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Adolescência Transição Traumática ou Normal ?

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ADOLESCÊNCIA: TRANSIÇÃO TRAUMÁTICA OU NORMAL?
Autor: Cauê Silva Campos Vasconcelos
Orientadora: Profª. Ms. Karlinne de Oliveira Souza
RESUMO: 
 Há uma discussão recorrente no campo das ciências humanas, pedagógicas e psicológicas acerca da adolescência, período de intensas mudanças e transformações na vida dos jovens, sejam essas transformações de caráter biológico, social ou psicológico. É presente o estigma do adolescente rebelde, impaciente, intolerante, que é visto socialmente como um ser ainda “desajustado”. Autores clássicos e contemporâneos da área trazem discussões sobre o tema, sendo possível apresentar argumentos válidos e com embasamento de que o período aqui apresentado pode ser visto como uma fase da vida sem tantos traumas, que a transição criança-adulto possui suas crises e conflitos, mas como qualquer outra fase da vida, dotada de suas angústias e necessidades.
Palavras-Chave: Adolescência; Adolescente; Crise; Traumático; Transição.
INTRODUÇÃO:
 A adolescência corresponde a fase que precede a idade adulta e é seguinte à infância. Culturalmente, o período da adolescência é visto apenas como um momento de transição entre criança e adulto, sem dada uma grande importância e muitas vezes bombardeada de estereótipos e conceitos pré-formulados. Essa fase recebe mais críticas e julgamentos do que qualquer outro período da vida (vide a sátira e trocadilho com “adolescer” e “adoecer”). Apesar das mazelas, alguns autores clássicos (Erikson, Carl Jung, Anna Freud, Piaget, Bohoslavsky) e contemporâneos (César Coll, Aberastury, Knobel, Calligaris) fizeram importantes considerações sobre o período. É consenso entre eles que a fase corresponde a um momento de mudança sendo notáveis as alterações na vida física, social e psicológica. Ao longo desse processo do desenvolvimento biopsicossocial do individuo, ocorrem certos marcos que traduzem essa ruptura em favor do advento de novas realidades sobre a sua existência (ÀRIES, 1981); essa ruptura outros autores ilustram na forma de rituais de passagem ou de iniciação (JUNG, 1964). Eles ressaltam essas tranformações no sentido de que elas tem sequelas/impactos importantes no desenvolvimento psicológico.
 Os autores ressaltam as transformações corporais, a chamada puberdade, marcada pelo rápido crescimento corporal, o surgimento de pêlos pubianos, mudança no tom de voz dos meninos, aumento das mamas nas meninas, descargas hormonais levando à explosão da sexualidade, dentre outros. Acredita-se que as mudanças corporais, ao nível físico, são universais, mas com algumas variações. Um exemplo disso é a menstruação, não se conhece outra cultura em que esse fato não ocorra; podem-se variar as datas, mas nunca deixar de acontecer. Contudo, as mudanças e experiências comportamentais passam por variações individuais e culturais, os fenômenos psicológicos dessa fase são esperados, mas não são regra, visto que as experiências são únicas, e os aspectos são semi-normativos para os jovens.
OBJETIVOS: Propõe-se uma discussão geral sobre adolescência e especificamente acerca da idealização de uma crise adolescente com enfoque nas teorias psicodinâmicas, junguiana e relatos de pesquisadores. Foi escolhido dividir o artigo nos seguintes subtópicos para um melhor entendimento: Infância e Adolescência, Ritos de Passagem, Crise de Identidade, Adolescência Patológica ou Saudável e Os pais e a autonomia dos filhos.
METODOLOGIA: O método escolhido foi o de pesquisa bibliográfica, qualitativa descritiva. No presente estudo foi realizada uma revisão bibliográfica da literatura disponível, ou seja, fontes primárias de informação como livros, artigos, dissertações e folhetos explicativos. Os artigos foram escolhidos através das palavras-chave na base de dados da Scielo: adolescente, adolescência, crise, identidade, traumático, transição.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
 Os problemas que angustiam os adolescentes devem-se à natureza própria da adolescência ou à sociedade? Sob diferentes condições a adolescência apresentaria diferentes circunstâncias? Antes da discussão propriamente dita, todo termo adquire melhor conotação quando embasado e contextualizado historicamente, e nada melhor do que a história que oferece a base conceitual e evolutiva humana. Certamente os filósofos gregos antigos já haviam identificado alguns anos de vida das pessoas que se caracterizam por indivíduos que eram crianças ficarem indisciplinados, questionarem figuras de autoridade, terem desejos sexuais, etc. Contudo, não existia a “cultura adolescente” naquela época, a adolescência não era percebida como um estágio do desenvolvimento humano. Peguemos o exemplo da Roma Antiga, nela não havia um marco que separasse a criança do adolescente, algo que era decidido apenas pelo pai, quando esse pensava ter chegado à hora do seu filho impúbere abandonar as vestes de criança e usar as vestes de homem. A demarcação aqui não fica exata, é possível supor que muitas vezes o adolescente não estava pronto para esse embate com o mundo adulto, logo, a transição adquiriria um caráter bem mais traumático (do que já é, de certa forma).
