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Ano Zero: o nascimento de Cristo e a expansão do cristianismo Fernando Tremoço A N O Z ER O : O N A SC IM EN TO D E C R IS TO • O nascimento de Jesus é um evento tão fundamental na história da humanidade, ainda mais na cultura ocidental, que serviu como marco para um calendário que se tornou universalmente conhecido e que é mesmo aceito e adotado, ao menos para efeitos civis, em certas culturas não cristãs. A importância desse acontecimento pode ser resumida em duas siglas: a. C. (antes de Cristo) e d. C. (depois de Cristo). Há algum tempo, ocorrem tentativas de eliminar toda e qualquer referência ao nascimento de Cristo como elemento crucial na definição de nosso calendário • As siglas CE e BCE significam, respectivamente, “Common Era” – Era Comum – e “Before Common Era” – antes da Era Comum. Toda e qualquer referência a Cristo é eliminada. O mais interessante é que não se propõe nenhum outro marco inicial. O nascimento de Cristo continua representando o ano zero, mas sem que se possa fazer qualquer menção a ele. Assim, o ano 1500 da Era Comum (CE, em inglês) é o ano de 1500 d. C. (depois de Cristo). Cristo continua sendo o referencial, mas é preciso escondê-lo. • Estudiosos entendem ser motivações antirreligiosas que estão na raiz dessas siglas. É a ideia de que Cristo, sendo o centro de uma religião, feriria membros de outras religiões ou ateus. Contudo, é importante nos atentar ao fato de que Cristo, ainda que não seja aceito do ponto de vista religioso, é um personagem histórico, real, cuja vida e os ensinamentos marcaram a cultura ocidental. • O cristianismo é um elemento bimilenar essencial de nossa cultura. Mesmo os que não são cristãos comemoram datas como o Natal (nascimento de Cristo) e a Páscoa (ressurreição de Cristo). Essas festas fazem parte da cultura ocidental e têm mesmo uma enorme importância econômica. “Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: 'José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados.' Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz a um filho que se chamará Emanuel, que significa: Deus conosco. Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa. E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus. Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do Oriente a Jerusalém. Perguntaram eles: 'Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.' A esta notícia, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele. Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagou deles onde havia de nascer o Cristo. Disseram-lhe: 'Em Belém, na Judeia, porque assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo'. Herodes, então, chamou secretamente os magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse: 'Ide e informai-vos bem a respeito do menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também vá adorá-lo.' Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que a estrela, que tinham visto no Oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar onde estava o menino, e ali parou. A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria. Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos de não tornarem a Herodes, voltaram para sua terra por outro caminho. Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: 'Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar.' José levantou-se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até à morte de Herodes para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta: Eu chamei do Egito meu filho. Vendo, então, Herodes que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou massacrar em Belém e nos seus arredores todos os meninos de dois anos para baixo, conforme o tempo exato que havia indagado dos magos. Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo profeta Jeremias: Em Ramá se ouviu uma voz, choro e grandes lamentos: é Raquel a chorar seus filhos; não quer consolação, porque já não existem! Com a morte de Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egito, e disse: 'Levanta-te, toma o menino e sua mãe e retorna à terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino.' José levantou-se, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Ao ouvir, porém, que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai Herodes, não ousou ir para lá. Avisado divinamente em sonhos, retirou-se para a província da Galileia e veio habitar na cidade de Nazaré para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas: Será chamado Nazareno.” Explicando a adoração dos Magos • São Tomás de Aquino (séc. XIII), citando São João Crisóstomo e São Gregório Magno, explica a adoração dos Magos e seus presentes da maneira seguinte (Summa Theol., III, q. 36, a. 8, ad 4): • “Como Crisóstomo diz, no comentário ao Evangelho de S. Mateus, 'se os Magos tivessem vindo procurar um rei terrestre, teriam ficado decepcionados, pois teriam suportado a fadiga de um tão grande caminho'. Donde, nem o teriam adorado nem lhe oferecido presentes. 