacionado com a maneira que a sociedade lida com o consumo. No mundo de hoje, a necessidade de consumo precisa ser revista e nasce então o conceito de consumerismo. Você sabe o que é o consumerismo? Não é sinônimo de consumismo! Muito pelo contrário, consumerismo é o oposto do consumismo! Isso mesmo! Consumerismo está relacionado ao uso adequado dos recursos naturais, que se caracteriza por um consumo racional, controlado e responsável, capaz de considerar as consequências econômicas, sociais, culturais e ambientais do ato de consumir. Consumismo: tendência a comprar exageradamente, de modo impulsivo e compulsivo. 191 Há estudos voltados para a nova realidade que enfrentamos. Por exemplo, alguns trabalhos mostram que a maior parte do consumo de uma família com filhos é voltada para o que as crianças querem ou para o que os adultos acreditam que elas precisam, evidenciando que o consumismo tem atingido cada vez mais este público. Isto é preocupante, porque criança é facilmente manipulável, já que ainda não tem a personalidade formada. Por isso, em alguns países da Europa o marketing voltado para as crianças vem sendo proibido na tentativa de reduzir o consumismo, com base na argumentação de que crianças não têm renda própria e, consequentemente, não têm poder aquisitivo. As consequências dos maus hábitos da população já foram citadas neste texto e geram problemas ambientais sérios. Como exemplo, temos a contaminação de ambientes que numa visão mais ampla ocasiona a perda de biodiversidade e, numa visão mais voltada para o homem, pode levar à propagação de doenças. Olhe o gráfico abaixo (Figura 5). Figura 5: A ocorrência da extinção de espécies em função do aumento da população humana e seus hábitos. Fonte: Google Imagens. A perda de biodiversidade ocorre porque a exploração aumentada de determinada espécie vai acarretar danos às outras, já que as relações ecológicas são intricadas. Isso acontece na agricultura quando a biodiversidade vegetal de determinada região é suprimida, ou seja, desmatada, para o estabelecimento de uma monocultura como aquelas destinadas ao cultivo de grãos. O mesmo efeito, ou talvez até efeitos potencializados, pode ser observado em áreas suprimidas para uso da pecuária, que também causa o pisoteio do solo, alterando sua estrutura e a emissão de gases estufa. A poluição também pode trazer graves consequências para a saúde dos seres humanos. Como exemplo, temos danos aos sistemas nervoso, respiratório e cardiovascular causados pela 192 poluição do ar, infecções bacterianas ou doenças provocadas por produtos químicos despejados no solo e corpos hídricos,como é o caso dos xenobióticos. Já discutimos isso em aulas anteriores, você lembra? Os produtos de consumo da população humana podem oferecer riscos ao ambiente. Os fármacos que utilizamos, normalmente, são excretados pela urina. No entanto, as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) não têm estrutura para eliminá-los. Um exemplo de problema ambiental ocorrido em decorrência disso refere-se ao uso de anticoncepcionais. A partir da década de 60, as pílulas anticoncepcionais vêm se apresentando como um perigo ao ambiente, visto que os hormônios nelas contidos permanecem como contaminantes nos ecossistemas, podendo, inclusive, causar alterações sexuais nos organismos que vivem nesses ambientes. Esta nova classe de poluentes é conhecida como contaminantes emergentes. Em relação ao solo, os pesticidas são os principais agentes contaminantes. Como já dito na aula anterior, o uso do fungicida calda bordalesa é bastante comum e este é um composto que contém cobre em sua composição. O excesso deste metal pode induzir sérios efeitos para a saúde, como náuseas, irritação na pele e, em estágios mais avançados, até câncer. Outras fontes de contaminação, como o vazamento de combustível e as atividades de mineração também são bastante agressivas ao ambiente. Nesses casos, os micróbios têm papel essencial já que conseguem se adaptar mais rapidamente às novas condições impostas. Como eles crescem mais rapidamente (o curto tempo de geração produz mutações que, aleatoriamente, os dotam de novas habilidades, por exemplo), esta adaptação acontece de maneira acelerada. Deste modo, os micróbios desenvolvem vias para metabolização destes compostos. Já deu para perceber que a forma como vivemos deixa marcas no ambiente. Hoje, existem medidas para avaliar os “rastros” que