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O Cortiço, de Aluísio de Azevedo

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O Cortiço, de Aluísio de Azevedo
O Cortiço foi publicado em 1890, em meio à atividade febril de produção literária a que
Aluísio Azevedo se viu obrigado, em seu projeto de profissionalizar-se como escritor. Teve
de escrever muitos romances e contos para atender a pedidos de editores, que procuravam
corresponder ao gosto do público leitor, um gosto marcado pelo pior tipo de romantismo.
Por isso, produziu muita literatura inferior, baixamente romântica, estilisticamente
descuidada. Mas O Cortiço tem situação inteiramente à parte nessa produção numerosa e
quase toda sem importância, pois neste livro Aluísio pôs em prática os princípios
naturalistas, em que acreditava, e toda a sua capacidade artística.
Narrado em 3ª pessoa, a obra tem um narrador onisciente que se situa fora do mundo
narrado e/ou descrito. Há um total distanciamento entre o narrador e o mundo ficcional. Há
o predomínio na narrativa do discurso indireto livre, o que permite ao autor revelar o
pensamento das personagens. A visão do narrador é fatalista pois as camadas populares
são vistas como animais condenados ao meio social que habitam, homens fadados a
viverem como animais selvagens.
O cenário é descrito com ambiente e os caracteres em toda a sua sujeira, podridão e
promiscuidade, com uma intenção crítica - mostrar a miséria do proletariado urbano - sem
esconder a náusea que o narrador sente diante da realidade que revela, mas
posicionando-se de maneira solidária junto ao povo do cortiço: "Sentia-se naquela
fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras ...o prazer animal de
existir,... E naquela terra, ...naquela umidade quente e lodosa, começou a minhoca a
esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que parecia espontânea,...
multiplicar-se como larvas no esterco."
Romance de cunho social, O Cortiço, de Aluísio Azevedo, é o marco da literatura
realista-naturalista brasileira. Uma história envolvente e sombria de uma habitação coletiva
no Rio de Janeiro do Segundo Império que tem como tema a ambição e a exploração do
homem pelo próprio homem. De um lado, João Romão, que aspira à riqueza, e Miranda, já
rico, que aspira à nobreza. Do outro lado, a "gentalha", caracterizada como um conjunto de
animais, movidos pelo instinto e pela fome. Todas as existências se entrelaçam e
repercutem umas nas outras. O cortiço é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de
seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão.
No século XIX, os cortiços eram galpões de madeira habitados por trabalhadores
não-qualificados. Esses galpões eram subdivididos internamente. O proprietário era
geralmente português, dono de armazém próximo. Mas havia outros interessados: o Conde
D'Eu, marido da princesa Isabel, foi dono de um imenso cortiço, o "Cabeça-de-porco", onde
viviam mais de 4 mil pessoas.
O romance é de nítido recorte sociológico, representando as relações entre o elemento
português, que explora o Brasil em sua ânsia de enriquecimento, e o elemento
brasileiro,apresentado como inferior e vilmente explorado pelo português. A obra revela a
aceitação de idéias filosóficas e científicas do tempo: a redução das criaturas ao nível
animal (zoomorfismo) é característica do Naturalismo e revela a influência das teorias da
Biologia do século XIX (darwinismo, lamarquismo) e o Determinismo (raça, meio, momento).
O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A
supervalorização do sexo, típica de determinismo biológico e do naturalismo, conduz Aluísio
a focalizar diversas formas de "patologia" sexual: "acanalhamento" das relações
matrimoniais, adultério, prostituição, lesbianismo etc.
