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AULA 1 MÍDIA, OPINIÃO PÚBLICA E OS GRUPOS DE INTERESSE Profª Rafaela Sinderski 2 INTRODUÇÃO Considerada como fator relevante para o funcionamento da democracia (Cervi, 2006), a opinião pública incita amplo debate em torno de seu conceito, mobilizando questões que envolvem, por exemplo, a participação política do cidadão comum e sua capacidade de opinar sobre temas públicos. Segundo Cervi (2006, p. 20), "grande parte da discussão sobre a opinião pública nas democracias contemporâneas deriva do fato de que ela possa ser considerada uma influência legítima ou não nas decisões de governo”. Mas em que consiste, afinal, a opinião pública? A questão não é simples de responder. Tratar de sua concepção exige a compreensão de que sua definição não é única, nem definitiva (Silveirinha, 2004; Cervi, 2006). Seu debate estende- se por diferentes épocas, e, conforme aponta Cervi (2006, 2010), é um assunto que surge de forma incipiente já na Antiguidade, com a doxa platônica, mas ganha, formalmente, a elaboração de um conceito ou teoria a partir do fim do século XVIII. De acordo com Silveirinha (2004, p. 410), “é sobretudo a partir de meados do século XX que o conceito começa a ser amplamente trabalhado”. Nesse longo espaço temporal, em que a ideia de uma opinião pública passou a adquirir contornos mais claros, surgiram diferentes entendimentos sobre sua natureza e sua real importância para a sociedade. Ao assinalar tais diferenças, Cervi (2006, p. 31) afirma que, em sua definição, a opinião pública já foi apontada como algo negativo e até danoso para a democracia – concepção de desvalorização que tem suas raízes em Platão, mas também aparece em Hegel e em John Stuart Mill (Silveirinha, 2004) –, passou a ser encarada como um “elemento fundamental das sociedades políticas”, em especial durante o Iluminismo, e também foi tida como instrumento a ser utilizado em favor da elite política, como é tratado em O Príncipe, de Maquiavel (1996). Essas várias perspectivas que atravessaram os séculos requerem o esboço de uma linha do tempo, por meio da qual se pode contar a história do conceito. Por isso, a cronologia da opinião pública começa a ser contada nesta aula, primeiro com a apresentação do percurso a ser seguido, depois com uma breve exposição da questão na Grécia Antiga. No entanto, antes de adentrar nesse percurso cronológico, são abordadas algumas das dificuldades que permeiam a conceitualização de opinião pública. Em seguida, é discutida uma contradição que se faz presente na formação dessa 3 expressão (Splichal, 1999). Depois, são estudadas propostas para uma definição inicial do termo, que pode guiar o entendimento sobre o tema nessa trajetória de busca por seu significado. TEMA 1 – POR UMA DEFINIÇÃO DE OPINIÃO PÚBLICA – DIFERENTES PERSPECTIVAS E PERCALÇOS John Durham Peters (1995, p. 3, tradução nossa) afirma que “existe uma tensão no cerne da opinião pública”. Sua afirmação está relacionada à participação política dos cidadãos, que pode não acontecer de fato em uma sociedade midiatizada, na qual os meios de comunicação de massa informam, mas não necessariamente possibilitam a ação política do público. Contudo, pode- se dizer que há uma tensão primordial, anterior à apresentada por Peters, ligada ao significado do termo. Como já dito, existe uma profusão de compreensões a respeito do conceito de opinião pública. Isso leva o tema a apresentar o que Cervi (2006, p. 117) chama de “formação intelectual inacabada” – muitas direções a respeito de uma mesma questão são tomadas, e, com isso, poucos estudos são realizados com o intuito de avançar na construção do conhecimento sobre o assunto. Silveirinha (2004, p. 410) alega que existe uma “forte disputa em torno do termo” e que há ao menos dois fatores que dificultam o alcance de uma única compreensão a respeito de sua definição. O primeiro é de ordem normativa e trata da relação entre opinião individual e pública. Tal aspecto coloca em causa a tensão que existe entre considerar que a opinião pública reflecte, de uma forma agregada, a opinião individual e considerar que, mais do que um reflexo por agregação, a opinião