deixamos no planeta. Um dos métodos que vem sendo utilizados é o conceito de Pegada Ecológica, que consiste em contabilizar a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais. Em outras palavras, mede a quantidade de recursos naturais renováveis para manter nosso estilo de vida. Expressa em hectares globais (gha), a pegada ecológica permite comparar diferentes padrões de consumo e verificar se estão dentro da capacidade suporte do planeta. O tamanho da nossa pegada vai depender do nosso modo de vida. Junto com esta aula foi disponibilizado a cartilha Pegada Ecológica – Qual é a sua? Além de explicar de forma mais detalha o assunto, vocês poderão calcular sua pegada. E aí? Estão curiosos para saber a Pegada Ecológica de vocês? Então, não percam a leitura deste texto complementar. A partir de tudo que foi colocado até agora, é evidente a necessidade de uma maior preocupação com a problemática ambiental e de mais investimentos para o controle de contaminantes. No entanto, muitas vezes há uma grande dificuldade em identificar as áreas contaminadas. Frequentemente, a contaminação só é percebida quando é identificado algum efeito na saúde da população residente naquela região afetada. Portanto, a fim de se identificar esses tipos de contaminação, os bioindicadores estudados em aulas anteriores são muito úteis. Contaminantes emergentes: compreendem produtos farmacêuticos e de higiene pessoal, indicadores de atividade antrópica, subprodutos industriais, hormônios naturais e drogas ilícitas. 193 Constatada a existência do problema, é preciso utilizar metodologias específicas para a remoção de cada um dos tipos de contaminação. Os métodos disponíveis para a recuperação de áreas contaminadas podem ser de três tipos: físicos, químicos e biológicos. O principal método físico conhecido é a incineração, no qual há degradação completa da matéria orgânica com liberação de gases. Os métodos químicos são, normalmente, extrações químicas, enquanto os biológicos referem-se à biorremediação. Dos métodos citados acima, a biorremediação é financeiramente mais vantajosa, enquanto a incineração é a mais cara. Biorremediação A biorremediação é a tecnologia que utiliza micróbios, plantas ou suas enzimas para que o ambiente contaminado retorne às suas condições originais, ou seja, para que elimine ou torne inerte determinado poluente, restaurando os habitats naturais. Esta técnica é muito antiga, pois ocorre naturalmente no meio através dos ciclos biogeoquímicos, mas ganhou novo impulso com o emprego dos xenobióticos (compostos sintéticos). Nestes casos, a participação dos micróbios é essencial, visto que no processo de seleção natural, alguns deles são capazes de resistir às condições adversas, podendo remediar o ambiente contaminado. Além disso, vários micróbios já são descritos para biorremediação de áreas contaminadas com hidrocarbonetos e metais (Tabela 1). Tabela 1: Micróbios biorremediadores. Fonte: Google Imagens. Para seleção de um organismo biorremediador devem ser considerados três aspectos: 1) A sua capacidade de degradar o contaminante ou, no caso de metais e outros contaminantes que não são biodegradáveis e se acumulam na cadeia trófica, a capacidade de torná-los inertes; 2) O acesso do micróbio ao poluente, ou seja, o contaminante deve estar disponível para ação microbiana; 3) As condições ambientais do local onde se pretende realizar a biorremediação, que devem ser adequadas para o crescimento e atividade do agente biorremediador. Contaminante Micróbio utilizado Anéis aromáticos Pseudomonas, Achromobacter, Bacillus, Arthrobacter, Penicillum, Aspergillus, Fusarium, Phanerocheate Cádmio Staphlococcus, Bacillus, Pseudomonas, Citrobacter, Klebsiella, Rhodococcus Cobre Escherichia, Pseudomonas Cromo Alcaligenes, Pseudomonas Enxofre Thiobacillus Petróleo Pseudomonas, Proteus, Bacillus, Penicillium, Cunninghamella Incineração: é a queima de lixo em fornos e usinas próprias. Muito utilizado para reduzir o volume de resíduos, além de destruir micróbios. 