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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 FUNÇÕES EXECUTIVAS ........................................................................... 5 3 PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO ......................... 7 4 A EVOLUÇÃO DAS IDEIAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CÉREBRO, COMPORTAMENTO E COGNIÇÃO ........................................................................... 9 4.1 Ciência cognitiva e ciência da informação: paralelos ......................... 14 4.2 Abordagens ao processo de cognição ............................................... 16 4.3 Fundamentos do behaviorismo .......................................................... 19 4.4 Comportamento criativo na resolução de problemas ......................... 32 4.5 Comportamento criativo no comportamento verbal ............................ 35 4.6 O ensino do comportamento criativo .................................................. 38 4.7 A Psicofisiologia no campo de estudos do comportamento ............... 41 4.8 Níveis de análise do comportamento ................................................. 43 5 TRANSTORNOS DISRUPTIVOS, DO CONTROLE DE IMPULSOS E DA CONDUTA DE ACORDO COM MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS (PERTUBARÇÕES DO COMPORTAMENTO) ............ 43 6 A NEUROPSICOLOGIA E O TRATAMENTO PARA ALGUNS TRANSTORNOS ....................................................................................................... 56 6.1 Autismo e área cerebral ..................................................................... 56 6.2 Avaliação neuropsicológica do autismo.............................................. 56 6.3 Os testes e escalas utilizados na avaliação neuropsicológica que auxiliam no diagnóstico do autismo ....................................................................... 58 6.4 Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ................................. 60 6.5 Avaliação neuropsicológica ................................................................ 60 6.6 Transtorno explosivo intermitente ...................................................... 62 6.7 O papel do psicólogo .......................................................................... 67 3 7 NEUROCIÊNCIA COGNITIVA .................................................................. 67 7.1 Neurociência e aprendizagem ............................................................ 79 7.2 Plasticidade cerebral .......................................................................... 79 7.3 Plasticidade sináptica ......................................................................... 81 7.4 Neuroplasticidade e cognição ............................................................ 82 7.5 Neurogênese ...................................................................................... 83 7.6 Plasticidade funcional compensatória ................................................ 83 7.7 Neuroplasticidade: a base do processo de intervenção psicoterapeutica 84 7.8 Modelo de intervenção neurocognitivo-comportamental .................... 87 7.9 Teorias que fundamentam o modelo de intervenção neurocognitivo- comportamental ..................................................................................................... 87 7.10 Procedimentos do modelo de intervenção neurocognitivo- comportamental ..................................................................................................... 88 7.11 Terapia cognitivo-comportamental .................................................. 89 7.12 Etapas do processo de intervenção neurocognitivo-comportamental 91 7.13 Função e comportamento: aprendizagem, experiência e ambiente 94 8 PROCESSOS SUPERIORES DA MENTE: CONTRIBUIÇÕES DO CÉREBRO................................................................................................................. 95 9 TRANSTORNOS NEUROCOGNITIVOS DE ACORDO COM DSM ....... 100 9.1 Desenvolvimento perceptivo e cognitivo .......................................... 102 9.2 Quem deve procurar a avaliação neuropsicológica? ........................ 106 9.3 Para que serve a avaliação neuropsicológica? ................................ 107 9.4 Quanto tempo dura a avaliação neuropsicológica? .......................... 108 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................... 109 11 BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 115 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 FUNÇÕES EXECUTIVAS Os seres humanos são capazes de lidar com novas situações e se adaptar às mudanças de maneira rápida e flexível. As habilidades cognitivas que permitem ao indivíduo controlar e regular seus pensamentos e comportamentos são denominadas de diversas formas na literatura, incluindo (mas não se limitando a): funções executivas (FEs), funcionamento executivo, habilidade executiva, entre outros sinônimos. Embora não exista um consenso sobre a conceituação das FEs, elas geralmente são definidas como o conjunto de habilidades e capacidades que nos permitem executar as ações necessárias para atingir um objetivo (Garon, Bryson & Smith, 2008; Lezak, 1995). Diversos modelos foram elaborados, a fim de explicar a complexa natureza das FEs, bem como os elementos de teorias clássicas serviram de base e influenciaram na formação de seu conceito. A partir do desenvolvimento da área da psicologia cognitiva e neuropsicologia, novas técnicas de imageamento surgem, fornecendo ferramentas para a investigação das estruturas e processos envolvidos no funcionamento executivo. As FEs são habilidades que nos possibilitam manipular mentalmente nossas ideias, nos adaptar de maneira rápida e flexível a mudanças do ambiente, atentar para o futuro e reservar um tempo para considerar o que fazer em seguida, resistir às tentações e impulsos, manter o foco e enfrentar novos desafios imprevistos. Referidas FEs, chamadas também de controle executivo ou central executiva, são o mais complexo aspecto da cognição humana, pois tornam possível a capacidade das pessoas de se empenharem em comportamentos orientados a objetivos, planejamento, monitorando e regulando diferentes tipos de processos cognitivos, comportamentais, emocionais e, consequentemente, sociais. Em geral, nosso cérebro evita gastar energia e tende a repetir estratégias e padrões de comportamentos já apreendidos de forma automática. Porém, quando as circunstâncias mudam e novos desafios aparecem, precisamos acionar toda maquinaria cerebral de forma controlada, focando nossa atenção, criando novas estratégias e regulando nosso comportamento para conseguirmos resolver o problema. 6 As FEs são, portanto, recrutadas em situações novas e complexas onde o processamento cognitivocontrolado se faz necessário, permitindo que o indivíduo ajuste suas estratégias e comportamentos a mudanças e demandas do ambiente. De acordo com Lezak (1997), há funções cognitivas propriamente ditas, por exemplo: percepção, memória e pensamento, e outras formas de cognição que regulam o comportamento humano, a saber: comportamento emocional e funções executivas. Comportamentos que permitem ao indivíduo interagir no mundo de maneira intencional envolvem a formulação de um plano de ação que se baseia em experiências prévias e demandas do ambiente atual. Estas ações precisam ser flexíveis e adaptativas e, por vezes, monitoradas em suas várias etapas de execução. Estas operações, denominadas funções executivas, visam o controle e à regulação do processamento da informação no cérebro (Gazzaniga, Ivry e Mangun, 2002). A primeira dificuldade quanto ao tema diz respeito à terminologia, cuja variedade pouco tem colaborado para a compreensão dos fenômenos. Na literatura há diversos sinônimos: funções de supervisão, funções frontais, funções de controle, sistema supervisor etc. Além disso, uma variedade de processos e funções são incluídos nesta categoria, tais como inferência, resolução de problemas, organização estratégica, decisão, inibição seletiva do comportamento, seleção, verificação e controle da execução de uma dada ação, flexibilidade cognitiva, memória operacional, entre outras (Majolino, 2000). Ainda não se tem um consenso quanto aos termos apropriados ou suas atribuições, mas algumas características das funções executivas são claras: Referem-se ao controle voluntário e consciente sobre o ambiente circundante e sobre a ação necessária para administrar contingências em função de um objetivo; A expressão de sua valência se dá no concatenar entre sensação, cognição e ação (Mesulam, 1998); Não são uma entidade única, englobam processos de controle de função distintos; Envolvem-se nos âmbitos cognitivo, emocional e social (Stuss e Alexsander, 2000). 7 “As funções executivas são aquelas que mais nos diferenciam dos animais já que compreendem o processo cognitivo orientado a uma determinada meta. Para tanto, nós serem humanos, temos a habilidade de processar atividades com atenção sustentada, memória operacional, inibição dos impulsos, fluência verbal e especialmente pensamento abstrato. A principal região cerebral relacionada ao funcionamento executivo é o córtex pré-frontal”. (Cherkes-Julkowski, 2005 apud Alice M; 2010). 