pública transcende essa opinião individual, para designar algo que emerge pela discussão racional/crítica, reflectindo e abstraindo um bem comum e não simplesmente o compromisso de interesses individuais (Silveirinha, 2004, p. 414). O segundo é de ordem sociológica e vem do que Silveirinha (2004) aponta como impossibilidade de isolar um fenômeno que possa ser indicado como “opinião pública” de sua manifestação na mídia. Sobre isso, ela alega que “estão em causa as complexas formas de interacção entre os media e o público”, interação que, de acordo com a autora, dá à “opinião pública” um corpo visível (Silveirinha, 2004, p. 414). 4 A existência de múltiplas concepções sobre opinião pública é ilustrada pelo trabalho de Harwood Childs (1965), que conseguiu reunir, em seu livro Public opinion: nature, formation and role, cerca de 60 definições diferentes para o termo. Como esclarecem Figueiredo e Cervellini (1995), o estudo de Childs apresentou uma crítica às premissas limitadoras que buscam definir a expressão aqui estudada. Seus pareceres, sumarizados pela dupla de autores, apontam, por exemplo, que definir a opinião pública como um “julgamento social ou consciência comunitária sobre questão de interesse geral, após discussão racional” restringe o conceito por exigir que esteja sempre apoiado na razão; ou, então, dizer que abarca “atitudes, sentimentos e ideias de um grande número de pessoas sobre um assunto público importante” deixaria de lado assuntos de pouco destaque, mas com potencial de adquirir relevância (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 174). Em sua visão sobre a questão, Childs (1949, p. 48, tradução nossa) coloca a opinião pública como “qualquer conjunto de opiniões individuais, independentemente do grau de concordância ou uniformidade”. Contudo, Figueiredo e Cervellini (1995, p. 175) destacam o problema que acompanha tal definição: na contramão do que seu autor critica nas demais concepções sobre o tema, sua formulação peca por ser "extremamente genérica, que, a rigor, não define nada". Além disso, essa ótica se embaraça na tensão descrita por Silveirinha (2004) entre opinião individual e coletiva, presente no obstáculo normativo para a determinação do conceito de opinião pública. Buscando driblar tanto a limitação quanto a generalidade, Figueiredo e Cervellini (1995) apresentam uma proposta conceitual de opinião pública que, segundo eles, considera a pluralidade que o fenômeno carrega. Tal proposição não será abordada nesta aula; ela encorpa uma seção futura, que se ocupará da discussão contemporânea a esse respeito. Aqui, é suficiente dizer que, para os autores não existe uma, mas várias maneiras de identificar os fenômenos de opinião pública. [...] Assim, “a” opinião pública se expressa através dos grupos organizados, das manifestações mais ou menos espontâneas, das pesquisas, das eleições, dos comícios, das discussões em reuniões sociais, dos meios de comunicação etc. Nesse sentido, a opinião pública não designa apenas uma coisa, mas várias. Isso porque a coletividade também não tem uma única forma de se manifestar, mas diversas (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 177). Maria João Silveirinha (2004) também considera que o conceito possui múltiplas dimensões. Ela descreve três: 5 a dimensão política, na qual a opinião pública é apresentada como a voz do povo, servindo como ponte entre governantes e governados e dando certo poder aos últimos; a dimensão social, que considera a forma com que as pessoas se posicionam “face a uma comunidade mais vasta com a qual partilhamos interesses que vão para além do nosso” (Silveirinha, 2004, p. 411); e a dimensão pessoal, na qual a opiniãopública estabelece uma “dimensão cognitiva, normalmente associada às atitudes” dos sujeitos (Silveirinha, 2004, p. 411). Segundo a pesquisadora, tais dimensões estão relacionadas às variadas formas com que pessoas, grupos e instituições políticas atuam e se relacionam na esfera pública – pensada por Habermas (1984), e aqui abordada genericamente como um espaço entre o público e o privado, destinado ao debate de questões de interesse comum1. Também expõem um "paradoxo