194 Processo de biorremediação Para que a biorremediação aconteça propriamente, é preciso a associação entre o organismo biorremediador (um micróbio, por exemplo) e o contaminante (como um hidrocarboneto derivado de petróleo). Então, para metabolizar o contaminante, o agente biológico vai quebrar esta molécula, produzindo CO2 e água (Figura 6). Neste caso, temos uma degradação completa do contaminante, o que é chamado mineralização. A partir daí, o contaminante é transformado em produtos com pouca ou nenhuma toxicidade (inócuos), como CO2 e água. Figura 6: Ação de biorremediação microbiana sobre contaminante. Google Imagens. Os processos de biorremediação são divididos em in situ ou ex situ de acordo com o local onde a contaminação ocorre. A biorremediação in situ trata-se de um processo que acontece no mesmo local onde a contaminação se deu. Já a biorremediação ex situ ocorre fora deste local. Neste caso, todo o meio contaminado é levado para outra área onde será tratado, como ocorre na estação de tratamento de efluentes (ETE). Biorremediação in situ Para que a biorremediação in situ aconteça é necessário que sejam feitas as caracterizações física, química, biológica e hidrogeológica do ambiente. A caracterização física é responsável por identificar: - A distribuição espacial da contaminação e a origem do resíduo. É preciso conhecer a fonte da contaminação para cessá-la; - A hidrogeologia da área, pois o fluxo de água vai determinar para onde o contaminante pode ser levado; 195 - E a temperatura, que é um dos determinantes sobre quais micróbios são candidatos à biorremediação daquela área. Já a caracterização química avalia: - A composição da contaminação; - A qualidade da água subterrânea, especialmente o potencial redox, receptores de elétrons, pH e produtos de degradação, a fim de verificar se este compartimento também foi contaminado; - As propriedades de adsorção do sedimento, ou seja, quantoo agente biorremediador consegue se ligar quimicamente ao contaminante presente. A caracterização biológica deve levar em consideração: - A presença de micróbios viáveis, especialmente possíveis biorremediadores em zonas contaminadas e não contaminadas. Em áreas contaminadas, é provável encontrar micróbios já resistentes à contaminação, apresentando-se como potenciais agentes biológicos para a biorremediação. Então, é possível identificá-los, tentar reproduzi-los em laboratório e utilizá-los na biorremediação, um processo chamado de bioaumentação; - O potencial e as taxas de biodegradação / inertização do contaminante, que se dão ao longo do tempo. A biorremediação in situ pode ser passiva, ocorrendo naturalmente. Nesse caso, não há interferência intencional humana no processo, mas há necessidade de monitoramento a fim de verificar o decaimento da concentração de contaminantes ao longo do tempo. No entanto, há casos de biorremediação in situ em que o homem pode acelerar ou favorecer o processo de descontaminação através de intervenções. Alguns exemplos que serão explicados a seguir são: bioventilação, bioestimulação e a bioaumentação. A bioventilação é uma biorremediação in situ na qual é adicionado oxigênio ou outro gás ao ambiente com a intenção de acelerar o crescimento dos micróbios e, consequentemente, o processo. O sistema de bioventilação pode ser usado no solo ou na água. A bioestimulação é outro tipo de biorremediação in situ. Neste caso, são adicionados nutrientes ao sistema, que também vão acelerar o desenvolvimento dos micróbios. Pode ser utilizado, por exemplo, em ecossistemas marinhos contaminados por hidrocarbonetos. Como já vimos na aula de Microbiologia da Água, os nutrientes estão muito diluídos nos oceanos. Então, fontes nutricionais de nitrogênio e fósforo, por exemplo, podem ser adicionadas ao meio. Esta técnica acelera o processo de biorremediação e pode ser usada também em solos com deficiência nutricional. Neste caso, isso é feito após uma caracterização química da área, que vai verificar a deficiência. Bioaumentação: é o processo de inoculação de micróbios naturais e desejáveis, cientificamente selecionados para incrementar a população microbiana normalmente já encontrada na área contaminada. Hidrogeológica: refere-se ao termo hidrogeologia, que consiste no estudo das águas subterrâneas quanto ao seu movimento, volume, distribuição e qualidade. 