'Mas, porque procuravam o Rei celestial, ainda que nele não tenham visto nada de dignidade real, todavia o adoraram, satisfeitos apenas com o testemunho da estrela. Com efeito, eles veem um homem e reconhecem Deus. E ofereceram presentes adequados à dignidade do Cristo: 'ouro, certamente, como ao grande Rei; incenso, que se põe no sacrifício a Deus, oferecem como a Deus; mirra, com a qual se embalsamam os corpos dos defuntos, é dada como àquele que havia de morrer pela salvação de todos’. • E, como Gregório diz, somos ensinados a 'oferecer ao Rei recém-nascido o ouro, que simboliza a sabedoria, quando em Sua presença brilhamos com a luz da sabedoria; o incenso, que exprime o devotamento da oração, oferecemos a Deus, se conseguirmos exalar perfume a Deus por meio do ardor de nossas orações; a mirra, que simboliza a mortificação da carne, nós oferecemos, se mortificamos os vícios da carne por meio da abstinência'.” AS FONTES DA VIDA E DO ENSINAMENTO DE CRISTO • Bíblia – o termo vem do grego βιβλία (biblía), “livros”, que é o plural de βιβλίον (biblíon), “livro”. O termo está ligado a βίβλος (bíblos), que significa “papiro”, planta de origem egípcia a partir da qual se faziam folhas – os papiros – para escrever • A Bíblia compõe-se de duas grandes partes, que estão divididas pelo nascimento de Cristo: (1) o Antigo Testamento, que narra a história do povo judeu e contém os preceitos da religião judaica, constituindo o cerne da cultura da qual Jesus faz parte; (2) o Novo Testamento, que contém a narrativa da vida de Jesus, seus ensinamentos e os de seus apóstolos. O Antigo testamento foi escrito em hebraico, contendo algumas passagens em aramaico. O Novo testamento foi escrito em grego, mais especificamente no dialeto comum que então vigorava: a koiné. Os fatos essenciais da vida e do ensinamento de Cristo estão conservados nos quatro evangelhos que fazem parte do Novo Testamento. • Evangelho – vem do verbo grego ἀγγέλλω,que significa “anunciar” (de onde vem a palavra ἄγγελος – ánguelos – “mensageiro”, que através do latim angelus chegou ao português: anjo) e do prefixo εὐ, que significa “bem” ou “bom”. A palavra grega ἐυαγγέλιον (euanguélion) quer dizer “boa nova”, “boa notícia”, “boa mensagem”. Jesus nada escreveu • A oralidade tinha um papel importante, embora a escrita fosse uma realidade antiga na cultura judaica. Uma interessante menção à escrita está na passagem em que Deus entrega a Moisés as tábuas da Lei (Êxodo, 31, 18): “Tendo o Senhor acabado de falar a Moisés sobre o monte Sinai, entregou-lhe as duas tábuas do testemunho, tábuas de pedras, escritas com o dedo de Deus”. As tábuas da Lei são escritas pelo próprio Deus (“com o dedo de Deus”). Mas Moisés e outros são capaz de ler e escrever • Moisés escreveu esta lei e deu-a aos sacerdotes filhos de Levi, que levavam a arca da aliança do Senhor, bem como a todos os anciãos de Israel, dando-lhes esta ordem: 'Ao fim de cada sete anos, no ano da Remissão, por ocasião da festa dos Tabernáculos, quando todo o Israel vier apresentar-se diante do Senhor, vosso Deus, no lugar escolhido por ele, tu farás a leitura desta lei a todo o povo israelita'”. (Deuteronômio, 31, 9-11) Jesus sabia ler e escrever • “Dirigiu-se a Nazaré, onde se havia criado. Entrou na sinagoga em dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi- lhe dado o livro do profeta Isaías. Desenrolando o livro, escolheu a passagem onde está escrito: 'O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor'. E enrolando o livro, deu-o ao ministro e sentou-se; todos quantos estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele”. (São Lucas, 4, 16- 20) • Santo Tomás de Aquino (séc. XIII), ao comentar a passagem do evangelho de São João, dá-nos uma belíssima e magnífica explicação: “Em terceiro lugar, porque a Velha Lei fora escrita em tábuas de pedra, como está dito em Ex. 