interno fundador da expressão 'opinião pública'" (Silveirinha, 2004, p. 411), apresentado a seguir. TEMA 2 – A “OPINIÃO PÚBLICA” E SEU PARADOXO CONSTITUTIVO Ao discutir as dimensões que se relacionam com a opinião pública, Silveirinha (2004) trata de um paradoxo intrínseco à expressão que dá nome ao fenômeno. Tal paradoxo é apontado pelo esloveno Slavko Splichal (1999) e residiria na união de um termo ligado, a princípio, ao indivíduo, ao particular e ao subjetivo (opinião) a outro relacionado com o universal e o objetivo (público). Para o autor, “a noção de público tem o sinal oposto ao da opinião” (Splichal, 1999, p. 50, tradução nossa), já que o primeiro implica a presença de um número considerável de “outros”, o que desafia o caráter individual da segunda. Essa tensão entre o que é público e o que é individual levaria a desentendimentos a respeito do significado de opinião pública. O pesquisador pontua que, ao longo dos séculos, houve uma oscilação entre “esforços holísticos para colocar o público na esfera do coletivo e esforços reducionistas para atribuir exclusivamente a opinião pública ao indivíduo” (Splichal, 1999, p. 50, tradução nossa). Diante disso, ele tece uma crítica ao conceito, afirmando que “de fato, a 1 A esfera pública e a opinião pública em Jürgen Habermas serão discutidas com mais profundidade posteriormente. 6 opinião pública parece ser mais um termo poético do que científico, porque somente na poesia é que o incompatível se torna unido” (Splichal, 1999, p. 50, tradução nossa). Outro apontamento crítico de Splichal está ligado ao fato de que a opinião pública nunca foi entendida como participação direta na execução do poder estatal, mas meramente como crítica desse poder. Além disso, o pesquisador dialoga com Peters (1995) ao afirmar que os meios de comunicação de massa teriam formado uma nova contradição no cerne da opinião pública. Para ele, essas mídias seriam responsáveis por criar “um novo tipo de público inteiramente despolitizado e independente da participação na tomada de decisões políticas” (Splichal, 1999, p. 51, tradução nossa). Expondo seu entendimento sobre o conceito de opinião pública, o autor alega que esta não deve ser encarada como uma opinião unificada, pertencente a um grupo relativamente grande de pessoas, mas sim como um aglomerado de opiniões que diferem umas das outras e que, por vezes, também são conflitantes. É claro que as percepções expressas por Splichal (1999) não encerram a discussão sobre a definição e as limitações do conceito de opinião pública. Há outras perspectivas sobre a questão – que podem, até mesmo, ser conflitantes – e algumas delas serão abordadas no tema a seguir. TEMA 3 – MAS O QUE PODEMOS CHAMAR DE OPINIÃO PÚBLICA? Sabendo que não há um significado único de opinião pública, são elencadas, aqui, algumas definições – além daquela vista em Splichal (1999) – encontradas nos autores referenciados até então. Em Peters (1995, p. 3, tradução nossa), por exemplo, é colocado que “a opinião pública afirma ser a voz do povo, uma expressão clara e direta da cidadania”. Para o autor, ela é indispensável para a legitimidade dos governantes que têm, como fonte de poder, o consentimento dos governados (Peter, 1995). Herbst (1993) – que não aparece anteriormente, mas que é citada por Silveirinha (2004) e traz informações relevantes para este ponto da aula – argumenta que é possível reunir os vários sentidos de opinião pública em quatro categorias: 1) a de agregação, em que a opinião pública é aglomerada em pesquisas, eleições e referendos, consistindo na forma mais comum de definição do conceito; 7 2) a majoritária, na qual as opiniões que importam são aquelas que se associam ao maior número de pessoas; 3) a discursiva/consensual, enraizada na comunicação e baseada na noção de que a opinião se desenvolve pelo discurso público e que, portanto, pode sofrer flutuações; e 4) por fim, categoria que nega a existência de uma opinião pública, colocando- a como reificação ou entidade ficcional, como uma “ferramenta retórica usada pelos poderosos para alcançar seus objetivos” (Herbst, 1993, p. 440, tradução nossa). Já Cervi (2010) apresenta, em sua formulação