Na elaboração de O Cortiço, Aluísio Azevedo seguiu, como em Casa de Pensão (que é
bastante inferior), a técnica naturalista de Zola. Visitou inúmeras habitações coletivas do
Rio; interrogou lavadeiras, sapoeiras, vendedores, cavouqueiros; observou-lhes a
linguagem; escutou atento os ruídos coletivos dos cortiços; sentiu-lhes o cheiro (como na
obra de Zola, as imagens olfativas têm importância na fixação do ambiente, segundo um
processo criado pelos naturalistas); viu-lhes a promiscuidade e notou que as coletividades,
apesar de divergirem, são ligadas por um estranho sentimento de classe que as une, nos
momentos mais críticos, quando são esquecidos os ódios e as divergências. Com toda essa
“documentação”, criou o enredo em tomo de um problema social que se tomava mais e
mais grave, com a formação de mandes massas urbanas proletárias, constituídas em boa
parte pelos operários dos primórdios da industrialização do país.
Duas grandes qualidades devem ser observadas no estilo de O Cortiço: uma é a grande
capacidade de representação visual do autor, certamente relacionada com sua habilidade
para o desenho (Aluísio exerceu, em certa época, a atividade de caricaturista) e que faz que
tenhamos freqüentemente, ao ler o romance, a impressão de estarmos assistindo a um
filme; a outra é a sua formidável habilidade para dar vida à multidão, ao grande grupo
humano dos moradores do cortiço. De fato, vemos, no romance, essa coletividade pulsar,
reagir, legando-se, deprimindo-se ou irando-se — e ocupando o lugar de personagem
central da obra. Desse grupo variado e animado destacamse alguns tipos, a que o
romancista soube atribuir urna individualidade marcante. Entre estes últimos, é inesquecível
a figura de Rita Baiana, a bela, sensual, generosa e graciosa mulata, que se tornou uma
das personagens mais notáveis da literatura brasileira. Deve se notar que no romance, as
mulheres são reduzidas a três condições: de objeto, usadas e aviltadas pelo homem:
Bertoleza e Piedade; de objeto e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; e de sujeito, são as
que se independem do homem, prostituindo-se: Leonie e Pombinha.
Veja exemplos de descrição realista e objetiva dos tipo humanos na obra:
João Romão: E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer,
ia e vinha da pedreira para a venda, da venda hortas e ao capinzal, sempre em mangas de
camisa, tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça
apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não pode apoderar-se logo com as
unhas.
...possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras
privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo
travesseiro de um saco estopa cheio de palha.
Albino: Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de
aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caia, numa só
linha, até o pescocinho mole e fino.
Botelho: Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco,
curto e duro como escova, barba e bigode do mesmos teor; muito macilento, com uns
óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma
expressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca
sem lábios: viam-lhe ainda todos os dentes mas, tão gastos, que pareciam 1imados até ao
meio. (...) Atirou-se muito às especulações; durante a guerra do Paraguai ainda ganhara
forte, chegando a ser bem rico; mas a roda desandou e, de malogro em malogro, foi-lhe
escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina.
Enredo
O Cortiço conta principalmente duas histórias: a de João Romão e Miranda, dois
comerciantes, o primeiro, o avarento dono do cortiço, que vive com uma escrava a qual ele
mente liberdade. Com o tempo sua inveja de Miranda, menos rico mas mais fino, com um
casamento de fachada, leva-o a querer se casar com sua filha (e tornar-se Barão no futuro,
tal qual Miranda se torna no meio da história). Isto faz com que ele se refine e mais tarde
tente devolver Bertoleza, a escrava, a seu antigo dono (ela se mata antes de perder a
liberdade). A outra história é a de Jerônimo e Rita Baiana, o primeiro, um trabalhador
português que é seduzido pela Baiana e vai se abrasileirando. Acaba por abandonar a
mulher, pára de pagar a escolada filha e matar o ex-amante de Rita Baiana. No pano de
fundo existem várias histórias secundárias, notavelmente as de Pombinha, Leocádia e
Machona, assim como a do próprio cortiço, que parece adquirir vida própria como
personagem. Vejamos.
A área suburbana do Rio de Janeiro do século XIX é o cenário da história de um esperto e
pão-duro comerciante português chamado João Romão. Comprando um pequeno
estabelecimento comercial, este consegue se aliar a uma negra escrava fugida de nome
Bertoleza, proprietária de uma pequena quitanda. Para agradá-la, falsifica uma carta de
alforria que asseguraria à negra a tão desejada liberdade. O pequeno estabelecimento,
mantido pela esperteza de João Romão e o trabalho árduo de Bertoleza, começa a crescer.