31 e II Cor. 3. Por meio disso, mostra-se a sua dureza, porque 'Se alguém transgredia a lei de Moisés, era morto sem nenhuma misericórdia', como está dito em Hebr. 10, 28. A terra porém, é suave. Logo, para exprimir a doçura e a suavidade da Nova Lei entregue por meio dele, ele escrevia na terra”. (Super Ioannem, c. 8, l. 1) Jesus falava através de sermões e parábolas Inicialmente suas mensagens circulavam oralmente e só séculos depois foram fixados por escrito. Ainda no séc. I surgem os evangelhos, apenas algumas décadas após a morte de Jesus e por pessoas que tinham tido contato direto com Ele ou com seus apóstolos. A noção fundamental para entender essa transmissão oral, em um primeiro momento, e escrita, na sequência, é a ideia de tradição. A transmissão se faz (oralmente ou por escrito) de uma geração para outra, visando à conservação daquilo que há de essencial em um determinado grupo ou cultura. E isso não é diferente com a pregação de Cristo, que circulou, inicialmente de forma oral, durante alguns anos, mas que teve de percorrer quase dois milênios por escrito até chegar a nossos dias. Como a imprensa só foi inventada por Gutenberg no séc. XV d. C., foram pelo menos 1400 anos circulando sob forma de manuscritos pacientemente copiados e recopiados. A tradição, como vemos, não é apenas um fenômeno oral, mas também escrito, e é graças a ela que herdamos toda a literatura clássica e judaico-cristã A PREGAÇÃO DE JESUS • A pregação de Jesus dá-se por parábolas, por admoestações e por sermões. Por vezes, ele serve- se do diálogo. O mais fundamental, no entanto, é seu agir, que confirma e completa suas palavras. A coerência entre a pregação e o modo de viver ou a ação é fundamental. as palavras voam, os exemplos arrastam. A desconexão entre o falar e o agir é danosa. E Ele mesmo nos advertiu disso, ao falar sobre os escribas e os fariseus: • “Dirigindo-se, então, Jesus à multidão e aos seus discípulos, disse: 'Os escribas e os fariseus sentaram-se na cadeira de Moisés. Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façais como eles, pois dizem e não fazem. Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo. Fazem todas as suas ações para serem vistos pelos homens; por isso trazem largas faixas e longas franjas nos seus mantos. Gostam dos primeiros lugares nos banquetes e das primeiras cadeiras nas sinagogas'”. (Mateus, 23, 1-6) • A coerência entre o falar e o agir é fundamental na mensagem de Cristo, o que deixa claro que sua pregação é de caráter moral: ensinar aos homens como viver e agir de acordo com a Justiça e a vontade de Deus. • Cristo não está preocupado com teorizações e abstrações de cunho filosófico. O contexto em que Ele se insere é religioso. • Sua pregação é voltada para ensinar os homens a viver a vida de acordo com a vontade de Deus. Por isso, seu modo de expressão não é complexo, não exige grandes esforços intelectuais para ser compreendido. Está ao alcance de todos, ou melhor, de todos aqueles que estejam abertos à verdadeira Sabedoria, que não é deste mundo. • A busca de uma sabedoria mundana seria um empecilho para chegar-se à verdadeira Sabedoria, pois complica o que é simples e nos faz presunçosos de um saber que não é nosso por direito, mas que nos é dado gratuitamente e do qual podemos ser apenas partícipes. • A ideia de que a Sabedoria é acessível aos simples, ao mesmo tempo em que é negada aos sábios deste mundo está expressa mais de uma vez nos evangelhos. AS PARÁBOLAS E A INFLUÊNCIA EM NOSSA LÍNGUA Jesus serve-se frequentemente de parábolas, que, utilizando uma linguagem direta e exemplos concretos, permitem ensinar de modo bastante simples. Utilizando-se de exemplos quotidianos, muitos ligados à agricultura e ao pastoreio, Cristo torna sua pregação acessível a todos, ainda que só até certo ponto. Há verdades que muitos podem compreender apenas parcialmente, porque têm o coração endurecido, os ouvidos tapados e os olhos fechados. Assim, Ele explica a seus discípulos os mistérios do reino dos céus, para eles possam, depois, ensinar ao povo, na medida em que este puder compreender As diversas parábolas que encontramos nos evangelhos deixaram traços importantes em nossa cultura e em nossa língua. Há expressões em português que derivam de passagens tiradas das parábolas • separar o joio do trigo – significa separar o que é bom do que é ruim→Mateus, 13, 24-25 • filho pródigo – diz-se de alguém que desapareceu durante um longo