inicial sobre o conceito de opinião pública, a definição presente no trabalho de Kinder (1998) sobre o tema e sua relação com os meios de comunicação. Para ele, a opinião pública pode ser encarada como algo que surge “como uma resposta às mudanças sociais, econômicas e políticas” (Kinder, 1998, p. 172, tradução nossa), e “que sofre influência de elementos emocionais dos indivíduos” (Cervi, 2010, p. 16). Além disso, “a opinião pública é pública em um duplo sentido” (Cervi, 2006, p. 117), considerando que (1) surge do debate público e (2) tem, como seu objeto, questões de domínio público. Essa concepção também é encontrada em Matteucci (1998). O politólogo italiano ainda explica que “a história do conceito de opinião pública coincide com a formação do Estado moderno” (Matteucci, 1998, p. 842), pressupondo a existência de uma sociedade civil livre e articulada, distinta do Estado e com acesso a informações veiculadas por meios de comunicação, que podem fornecer a base para opiniões não individuais. De acordo com Cervi (2006, p. 117), “o fenômeno a que se refere o conceito supõe alguns comportamentos coletivos e uma determinada atitude a respeito de quem exerce o poder”. Está conectado a uma publicidade da ação política, a uma vigilância dos cidadãos a respeito dos atos do Estado (Matteucci, 1998; Cervi, 2006). Podemos dizer que, apesar das dificuldades que circundam a conceitualização de opinião pública, ela é “uma ferramenta importante, tanto para os políticos lidarem com a percepção de questões sociais correntes, como para os próprios cidadãos, que mantêm com o termo uma relação de acção, uma vez que, pelo menos teoricamente, são o seu sujeito" (Silveirinha, 2004, p. 410). Para compreender melhor como o conceito se formou com o passar dos séculos e como alcançou algumas das definições aqui apresentadas, é feita, a 8 partir do próximo tema, uma breve retrospectiva que considera a construção de uma ideia de “opinião pública” ao longo da história. TEMA 4 – A CONCEPÇÃO DE OPINIÃO PÚBLICA AO LONGO DOS TEMPOS Sabendo que há uma gama de diferentes definições para o termo opinião pública (Figueiredo; Cervellini, 1995; Silveirinha, 2004; Cervi, 2006, 2010) e que seu entendimento se deu de variadas formas em diferentes épocas da humanidade, faz-se importante dedicar algum tempo para a compreensão da linha do tempo que narra a história do conceito. Neste tema, tal linha será apresentada, para então ser seguida posteriormente. Seu ponto de partida, como já mencionou Cervi (2006, 2010), é a Antiguidade, passando pelo Renascimento, pelo período iluminista, por uma crise surgida entre os séculos XVIII e XIX, por críticas tecidas no seio do século XX e por outras perspectivas sobre o assunto que marcaram a contemporaneidade. Diversos pensadores se ocuparam do tema ao longo dos séculos, construindo perspectivas que envolveram uma visão essencialmente negativa da questão até pontos de vista que apontavam para a sua importância na sociedade. Seguindo, principalmente, o percurso histórico traçado por Cervi (2006), o caminho cronológico que guiaránosso estudo sobre a formação da opinião pública é representado pela Figura 1, a seguir. 9 Figura 1 – Linha do tempo relacionada à formação do conceito de opinião pública Assim, o próximo tema aborda o primeiro ponto desse trajeto histórico: o pensamento platônico na Antiguidade Clássica. TEMA 5 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DOXA PLATÔNICA Alinhado ao que vimos anteriormente, John Durham Peters (1995) alega que, embora o conceito de opinião pública só tenha emergido de fato em meados do século XVIII, seus componentes – opinião e público – possuem raízes bastante antigas. Seu ponto inicial se relaciona com o contraste entre opinião (doxa) e conhecimento (epistêmê) traçado por Platão (Peters, 1995; Silveirinha, 2004; Cervi, 2006, 2010). Segundo Peters (1995), o filósofo grego se ocupou da distinção entre o efêmero e o eterno ao apontar a doxa como crença popular, inconstante e fugaz, desatada dos rigores filosóficos, enquanto qualificava a epistêmê como conhecimento ligado às ideias verdadeiras e imutáveis, adquiridas além do mero mundo visível. Franklin (2004) explica que a doxa platônica teria um valor apenas momentâneo, já que se apoia em um juízo subjetivo que não pode, para Platão, ser referência ética, considerando a possibilidade de sua falsidade. Trabattoni (2012) reforça que o conceito é complexo dentro da filosofia platônica e o descreve como um grau cognitivo intermediário entre sabedoria plena e ignorância absoluta, 10 relacionado ao conhecimento sensível – ou seja, apreendido por meio dos sentidos –, não alicerçado nas bases firmes do intelecto. Em A República, Platão discorre, ao conversar com Glauco, sobre as diferentes faculdades atribuídas à opinião (doxa) e à ciência (epistêmê). A primeira, como já explicado, associa-se às aparências. É nesse mesmo diálogo que Platão contrapõe a natureza dos filósofos à dos “filodoxos” – os “amantes da sabedoria” em oposição aos “amantes da opinião”. Fazendo isso, ele não diz que há meios de se esquivar da doxa, já que até os filósofos exprimem opiniões, mas que estes, diferentemente dos filodoxos, buscam o aprimoramento de seus pensamentos por meio de raciocínios que os aproximem da ciência (Trabattoni, 2012). Quanto a isso, Trabattoni (2012, p. 125) esclarece que os “não filósofos” não são aqueles que “não podem escapar das opiniões (porque nem mesmo o filósofo escapa totalmente), mas aqueles que não desejam nada além, porque não acreditam de maneira alguma que existam coisas como o bem, o belo, o justo em si". Em meio a tais elaborações, Platão constata que a política deveria ser conduzida de acordo com os princípios do conhecimento científico. Assim, tece sua tese do rei-filósofo, que deveria governar a pólis guiado pela epistêmê (Peters, 1995, p. 4). Sumarizando a questão, o saber (epistêmê) se opõe à crença, que é captada na aparência e expressa pela opinião (doxa) (Santos, 2012). Muñoz- Alonso et al. (citados por Cervi, 2006) afirmam que, na visão platônica, o público é o grande sofista, a quem o real conhecimento escapa. Ainda que, de acordo com Peters (1995), a Antiguidade tenha apresentado outras perspectivas sobre opinião pública – como a sustentada por Aristóteles, que enxergava a questão de maneira mais branda e não sustentava a política na epistêmê, mas em uma sabedoria prática (phronêsis) (Peters, 1995, p. 4) –, foi, segundo Cervi (2006, 2010) e Silveirinha (2004), sua interpretação negativa que perdurou ao longo dos séculos. A ótica pejorativa da opinião pública apareceu outras vezes mais na história do conceito. 11 REFERÊNCIAS CERVI, E. U. Opinião pública e política no Brasil: o que o brasileiro pensa sobre política e por que isso interessa à democracia. 359 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Rio de Janeiro, 2006. ______. Opinião pública e comportamento político. Curitiba: Editora Ibpex, 2010. CHAMPAGNE, P. Formar a opinião. São Paulo: Vozes, 1998. CHILDS, H. L. An introduction to public opinion. New York: John Wiley and Sons, 1949. ______. Public opinion: nature, formation and role. New York: D. van Nostrand, 1965. CUCURELLA, M. B. La opinión pública em Habermas. Revista Anàlisis, n. 26, p. 51-70, 2001. FIGUEIREDO, R.; CERVELLINI, S. Contribuições para o conceito de opinião pública. Opinião Pública, Campinas, v. 3, n. 3, p. 171-185, 1995. FRANKLIN, K. Os conceitos de Doxa e Episteme como determinação ética em Platão. Educar em Revista, n. 23, p. 374-375, 2004. HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. 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AULA 2 MÍDIA, OPINIÃO PÚBLICA E OS GRUPOS DE INTERESSES Profª Rafaela Sinderski 2 SEGUINDO A LINHA DO TEMPO DA OPINIÃO PÚBLICA Esta aula apresenta, em seu primeiro tópico, as construções que se formaram em torno do tema opinião pública nos primeiros séculos da Idade Moderna. Então, aborda a perspectiva que ganhou contornos durante o século XVIII, em especial entre pensadores iluministas e liberais. Além de adotar uma ótica mais positiva do que a construída durante a era modernista, o período iluminista reuniu o substantivo opinião com o público que passou a ser, de fato, seu sujeito (Silveirinha, 2004). Por isso, a terceira parte da aula é ocupada por uma breve discussão a respeito da definição