3 PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO Fonte: meucaderno-psicologia.webnode.com Funções mentais como sensação, percepção, atenção, memória, pensamento, linguagem, motivação, aprendizagem etc., são caracterizadas na psicologia como “Processos psicológicos básicos”. Essas funções derivam tanto das interações de processos inatos quanto de processos adquiridos, junto às relações do indivíduo de experiência e vivência com o meio. Apesar das distinções desses processos é por meio de sua relação e influência que se pode compreender a dinâmica da mente, pois eles interagem e até dependem de outros processos. Algumas das funções mais estudadas nos processos psicológicos básicos são: 8 Memória: Capacidade que permite a codificação, o armazenamento e recuperação de dados. De forma resumida a memória pode ser dividida em três processos: Codificação: envolve o processo de entrada e registro inicial da informação e a capacidade de mantê-la ativa para o processo de armazenamento; Armazenamento: envolve a manutenção da informação codificada pelo tempo necessário para que possa ser recuperada e utilizada quando evocada; Evocação ou reprodução: caracterizada pela recuperação da informação registrada e armazenada, para que possa ser usada por outros processos cognitivos como pensamento, linguagem etc. A memória ainda pode ser classificada como memória de curto prazo, memória de longo prazo, autobiográfica, episódica e sensorial. A perda ou dificuldade de armazenamento ou recuperação de informações é conhecida como amnésia e deve ser tratada, sendo comum em casos de lesões e traumas de diferentes espécies. Fonte: ibccoaching.com Emoção: É um estado mental subjetivo associado a uma ampla variedade de sentimentos, comportamentos e pensamentos. Ela desempenha um papel central nas atividades humanas, já que as emoções alteram a atenção e o nível do comportamento, resultando em diferentes respostas do indivíduo. Pode ser considerada como uma espécie de depósito de influências aprendidas e inatas. Pensamento: É a capacidade de compreender, formar conceitos e organizá- los. Estabelece relações entre os conceitos por meio de elementos de outras funções mentais (como as vistas anteriormente), além de criar novas representações, ou seja, novos pensamentos. 9 O pensamento possibilita a associação de dados e sua transformação em informação estando, consequentemente, associado com a resolução de problemas, tomadas de decisões e julgamentos. Linguagem: A Linguagem é a capacidade de receber, interpretar e emitir informações ao ambiente. Por meio da linguagem pode-se trocar informações e desenvolver formas de compreensão e de expressão. A linguagem reflete a capacidade de pensamento, então se uma pessoa tiver um transtorno de pensamento sua linguagem poderá ser prejudicada. Junto aos processos cognitivos é que a linguagem se desenvolve, e se as habilidades das funções mentais são crescentes assim os recursos linguísticos também serão. Sensação: A sensação é a resposta sensorial ou objetiva ao estímulo do meio. Ela detecta a experiência sensorial básica por meio dos sons, objetos, odores etc. Desse modo, essa função pode ser classificada como sendo de natureza objetiva. Percepção: Refere-se à capacidade de captar os estímulos do meio para processamento da informação. Os órgãos dos sentidos são responsáveis pela captação das informações, ou seja, o processamento cerebral depende da visão, olfato, tato etc. Ela é considerada uma característica subjetiva, diferentemente da sensação, que é classificada como sendo objetiva. 4 A EVOLUÇÃO DAS IDEIAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CÉREBRO, COMPORTAMENTO E COGNIÇÃO A neuropsicologia é um campo do conhecimento interessado em estabelecer as relações existentes entre o funcionamento do sistema nervoso central (SNC), por um lado, e as funções cognitivas e o comportamento, por outro, tanto nas condições normais quanto nas patológicas. Ela tem natureza multidisciplinar, apoiando-se em fundamentos das neurociências e da psicologia, e visa o tratamento dos distúrbios cognitivos e comportamentais decorrentes de alterações no funcionamento do SNC. A neuropsicologia, na atualidade, tem uma ampla gama de aplicações na prática de pesquisas e na área clínica, que são frequentemente de natureza multiprofissional. O neuropsicólogo atua, principalmente, na avaliação (exame 10 neuropsicológico) e no tratamento (reabilitação neuropsicológica) das consequências de disfunções do sistema nervoso. Essas disfunções, por sua vez, podem estar relacionadas ao desenvolvimento anormal do sistema nervoso (p. ex., transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, esquizofrenia, dislexia) ou ser adquiridas ao longo do curso da vida (p. ex., traumatismo cranioencefálico, acidente vascular cerebral, demências). As aplicações da neuropsicologia têm aumentado significativamente, à medida que progridem os conhecimentos nas diversas disciplinas que lhe são caudatárias. Cada vez mais ela é chamada a resolver problemas que se apresentam na prática clínica de neurologia, psicologia, psiquiatria, pedagogia, geriatria, fonoaudiologia etc. Além disso, a neuropsicologia tem expandido suas áreas de atuação e sua interface com outras áreas do conhecimento, como a filosofia e as ciências exatas. Conforme salientado por Kolbe Wishaw (1995), mesmo sendo uma disciplina científica recente, o desenvolvimento dos pilares da neuropsicologia ocorreu ao longo de vários séculos, partindo da busca pela compreensão sobre a relação entre o organismo e os processos mentais até o estágio atual, em que buscamos compreender como o sistema nervoso modula nossas funções cognitivas, comportamentais, motivacionais e emocionais. Embora atualmente pareça um truísmo a concepção de que, em nosso organismo, o sistema nervoso relaciona-se com comportamento e processos mentais, na verdade, foram necessários vários séculos para que essa ideia se tornasse sólida e aplicável à prática clínica. Esclarecer como o corpo se relaciona com os processos mentais e comportamentais é uma questão que desperta interesse há milênios. Na Antiguidade, em diferentes culturas, diversas teorias tentaram localizar a alma no corpo humano. As evidências sobre a importância do parênquima cerebral foram se acumulando aos poucos, tanto do ponto de vista anatômico quanto clínico. O anatomista Andreas Vesalius (1514-1564), por exemplo, em seu tratado de Humani Corporis Fabrica, argumentou que o que diferenciava os humanos dos outros animais era o volume de tecido cerebral e não o tamanho dos ventrículos cerebrais. Posteriormente, Thomas Willis (1621-1675), além de atribuir papel crucial ao tecido cerebral, propôs que a origem dos conceitos e do movimento estaria no cérebro, sugerindo que a imaginação estaria associada ao corpo caloso. Ao final do século 11 XVIII, as duas correntes teóricas – ventricular e tecidual – ainda conviviam lado a lado, e só o desenvolvimento da ciência moderna veio comprovar o acerto da segunda. Tendo o cérebro se consolidado como o órgão responsável pelos processos mentais e pelo comportamento, surgiu o problema de saber se essas funções poderiam ser decorrentes do funcionamento de diferentes áreas da sua anatomia. Nascia o debate entre os holistas e os localizacionistas. Para os primeiros, não haveria especificidade regional no cérebro, que controlaria o comportamento atuando como um todo. Os segundos acreditavam que o cérebro atua de forma fragmentada, e cada uma de suas regiões seria responsável por uma função mental e comportamental específica. Entre os localizacionistas, vale mencionar a teoria elaborada por Franz Joseph Gall (1757-1828), muito difundida por seu aluno, Johann Gaspar Spurzheim (1776-1832). Essa teoria ficou conhecida como frenologia, embora tenha sido denominada inicialmente organologia (ZolaMorgan,1995), e tinha como pressupostos básicos as seguintes afirmações: Cada região do cérebro constitui-se em um “órgão” responsável por uma função mental ou comportamental específica; Cada região do cérebro se desenvolve de forma a moldar a superfície craniana; Se uma região é bem desenvolvida, ela cresce em volume, refletindo esse crescimento no desenvolvimento do crânio. A partir dessas hipóteses, Gall e Spurzheim inferiram que, ao analisar a superfície do crânio seria possível saber se uma função mental é bem desenvolvida ou não. Após estudarem centenas de crânios chegaram a um modelo em que atribuíram ao cérebro 35 diferentes “órgãos”. Dentre eles estariam áreas compartilhadas entre homens e outros animais, como a área da coragem e do instinto carnívoro, além de outras áreas especificamente humanas, como as relacionadas à sabedoria, ao senso de metafísica, à sátira, ao talento poético etc. A frenologia acabou por ser rechaçada na comunidade científica por apresentar falhas em praticamente todas as suas hipóteses constituintes. Nessa mesma época, o fisiologista francês Pierre Flourens (1794-1867), a partir de lesões provocadas em 12 sujeitos animais, concluiu que não importaria a área da lesão, mas a quantidade de material cerebral lesionado. Para ele, qualquer área do cérebro poderia assumir, com ou sem redução de sua eficiência, funções que estavam em uma outra área danificada. No início do século XX, o psicólogo canadense Karl Lashley (1890- 1958) reforçou esses dois princípios teóricos, dando a eles os nomes de princípio da ação de massa e equipotencialidade, respectivamente. O pêndulo da história voltou a favorecer os localizacionistas em meados do século XIX. Isso se deu quando Paul Broca (1824-1880), entre 1861 e 1863, apresentou à Sociedade Parisiense de Antropologia a descrição de cerca de nove pacientes, vítimas de lesões nos lobos frontais do hemisfério cerebral esquerdo, que apresentavam uma síndrome caracterizada por comprometimento maciço na produção da fala e relativa preservação da compreensão da linguagem. A síndrome foi nomeada Afasia de Broca, e