tempo e que reaparece repentinamente. A origem é, obviamente, a parábola de mesmo nome:→ Lucas, 15, 11-31 Outros ditados populares não provêm de parábolas, mas de outros trechos da pregação de Jesus. • dar pérolas aos porcos – dar algo valioso a alguém que não saberá reconhecê-lo e que ainda se voltará contra o benfeitor. Expressão tirada da passagem seguinte:→ Mateus, 7, 6 • dar a César o que é de César – dar a cada um aquilo que é seu por direito, atribuir a cada um aquilo que lhe cabe por justiça→ Mateus, 22, 15-22 • ver para crer – expressão que indica um fato no qual dificilmente se pode acreditar. Vem do trecho em que o apóstolo São Tomé não acredita quando os outros apóstolos lhe dizem que Jesus ressuscitou e apareceu para eles: João, 20, 24-29 • ar a outra face – significa não se vingar, saber ser paciente, mesmo diante das piores humilhações, não revidar uma agressão, ainda que injusta.→ Mateus, 5, 38-42 • atirar a primeira pedra – ser o primeiro a acusar ou culpar alguém.→ João, 8, 3-7 Podemos facilmente constatar o quanto nossa língua está enriquecida por expressões tiradas dos evangelhos e da cultura cristã. A explicação óbvia é a enorme e essencial influência que o cristianismo exerceu e exerce em nossa cultura. não faria sentido banir tais expressões cristãs de nossa língua, O LITERÁRIO E O POÉTICO NOS EVANGELHOSOs evangelhos não foram compostos com uma intenção literária. A finalidade precípua é transmitir os fatos centrais da vida e da pregação de Jesus de uma maneira bastante direta. Não há grandes recursos estilísticos. A linguagem dos quatro evangelhos, com diferenças por vezes importantes, não tem um rebuscamento vocabular ou sintático. Notam-se as repetições constantes de fórmulas próprias de um substrato oral que estava sendo fixado por escrito No entanto, há passagem que são de grande beleza poética, inclusive em verso. O magnificat • O Magnificat é o Cântico de Maria em louvor a Deus, conservado no evangelho de Lucas (1, 46-55). O título Magnificat vem da primeira palavra da tradução latina. É o verbo “magnifico”, que significa “tornar grande”, “enaltecer”, “engrandecer” etc. É inspirado no cântico de Ana, que aparece no primeiro livro de Samuel (Antigo Testamento; I Samuel, 2, 1-10) e permeado de versos inspirados sobretudo em trechos dos Salmos 88: 11; 97: 3; 102:17; 106:9; 110: 9). O canto é, na verdade, um belo poema de louvor a Deus, a Sua misericórdia e a Seu poder. • E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo. Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. Acolheu a Israel, seu servo lembrado da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre. • A importância desse cântico é tanta que ultrapassou os limites da literatura e do culto religioso, havendo várias composições clássicas em torno dele, feitas por nomes como Vivaldi e Bach. As bem-aventuranças • As bem-aventuranças são a parte inicial do chamado Sermão da Montanha, que Jesus proferiu diante de seus discípulos e de uma imensa multidão (Mateus, cap. 5-7). Nele encontra-se o Pai Nosso e trechos bastante conhecidos, como o “sal da terra” e o homem prudente que edifica sua casa na rocha. o trecho é efetivamente poético, com a repetição do termo “bem-aventurados” (μακάριοι – makárioi, de onde vem o nome próprio Macário, que significa “bem-aventurado”) ao início de cada frase, que poderíamos, sem grandes esforços, considerar como “versos”. As bem-aventuranças descrevem alguns dos elementos essenciais do cristianismo. • Mateus, 5: 01-12→ Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se e seus discípulos aproximaram-se dele. Então abriu a boca e lhes ensinava, dizendo: 'Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é reino dos céus! Bem- aventurados .os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem- aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós’.” • Temática universal no tempo e no espaço, assemelha-se a um poema. O CONTATO ENTRE CRISTIANISMO E CULTURA GRECO-ROMANA • Em Atos dos Apóstolos, há uma narrativa do encontro do apóstolo Paulo com filósofos em Atenas. O texto fala especificamente de estoicos e epicuristas (Atos, 17, 16-23; 32-34) • Epicuro (342 -270 a.C.) ensinava que o propósito de vida era o prazer e a liberdade da dor, paixões e medos, contudo, o cipriota Zenão (340- 265 a.C.), fundador do estoicismo, enfatizava o viver em harmonia com a natureza, e o depender da razão e de outros poderes autossuficientes. Ambas