de público, realizada a partir dos estudos de Peters (1995). Em seguida, é retomada a linha temporal da concepção de opinião pública, adentrando na crise que o fenômeno sofreu entre o fim do século XVIII e o século XIX, com críticas provenientes, em especial, de uma geração de autores liberais preocupados com uma sociedade ligada ao poder e à participação das massas (Silveirinha, 2004). Por fim, são abordadas outras críticas à concepção de uma opinião pública, tecidas por autores como Angus Campbell et al. (1964), Pierre Bourdieu (2003) e Patrick Champagne (1998), já em meados do século XX. O tópico abre a discussão sobre o conceito na contemporaneidade e expõe algumas das relações entre a opinião pública e os meios de comunicaçãode massa. TEMA 1 – A IDADE MODERNA E A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA Depois de Platão, é preciso avançar muitos séculos para que se possa tratar novamente de uma concepção de opinião pública. Segundo Cervi (2006), é durante o Renascimento, período em que há ênfase no indivíduo e em sua razão, que o conceito ganha contornos mais sólidos. A passagem do teocentrismo medieval para o antropocentrismo moderno oferece uma das principais condições para a consolidação da opinião individual, ultrapassando o monolitismo ideológico da Idade Média, substituído por um pluralismo de fato que, por sua vez, originou a opinião pública. (Cervi, 2006, p. 109) Dessa forma, pode-se posicionar a formação da opinião pública no cerne da modernidade, em um “espaço de mediação” que se coloca entre as recém- separadas esferas do que é público – relacionado ao Estado – e do que é privado – da ordem do indivíduo e da sociedade civil (Silveirinha, 2004, p. 418). A ideia de 3 que o conceito surge com a constituição do Estado moderno já foi trazida anteriormente por Matteucci (1998) e é reforçada aqui. Considerando o primeiro século da Idade Moderna, é possível encontrar uma elaboração sobre opinião pública na obra O Príncipe (1996), de Nicolau Maquiavel. Emerson Cervi (2006, 2010) pontua que, para o filósofo, ela era tida como uma ferramenta útil aos interesses do governante e ao bem comum do Estado. “Ele foi o primeiro a dar uma feição pragmática ao uso da opinião pública como instrumento para alcançar e manter o poder, pois sugere que a opinião pública pode ser manipulada ou acomodada, mas nunca ignorada” (Cervi, 2006, p. 108). Em tal perspectiva, indica o autor, a carga pejorativa relacionada ao tema persiste, já que a opinião do público pode – e deve – ser manobrada pelo Príncipe e, além disso, não é vista como capaz de gerar posições consistentes sobre assuntos do Estado. Em Thomas Hobbes, teórico absolutista, “a opinião pública é condenável por introduzir no Estado um germe de anarquia e de corrupção” (Matteucci, 1998, p. 842). De acordo com Silva (2017), em O Leviatã (1997) tem-se que esse tipo de manifestação até pode existir, mas, para tanto, deve estar sempre alinhada às doutrinas instituídas pelo soberano. “A divergência de opinião no interior do Estado é a semente da dissolução da ordem. Por isso, as opiniões divergentes tornadas públicas produzem conflitos que são sempre signos de destruição das condições de vida pacífica” (Silva, 2017, p. 161). Seria, então, em prol de sua visão de paz que Hobbes recrimina o fenômeno. É apenas com o pensamento liberal, garantem Matteucci (1998) e Cervi (2006), que a opinião pública se desvencilha da ótica negativa e conquista autonomia, como será visto no tópico a seguir. TEMA 2 – ILUMINISMO, LIBERALISMO E OPINIÃO PÚBLICA A concepção de uma opinião pública consistente e coerente surge inicialmente durante o Iluminismo, com o endosso de pensadores liberais como John Locke (Cervi, 2006). Locke elabora uma “lei da opinião ou reputação” que objetiva julgar atos virtuosos ou viciosos (Matteucci, 1998). Essa, explica Matteucci (1998), seria uma lei moral, expressa pela opinião pública, radicalmente distinta da lei civil, que se manifesta por meio da assembleia representativa. Segundo o autor, há, no pensamento do filósofo, uma diferenciação clara entre o poder político e o poder filosófico e um contraste preciso entre moral e política. 