 Já durante a Idade Média, não havia de fato um período de transição entre a infância e a idade adulta, o jovem era o recém entrado no mundo adulto, o que geralmente era feito através da "barbatoria", a cerimônia que que consistia no primeiro barbear do rapaz, sendo que o pêlo era a prova de que a criança tornara-se “homem” (ARIÈS, 1981), sendo que hoje temos conhecimento de que o nascer dos pêlos é apenas um fenômeno biológico comum da puberdade, e presente em ambos os sexos, a depender da quantidade de hormônios.
 Durante os séculos XVIII e XIX aparecem os primeiros esboços do que viria a ser adolescência como etapa específica do ciclo vital. Com a industrialização, a formação e os estudos se tornam mais acessíveis e relevantes; mas é somente no século XX que vimos nascer o adolescente moderno. A imagem da adolescência turbulenta e de viés traumático, está associada ao movimento literário Sturm and Drang, que siginifica “tempestade e ímpeto/tensão” (FERREIRA, 2002), obras desse período mostram uma juventude apaixonada, desesperada, com um forte apelo para o drama pessoal, um terreno fértil para o nascimento de conceitos cristalizados e generalistas. 
 É interessante discutir que durante a geração baby boomer, posterior à Segunda Guerra Mundial (1945), houve uma explosão demográfica e aumento da natalidade nos Estados Unidos. Curiosamente, nessa época muitos americanos haviam começado a discutir os problemas enfrentados pelos jovens, sobretudo as mulheres, quando passavam pela adolescência, viam-na como "períodos inevitáveis de ajustamento". Em resposta a isso, uma americana, graduanda de Antropologia, conduziu um estudo com um pequeno grupo de samoanos, numa aldeia de 600 pessoas na ilha de Tau, onde viveu, observou e entrevistou 68 mulheres jovens entre 9 e 20 anos de idade (MEAD, 1928). Ela observou que a passagem da infância à adolescência em Samoa era uma transição tranquila e não estava marcada pelas angústias emocionais, psicológicas, crises, ansiedades e confusões já esperadas em jovens americanos (e consequentemente ao redor do mundo).
Infância e Adolescência
 As mudanças físicas decorrentes da puberdade irão trazer consigo um processo lento de descontinuidade da infância e amadurecimento psicológico, não muito diferente de outras etapas presentes na infância .O processo que teve início na primeira infância continuará até o fim do ciclo vital, no entanto a ênfase recai no desenvolvimento cognitivo e afetivo. Pensamentos antes que necessitavam da observação de algo concreto, agora possuem uma capacidade mais abstrata e independente, que possibilita uma reflexão e elaboração de diversas hipóteses diante de uma mesma situação (COLL, 2004). Antes da puberdade já se nota traços que configuram uma forma de se portar e agir no mundo, que será futuramente a personalidade do sujeito de fato, o período da puberdade será definitivo para a consolidação dessa personalidade. O adolescentenão é criança, mas ainda não recebeu o status de adulto. Há uma espera que a sociedade oferece aos jovens para se prepararem para exercer o papel de adultos, a chamada moratória social (ERIKSON, 1968).
 A expectativa criada em cima do papel adulto é bem definida, mas o papel social do adolescente não. Os jovens ficam em um “limbo social” sem saber qual seu propósito, algo que Sartre ilustraria muito bem como uma angústia existencial. A pergunta que fica é: se essa é uma conduta inata do adolescente ou se é fruto do pouco referencial e de modelos que o mundo adulto oferece, que muitas vezes são confusos, ambíguos e paradoxais.