Aos poucos o português começa a construir e alugar pequenas casas, o que leva a
edificação de um grande cortiço: a "Estalagem São Romão." Logo se ergueriam novas
pendências, como a pedreira (que servia emprego aos moradores) e o armazém (onde os
mesmos compravam seus artigos de necessidade). O crescimento só não agrada ao
Senhor Miranda, dono de um sobrado vizinho.
Nas casas do cortiço, figuras das mais variadas caracterizações podem ser vistas e
apreciadas: entre eles o negro Alexandre, a lavadeira Machona, a moça Pombinha,
Jerônimo e Piedade (casal de portugueses), e a sensual Rita Baiana, que desfilava toda a
sua sensualidade dançando nas festas. Num desses encontros feitos de música e gritos,
Jerônimo se encanta com a dança de Rita Baiana, o que provoca ciúmes em Firmo, amante
da moça. Há uma violenta briga, e Firmo fere o jovem português com uma navalha, fugindo
logo depois. Jerônimo vai parar num hospital.
Forma-se um novo cortiço perto dali, recebendo o apelido de "Cabeça-de-gato" pelos
moradores do cortiço de João Romão. Estes, por sua vez, os apelidam de "Carapicus", o
que já indica a competição e a rincha entre eles. Enquanto isso, Jerônimo volta do hospital
e, numa emboscada, mata Firmo, agora morador do cortiço rival. Enquanto o jovem
português larga a mulher para viver com Rita Baiana, o pessoal do "Cabeça-de-gato" entra
em guerra com os moradores do cortiço de João Romão para vingar a morte de Firmo. Um
incêndio misterioso acaba com o conflito e destrói grande parte do cortiço do velho
comerciante português.
João Romão reconstrói sua estalagem, que fica ainda mais próspera, e se alia a Miranda,
com a intenção de freqüentar rodas mais finas e elegantes e se casar com um moça de boa
educação. O verdadeiro intento do esperto comerciante é a mão de Zulmira, filha do novo
amigo. Concretizando seu sonho, só resta agora se livrar do incômodo de sua companheira
Bertoleza. Isso se dá através de uma carta enviada aos proprietários da negra fugida,
revelando seu esconderijo. Estes não demoram a aparecer no cortiço com o intuito de
levá-la de volta. Bertoleza, percebendo a traição, suicida-se com a mesma faca de limpar
peixes que usou a vida inteira para preparar as refeições de João Romão e os clientes do
seu armazém.
Personagens
As personagens em O Cortiço não podem ser tratadas como entidades independentes,
podendo ser vistas preferencialmente como partes de uma rede intrincada de influências e
interações. Alguns podem ser separados em grupos de forma mais clara em grupos de
relacionamento, esquema no qual serão apresentados a seguir.
O cortiço e o sobrado: personagem principal; sofre processo de zoomorfização; é o núcleo
gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se
transforma com João Romão. Apesar de seu crescimento, desenvolvimento e
transformação acompanharem os mesmos estágios na pessoas de João Romão, é, na
verdade, o estabelecimento que muda o dono, não o contrário. Vê-se na evolução do cortiço
um processo que não se pode evitar ou reverter, determinado desde o início da história,
tendo João Romão apenas feito o que estava em seu instinto de homem desprovido de
livre-arbítrio fazer. O sobrado representa para o cortiço o mesmo que Miranda representa
para Romão, criando-se entre eles a mesma tensão que existe entre os dois homens.