4 A opinião pública também se relaciona com a expressão de juízos morais na percepção de Jean-Jacques Rousseau (Matteucci, 1998; Cervi, 2006). Contudo, “tais juízos estão de acordo com a política e com os canais institucionais por meio dos quais se exprimem” (Cervi, 2006, p. 109). Isso significa, assinala Cervi (2006, p. 109), que há no pensamento de Rousseau uma revalorização da instituição da censura, em que o censor é o “ministro da lei da opinião pública”, “não é o árbitro da opinião do povo, mas apenas sua expressão” (Matteucci, 1998, p. 843). Matteucci (1998, p. 843), entretanto, expõe limitações no raciocínio de Rousseau, afirmando que ele Não pôde desenvolver mais seu pensamento, já porque em sua democracia direta não se pode dar aquela tensão entre esfera privada e esfera pública, que é própria do Estado moderno, onde há espaço para a Opinião pública, já porque ele define como tal o que são mais propriamente "costumes", herança do passado ou criações espontâneas nunca certamente o resultado de uma discussão pública racional, como acontece com uma verdadeira e autêntica Opinião pública. Esse ponto de vista mais favorável – quando comparado ao que é sustentado por Hobbes, por exemplo – à opinião pública segue no pensamento de autores liberais ingleses e franceses, como Burke, Bentham, Constant e Guizot (Cervi, 2006). Eles dão a ela uma função política que a aproxima de uma ação participativa. Nesse contexto, a opinião pública se forma como um fenômeno que permite “a todos os cidadãos uma ativa participação política, colocando-os em condições de poder discutir e manifestar as próprias opiniões sobre as questões de interesse geral” (Cervi, 2006, p. 110). Um tratamento mais sistemático da função da opinião pública, afirma Matteucci (1998), pode ser encontrado nas obras de Immanuel Kant. Silveirinha (2004) e Cervi (2006) apontam que a questão surge no pensamento do filósofo iluminista não com a expressão supracitada, mas sob a designação de “publicidade”. Entretanto, Lima (2011) entende a opinião pública e a publicidade como conceitos distintos na filosofia kantiana, ainda que, segundo ele, sejam interdependentes. “A publicidade é o princípio formal e a opinião pública é o dispositivo prático-fenomenológico que faz a mediação entre o princípio formal da publicidade e a dimensão empírica que se efetiva no direito civil, no direito internacional e no direito cosmopolita” (Lima, 2011, p. 286). De acordo com o autor, a concepção de opinião pública kantiana não surge acabada em uma única obra, ela se apresenta em diversos escritos, como em um 5 quebra-cabeças com peças a serem reunidas para revelar sua percepção sobre o tema. A importância de seu pensamento é tamanha que, para Habermas (2002), Kant é precursor na discussão sobre opinião pública. Tratando de seu pioneirismo, Lima (2011, p. 299) sugere que Immanuel Kant teria sido o primeiro pensador a tratar da questão de forma concisa a partir do direito cosmopolita, do direito civil e do direito internacional, problematizando “a força da opinião pública internacional no combate às injustiças”. A partir de Kant, Silveirinha (2004, p. 416) destaca que “a opinião pública encarna o espírito da razão e assume-se como a expressão da vontade coletiva”. A publicidade kantiana é o que reconcilia a política com a moral (Silveirinha, 2004). Serve de mediadora entre ambas, “entre Estado e sociedade, e se torna assim um espaço institucionalizado e organizado no âmbito do Estado de direito liberal, onde os indivíduos autônomos e racionais procedem, pelo debate público, à auto compreensão e entendimento” (Matteucci, 1998, p. 843). Percebe-se, então, que o período iluminista trouxe, de maneira geral, uma construção predominantemente positiva do conceito de opinião pública. E é justamente no fim do século XVIII que se junta, de fato, o termo “opinião” com aquele que é o seu sujeito, o “público” (Champagne, 1998). Isso ocorre, especialmente, devido ao advento da comunicação mediada1, conforme aponta Silveirinha (2004, p. 413): “Este ‘público’, sujeito de uma ‘opinião’, irá manter um estatuto de referência fundamental da vida política, mas os sentidos de ambos vão-se transformando ao longo do tempo, não permitindo estabilizar uma só noção de ‘opinião pública’”. Parte do pensamento liberal, encabeçado por John Locke, também contribuiu para superar o status pouco prestigioso que a opinião públicacarregou por séculos, já que a estabeleceu como uma possibilidade de o cidadão participar mais ativamente da política, exercendo certo poder sobre o Estado (Cervi, 2006). Porém, ela sofre uma nova desvalorização com o que Matteucci (1998, p. 844) cita como “crise da opinião pública”. 