Os processos de socialização são mais complicados durante a adolescência pelo fato de que, nesse período, ocorrem muitas mudanças nos papéis que o adolescente deve assumir e nas demandas que lhe são estabelecidas pela sociedade, que, em muitas ocasiões, chegam a ser contraditórias, o que pode gerar bastante estresse para o adolescente. (...) a adolescência está marcada pela convergência entre as necessidades do jovem e as demandas sociais. (COLL, 2004, p.313)
 O meio tenta impor uma demarcação que não existe, levando em conta somente uma idade cronológica, não se atentando que o funcionamento psicológico e a maturação das escolhas depende de fatores que estão além de “números, médias”. A idade psicológica depende da experiência vivida e a autonomia que o sujeito adquire com base em suas experiências subjetivas.
Os Ritos de Passagem
 Essas transições de fases nunca foram bem demarcadas, o propósito do ritual nas antigas culturas seria criar uma atmosfera de morte simbólica, uma passagem “forçada” para a próxima etapa cronológica; porém dessa morte surge um estado de renascimento, que hoje entenderíamos como a transição de uma fase da vida. (JUNG, 1964).
 Apesar desse tipo de ritual ser comum em grupos tribais primitivos, cultivamos alguns, seja de caráter religioso/eclesiástico (batismos, casamentos, funerais) ou vulgares (formaturas, colação de grau, festa de debutante); ainda é possível notar pequenos padrões desses ritos nas sociedades complexas e contemporâneas. Abandonamos os atos de circuncisão e mutilações, mas observamos jovens que são desafiados em festas para ver quem suporta maiores quantidades de bebidas alcoólicas. Extinguimos períodos de jejum e abstinência, mas trocamos por dietas e exercícios constantes em busca de um corpo belo e socialmente aceito. É preciso compreender que novas formas ritualísticas nascem com as relações que estão cada vez mais “orientadas” pela tecnologia.
 Os acontecimentos de caráter iniciatório, contudo, não se restringem à juventude, toda nova fase da vida humana é acompanhada de um conflito, ou “crises”, como é dito coloquialmente. Em alguns casos esse conflito pode se manifestar com muito mais força no início da maturidade adulta ou passagem para a velhice (chamadas crises de meia idade), sendo tão intenso como na adolescência, por exemplo.
A Crise de Identidade
 Como toda a situação de mudança a nível biológico, psicológico ou social, que exige da pessoa ou do grupo, um esforço suplementar para manter o equilíbrio ou estabilidade emocional, de acordo com Erik Erikson a crise corresponde a momentos da vida de uma pessoa em que há um significativa ruptura no seu equilíbrio psíquico e a perda ou mudança dos elementos estabilizadores habituais.
 De acordo com Erikosn (1968), a entrada de uma nova etapa cronológica, sobretudo a adolescência em que não há uma demarcação específica, isso produz confusão de conceitos e perdas de certas referencias. A busca do “eu” em outras pessoas na tentativa de obter uma identidade para o próprio ego gera uma crise de identidade, o que acarreta angústias, revolta, dificuldades de relacionamento socio-afetivo e conflitos de valores. Isso cria um questionamento muito peculiar, nossa identidade é autêntica ou produto do acúmulo de inúmeras identificações (passadas) durante a vida?
 O autor Carl Jung vai trazer uma resposta satisfatória quanto a essa indagação no livro A Prática da Psicoterapia:
Sou formado não só por influências exteriores, objetivas e sociais, como também por realidades interiores, inicialmente inconscientes, que designei simplesmente como fator subjetivo. (JUNG, 1954, p. 112)
 De acordo com o autor é possível observar que influências biológicas e socias de fato influenciam na constituição do indivíduo, mas apesar das influências externas há um fator subjetivo, algo que o faz ser autêntico, independente das “descargas hormonais” ou “construções sociais”. Esse “algo” torna o sujeito individual, único, e indiferente ao genérico/coletivo. 
Adolescência Patológica ou Saudável?
 Podemos entender como crise como toda a situação de mudança a nível biológico, psicológico ou social, que exige da pessoa ou do grupo, um esforço suplementar para manter o equilíbrio ou estabilidade emocional. Corresponde a momentos da vida de uma pessoa ou de um grupo em que há ruptura na sua homeostase psíquica e perda ou mudança dos elementos estabilizadores habituais.