a área da lesão foi chamada Área de Broca, passando a ser conhecida como o “centro funcional da linguagem”. Posteriormente, o neurologista alemão Carl Wernicke (1848-1904) descreveu pacientes que tinham um tipo de lesão diferente daqueles descritos por Broca e que, por sua vez, também apresentavam comprometimento de suas habilidades linguísticas. Esses pacientes tinham lesão no córtex temporal do hemisfério cerebral esquerdo e apresentavam dificuldade na compreensão da linguagem, quadro que passou a ser nomeado como Afasia de Wernicke. Essa descrição de uma nova área relacionada à linguagem impulsionou ainda mais a noção de que o cérebro seria composto por diversos centros funcionais, cada um responsável por uma função mental específica. Além disso, Wernicke chamou à atenção para o fato de que as funções cerebrais poderiam também ser comprometidas pelas lesões nas conexões entre regiões cerebrais diferentes. Assim, postulou a existência de outro distúrbio da linguagem, a Afasia de Condução, que seria originada por lesões no fascículo arqueado, responsável pela conexão entre a área de Broca e a de Wernicke. No início do século XX, pesquisadores experimentais de renome, como Karl Lashley, após estudos com animais, publicaram dados desanimadores sobre a possibilidade de localização de funções, como a memória, em regiões cerebrais 13 circunscritas. No entanto, começaram a surgir evidências e teorizações que iriam dar corpo à neuropsicologia que hoje conhecemos. Dentre essas, iremos destacar algumas que nos parecem importantes. No final dos anos de 1940, Walter Hess (1881-1973) criticou a noção de “centro” nervoso e propôs que as diferentes atividades dependem de uma “organização” cerebral. Atividades mais complexas recrutariam, proporcionalmente, um maior número de estruturas, que intervêm no processo. Na mesma época, a partir dos estudos de James Papez (1883-1958) e Paul MacLean (1913-), evoluía o conceito de “sistema límbico”, um conjunto de estruturas cerebrais interconectadas, que se revelava importante para o processamento das funções emocionais e sua integração com a vida de relação. Nos anos 1950 o neurocirurgião William Scoville (1906- 1984) publicou o caso de um paciente – amplamente conhecido na literatura neuropsicológica como paciente “H.M.” – submetido à remoção bilateral do hipocampo e das amígdalas para tratamento de um grave quadro epiléptico e que, após a cirurgia, desenvolveu uma incapacidade maciça de aprender novas informações. Ficava claro que processos mentais importantes, como a aprendizagem e a memória, dependiam da integridade de centros nervosos específicos e suas conexões. Nos últimos anos, o advento das técnicas de neuroimagem veio possibilitar a confirmação de fatos já conhecidos, bem como acrescentar novas evidências que ampliam extraordinariamente as possibilidades de correlação entre as funções cognitivas e o funcionamento cerebral. O localizacionismo, contudo, só viria a ser superado por um novo conceito de função, algo tentado por vários cientistas, entre os quais se destaca o neuropsicólogo soviético Aleksandr Luria (1902- 1977), cujo modelo é hoje amplamente reconhecido e aceito,embora já com modificações que precisam levar em conta, entre outros fatos, a assimetria da função cerebral, hoje mais profundamente compreendida. “Luria (1980) postula um novo conceito de função, exercida por “sistemas funcionais” que visam à execução de uma determinada tarefa (a tarefa é constante, mas os mecanismos para executá-la podem ser variáveis). Funções mais elementares poderiam ser localizadas, mas os processos mentais geralmente envolvem zonas ou sistemas que atuam em conjunto, embora se situem, frequentemente, em áreas distintas e distantes do cérebro”. (Luria 1980 apud CONSENZA M, 2004). 14 Para Luria, pode-se distinguir no cérebro três grandes sistemas funcionais. O primeiro regula a vigília e o tônus cortical e depende de estruturas como a formação reticular e áreas do sistema límbico. O segundo se encarrega de receber, processar e armazenar as informações que chegam do mundo externo e interno e está situado em áreas do córtex cerebral localizadas posteriormente ao sulco central. Ele organiza- se em áreas corticais primárias, secundárias e terciárias. Já o terceiro sistema regula e verifica as estratégias comportamentais e a própria atividade mental, é constituído pelo córtex cerebral situado nas regiões anteriores do cérebro e organizasse, também hierarquicamente, em áreas corticais primária, secundária e terciária. O monumental trabalho de Luria incluiu o desenvolvimento de uma bateria completa para o exame neuropsicológico, que influencia ainda hoje boa parte dos testes usados na atividade cotidiana dos neuropsicólogos. A bateria de Luria, juntamente com a bateria Halstead-Reitan, foi muito usada em meados do século XX, quando se preconizava aquela abordagem abrangente para o exame neuropsicológico. Da bateria de Luria derivam outras, como a Luria-Nebraska e o Teste de Barcelona, capazes de trazer uma ampla informação sobre o funcionamento das funções cognitivas e que têm ainda utilidade, embora o arsenal de testes neuropsicológicos tenha se tornado mais específico e se multiplicado de forma exponencial nos anos mais recentes. 4.1 Ciência cognitiva e ciência da informação: paralelos Segundo o Novo Dicionário Aurélio, o vocábulo cognição têm três significados, dos quais o primeiro é aquisição de um conhecimento. Segundo o psicólogo Paul Mussen, a cognição é um conceito amplo e abrangente que se refere às atividades mentais envolvidas na aquisição, processamento, organização e uso do conhecimento. Os processos principais envolvidos no termo cognição incluem detectar, interpretar, classificar e recordar informação; avaliar ideias; inferir princípios e deduzir regras; imaginar possibilidades; gerar estratégias; fantasiar e sonhar (MUSSEN et al., 1988). 15 Pode-se dizer, então, que a cognição envolve vários processos mentais: a atenção, a percepção, a memória, o raciocínio, o juízo, o pensamento, a imaginação e o discurso (CITI, 2006). A atenção pode ser definida como uma “abertura seletiva para uma pequena porção de fenômenos sensoriais que se impõem” (DAVIDOFF, 1983). Assim, para que o organismo não seja sobrecarregado, considerando a enorme quantidade de estímulos disponíveis para os seres humanos e outros animais, durante o estado de vigília, é preciso escolher quais destes estímulos serão realmente percebidos, papel que cabe à atenção. Segundo os psicólogos da Gestalt (KÖHLER, 1980), dentro de um determinado campo de estímulos, nossa atenção se dirige para um foco, que eles denominaram figura, enquanto o restante funciona como fundo para essa figura, de forma intercambiável. A atenção pode ser involuntária (determinada por estímulos externos) ou voluntária (conduzida pela intenção do sujeito). Uma vez que a atenção focalizou determinado grupo de estímulos, os sentidos, as janelas do ser humano para o mundo, entram em ação para fornecer informações sensoriais (sensações), as quais são organizadas e interpretadas no processo de percepção, de forma a ser desenvolvida a consciência do ambiente e de si mesmo (DAVIDOFF, 1983). A percepção integra numerosas atividades cognitivas e envolve, além dos estímulos presentes, a experiência anterior do sujeito que percebe. As informações sensoriais apreendidas pelos sentidos são momentaneamente armazenadas, de acordo com o modelo proposto por Atkinson-Shiffrin (DAVIDOFF, 1983), na memória sensorial. Boa parte destas informações desaparecerá em menos de um segundo, mas algum serão transferidas para a memória de curto prazo (MCP), onde são retidos os pensamentos, informações e experiências, dos quais se toma consciência em determinado momento, geralmente por cerca de quinze segundos, tempo que pode ser aumentado pela repetição. Através de estratégias cognitivas é feito o processamento de informações que serão armazenadas na memória de longo prazo (MLP). Existe uma interação constante entre a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. O raciocínio é o processo de exercitar a mente e a faculdade de conectar juízos, o processo de pensamento de discussão, debate e argumentação e a manifestação da propriedade discursiva da mente. 16 “O raciocínio decorre do juízo e da apreensão, independentemente de qual destes dois ocorra primeiro no desenvolvimento psicológico; assume a crença na sua própria validade sem se perturbar pela dúvida e implica vários hábitos lógicos e métodos que podem ser organizados numa doutrina lógica; requer a referência a algum princípio último para justificar o seu progresso”. (CITI, 2006 apud Souza R; 2010). Outro processo mental envolvido na cognição é o juízo, a capacidade de avaliar a exatidão e a adequação das próprias ideias, ponderando sobre elas, rejeitando conclusões incorretas e retendo respostas até que estejam confiantes de que sua solução é correta (MUSSEN et al., 1988). A atividade mental sem objetivo específico é chamada pensamento não dirigido, enquanto o pensamento dirigido visa uma determinada meta. Chama-se insight à reorganização mental dos elementos de uma situação problema, levando a uma solução correta para este problema (MANIS, 1973). Por fim, a cognição envolve o discurso, a comunicação ordenada do pensamento ou o poder de pensar logicamente. Segundo MUSSEN e outros (1988), palavras e frases desempenham papéis significativos no raciocínio, na solução de problemas, na codificação e no armazenamento de conhecimento. Mas não se pode esquecer que existem outras formas de representação mental, como imagens visuais, símbolos matemáticos e imagens auditivas. O que se pode observar, portanto, é que a cognição é um fenômeno multifatorial, de alta complexidade, que envolve várias atividades mentais, numa interação constante, que resulta numa mudança da competência do sujeito cognoscente. 