João Romão, Miranda, Bertoleza e secundariamente, Zulmira, Botelho e D.Estela: de
acordo com o crítico literário Rui Mourão, os elementos conflitantes na obra "não se isolam
em planos equidistantes. Ao contrário, o que existe [...] é um estado de permanente tensão
e mútua agressão". Afirma, em outra ocasião, que dessas lutas ninguém sairá vencedor ou
vencido. Miranda e João Romão, apesar de aparentarem ser diferentes frente à sociedade,
são essencialmente influenciados pelos mesmos elementos, tendo que ter, portanto, o
mesmo destino. Seus rumos se tornam entrelaçados similarmente aos laços existentes
entre sobrado e cortiço: vizinhos, porém distantes; diferentes, porém iguais sob olhar mais
minucioso. Romão e Miranda são complementares. Bertoleza e D.Estela são, sob todas as
óticas, o oposto uma da outra: a negra escrava, pobre e fiel, e a mulher branca, nobre e
adúltera. Não há relação de complementação nesse caso, apenas uma forma de
acentuação do abismo de inveja que une João e Miranda. Enquanto um deseja a
independência, a prosperidade e a fidelidade conjugal do outro, o outro almeja os contatos,
a nobreza e a capacidade de esbanjamento do um. Zulmira e Botelho têm aqui papéis de
meros instrumentos do autor para dar andamento à história.
Jerônimo, Rita, Firmo e Piedade: nas relações entre essas personagens é demonstrado
mais claramente o princípio naturalista que rege a obra de Azevedo. Suas interações são
baseadas puramente no instinto, no desejo sexual, no ciúme, na ira. Jerônimo e Firmo, são,
como Romão e Miranda, complementos um do outro. Um era "a força tranqüila,o pulso de
chumbo, em constante tensão com a força nervosa (...) o arrebatamento que tudo desbarata
no sobressalto do primeiro instante". Mas, nas palavras de Azevedo, ambos corajosos. O
autor deixa claro que nenhum deles pode fugir ao que lhes está destinado. Jerônimo, desde
o dia em que viu Rita dançar pela primeira vez, estava fadado à perdição, arrastando Firmo
e Piedade para o caminho do ciúme e da destruição a morte, no caso de Firmo, e a miséria
e a quase-loucura, no caso de Piedade. A metamorfose de Jerônimo se dá como tentativa
de se tornar Firmo antes de tirar o que lhe pertence não só Rita, mas tudo o que ela
implicava: a beleza, os encantos da terra, a vida feliz do malandro sem preocupações. Cada
um reage mais ou
menos de acordo como suas características pessoais, notoriamente a raça (a submissão da
portuguesa e a belicosidade do mulato capoeira), mas se faz presente em todos a
conformação, a inércia. Com a morte de Firmo, Jerônimo assimila o papel de seu rival,
mantendo um fantasma do que era no passado, que a bebida e a Rita contribuem para
esmaecer. Os elementos naturais e as circunstâncias estão sempre a sufocar qualquer
manifestação psicológica independente, carregando os personagens numa correnteza
inevitável e irreversível.
Pombinha, Leónie e Senhorinha: desde o momento em que é apresentada, a prostituta
Leónie, madrinha de uma das filhas de Augusta, representa a independência financeira que
aqueles que têm vida honesta não conseguem alcançar. Vende seu corpo, mas o que faz
não é crime aos olhos dos moradores do cortiço, que não tem as cínicas restrições sexuais
da burguesia brasileira. Pombinha, filha de D.Isabel, era uma garota de 18 anos que ainda
não havia se tornado mulher. Após anos esperando o momento de se casar, irá se separar
do marido após pouco tempo para seguir num relacionamento homossexual com Leónie,
que havia lhe iniciado no prazer sexual. Ao atiçar a sexualidade de Pombinha, fazendo com
que ela atinja a puberdade, Leónie põe em funcionamento uma dinâmica de acontecimentos
que passam a independer da vontade dos personagens. Pombinha possuía um
desenvolvimento intelectual maior que a maioria dos personagens do cortiço, talvez por não
se ter visto envolvida tão cedo nas tramas de sexo e ciúme que os consumiam. Ao ter que
começar uma vida como mulher casada, não
conseguiuse adaptar à falta de liberdade e foi viver com Leónie, aprendendo seu ofício.