196 A bioaumentação, citada anteriormente, trata-se da inoculação de culturas puras ou consórcios microbianos contendo micróbios selecionados para degradação de contaminantes específicos no local contaminado. Os micróbios aplicados devem atuar em sinergismo com as espécies autóctones, sem interferir nos processos biogeoquímicos naturais. A intenção da bioaumentação é apenas auxiliar as espécies que já residem naquele ambiente durante o processo de descontaminação. A escolha da melhor maneira de fazer a biorremediação deve ser pensada a fim de descontaminar a área sem interferir no equilíbrio daquele ecossistema. Um resumo do que abordamos sobre biorremediação in situ está apresentado na figura abaixo (Figura 7). Figura 7: Tipos de biorremediação in situ. OGM: Organismo Geneticamente Modificado. Fonte: Google Imagens. Biorremediação ex situ Em relação à biorremediação ex situ, nesta aula trataremos apenas dos processos relacionados ao tratamento de solo contaminado, pois na aula anterior já falamos sobre o tratamento de efluentes, que envolve a água contaminada. O processo de biorremediação ex situ de solos inicia-se com a redistribuição do material em camadas e sua irrigação com nutrientes e micróbios biorremediadores, geralmente bactérias. Uma das técnicas utilizadas é o landfarming. Essa técnica trata de incrementar o solo contaminado com outro solo não contaminado, a fim de favorecer a degradação biológica de resíduos na camada superior de solo, que é periodicamente revolvida para haver aeração. Essa camada superior do solo é chamada de camada reativa. Para isso, o solo é arado e gradeado, promovendo sua homogeneização (Figura 8). Espécie autóctone: o termo autóctone significa nativo, portanto, trata-se de uma espécie originária do próprio território que está sendo trabalhado. 197 Figura 8: Técnica de landfarming. Fonte: Google Imagens. A compostagem também é um processo de biorremediação ex situ. A técnica consiste em estimular a decomposição de materiais orgânicos por organismos heterotróficos aeróbios, a fim de se obter um material final estável e rico em substâncias húmicas e nutrientes minerais. Assim, a decomposição aeróbia de resíduos orgânicos é realizada por populações microbianas sob condições controladas. Diferente do que a maioria da população pode acreditar, a compostagem não é feita apenas em pequena escala, a fim de atender consumidores domésticos e pequenos agricultores. Alguns aterros em São Paulo, por exemplo, já trabalham com a compostagem (Figura 9). Comumente, as estações de compostagem trabalham com populações de minhocas agindo sobre o material a ser biorremediado. Estes animais promovem a aeração do solo e, além disso, possuem uma microbiota intestinal ávida por matéria orgânica, auxiliando fortemente a degradação dos contaminantes. Figura 9: Processo de compostagem. Fonte: Google Imagem. 198 O processo de compostagem é importante, pois aumenta a disponibilidade de nutrientes, promove o aproveitamento de resíduos, além de despoluir. Tem a vantagem de poder ser feito por qualquer pessoa, inclusive em composteiras domésticas. No entanto, o ambiente precisa ter controle de aeração, pH, umidade e temperatura. Altas temperaturas aumentam a taxa de biodegradação, a solubilidade de compostos e transferência de massa. No entanto, caso se eleve em excesso, pode haver comprometimento da microbiota, afetando negativamente as taxas de decomposição. No quadro abaixo (Figura 10) estão apresentadas as principais vantagens e desvantagens da compostagem em grande escala. Figura 10: Relação de vantagens e desvantagens da compostagem em larga escala. Fonte: Google Imagens. Uma terceira forma de biorremediação ex situ pode ser realizada em biorreatores (Figura 11). Nestes equipamentos ocorre a remoção da matéria orgânica pela ação de micróbios aeróbios de forma muito controlada. Por isso, podem ser utilizados em conjunto com processos de compostagem, aumentando o controle deste processo, mas tem a desvantagem de encarecê-lo. Figura 11: Biorreator usado em processos de compostagem. Fonte: Google Imagens. VANTAGENS DESVANTAGENS Baixo requerimento energético Requer controle de emissões (ex.: metano) Tempo de retenção menor do que os requeridos nos tratamentos in situ, por exemplo, semanas em vez de meses Requerem alto controle de umidade devido às altas temperaturas Requer menores áreas de terra Minimizam problemas de contaminação Mais barato que processos não biológicos (ex.: incineração) 199 Fatores que afetam a biorremediação Vale considerar que alguns fatores podem afetar o processo de biorremediação, como: Biodisponibilidade inadequada de contaminantes para os micróbios. Os contaminantes que não estiverem disponíveis para os micróbios não podem ser degradados; Nível de toxicidade dos contaminantes. Os micróbios precisam ter vias de resistência aos contaminantes que os mesmos são capazes de