4.2 Abordagens ao processo de cognição A abordagem behaviorista à aquisição de conhecimento é uma das mais conhecidas e das que mais influenciaram os sistemas de educação e várias outras áreas. Neste ponto de vista, a cognição é vista como modificação de comportamento, ou seja, a aquisição de novas associações, informações, insights, aptidões, hábitos etc. Isso ocorre através de três processos fundamentais (DAVIDOFF, 1983): condicionamento respondente, condicionamento operante e observação. 17 Um condicionamento é a criação de uma nova associação entre um sentimento, estado fisiológico ou ação, de um lado, e um evento que constitui um estímulo, do outro. O condicionamento respondente, ou clássico, envolve um comportamento reflexo, o qual pode ser condicionado pela associação do estímulo que o elicia a um outro que não exerce esse papel e que, ao final de um período de tempo, também passará a provocar essa resposta automática (controle pelos antecedentes). No condicionamento operante, a frequência de ocorrência de um comportamento operante (um ato iniciado voluntariamente peloindivíduo) é modificada (aumentada ou diminuída) pelos eventos que seguem esse comportamento (controle pelas consequências). Se estes eventos forem agradáveis para o sujeito (reforço), é provável que o comportamento se repita mais frequentemente. Já se as consequências forem desagradáveis (punição), o comportamento tem probabilidade de ser repetido com menor frequência. Dentro desta abordagem, a mudança de comportamento pode ser causada também pela observação dos atos de outro indivíduo, processo que recebe várias denominações: aprendizagem por observação, aprendizagem vicariante, aprendizagem social, modelação ou imitação. “Uma das teorias mais conhecidas sobre o desenvolvimento cognitivo foi desenvolvida pelo psicólogo suíço Jean Piaget, que partia do pressuposto que o conhecimento tem uma meta ou propósito específico: ajudar a pessoa a adaptar-se ao ambiente”. (MUSSEN et al., 1988 apud SOUZA R, 2010). A informação não é recebida passivamente pela criança ou adulto, nem os pensamentos são simplesmente produtos de ensino direto ou imitação dos outros, ponto em que diverge totalmente da abordagem behaviorista. Para Piaget, existem três mecanismos que produzem este processo de adaptação: assimilação (esforços do indivíduo para lidar com o ambiente, fazendo-o ajustar-se às estruturas existentes em seu próprio organismo – por incorporação), acomodação (tendência do indivíduo de mudar em resposta às exigências do ambiente) e equilibração (esforços do organismo para atingir equilíbrio em suas interações com o ambiente, utilizando os mecanismos anteriores). Estes mecanismos atuam ao longo de toda a vida do indivíduo. 18 A abordagem de processamento da informação busca compreender como a informação é interpretada, armazenada, recuperada e avaliada através da compreensão de processos específicos envolvidos nesta atividade, tais como percepção, memória, inferência, avaliação de informação e uso de regras. Um dos pontos enfocados é a retro informação, a informação recebida pelo indivíduo quanto ao sucesso ou não de sua estratégia na resolução de um problema, levando a uma reorganização do seu conhecimento e a uma mudança de comportamento. Um dos instrumentos mais utilizados nesta abordagem é o computador, cuja aplicação na simulação de processos mentais levou ao desenvolvimento de uma área denominada Inteligência Artificial. Outra forma de abordar a aquisição de conhecimento é dada por Vygotsky e Luria, que analisaram os processos mentais superiores, envolvidos na cognição, sob uma perspectiva sócio histórica (LURIA, 1990). Eles partiam de pressupostos do materialismo histórico de Marx, de que quando o homem introduz uma modificação no ambiente, através de seu próprio comportamento, esta modificação vai influenciar seu comportamento futuro. O desenvolvimento mental, portanto, deve ser visto como um processo histórico no qual o ambiente social e não-social induz o desenvolvimento de processos de mediação de várias funções mentais superiores. Para estes cientistas, a cognição é muito mais ampla que a concepção do pensar, envolvendo percepção, emoção, ação, e, no domínio humano, a linguagem, o pensamento conceitual e outros atributos da consciência humana. Nesta abordagem, a cognição não envolve necessariamente o pensar, sendo um fenômeno biológico, que só pode ser entendido como tal, dizendo respeito ao organismo que conhece. Maturana e Varela definem a cognição como a capacidade de a vida “construir um sentido”, considerando os sistemas vivos como sistemas cognitivos, e a própria vida como um processo de cognição. Esta abordagem vem se disseminando rapidamente, como parte de um movimento global que busca encontrar uma base comum a fenômenos e sistemas diferentes. 19 Uma vez apresentadas as principais abordagens ao processo de cognição, buscaremos, no próximo tópico, enfocar a inter-relação entre estas e os modelos da Ciência da Informação. 4.3 Fundamentos do behaviorismo Abordar a temática do behaviorismo exige algumas considerações prévias e distinções relevantes sobre concepções em torno das proposições de uma ciência do comportamento, que vieram se consolidando desde a segunda década do século XX e que deram origem a variadas abordagens sobre o assunto. Ainda que se encontre entre os behavioristas a concordância quanto à possibilidade de uma ciência do comportamento, constata-se que há entre os diversos estudiosos divergências quanto ao que seria tal ciência. Ao propor-se uma ciência do comportamento esbarra-se em uma série de questões de natureza metodológica e mesmo éticas. Discutir o que seria o comportamento e seus determinantes coloca em análise concepções e preconcepções do homem a respeito de si mesmo e de seu papel, levando-o a questionar convicções pessoais, morais, sociais e até religiosas. O surgimento de um posicionamento de natureza científica nesta área, evidentemente, não se deu de forma repentina, sendo necessário para sua compreensão remeter às suas origens filosóficas, históricas e científicas. O surgimento do behaviorismo implicou, em certa medida, numa revolução metodológica e numa nova visão de homem, pois como apontado por Staats (1980) antes do aparecimento do behaviorismo, o método fundamental para a Psicologia era o da introspecção, sendo que os psicólogos consideravam tarefa da psicologia investigar os conteúdos, a estrutura e o funcionamento da mente, realizando o sujeito um autoexame e relatando a sua experiência, se interpretando o comportamento animal através de uma extrapolação do conceito de consciência humana. As vertentes behavioristas recusam explicações de natureza idealista para o comportamento, não admitindo que construtos hipotéticos, no plano das ideias ou de fenômenos internos, sejam atribuídos como causa para o comportamento, devendo este ser visto como um fenômeno natural. 20 Baum (1999) estabelece que quanto à tradição filosófica que embasa as vertentes do behaviorismo, constatar-se-ia no behaviorismo radical uma conformidade ao pragmatismo, enquanto nos pontos de vista anteriores percebia-se como influência o realismo. O termo behaviorismo foi inaugurado por John Broadus Watson (1878 – 1958) em seu artigo intitulado “ Psicologia: como os behavioristas a veem”. Behavior é termo do idioma inglês, que traduzido para a língua portuguesa significa comportamento. Assim sendo, no Brasil, outras denominações do Behaviorismo são: Comportamentalismo, teoria comportamental, análise experimental do comportamento, análise do comportamento e psicologia experimental: embora o termo behaviorismo seja o mais utilizado (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 2005). “John B. Watson, com a publicação do seu artigo intitulado "Psicologia: como os behavioristas a vêem", inaugura, em 1913, o termo que passa a denominar uma das mais expressivas tendências teóricas ainda vigentes: o Behaviorismo. O termo inglês "behavior" significa "comportamento", razão pela qual usamos, no Brasil, Behaviorismo como também Comportamentalismo, Análise Experimental do Comportamento, entre outros, para nos referirmos à visão teórica em pauta (FURTADO, op.cit.). Ao postular o comportamento como objeto de estudos da Psicologia, Watson estabelece um objeto de estudos "observável e mensurável, cujos experimentos poderiam reproduzir diferentes condições e sujeitos””. (ibid. p.45 apud TERRA M, 2003). Ao tratar de behaviorismo, dois pensadores merecem destaque: Watson e Skinner. O primeiro, Watson, é considerado a porta – voz da abordagem behaviorista. Já Skinner é considerado o principal autor dessa abordagem. A distinção do pensamento desses dois estudiosos se assemelha à distinção da abordagem entre o chamado behaviorismo metodológico e o behaviorismo radical. O behaviorismo surge na tentativa de conferir à psicologia status de ciência, postulando para a mesma um objetode estudo “observável, mensurável, cujos experimentos poderiam ser reproduzidos em diferentes condições e sujeitos”. (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 2005). Tal tentativa se dá como reação à abordagem mentalista que vigorava na época, a qual estudava o homem com base em estados e eventos mentais, utilizando especialmente a introspecção como método de análise. O behaviorismo não é a ciência do comportamento humano, mas, sim, a filosofia dessa ciência. 