Ironicamente, a comercialização do sexo protagonizada por Leónie e Pombinha se
contrapõe à vulgarização do sexo pelos moradores do Cortiço enquanto esses são escravos
de seus impulsos, Leónie e Pombinha se tornam mais senhoras de si através do desejo
alheio. Nesse quadro, Senhorinha, a filha de Jerônimo se insere para provar que ninguém
foge ao meio: tendo sido criada num cortiço, substituindo Pombinha para seus moradores,
com os pais separados e vendo homens tirar proveito da mãe de forma constante, termina
tendo o mesmo destino de Pombinha, apesar da educação que teve.
Alguns personagens secundários, usados por Azevedo principalmente como objetos de
estudo da temática determinista:
- Henrique: filho de um fazendeiro importante que se encontra aos cuidados de Miranda até
o fim de seus estudos. Cultivará um caso com D.Estela.
- Valentim: filho alforriado de uma escrava por quem D. Estela nutria afeição ilimitada.
- Leonor: negrinha virgem, moradora do cortiço.
- Leandra (Machona): portuguesa feroz, habitante do cortiço.
- Ana das Dores: filha desquitada de Machona.
- Neném: filha virgem de Machona, muito cobiçada.
- Agostinho: filho caçula de Machona que morre num acidente da pedreira.
- Augusta: brasileira branca, honesta, casada com Alexandre e com muitos filhos.
- Alexandre: mulato, militar, dava muito valor ao seu emprego.
- Juju: afilhada de Leónie.
- Leocádia: portuguesa, esposa de Bruno, comete adultério com Henrique.
- Bruno: ferreiro casado com Leocádia.
- Paula (a Bruxa): cabocla velha que exercia função de curandeira. Põe fogo no cortiço duas
vezes após enlouquecer, morrendo na segunda tentativa.
- Marciana: mulata velha, com mania de limpeza, mãe de Florinda, que perde o juízo
quando a filha foge de casa.
- Florinda: filha virgem de Marciana, que engravida de um dos vendeiros de Romão e foge
de casa.
- Dona Isabel: mãe de Pombinha. Seu maior sonho é ver a filha casada.
- Albino: lavadeiro homossexual, morador do cortiço.
- Delporto, Pompeo, Francesco e Andrea: imigrantes italianos que residiam no cortiço.
Azevedo foi um dos primeiros a caracterizar literariamente a figura do imigrante italiano no
Brasil, mesmo que de forma preconceituosa, retratando-os como carcamanos imundos.
- Porfiro: mulato capoeira amigo de Firmo.
- Libório: velho pão-duro que esmolava entre os outros moradores do Cortiço, mas que
possuía uma fortuna escondida, da qual Romão irá se apoderar depois da morte de Libório
no segundo incêndio provocado por Bruxa.
- Pataca: cúmplice de Jerônimo no assassinato de Firmo, torna-se um dos aproveitadores
de Piedade depois que Jerônimo vai morar com Rita.
A homossexualidade retradada em O Cortiço
No naturalismo brasileiro o homem é visto como produto do meio e biológico. A questão da
homossexualidade é tratada como desvio de conduta, anormal, patológico, animalesca.
Assim as personagens apresentam desvios. O naturalismo é material, é do corpo não
humano. Retratando a realidade de forma objetiva, descrevendo grupos marginalizados.
O autor retrata a vivência e o comportamento da sociedade sobre uma ótica estética, rica
em detalhes, com teor denunciativo, rompimento com o romance convencional.
Na época em que foi publicado o romance causava choque aos leitores, por seus temas
que mostrava através do ficcional o factual, como por exemplo a homossexualidade de
Léonie e Pombinha. Léonie configura-se como a pervertida, que desvia Pombinha do
caminho, havendo apelos carnais. O autor descreve as personagens com instinto animal,
patente o depreciativo, relações de interesse, sedução, desejo, poder, culminados nos
processos deterministas do cientificismo/ evolucionismo.Os furtos, estrupos, homicídios
ocorrem sem justificativa.