degradar, ou seja, precisam ser capazes de tolerar altos níveis de toxicidade; Preferência microbiana. A população presente no local deve ser favorecida. Espécies já existentes no local tendem a apresentar maior potencial biorremediador, além de serem nativas do ecossistema em questão; Degradação incompleta de contaminantespode gerar metabólitos tóxicos; Incapacidade de remover contaminantes em baixa concentração; Esgotamento de substratos preferenciais e escassez de nutrientes. A escassez de nutrientes limita a atividade microbiana e, consequentemente, o processo de biorremediação; Disponibilidade de aceptores de elétrons, potencial de redox; Difusão de oxigênio e solubilidade. Alguns casos onde a biorremediação poderia ser utilizada Caso I Em abril de 2013, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) localizada no município de Volta Redonda/RJ foi multada pela Secretaria de Ambiente do Estado do Rio de Janeiro em R$ 35 milhões por contaminar áreas de solo com cerca de vinte substâncias. Tornando a situação ainda mais complicada, esta área contaminada, em torno de 10.000 m2, foi doada aos seus funcionários/colaboradores, que não tinham ciência da contaminação. O condomínio Volta Grande IV tem mais de 700 imóveis (residenciais e comerciais) e alguns de seus moradores apresentaram inclusive problemas de saúde. O Instituto Nacional do Meio Ambiente recomendou a remoção destas famílias da área. Caso II Em análise de 48 amostras de solo coletadas nas proximidades da fabricante de baterias Ájax, foram constatados diferentes níveis de contaminação por chumbo. Em 2002, a empresa foi condenada a pagar multa ambiental por expor os trabalhadores e a população residente nas imediações a tal contaminação, que ocorreu devido ao funcionamento da unidade de reciclagem de baterias nas dependências da empresa. Caso III Como os aterros sanitários recebem muito material contaminado, devem ter o solo impermeabilizado. Assim, é necessário que a fiscalização fique atenta a possíveis irregularidades, 200 como aconteceu no aterro sanitário de Maceió no ano de 2013. Problemas de drenagem, de cobertura e lixo, além do carreamento de resíduos para áreas inadequadas foram detectados pelos técnicos do Instituto de Meio Ambiente (IMA) causando possível contaminação do solo. Caso IV Após 13 anos, a Petrobrás foi condenada pelo vazamento de 4 milhões de litros de óleo nos rios Barigui e Iguaçu durante a transferência de material por um oleoduto que ia do terminal de São Francisco do Sul (no litoral de Santa Catarina) para a Refinaria Presidente Vargas (em Araucária/PR). O acidente foi considerado o maior desastre ambiental envolvendo a empresa em 25 anos e rendeu uma multa de R$168 milhões, além da obrigatoriedade de recuperar a área atingida e monitorar a qualidade do ar, solo e água do entorno. Caso V Em 1989, o rompimento do casco do navio petroleiro americano Exxon-Valdez espalhou mais de 40 milhões de litros de petróleo em águas remotas (Figura 12). A empresa foi condenada a pagar cinco bilhões de dólares aos 32.000 moradores e pescadores da região. Mas em junho de 2008, a multa foi reduzida para US$ 500 milhões. As áreas ao longo da costa atingida pelo derramamento ainda apresentam contaminação com óleo debaixo da superfície. Caso VI Em 20 de abril de 2010, uma explosão na plataforma de petróleo Deepwater Horizon, arrendada pela empresa British Petroleum (BP), no Golfo do México, deu início ao maior acidente ambiental da história dos Estados Unidos. O crime ambiental ocasionou a morte de onze pessoas. O rompimento das tubulações da plataforma provocou o vazamento de 5 milhões de barris de petróleo no mar, trazendo danos incalculáveis à vida marinha. Para se ter uma ideia do tamanho do vazamento, esse número representa quase o dobro da produção diária brasileira. A quantidade acumulada é quase três vezes maior que o vazamento do navio petroleiro Exxon Valdez, ocorrido no Alasca em 24 de março de 1989, até então considerado o mais grave em águas norte- americanas. Para saber mais: Assista ao filme Horizonte Profundo – Desastre no Golfo. Figura 12: Imagens do derramamento de petróleo. Fonte Google Imagens. 