21 Algumas das questões que ele (o behaviorismo) propõe são: é possível tal ciência? Pode ela explicar cada aspecto do comportamento humano? Que métodos pode empregar? São suas leis tão validas quanto as da física e da biologia? Proporcionara ela uma tecnologia e, em caso positivo, que papel desempenhará nos assuntos humanos? (Skinner, 1982). “O comportamentalismo, com acentuação no 'ismo', não é o estudo científico do comportamento, mas uma filosofia da ciência preocupada com o tema e métodos da psicologia”. (Skinner, 1969/1980, apud Hanna E 2010). A posição de Skinner ao definir o behaviorismo como uma filosofia da ciência e não como uma ciência é importante, à medida que evidência os questionamentos que a abordagem faz, bem como que a busca pelo conhecimento acerca do comportamento humano, não como algo pronto e acabado, mas um conhecimento em transformação. Tipos de Behaviorismo Metodológico Consiste na teoria explicativa do comportamento publicamente observável da Psicologia, a qual postula que esta deve ocupar-se do comportamento animal (humano e não humano) apenas quando for possível uma observação pública para obter uma mensuração, ao invés de ocupar-se dos estados mentais que possam gerar ou influenciar tais comportamentos. Assim o behaviorismo metodológico acredita na existência da mente, mas a ignora em suas explicações sobre o comportamento. Para o behaviorismo metodológico os estados mentais não se classificam como objetos de estudo empírico. Seus postulados foram formulados predominantemente pelo psicólogo americano John Watson. Em oposição ao Behaviorismo metodológico foi proposto o Behaviorismo radical, desenvolvido por Burrhus F. Skinner. “As concepções de Watson, guiadas pela psicologia objetiva de Comte, representam uma grande oposição à introspecção, movimento que vigorava na época, assim como rejeitavam também a analogia como métodos. As proposições de Watson, portanto, trouxeram respostas essenciais aos objetivos que os psicólogos buscavam na época e contribuíram para o rompimento definitivo da psicologia com a sua tradição filosófica”. (STAATS 1980 apud TERRA M, 2003). 22 Behaviorismo Radical O Behaviorismo Radical consiste numa filosofia da Psicologia, a qual se propõe a explicar o comportamento animal (humano e não humano) com base no modelo de seleção por consequências e nos princípios do comportamento postulados pela Análise Experimental do Comportamento (AEC). O nome que mais fortemente está associado a esta linha do behaviorismo é o de Burrhus Frederic Skinner. Filosófico O behaviorismo filosófico consiste na teoria analítica que trata do sentido e da semântica das estruturas de pensamento e dos conceitos. Defende que a ideia de estado mental, ou disposição mental, é na verdade a ideia de disposição comportamental ou tendências comportamentais. Nesta concepção, são analisados os estados mentais intencionais e representativos. Esta linha de pensamento fundamenta-se basicamente nos postulados de Ryle e Wittgenstein. A análise do comportamento não é uma área da psicologia, mas uma maneira de estudar o objeto da psicologia. Destarte, é necessário tentar esclarecer os significados dos termos “behaviorismo”, “análise do comportamento” e “psicologia”. O termo “behaviorismo” tem sido utilizado de diversas maneiras e de tal modo que se pode afirmar que há muitas variedades de significado para ele. Desde o manifesto de Watson muitas características foram atribuídas ao termo supracitado, sendo que muitas delas perderam-se no tempo ante as críticas irrespondíveis, outras permanecem. Para Harzem e Miles (1978) a palavra behaviorismo tem uma “família de significados” e, por isso, além de desnecessário, é um equívoco esperar-se encontrar o seu “verdadeiro” significado. Portanto, a menos que se faça a distinção entre as diversas variedades de significados, não é útil proclamar-se “a favor” ou “contra” o behaviorismo. Harzem e Miles (1978) utilizam uma classificação defendida por Mace (1948) para as variedades de behaviorismo: metafísico, metodológico e analítico. O behaviorismo metafísico afirma que mentes ou eventos mentais não existem; o behaviorismo metodológico afirma que se mente ou eventos mentais existem, não são objetos apropriados para o estudo científico; e o behaviorismo analítico afirma que os enunciados feitos com o propósito de se referir à mente ou eventos mentais tornam- se, quando analisados, enunciados acerca do comportamento. 23 Harzem e Miles argumentam que as discussões sobre o behaviorismo metafísico e o behaviorismo metodológico são o resultado de erros conceituais, e que tanto a aceitação quanto a rejeição de um ou de outro são igualmente (e logicamente) injustificáveis. O behaviorismo analítico é diferente dos outros dois tipos porque suas proposições têm caráter claramente conceitual. A tese central afirma que sentenças a respeito de mentes e eventos mentais requerem uma tradução para sentenças sobre o comportamento. O behaviorismo analítico, nesse sentido, é uma proposta conceitual: não é uma teoria sobre o que deve ser estudado, nem é um conjunto de instruções sobre como se deve estudar, nem é um conjunto de instruções sobre como se deve fazer pesquisa (HARZEM & MILES, 1978). A análise do comportamento origina-se de uma posição behaviorista assumida por Skinner por motivos mais históricos que puramente lógicos. Skinner parte da constatação de que há ordem e regularidade no comportamento. Um vago senso de ordem emerge da simples observação mais cuidadosa do comportamento humano. Estamos todos continuamente analisando circunstâncias e predizendo o que os outros farão nessas circunstâncias, e nos comportamos de acordo com nossas previsões. Se as interações entre os indivíduos fossem caóticas, simplesmente não estaríamos aqui. O estudo científico do comportamento aperfeiçoa e completa essa experiência comum quando demonstra mais e mais relações entre circunstâncias e comportamentos, e quando demonstra as relações de forma mais precisa. Fonte: ebah.com.br 24 Para entender-se análise do comportamento é necessário conhecer algumas das premissas sustentadas por Skinner e associados e aceitas por aqueles que se denominam analistas do comportamento. Vejamos algumas dessas premissas: Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e são modificados pelas consequências de suas ações. (Skinner, 1957/1978). A psicologia é o estudo da interação entre organismo e ambiente. (Harzem & Miles, 1978). Através de análise chega-se aos conceitos de estímulo e resposta. Um estímulo pode ser definido como ‘uma parte, ou mudança em uma parte, do ambiente’, já uma resposta pode ser definida como ‘uma parte, ou mudança em uma parte, do comportamento’. Fonte: behavioristaemacao.com No entanto, um estímulo não pode ser definido independentemente de uma resposta. Com esses pressupostos, e sem descartar a priori quaisquer fontes de informação, a análise do comportamento desenvolveu-se como uma linguagem da psicologia, aperfeiçoou métodos de estudo para questões tradicionais da psicologia, abriu novos campos de pesquisa e gerou tecnologias em uso por toda parte. Já se escreveu muito sobre os métodos da análise do comportamento e as descrições são aproximadamente as mesmas, variando apenas na ênfase dada a estes ou aqueles aspectos. 25 Como resumidopor Honig (1966), os métodos de trabalho na pesquisa caracterizam-se pela utilização conjunta dos seguintes aspectos quando o trabalho é de análise experimental: Estudo intensivo do comportamento do indivíduo; Controle estrito do ambiente experimental; Uso de uma resposta repetitiva que produz pouco efeito imediato no ambiente; Meios eficazes de controle do comportamento do sujeito; Observação e registro contínuo do comportamento; e Programação de estímulos e registro de eventos automáticos. Fonte: psicoativo.com É interessante notar que as características dos métodos utilizados geralmente referem-se apenas à análise experimental do comportamento de animais não humanos. Essa caracterização é falha, e por vários motivos. Primeiro, não há sentido em descrições que confundam análise do comportamento com análise experimental do comportamento de animais não humanos. Ao apontar as virtudes dessas descrições, Skinner (1953/1967) foi claro: “O comportamento humano se caracteriza por sua complexidade, sua variedade, e pelas suas maiores realizações, mas os princípios básicos não são por isso necessariamente diferentes”. (p. 47) 26 A ciência avança do simples para o complexo: constantemente tem que decidir se os processos e leis descobertos para um estágio são adequados para o seguinte. Seria precipitado afirmar neste momento que não há diferença essencial entre o comportamento humano e o comportamento de espécies inferiores, mas até que se empreenda a tentativa de tratar com ambos nos mesmos termos, seria igualmente precipitado afirmar que há. Uma análise experimental do comportamento de animais não humanos é, então, uma parte, e não necessariamente a inicial do trabalho. Ela também não é um fim em si mesma. Fonte: pt.slideshare.net Segundo, as caracterizações normalmente ignoram análise conceitual como parte de uma análise do comportamento. Entretanto, é fácil constatar o quanto da contribuição de Skinner à psicologia tem a ver com o que Harzem e Miles (1978) denominam “o comportamento lógico dos conceitos”. Terceiro, muito do progresso obtido pela análise do comportamento deve-se a análises funcionais não experimentais. Seguramente, mais da metade dos escritos de Skinner refere-se às análises funcionais não-experimentais, isto é, à identificação (ou tentativa de identificação) de variáveis dependentes e independentes e de processos de interação em exemplos de comportamento humano. 