as escolas destacavam a busca pela paz da mente. Zenão tinha um conceito panteísta de Deus como a “alma do mundo” • “Enquanto Paulo os esperava em Atenas, à vista da cidade entregue à idolatria, o seu coração enchia-se de amargura. Disputava na sinagoga com os judeus e prosélitos, e todos os dias, na praça, com os que ali se encontravam. Alguns filósofos epicureus e estoicos conversavam com ele. Diziam uns: 'Que quer dizer este tagarela?' Outros: 'Parece que é pregador de novos deuses'. — Pois lhes anunciava Jesus e a ressurreição. — Tomaram-no consigo e levaram-no ao Areópago, e lhe perguntaram: 'Podemos saber que nova doutrina é essa que pregas? Pois o que nos trazes aos ouvidos nos parece muito estranho. Queremos saber o que vem a ser isto'. Ora (como se sabe), todos os atenienses e os forasteiros que ali se fixaram não se ocupavam doutra coisa senão ou de dizer ou de ouvir as últimas novidades. Paulo, em pé no meio do Areópago, disse: 'Homens de Atenas, em tudo vos vejo muitíssimo religiosos. Percorrendo a cidade e considerando os monumentos do vosso culto, encontrei um altar com essa inscrição: A um Deus desconhecido. O que vós adorais sem o conhecer, eu vo-lo anuncio!' (…) Quando o ouviram falar de ressurreição dos mortos, uns zombavam e outros diziam: 'A respeito disso te ouviremos outra vez'. Assim saiu Paulo do meio deles. Todavia, alguns homens aderiram a ele e creram, entre eles Dionísio, o Areopagita, e uma mulher chamada Dâmaris, e com eles ainda outros.” Paulo estava em Atenas, a Atenas de Sócrates, de Platão e de Aristóteles. A Atenas da filosofia, da sofística, da retórica, das ciências, da busca pelo saber. Porém, a cidade estava entregue à idolatria, realidade multissecular da religião politeísta e naturalista dos gregos antigos. Ele discute com filósofos que reagem à sua pregação e o chamam de “tagarela”. O texto grego diz σπερμολόγος (spermológos), ou seja, “falador”, “tagarela”, “fofoqueiro”, “frívolo”. Paulo é levado ao Areópago (Colina de Marte) – é uma colina perto da Acrópole onde, em temos antigos, um conselho tinha se reunido. O conselho tornou-se o conselho da cidade de Atenas e, nos tempos romanos, era a corte que supervisionava a moral, a religião e a educação. Nos tempos de Paulo, a corte se reunia no Pórtico Real, na região do mercado, abaixo da Acrópole. Paulo, reconhecendo a grande religiosidade dos atenienses, menciona o fato de ter visto um altar dedicado a um deus desconhecido. O temor que tinham do divino era tanto que, por medo de ignorar alguma divindade e ofendê-la, por não prestar-lhe culto, erigiram um altar para um deus desconhecido. E Paulo diz que é esse Deus mesmo desconhecido que ele vai anunciar-lhes. Faz, então, um anúncio da fé cristã. Paulo usou este ponto de contato para começar seu discurso sobre o Deus que fez o mundo, que não é esculpido em pedra ou confinado a algum templo, e que controla os tempos e os lugares onde as pessoas vivem. Mas ao mencionar ressurreição, foi objeto de zombaria. Esse é um dos primeiros encontros que temos registrados entre o cristianismo e a cultura pagã greco-romana. Há uma menção explícita à filosofia. É, portanto, mais um capítulo da complexa questão das relações entre fé e razão. Com Sócrates, a razão foi levada ao tribunal em nome da fé. Aqui, a fé é objeto de escárnio por parte da razão. Em duas passagens da primeira carta aos Coríntios, Paulo opõe a sabedoria deste mundo à verdadeira Sabedoria. Sua pregação do evangelho não recorre à retórica, pois desvirtuaria a cruz de Cristo. A retórica parece ser vista como algo negativo. Uma outra explicação seria que Cristo, que pregou em linguagem simples e por parábolas, também não precisou recorrer à retórica. A verdade deve ser aceita pelos homens por ser verdade e não por estar floreada de belas palavras. A rejeiçãodos exageros retóricos como meio de pregação do evangelho deve ser compreendida em um contexto específico. A cultura grega vivia, há alguns séculos, imersa nos floreios retóricos que, frequentemente, não tinham qualquer compromisso com a verdade. Aristófanes, em Nuvens, fez uma crítica aos sofistas da época quando falou de suas habilidades em transformar o argumento fraco em forte. O ensinamento de Cristo, entretanto, é radicalmente oposto isso. A verdade é simples e com simplicidade deve ser dita. • Os gregos pedem sabedoria, mas os cristãos pregam o cristo crucificado, que para eles é loucura. Mas, ao contrário, a