201 Caso VII Em 2013, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) do Rio de Janeiro divulgou pela primeira vez a lista de áreas contaminadas neste Estado. No total, são 160 terrenos afetados por poluentes variados. Os postos de combustíveis são responsáveis por mais de metade dessas áreas, seguido pelas atividades industriais (Figura 13). Das 160 áreas monitoradas, 67 estão contaminadas, mas ainda não iniciaram nenhum tipo de tratamento no local. Outras 64 estão em tratamento e seis já foram recuperadas. Figura 13: Distribuição de áreas contaminadas e reabilitadas. Fonte Google Imagens. Os postos armazenam combustível em TSA (em português, tanques de armazenamento subterrâneo), que frequentemente apresentam vazamentos (Figura 14). Esses vazamentos ocorrem por conta da corrosão e falta de manutenção adequada. Nestes casos, a contaminação dos arredores se dá através de hidrocarbonetos conhecidos pela sigla BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno). A possibilidade de biorremediação destes compostos se dá pela ação de micróbios que abrem esses anéis aromáticos, degradando a molécula (Figura 15). 202 Figura 14: Tanques de armazenamento subterrâneo podem sofrer corrosão e contaminar o solo. Fonte: Google Imagens. Figura15: Anéis aromáticos dos hidrocarbonetos chamados BTEX. Fonte: Google Imagens. Uma das características do BTEX é a baixa solubilidade destes compostos. Assim, apenas os organismos produtores de biossurfactantes são capazes de degradá-los, como Acinetocter, Agrobacterium, Bacillus, Burkholderia, Pseudomonas, Ralstonia, Streptomyces e Vibrio. Outras técnicas de remediação que podem ser utilizadas neste caso são a bioaumentação e a bioestimulação, já apresentadas nesta aula. Biossurfactantes: são subprodutos dos sistemas metabólicos microbianos que possuem a capacidade de reduzir a tensão superficial (fases líquido-gás) ou a tensão interfacial (fases imiscíveis líquido-líquido). http://pt.wikipedia.org/wiki/Metabolismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Tens%C3%A3o_superficial 203 Caso VIII Em novembro de 2015, no distrito de Mariana/MG, e em janeiro de 2019, na cidade de Brumadinho/MG, romperam-se as barragens de rejeitos de mineração controladas pelas empresas Samarco Mineração S. A. e Vale S. A., respectivamente. As barragens foram construídas para acomodar os rejeitos provenientes da extração do minério de ferro retirado de extensas minas nas regiões em que se localizavam. O rompimento da barragem de Mariana é considerado o desastre industrial que causou maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos, com um total de 62 milhões de metros cúbicos despejados no ambiente. Enquanto o desastre de Brumadinho foi considerado o segundo maior desastre industrial do século e o maior acidente de trabalho do Brasil, como um grande dano humanitário e ambiental, com mais de 200 mortos e cerca de 90 desaparecidos. A lama alcançou os Rios Doce e Paraopeba, causando alterações no ecossistema, atingindo animais, plantas e causando a degradação do rios. Alguns casos onde a biorremediação já é utilizada I. A BASF e a prefeitura e Mogi-Mirim/SP lançaram em 2013 um projeto de compostagem de resíduos orgânicos domiciliares coletados em sacos plásticos produzidos com ecovio®, um polímero compostável certificado. II. A prefeitura de São Paulo já aposta na compostagem caseira com a distribuição de composteiras pequenas em 2 mil residências ao longo de 6 meses. Além disso, há um projeto piloto sendo desenvolvido com resíduos da feira-livre de São Mateus, também na capital paulista. III. A Renovogen iniciou suas atividades em 1996 e aplica soluções de biorremediação no Brasil através de produtos que degradam petróleo cru, diesel, gasolina, creosoto, BTEX, e derivativos do asfalto. Um exemplo da atuação da Renovogen é o caso de uma empresa americanaCalifornia Rock and Asfalt que teve seu solo descontaminado através de biorremediação ex situ. Foi apontada como uma solução efetiva, rápida e de baixo custo, além de não ser invasiva para o cliente, visto que o solo foi retirado, descontaminado e, então, devolvido para a empresa contratante do serviço. Considerações finais Dado o cenário e a preocupação ambiental que estamos vivendo há algumas décadas, a biorremediação tem ganhado importância mundial por se tratar de uma técnica que busca minimizar ou neutralizar poluentes orgânicos e inorgânicos presentes nos solos e água. Assim, a busca por micróbios e suas atividades metabólicas tem impulsionado várias linhas de pesquisa a fim encontrar novas espécies que possam ser utilizadas na biorremediação.
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