Léonie - Nos dias atuais poderíamos definir Léonie, como uma mulher forte, autêntica, a
frente do seu tempo. Mais por si tratar de um romance naturalista há controvérsia, já que no
naturalismo Léonie seria definida como mulher pervertida, impura, aquela que tem que ser
banida, pois é um "mal" que assola a sociedade e pode contaminar os que conviverem com
ela.
A mulher no naturalismo era tratada como objeto sexual, e tudo sobre os desvios na
sexualidade estavam relacionados a fatores internos e externos. O autor caracteriza Léonie
como mulher de procedência francesa que possuía um sobrado na cidade, o que
demonstrava status. A busca por relação sexual para satisfazer-se:
(...) Os seus lábios pintados de carmim, sua pálpebras tingidas de violeta; o seu cabelo
artificialmente loiro. (AZEVEDO, 2009, p.105).
Utiliza faceta para seduzir, abocanhar sua presa, um jogo de interesse, dava-lhe presente,
premiando-a constantemente:
O troco ficou esquecido, de propósito, sobre a cômoda (...). (pag.108)
Leónie entregou á Pombinha uma medalha de prata (...). (pag.109)
(...) tomou a mão de Pombinha e meteu-lhe um anel cercado de pérolas. (pag.139)
Quando sua presa caía na armadilha, ela saciava sua sede, devorando-a ferozmente toda.
-Vem cá, minha flor!... Disse-lhe, puxando-a contra si (...). Sabes? Eu te quero cada vez
mais!...Estou louca por ti!(p.135)
E, num relance, desfez para o lado, examine, inerte, os membros atirados num abandono
de bêbado. (p.136-137)
No jogo do homoerotismo, essa mulher subjuga as vontades da afilhada utilizando discurso
sedutor:
Léonie saltava para junto dela e pôs-se a beijar-lhe, á força, os ouvidos e o pescoço,
fazendo-se muito humilde, adulando-a, comprometendo-se a ser sua escrava e
obedecer-lhe como um cachorrinho. (p.137).
Pombinha - Na segunda análise da personagem vale ressaltar seu estereótipo de fraca,
nervosa, doente, enfermiça, doente, loira, muito pálida, sua sensualidade associada a doses
de inocência, pureza, boa família, asseada.
A relação homossexual entre Pombina e sua madrinha Léonie se dá em consequência de
um estupro.Pombinha rompe drasticamente com os padrões impostos por ima sociedade
preconceituosa, desigual, desumana. A moral cristã do naturalismo aniquila com os padrões
qualquer possibilidade do "patólogico", defeituoso, se dar bem.
A personagem tem a figura da mãe, que a protege e a figura do pai, um homem que
fracassa e comete suicídio. Talvez essa figura do pai é substituída pelas carícias e mimos
de sua madrinha Léonie. O que conta muito segundo os estudiosos para a formação da
personalidade de Pombinha.
Léonie perverteu Pombinha desviando-a para uma vida de prostituição, sexo e embriagues.
Pombinha toma Léonie como espelho, modelo de vida a ser seguido.
Observemos à afilhada, antes da relação homoérotica:
"A folha era a flor do cortiço (...)". (p.37)
"As mãos ocupadas com o livro de rezas, o lenço e a sombrinha(...) é mesmo
umaflor(...)orçando pelos dezoito anos, não tinha pago a natureza o cruento tributo da
puberdade". (p.38).
Este assunto não era segredo para ninguém, porém quando mênstruo, todos ficaram
sabendo, houve comemoração, é como se as janelas da liberdade fossem abertas e
pássaro pudesse finalmente voar.
"E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que sufocavam a menina, enchendo
de espanto e de um instinto temor (...)" (p.135)
A ruptura acontece quando Pombinha se separa do seu marido, após adultério. Atirou-se as
coisas mundanas e foi morar com Léonie, mais sustentava a mãe com o dinheiro da
prostituição, a qual se tornou perita e com sua sagacidade, conquistavatodos os homens.
Pombinha tinha uma afilhada e a tratava com a mesma simpatia que fora tratada por
Léonie.
"A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma
nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher" (p.236)

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