sabedoria deste mundo é loucura aos olhos de Deus (I Cor 3, 18-19). • A passagem de Paulo faz-nos recordar o trecho da Apologia de Platão no qual Sócrates interpreta o oráculo que o designava como o mais sábio de todos: “E parece-me que o deus não atribui a sabedoria a Sócrates, mas que se serve do meu nome, fazendo de mim um exemplo, como se dissesse: 'Entre vós, homens, o mais sábio é aquele que, como Sócrates, na verdade, reconhece ser a sua sabedoria de nenhum valor”. A sabedoria de Deus é considerada pelos sábios deste mundo como loucura. A sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Sócrates e Paulo convergem para a mesma ideia: a verdadeira sabedoria pertence apenas a Deus. • O caminho para a verdadeira sabedoria – que é a sabedoria de Deus e da cruz – é árduo e é preciso evitar os que nos querem enganar com a filosofia e com mentiras. Não se trata de uma rejeição absoluta da filosofia e da razão, mas sim uma crítica à filosofia que se baseia na tradição dos homens, ou seja, que não está orientada para a busca da verdadeira sabedoria, que é própria de Deus. Essa “filosofia segundo a tradição dos homens” poderia ser identificada com uma falsa filosofia, com uma disciplina que se desviou do reto caminho que conduz ao conhecimento da verdade. • Em um trecho da carta aos Romanos, o Apóstolo mostra que sua crítica não é contra a razão e a sã filosofia, mas contra o abuso e o desvio causados pela falsa filosofia. • A citação não deixa dúvidas de que o homem pode conhecer a Deus usando sua razão e contemplando a criação na estupidez humana. A razão humana é boa e pode conhecer a Deus observando a criação • Filosofia e cristianismo são realidades diferentes, a primeira baseia-se apenas na razão, o segundo é uma religião e leva em conta o que é revelado por Deus. E a razão pode ser particularmente útil aos gentios, que podem, através dela, descobrir a verdadeira religião (FRAYLE, 1986, p. 64- 65). • “O próprio Paulo, com palavras expressas e com sua conduta e exemplo, abre caminho a outra solução mais favorável às relações de boa harmonia entre a filosofia e o cristianismo. • Em seu discurso no Areópago alude à estátua dedicada ao deus desconhecido para dizer a seus ouvintes: “quem ergo ignorantes colitis, hunc ego annuntio vobis” [O que vocês adoram sem o conhecer, eu o nuncio a vocês]. Nessas palavras estava implícito o reconhecimento da razão humana para descobrir o verdadeiro Deus.” “Ele não despreza, nem rebaixa o alcance das forças da razão humana, mas antes a considera útil para os gentios que carecem da fé. A reta filosofia pode ser útil para trazer os gentios para a fé; a falsa filosofia, ao contrário, representa um perigo, por induzir ao erro. OS PRIMEIROS ESCRITOS CRISTÃOS NÃO CANÔNICOS (Deuterocanônicos) Os escritos chamados de não canônicos recebem tal designação pelo fato de não pertencerem ao cânon, isto é o conjunto de livros que são reconhecidos como de inspiração divina. Há uma série de escritos do início do cristianismo que nos fornecem uma visão interessante sobre como a nova religião crescia e era vista pelas diferentes culturas em que estava inserida (judaísmo e cultura greco-romana, principalmente). O grau de fiabilidade dos escritos não canônicos é variável, o que não significa que eles não nos tragam importantes contribuições para melhor compreendermos a vida e o modo de viver a fé dos primeiros cristãos A DIDAKHÉ Didakhé é um dos primeiros escritos do cristianismo. Remonta provavelmente ao final do século I de nossa era. O título nada mais é do que a primeira palavra do título pelo qual o texto era conhecido desde a Antiguidade: Διδαχὴ τῶν δώδεκα ἀποστόλων (didakhè tôn dódeka apostólon – Ensinamento dos doze Apóstolos) “Didakhé” significa, em grego, ensino ou ensinamento . O texto contém um ensinamento básico da doutrina e das práticas cristãs do início da Igreja. Sua autoria é desconhecida. Encontramos passagens sobre o batismo, a alimentação, o jejum, a oração – apresentando-nos, inclusive, o Pai-Nosso –, a eucaristia, a ação de graças, a observância do domingo Além dos diversos ensinamentos relativos às práticas cristãs, há, nos seis primeiros capítulos, a doutrina dos “dois caminhos”. Trata-se de uma instrução contendo a doutrina necessária à preparação para o batismo. A doutrina dos dois caminhos encontra-se em outro escrito do início do cristianismo, a Epístola de Barnabé (18, 1): “Dois são os caminhos do ensinamento