27 Veja-se, como ilustração, as seções “O indivíduo como um todo”, “O comportamento de pessoas em grupo” e “Agências controladoras”, em Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/1967) e o livro Contingências de Reforço (Skinner, 1969/1980). Quarto, intentos de caracterização da análise do comportamento muitas vezes confundem aspectos da análise com idiossincrasias do analista. Os trabalhos de Skinner, por exemplo, podem ser vistos sob diferentes prismas: há trabalhos de análise experimental, de análise conceitual, de análise funcional não experimental e há trabalhos de prescrição moral. Poucos analistas do comportamento admitiriam, entretanto, que prescrições morais caracterizam a análise do comportamento. Fonte: youtube.com/watch Quinto, questões ideológicas muitas vezes são confundidas com caracterizações da análise do comportamento, especialmente quando o aspecto ideológico não é explicitado. Vale ressaltar que isso quase sempre acontece quando se discute a resolução de problemas práticos por psicólogos que se utilizam de uma análise do comportamento. Neste ponto, devemos admitir que a ideologia dominante em uma sociedade dirige tanto os esforços de pesquisa quanto os de aplicação. Quando questões ideológicas não são explicitadas e analisadas, corremos o risco de confundir pressupostos básicos da análise do comportamento com características ideológicas de uma determinada sociedade. Quando Skinner (e.g., 1953/1967) explicitou um programa de trabalho para o desenvolvimento de uma ciência do comportamento, previu uma análise experimental do comportamento como um dos aspectos de um empreendimento maior. 28 Para Skinner, o material a ser analisado provém de muitas fontes, das quais a análise experimental do comportamento é apenas uma delas. “A extinção de resposta implica na suspensão da condição que mantém a resposta, levando à diminuição de sua frequência e até sua eliminação. "Quando o reforço não estiver sendo dado, a resposta torna-se menos frequente, o que se denomina 'extinção operante'". (SKINNER, 2003 apud AURÉLIO M, 2017). Skinner aponta a utilidade de observações casuais, observações de campo controlada, observações clínicas, observações controladas do comportamento em instituições, estudos em laboratório do comportamento humano e, por fim, estudos de laboratório do comportamento de animais não humanos. Não há sentido, pois, em discutir análise experimental do comportamento sem primeiro discutir análise do comportamento. Fonte: estudopratico.com Vejamos, então, um resumo do exposto. Behaviorismo analítico (ou linguístico, como prefeririam os filósofos de hoje) é uma reflexão a respeito dos enunciados da psicologia: não é uma teoria sobre o que deve ser estudado, nem é um conjunto de instruções sobre como se deve fazer pesquisa. A análise do comportamento é uma linguagem da psicologia que tem como seu objeto o estudo de interações comportamento-ambiente. Interessa-se, especialmente, pelo homem, mas estuda também interações envolvendo outros animais sempre que houver algum motivo para supor que tais estudos possam ajudar no esclarecimento de interações homem-ambiente. 29 A análise experimental do comportamento busca relações funcionais entre variáveis, controlando condições experimentais (variáveis de contexto, segundo Staddon, 1973), manipulando variáveis independentes (mudanças no ambiente) e observando os efeitos em variáveis dependentes (mudanças no comportamento). O conceito de ambiente é decomposto em histórico, biológico, físico e social, apenas como um recurso de análise útil para apontar os diversos fatores que, indissociáveis, participam das interações estudadas pelo psicólogo. Sem a decomposição necessária para a análise, o todo é ininteligível; por outro lado, a ênfase exclusiva nas partes pode levar a um conhecimento não relacionado ao todo. O jogo constante de ir e vir, de atentar para a intercalação das partes na composição do todo, é essencial para o entendimento das interações organismo- ambiente. Assim como o ambiente pode ser analisado em diferentes níveis, comportamento pode ser entendido em diferentes graus de complexidade. Não é a quantidade ou a qualidade de músculos ou glândulas envolvidas, ou os movimentos executados o que importa. O comportamento não pode ser entendido isolado do contexto em que ocorre. Não há sentido em uma descrição de comportamento sem referência ao ambiente, como não há sentido, para a psicologia, em uma descrição do ambiente apenas. Os conceitos de comportamento e ambiente, e de resposta e estímulo, são interdependentes. Um não pode ser definido sem referência ao outro (TODOROV, 1981). Fonte:constelarflorianopolis.com 30 Ao isolar alguma instância do comportamento, estamos detectando algum tipo de interação organismo-ambiente. Vejamos um exemplo: a perda de um parente próximo será seguida ou não de depressão, dependendo de fatores como a idade de quem morreu, a idade do parente que sobrevive, o grau de parentesco, o grau de afetividade do relacionamento, a duração da enfermidade, a magnitude da herança etc., ou seja, a relação funcional “perda de um parente-depressão exógena” depende de variáveis de contexto, que são os fatores acima apontados (STADDON, 1973). Staddon, em um artigo sobre a noção de causa em psicologia, mostra como a noção de contextonão é limitada temporalmente. Contexto não se refere apenas às características atuais do ambiente externo. No nosso exemplo, o grau de afetividade pode ter se estabelecido há anos por meio de interações envolvendo os dois parentes e exerce sua influência mesmo que a morte ocorra num período em que os dois não se comunicam há muito tempo. Para a identificação de relações funcionais, o analista do comportamento se utiliza do conceito de contingência como instrumento. O termo contingência é empregado para se referir à regras que especificam relações entre eventos ambientais ou entre comportamento e eventos ambientais. A análise do comportamento tem algumas características que a distinguem de outras linguagens que prosperam na psicologia. Dentre essas características, pode- se citar a análise experimental do comportamento de organismos individuais. Fonte: pt.slideshare.net Interações comportamento-ambiente ocorrem sempre no tempo. Nosso objeto de estudo não é uma coisa, mas um processo. A maior importância dada aos esforços 31 de quantificação nos últimos tempos, tem levado os estudos de análise experimental do comportamento a uma preocupação com processos estáveis. Para a análise do comportamento e, em especial, para a resolução de problemas práticos pelo psicólogo, interessam também, e muito, as informações sobre processos em estágio de transição (TODOROV, 1983). Quando uma nova contingência entra em vigor, seus efeitos dependerão dos processos de interação que estão ocorrendo. Fonte: definicionabc.com O psicólogo experimental pode dispor as condições mais adequadas (ou menos inadequadas) para estudar essas transições e também para estudar interações dos efeitos de diversas variáveis. O psicólogo no exercício profissional, entretanto, defronta-se com um problema prático. A identificação dos processos de interação quase nunca pode ser feita após minucioso estudo experimental acerca de quais variáveis, dentre as diversas possíveis, que estão presentes no caso que tem em mãos. O psicólogo depende, nessas circunstâncias, da linguagem teórica da análise do comportamento para orientá-lo na identificação dos processos e nas possíveis intervenções. Ao refletir sobre essa linguagem e sobre sua aplicabilidade à realidade em que se vive, o psicólogo contribui para os trabalhos de análise conceitual e de revisão conceitual. 32 4.4 Comportamento criativo na resolução de problemas Um problema pode ser definido como uma situação em que “falta uma resposta capaz de produzir alguma condição que será reforçadora” (SKINNER, 1974/1982, p.98). Partindo desta definição, a resolução de problemas é tida como qualquer comportamento de manipulação de variáveis que aumenta a probabilidade do aparecimento de uma resposta que produza reforçamento naquela situação (SKINNER, 1953/1989, 1974/1982). Skinner (1974/1982) chama a atenção para o fato de que “resolver um problema é mais do que a resposta que lhe constitui a solução; é uma questão de dar os passos necessários para tornar tal resposta mais provável, via de regra mudando o ambiente”. A resolução de um problema pode demandar uma série de respostas de manipulação do ambiente, como a classificação e reclassificação dos dados a partir de critérios diferentes, a comparação entre os resultados obtidos, a separação em classes diferentes e a utilização de símbolos atribuídos a cada uma das classes elaboradas. Portanto, a resolução de problemas constitui-se numa resposta (ou sequência de respostas) complexa. Quanto à possibilidade de observação do processo de resolução de problema, podemos afirmar que o responder pode ocorrer de forma aberta ou encoberta. Considerando como exemplo uma criança que separa as peças de um quebra-cabeça pelas cores semelhantes, na tentativa de encontrar mais facilmente a forma exata de se encaixarem, sua ação pode acontecer diretamente no ambiente ao manipular abertamente as peças, ou ela pode fazer isso de forma encoberta, apenas pensando em grupos de peças separados pelas cores, sem tocá-las de fato. Apesar de topograficamente diferente, a resposta de separar as peças de forma encoberta pode ser tratada como uma ação funcionalmente semelhante à resposta pública. Na verdade, o agir privadamente tem origem em um responder público ocorrido no passado. Uma criança só consegue pensar e visualizar de forma encoberta as peças do quebra-cabeça em posições alteradas porque já havia previamente aprendido a manipulá-las de forma aberta. 