 O aumento dos impulsos sexuais como consequência da maturação da puberdade, torna esse período marcado pela conduta instável dos adolescentes e pela relação ambivalente com os pais ou com a sociedade. Anna Freud (1936) diz que é muito difícil teorizar um limite entre o normal e o patológico durante a adolescência, ela considera toda a comoção deste período como algo normal, e afirma sarcasticamente que anormal seria esperar um equilíbrio estável do adolescente durante esse processo. Os sentimentos advindos das modificação corporais são algo comum entre os jovens, eles possuem uma mente infantil residente, entretanto em um corpo que vai aproximando-se do estereotipo do que seria um adulto, logo, há uma alternância de fases que podem ser vistas como períodos de: negação, elaboração, aceitação, conflitos afetivos, crises religiosas e erotismo exarcebado, constituindo um conjunto de acontecimentos denominados de entidade semipatológica. Para a autora, o amor adolescente também é uma forma de superar os conflitos vividos anteriormente. Assim como na infância, o jovem vive uma relação de amor e ódio com os pais. A violência que, às vezes, se pretende reprimir os jovens cria apenas um distanciamento maior e agrava os conflitos, com o desenvolvimento de personalidade e grupos sociais cada vez mais “anormais”, esquisitos e estranhos. 
Pais e a Autonomia dos Filhos
 O adolescente se dispõe a romper os laços que o prendem à família originária, para ir viver sua vida de forma independente, embora ainda ligado em seu íntimo por sentimentos nostálgicos do lar paterno. O adolescente está destinado ao mundo, e não a continuar a ser sempre apenas filho dos seus pais. Muitos pais persistem em considerar os filhos sempre como crianças, porque eles próprios não querem envelhecer, nem renunciar à autoridade e as relações de poder sobre os filhos. Agindo desse modo, exercem sobre eles uma influência negativa, pelo fato de tirarem as ocasiões em que estes poderiam assumir responsabilidade individual. Esse método produz pessoas sem independência própria ou indivíduos que conquistam a própria independência por caminhos suspeitos. Em contrapartida, há também pais que, por causa de sua própria fraqueza, são incapazes de opor à criança e ter a postura de uma autoridade, logo, a criança precisará mais tarde para adaptar-se corretamente ao mundo de forma mais árdua (JUNG, 1954).
 O adolescente apresenta uma vulnerabilidade especial para assimilar os impactos das expectativas de pais, irmãos, amigos e da a sociedade como um todo. É um receptáculo que se encarrega dos conflitos dos outros e assume os aspectos patológicos do meio em que vive. Um bode expiatório.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: 
 O propósito da discussão apresentada não é de isentar os jovens de seus desregramentos e responsabilidades, e sim propor uma outra óptica sobre essa fase, que é recheada de imperfeições, revoltas, de fato, mas não muito diferente de vários outros momentos da vida. Ascondutas dos adolescentes consideradas patológicas, devido à semelhança com aspectos neuróticos e psicóticos, são condutas consideradas normais ao período, tendo em vista todo o sofrimento e mudanças que ocorrem nessa fase (assim como em outras). A fase adolescente é “traumática” na medida em que impulsos sexuais e o turbilhão de pensamentos e responsabilidades vem à tona e não são compreendidos pelo meio em que esse adolescente está. Essa falta de compreensão é um fator que incentiva o crescimento de ideias parvas e esteriotipadas acerca da adolescência, que torna o jovem um bode expiatório dos problemas sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 
ARIÈS, P. História social da criança e da família. V. 2. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1981.
ABERASTURY, A. & KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre:Artes Médicas, 1981.
BRETAS, José Roberto da Silva et al . Os rituais de passagem segundo adolescentes. Acta paul. enferm., São Paulo , v. 21, n. 3, p. 404-411, 2008.
CALLIGARIS, C. A Adolescência. V.1. São Paulo: Publifolha, 2000.
COLL, César. MARCHESI, Álvaro. PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento Psicológico e Educação. Psicologia Evolutiva vol. 1.. Vol 3. Porto Alegre: Artmed, 2004.
ERIKSON, E. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Guanabara, 1968.
FERREIRA, Manuela. Adolescências Adolescentes. Revista Educação, ciência e tecnologia, Portugal, 2002.
JUNG, Carl. O Homem e Seus Simbolos. V.2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
__________. A Prática da Psicoterapia. V. 16. Petrópolis: Vozes, 1985.
__________. O Desenvolvimento da Personalidade. V.4. Petrópolis: Vozes, 2015.
MEAD, Margaret. Adolescencia y cultura en Samoa. V.1. Buenos Aires: Paidós, 1979.
XAVIER, Alessandra Silva; NUNES, Ana Ignez Belém Lima. Psicologia do Desenvolvimento. V. 3. UAB/UECE. Fortaleza, 2013.

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