e do poder, o da luz e o das trevas. A diferença entre eles é grande.” A Didakhé está escrita em uma linguagem simples, bastante semelhante à utilizada nos Evangelhos, e o caráter didático do texto é evidente. Além dos ensinamentos que encontram paralelo nos Evangelhos, temos passagens que retratam a vida dos primeiros cristãos e nos permitem vislumbrar o modo como o cristianismo era praticado já nos tempos apostólicos. A EPÍSTOLA A DIOGNETO • A Epístola a Diogneto é um tratado de apologética em forma de carta. O autor do texto é desconhecido. Mesmo o destinatário, Diogneto, não foi identificado. Há mesmo a possibilidade de que seja um pseudônimo ou mesmo um personagem fictício (HOLMES, 2009, p. 688) • O texto começa dirigido a Diogneto, que tem se mostrado pressuroso em saber mais sobre os cristãos e sua religião. • Três tópicos de interesse são mencionados: a) em que Deus creem os cristãos e como O cultuam; b) que tipo de afeto – a caridade – eles têm uns para com os outros; c) por que essa religião e sua prática surgiram naquele momento e não antes. Os capítulos 2 a 4 são dedicados à crítica tanto do paganismo quanto da religião judaica e suas práticas. Os capítulos 5 e 6, que leremos na sequência, tratam dos cristãos, de sua identidade e características e de sua relação com o mundo. Os capítulos 7 a 9 cuidam de aspectos doutrinais e da Revelação, enquanto o capítulo 10 é uma exortação à conversão. A parte final do texto – os capítulos 11 e 12 – tem como tema o Lógos ou Verbo Divino e o conhecimento. A referência ao Jardim do Éden remete-nos à Gênesis e à questão do pecado original. O texto da Epístola apresenta uma visão bem positiva sobre o conhecimento. Ele é essencial para a vida e é bom; o que é ruim é o uso que por vezes dele fazemos, sobretudo quando, esquecidos dos mandamentos de Deus, que nos conduzem à vida, deixamo-nos ensoberbecer pelo conhecimento e tornar-nos senhores da vida e da morte. A menção às duas árvores que estão no centro do paraíso não é casual. A vida e o conhecimento estão entrelaçados: não “há vida sem conhecimento, nem conhecimento seguro sem vida verdadeira”. A afirmação está no cerne mesmo do cristianismo, pois, como dissemos, as obras devem refletir os ensinamentos, não pode haver separação entre a doutrina e a vida que vive o cristão. No centro do Jardim do Éden, do paraíso, há duas árvores: a da vida e a da ciência do bem e do mal. Elas estão no centro do paraíso e isso não é por acaso. É um sinal de sua importância, do papel essencial que têm na vida do homem. O texto não fala da árvore do conhecimento, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal. Trata-se, portanto, não de todo e qualquer conhecimento, mas de um conhecimento específico: o do bem e do mal. O homem não era destituído de inteligência, pois foi feito à imagem e semelhança de Deus, para que reinasse sobre a criação. Tampouco era destituído de conhecimento, pois foi capaz de dar o nome correto a cadaum dos animais. A árvore da ciência do bem e do mal não era má. Não é ela que traz a morte, mas, como disse a Epístola a Diogneto, é a desobediência do homem que o faz. ela era o sinal visível, no paraíso, da onisciência e da onipotência divinas. Deus a pôs no Jardim do Éden para que o homem aprendesse os limites da criatura e o respeito e a obediência devidos ao Criador. A árvore da ciência do bem e do mal encerra em si um paradoxo. O que quer que o homem faça quanto ao fruto proibido, ele recebe essa ciência. A árvore traz a ciência do bem e do mal, mas essa ciência é dupla. Há, com efeito, uma ciência verdadeira e uma falsa. Se o homem não come do fruto, ele adquire a verdadeira ciência do bem e do mal, pois compreende seu lugar na criação e o temor e a obediência devidos a Deus. Se ele come, obtém uma ciência falsa, que lhe dá a ilusão de poder decidir o que é bom e o que é mau, de ter uma ciência que está acima do bem e do mal, poder esse que lhe advém não por estar contido no fruto comido, mas pelo ato mesmo de comer e desrespeitar o mandamento divino OS PADRES DA IGREJA São autores cristãos, clérigos ou leigos, que viveram entre o séc. I e o séc. VII/VIII e ensinaram a fé cristã, comentando as Escrituras, tratando de questões teológicas ou filosóficas. Eles têm, como características fundamentais, a antiguidade, a santidade, a ortodoxia e a aprovação, ainda que tácita, da Igreja. Em um sentido mais vasto, vários outros autores que não possuem