33 Ou seja, as respostas privadas de solução de problema são aquelas mesmas aprendidas inicialmente de forma pública e que, posteriormente, passaram a uma forma privada de ocorrência (SKINNER, 1974/1982). Pensar frequentemente antes de agir abertamente pode ser justificado por algumas de suas propriedades, em primeiro lugar, porque o pensar pode ocorrer de forma relativamente independente do ambiente atual. Uma resposta que não pode ser abertamente emitida sob determinadas contingências pode ocorrer de forma privada ao indivíduo, permitindo o manejo de um maior número de variáveis e tentativas de resposta, de modo a garantir uma maior probabilidade de encontrar uma solução (SKINNER,1974/1982). Uma outra vantagem estaria no fato do pensar quase sempre representar um custo de resposta menor que a ação pública, podendo ser emitido numa frequência muito maior. Por fim, pensar pode significar agir sem contato direto com as consequências, o que é especialmente vantajoso naquelas situações nas quais determinados cursos de ação podem resultar em punição. Uma consequência da maior frequência das respostas privadas é que o indivíduo que costuma pensar antes de agir está emitindo, privadamente, um maior número de variações de respostas potencialmente solucionadoras, o que, teoricamente, o deixa em vantagem sobre aquele que necessita emiti-las de forma pública. Skinner (1974/1982) considerou ainda a possibilidade do curso de ação tomado se revelar inédito. Seria esse fato explicável pelo modelo da análise do comportamento? A resposta é positiva, pois a introdução do conceito de condicionamento operante permitiu a Skinner uma argumentação consistente para a explicação da ocorrência de tal comportamento. De acordo com o autor, o processo responsável pelo surgimento de uma ação inédita é parecido com a forma pela qual a seleção natural produz mutações que resultam na evolução das espécies, pois “assim como traços acidentais, surgidos de mutações, são selecionados, assim também variações de comportamento são selecionadas por suas consequências reforçadoras” (1974/1982). Como as variáveis ambientais responsáveis pela emissão de uma resposta nunca são exatamente iguais, toda resposta, mesmo que se assemelhe 34 topograficamente a uma anterior, não é exatamente a “mesma” resposta. Portanto, o ineditismo ou a originalidade que usualmente se atribui a uma resposta criativa ocorre, em medidas variáveis, em toda e qualquer resposta. Neste sentido, a inexistência da resposta até sua emissão não constitui um critério adequado para a definição de uma resposta criativa. Um outro aspecto a ser considerado na resolução de problemas refere-se ao tipo de controle da resposta. Embora comportamentos governados por regras possam estar envolvidos na resolução de problemas, é mais provável que um comportamento criativo ocorra sob controle das contingências, pois regras costumam especificar respostas já conhecidas e ocorridas que foram anteriormente reforçadas (SKINNER, 1969/1984, 1974/1982). Além disso, não costumamos chamar de “originais” aquelas respostas imitativas ou controladas por estímulos verbais explícitos (SKINNER, 1953/1989). Além da resolução de problemas, uma análise da criatividade deve levar em conta outros processos comportamentais. Para Skinner (1953/1989), novas ideiaspodem ocorrer independentemente de uma situação problema e isso não deve causar estranhamento, pois frequentemente manipulamos materiais no mundo que nos cerca para gerar “novas ideias” quando nenhum problema definido está presente. Uma criança de seis anos, brincando com um baldinho de areia e uma bola de borracha, coloca a bola apoiada na abertura do balde. Isso “dá a ela uma ideia.” Começa a lamber a bola como se o conjunto todo fosse um sorvete, e imediatamente refere-se a ele como tal. Não há nada misterioso a respeito deste “ato de pensamento”. As respostas verbais e manipulativas apropriadas a um sorvete foram evocadas por aspectos geométricos semelhantes do balde e da bola. Não houve um problema significativo: uma manipulação ociosa da natureza simplesmente gerou um novo padrão, o qual, através da indução de estímulos, evocou uma resposta caracteristicamente com alguma probabilidade de emissão em uma criança de seis anos. É nessa perspectiva, portanto, que se podem considerar as respostas criativas de um artista. Ou seja, uma realização artística envolve a exploração do ambiente de diversas formas (como a utilização de embalagens e materiais de sucata nas artes 35 plásticas), sem que haja necessariamente um problema a ser resolvido, a não ser a criação de algo novo ou diferente (SKINNER, 1953/1989). Costumamos ouvir de artistas plásticos que suas obras procuram “retratar a realidade de uma forma diferente”. Isso nos dá indicações sobre as variáveis de controle do seu comportamento. Ao buscar um resultado estético, o artista produz uma “representação” diferente do real (em relação à forma usual de representá-lo), sob controle de aspectos diferentes dos mesmos objetos daquela situação. O que diferencia uma representação ordinária de uma representação artística, neste caso, é que o artista procura ficar propositadamente sob controle de estímulos discriminativos, que normalmente não exercem controle do comportamento de outrem. A fonte de controle do comportamento do artista em procurar identificar novos estímulos ou novas relações com determinada situação pode ser atribuída a condições socialmente estabelecidas. Para a comunidade verbal, esse comportamento torna-se relevante à medida que permite uma maior variabilidade e, consequentemente, uma maior probabilidade de lidar com aquela situação de forma mais produtiva. Portanto, a produção criativa exerce função reforçadora tanto para o indivíduo, aumentando a probabilidade de ocorrência de ações criativas, como para a comunidade, fazendo com que persista na cultura a valorização da criatividade. 4.5 Comportamento criativo no comportamento verbal Respostas criativas também são frequentes no comportamento verbal. Provavelmente isso se deve ao fato de a vocalização humana ser constituída por componentes que, através dos processos de variação e seleção, podem ser facilmente divididos e recombinados de forma inédita, favorecendo a formação de novas palavras e novas frases. De forma equivalente, o mesmo processo ocorre com o produto escrito do comportamento verbal. De acordo com Skinner (1974/1982), no comportamento verbal, como em todo comportamento operante, formas originais de resposta são suscitadas por situações 36 às quais uma pessoa não foi anteriormente exposta. A origem do comportamento não é diversa da origem das espécies. Novas combinações de estímulos aparecem em novas situações, e as respostas que as descrevem podem nunca ter sido dadas antes pelo falante, ou lidas ou ouvidas por ele na fala de outrem. Há muitos processos comportamentais que geram “mutações”, as quais são então submetidas à ação seletiva das contingências de reforço. Nós todos produzimos novas formas por exemplo, neologismos, misturas, palavras portmanteau, observações espirituosas que envolvem distorção, e erros de fala rápida. No processo de criação verbal, um estímulo antecedente pode exercer controle discriminativo de uma resposta emitida. Observamos esse tipo de controle quando dizemos uma palavra e solicitamos que outra pessoa diga uma palavra associada àquela. Tal controle também pode ocorrer com o mesmo sujeito sendo falante e ouvinte. Às vezes esse controle pode ser tão sutil que nem o próprio falante é capaz de discriminá-lo (da mesma forma como pode acontecer com outros comportamentos), seja pelo fato do nosso comportamento ser complexamente multideterminado, seja porque as contingências de seleção estão necessariamente no passado, impossibilitando sua observação quando seu efeito é observado (SKINNER, 1981). “Skinner enfatiza que o controle está onipresente nas relações humanas, manifestando-se nos níveis e nas formas as mais diversas e ressalta que o controle tende a ser visto sempre como algo maléfico, mas não podemos nos esquecer de que existem controles inseridos nas contingências de reforço, dos quais não é possível escapar. Na verdade, a luta para a liberdade tem sido uma questão de libertar as pessoas do que nós chamamos de controle aversivo. Existem déspotas que controlam através de métodos punitivos e deste poder devemos nos livrar” (DOBRIANSKYJ, 1986 apud WEBER L, 1989). Um exemplo literário que pode evidenciar a sutileza do controle discriminativo sobre o comportamento verbal foi apresentado pelo próprio Skinner (1939/1961) antes mesmo de publicar seu livro Verbal Behavior. Nesse interessante estudo, Skinner apontou que a aliteração (repetição de fonema no início, meio ou fim de vocábulos próximos, ou mesmo distantes - desde que simetricamente dispostos - em uma ou mais frases de um ou mais versos), frequente nos sonetos de Shakespeare, não ocorria por acaso, mas estava sob 37 controle da “aparência” do som das sílabas iniciais de palavras iniciadas pelas mesmas consoantes, como na estrofe “Save that my soul’s imaginary sight”. Skinner (1939/1961) chama à atenção ainda para o fato de que o próprio produto imediato do comportamento do artista (a repetição de um fonema em uma estrofe, as cores e formas do quadro que está sendo pintado ou os sons da melodia da música que está sendo composta) pode ser um desses reforçadores sutis que controlam suas respostas subsequentes. Sloane, Endo e Della-Piana (1980) afirmam que uma resposta pode ficar sob controle discriminativo de vários estímulos e de muitas particularidades de cada estímulo em uma mesma situação, e propõem uma distinção entre duas formas pelas quais um estímulo discriminativo controla uma resposta subsequente. Quando a resposta subsequente é controlada por uma única variável, na presença da qual a comunidade comumente reforça aquela resposta, fala-se em controle discriminativo “formal”. Por exemplo, quando a comunidade reforça a resposta verbal “cachorro” na presença de um cachorro ou a resposta verbal “vai chover” na presença de muitas nuvens escuras. Por outro lado, quando uma resposta emitida está sob o controle sutil de múltiplas variáveis, e não é normalmente reforçada pela comunidade nessas condições (por não exercerem ou exercerem muito pouco controle sobre o comportamento de outras pessoas), trata-se de uma situação onde predomina o controle discriminativo “informal” (SLOANE et. al., 1980). Dessa forma, ao escrever: “No meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento Na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho [...]”