todas essas categorias são integrados ao conjunto dos Padres da Igreja, sobretudo por sua importância nos estudos do cristianismo, ainda que haja imprecisões ou problemas em sua vida. É o caso, por exemplo, de Tertuliano ou de Orígenes. Os Padres da Igreja são estudados por uma disciplina específica: a Patrologia (do latim “pater” ou do grego πατήρ – patér – “pai”). Os Padres da Igreja podem classificar-se segundo diferentes critérios: a) época – fala-se em Padres Apostólicos, geralmente os do séc. I, mais ou menos contemporâneos aos Apóstolos: por exemplo, São Clemente de Roma, Santo Inácio de Antioquia, o autor da Didakhé; depois, há os autores dos diferentes séculos, a partir do séc. II; b) a cultura que está na base de seus escritos – fala-se em Padres orientais e ocidentais; c) a língua em que escreveram – fala-se em Padres latinos, gregos, coptas, siríacos etc. A mais famosa coleção moderna de escritos dos Padres da Igreja remonta ao séc. XIX. Ela contempla apenas os Padres latinos e os Padres gregos. São duas coleções, editadas na França pelo Pe. Jacques Paul Migne: a Patrologia Latina e a Patrologia Graeca, respectivamente. A coleção latina – Patrologia Latina (abreviado PL) – totaliza 217 volumes de tamanho grande; A coleção grega – Patrologia Graeca (abreviado PG) – contém 161 volumes (com o texto grego e a tradução para o latim). Os textos dos Padres que escreveram em outras línguas – siríaco, árabe, copta, ge'ez (a língua clássica da Etiópia), armênio, georgiano, entre outras – estão sendo publicados na Patrologia Orientalis (abreviado PO), da qual há pouco mais de 50 volumes. Isso demonstra a importância que o cristianismo atingiu em poucos séculos, espalhando-se por povos, línguas e culturas diversas, dando origem a uma vasta produção literária, modificando disciplinas e domínios do saber e criando novos estilos e modos de fazer literatura CLEMENTE DE ROMA Clemente foi o quarto bispo de Roma (o primeiro foi Pedro). Morreu por volta do final do séc. I ou início do II. É venerado como mártir. O único escrito que dele se tem notícia é a Epístola aos Coríntios. Trata de questões concernentes à autoridade e à hierarquia eclesiásticas Clemente trata da humildade dos homens santos e da perseguição de que são vítimas os justos INÁCIO DE ANTIOQUIA Viveu no séc. I d. C. e morreu em princípios do séc. II, martirizado, segundo a tradição. Bispo de Antioquia, na região da Síria, teria sido levado acorrentado para Roma, onde seria martirizado por causa de sua fé cristã. Durante sua viagem, escreve cartas a diferentes igrejas, para exortá-las a viver integralmente sua fé. Conservam-se sete cartas autênticas. Elas têm algumas características comuns: uma abertura em forma de saudação aos destinatários; por vezes, um elogio à comunidade a que se dirige; uma exortação para que fujam das heresias; a recomendação de que vivam unidos ao bispo e sob a autoridade deste; uma saudação final. Na carta que dirige aos cristãos de Roma, pede que não intercedam por ele, que não tentem livrá-lo do martírio, que é, para ele, sua verdadeira libertação, que o fortaleçam para que aceite morrer por Cristo. Na abertura de suas cartas, identifica-se como “Inácio, também chamado Teóforo”. Em grego, Teóforo significa “aquele que carrega a Deus”, “carregador de Deus” O MARTÍRIO DE POLICARPO O texto que narra o martírio de Policarpo, bispo de Esmirna, é anônimo e está contido em uma carta que os cristãos dessa cidade escrevem para os da igreja em Filomélio. É o primeiro texto cristão a descrever um martírio e o faz de uma belíssima forma. Policarpo é preso, junto com outros cristãos, e levado à presença do procônsul, que tenta fazê-lo abjurar a fé cristã. O bispo não aceita, confessa-se cristão diante da multidão presente no estádio e é queimado vivo. Policarpo nasceu no séc. I de nossa era e morreu por volta de meados dos séc. II. A história de seu martírio faz-nos lembrar de um famoso dito: sanguis martyrum semen Christianorum – sangue dos mártires, semente de cristãos. A frase é atribuída a Tertuliano, Padre da Igreja, que viveu entre os séc. II e III. Ele não a diz exatamente com essas palavras, mas a frase resume o sentido do texto em que se encontra, o Apologeticum, que, como diz o nome, é uma apologia dos cristãos perseguidos pelos pagãos. A frase de Tertuliano é: semen est sanguis Christianorum – o sangue dos cristão é semente.
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