. (ANDRADE, 1930/2002, p.47). O comportamento verbal do poeta Carlos Drummond de Andrade pode ser considerado sob controle discriminativo “informal”, já que a descrição de “uma pedra no meio do caminho” revela que a situação controlou seu comportamento verbal de uma forma diferente de como controlaria o comportamentoverbal de outros, pois seria 38 muito pouco provável que tal situação assumisse para outras pessoas a mesma função discriminativa para a criação de um poema. Apesar de fazerem a ressalva de que não se pode estabelecer uma relação de proporcionalidade entre o grau de controle discriminativo “informal” e o quanto uma resposta é considerada criativa, Sloane et. al. (1980) consideram que “estímulos ou relações de estímulos que sugerem um controle informal da resposta (...) são frequentemente discriminativos para identificar a resposta como criativa” (p. 20), e sugerem que as características do controle discriminativo da resposta, “formal” ou “informal”, possam ser utilizadas pelos analistas do comportamento como critério para definir uma resposta como criativa. Epstein (1980) critica a tentativa de definir um comportamento criativo nesses termos. Para o autor, a identificação da noção de controle “informal” como uma resposta determinada por variáveis múltiplas, e controle “formal” como aquele que se estabelece pelo efeito de uma única variável, não lhe parece uma categorização adequada, pois o número de variáveis controladoras não é o que confere um caráter criativo à resposta. Epstein (1980) sugere que é mais provável considerar um comportamento (ou um produto deste comportamento) criativo quando suas variáveis de controle são desconhecidas e não conseguimos explicar de outra forma aquela criação. No entanto, seguindo a mesma lógica da argumentação crítica apresentada por Epstein (1980), pode-se levantar a questão de que o controle de um comportamento por variáveis desconhecidas tampouco o faz, necessariamente, criativo. Portanto, ainda é necessário um maior desenvolvimento conceitual quanto à conceituação de comportamento criativo que possa dar conta das questões aqui levantadas. Finalmente, Skinner também faz referência à criatividade quando discute o ensino de habilidades que podem desenvolver um repertório mais criativo no indivíduo. 4.6 O ensino do comportamento criativo De acordo com Alencar (1990), “nosso ensino é voltado basicamente para a reprodução do conhecimento, e pouco ou nada se faz no sentido de preparar o aluno para a produção de ideias e de conhecimento.” (p.9). 39 Além disso, continua a autora, tal ensino é voltado para o “não pensar”, pois o aluno geralmente recebe a informação pronta para ser assimilada e depois reproduzida. Finalmente, Alencar (1990) critica o ensino tradicional por ser voltado para o passado, ou seja, para fatos já conhecidos; “o espaço reservado para a exploração, para a descoberta, para o pensamento criador, é reduzido e às vezes inexistente”. Skinner preocupou-se em discutir como a sociedade pode proporcionar à criança e ao jovem um ensino que não leve em conta apenas o conteúdo de disciplinas formais, pois as constantes alterações de informação poderão torná-lo pouco funcional num futuro próximo. Para o autor, a escola deve preocupar-se prioritariamente em desenvolver habilidades capazes de levar o indivíduo a relacionar- se produtivamente com situações novas (SKINNER, 1968). Criticando o ensino tradicional, Skinner (1968) comenta que muitas vezes os professores chegam a restringir a transmissão de conhecimentos já estabelecidos ao aluno, na expectativa de que, ao buscar as respostas por si só, o mesmo tenha maior facilidade em produzir um comportamento criativo. Mas, de acordo com Skinner, a adoção de atitudes pedagógicas pouco eficazes como esta, provavelmente está relacionada com a crença na criatividade enquanto uma faculdade interna. Para Skinner (1968), o conhecimento prévio até facilita a tarefa do aluno de encontrar soluções para novos problemas, não havendo perigo de que tal conhecimento possa sobrecarregá-lo ou possa inibir sua “criatividade”. Além de ser uma visão equivocada do fenômeno, acreditar que o comportamento criativo é dependente de uma faculdade interna ou de um dom inato, pode levar a uma desconsideração da responsabilidade do educador em prover as contingências ambientais necessárias para o seu desenvolvimento (Azevedo, 1998; SKINNER, 1968). “Algumas vezes, falamos sobre o que as pessoas fazem, outras sobre o que elas sabem. Por outro lado, o que alguém faz é a única coisa que está acessível a nós. Não há outra coisa a ser estudada, senão o comportamento. Em um experimento de aprendizagem, por exemplo, uma pessoa pode descrever pensamentos ou sentimentos, mais tais descrições ainda são comportamentos (o comportamento verbal pode ser especial, mais ainda assim é um comportamento). Independentemente de quais sejam os fenômenos que estudamos em psicologia, nossas terminologias e teorias devem ser, em última instância, derivadas de um comportamento, daquilo que os organismos fazem. (...)” (CATANIA, 1998/1999 apud NETO M, 2001). 40 Ao tratar da contribuição de Skinner para a educação e, mais especificamente, no que se refere ao papel da escola no ensino de habilidades para o enfrentamento de problemas futuros, Nico (2001) concorda com a posição de Skinner, e afirma que o repertório que prepara para o futuro é especial porque envolve um tipo peculiar de interação do indivíduo com o ambiente, no qual, o próprio indivíduo, e não um outro agente, arranja as condições necessárias para a emissão de uma determinada resposta. Por essa razão, Nico (2001b) considera que tal repertório torna o aluno mais independente e “livre”, no sentido de “não depender das contingências dispostas por outros para chegar a emitir uma dada resposta”. No entanto, a autora ressalta que dizer que é o próprio sujeito que irá arranjar contingências para promover essas respostas não significa afirmar que o sujeito estará agindo de forma totalmente independente e autônoma em relação ao ambiente, mas que ele precisa aprender a manipular variáveis ambientais, de forma que estas possam afetar seu comportamento, favorecendo a ocorrência de determinadas respostas úteis para a solução de problemas. As instituições de ensino têm um importante papel na realização desse objetivo, apesar da dificuldade em estabelecer contingências capazes de prover um repertório de manipulação de variáveis que prepare o indivíduo para responder a outras contingências que não podem ser previstas por ocasião do ensino (NICO, 2001a, 2001b). Embora seja uma tarefa difícil, Skinner (1968) não descarta essa possibilidade e sugere algumas atividades pelas quais a escola pode promover o comportamento criativo em seus alunos: Descrever ao aluno a forma como alguém pensou, ou agiu até chegar a uma descoberta; Fornecer conhecimentos complementares para que o aluno possa utilizá-los na análise de novos problemas; Promover o comportamento exploratório individual do aluno deixando-o em contato com as contingências referentes a um problema específico; Solicitar que o aluno estabeleça uma proposição ou descreva um fato de diferentes formas. 41 Mesmo referindo-se especificamente ao artista, Skinner (1972) apresentou outras sugestões para o arranjo de contingências capazes de aumentar as chances de ocorrência de produtos diferentes do comportamento, tais como um controle aversivo ou positivamente reforçador menos rígido, o usufruto de tempo livre a fim de possibilitar uma observação mais acurada, e o incentivo para o engajamento do artista em respostas perturbadoras da ordem ou da forma como costuma elaborar suas produções artísticas. Tais medidas facilitariam o surgimento de “mutações” no comportamento que poderiam, posteriormente, ser selecionadas por meio de reforçamento diferencial. Apesar das propostas skinnerianas datarem do final da década de 60 e do início dos anos 70, ainda é difícil observar um planejamento escolar com o propósito específico de estabelecer um repertório de habilidades e estratégias que favoreça a ocorrência do comportamento criativo.
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