1 A questão dos meios de comunicação, tão central para a discussão da opinião pública, será discutida com maior profundidade em aulas futuras. Agora, busca-se traçar um panorama geral da história do conceito. 6 TEMA 3 – O PÚBLICO: UMA BREVE HISTÓRIA DO CONCEITO Antes, porém, de abordar a crise da opinião pública, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX, é importante olhar com mais atenção para o conceito de “público”, já que ele assumiu, efetivamente, seu lugar como o sujeito da opinião no final do século XVIII. A fase apresentou, segundo Peters (1995), grandes transformações conceituais ligadas à opinião pública. Para o autor, foi no período que “a opinião deixou de ser uma fonte principal de ‘preconceito’ (o alvo de muitos pensadores do Iluminismo) para ser seu banidor. Opinião, vilã da filosofia, tornou-se a opinião pública, heroína da política” (Peters, 1995, p. 6, tradução nossa). Essa mudança, como se vê, só teria acontecido após sua junção com o termo público. Traçando uma breve revisão histórica do conceito, Peters (1995) aponta que, assim como a opinião (doxa), o público surgiu – em contraposição ao privado – já na Antiguidade Clássica. Na civilização grega, explica o autor, havia um contraste entre polis e oikos: a primeira, cidade-estado, abarcava os aspectos da vida pública, envolvendo as assembleias e a convivência nos lugares públicos, dos quais somente os cidadãos poderiam participar2; já a segunda tratava da casa, da família, do local de trabalho de escravos e do espaço para as mulheres. Essa divisão institucional apresenta-se na oposição conceitual entre o koinon (público ou comum) e o idion (o privado)3 (Peters, 1995, p. 6). A vida pública possuía tal relevância entre os gregos que, em sua obra A política (1988), Aristóteles define o homem como um “animal político”, significando que ele deveria se dedicar aos assuntos da polis. O entendimento romano de “público” se aproxima da compreensão grega do termo, principalmente pelo fato de que, assim como na Grécia Antiga, a vida pública é relacionada ao homem: “‘público’ vem do latim poplicus, uma forma inicial de populus (povo), e foi influenciada pela palavra relacionada pubes, isto é, a população masculina adulta” (Peters, 1995, p. 7, tradução nossa). Peters esclarece que, no período, as coisas públicas eram aquelas que diziam respeito às pessoas como um corpo, e que essas preocupações, então, exigiam a 2 Em Atenas, mulheres, escravos e estrangeiros não eram considerados cidadãos. Logo, não poderiam participar da vida pública. 3 A título de curiosidade, aqui se encontram as raízes da palavra idiota, que, na Grécia Antiga, remetia ao homem privado, àquele que não se ocupava dos assuntos públicos, tendo, consequentemente, pouca instrução. 7 exposição pública. Assim, para o autor é claro que, tanto no grego quanto no latim, o conceito de público recebe duas principais vertentes de significado: um que é social-político – relacionado à polis e ao corpo de cidadãos – e outro que é visual- intelectual – ligado a fama ou exibição, envolvendo, por exemplo, o sentido de publicar. “Já na antiguidade clássica, então, público é um conceito extremamente polarizado que combina sentidos de honra e de violação” (Peters, 1995, p. 7). Durante a Idade Média, público segue como um conceito importante, especialmente para acontecimentos pertencentes às esferas legal e religiosa, como, lista Peters, julgamentos, casamentos e pecados que deveriam ser confessados publicamente. A ideia política e social de público, contudo, era inexistente. O autor afirma que não se pode falar sobre público como um “agregado sociológico” até o século XVIII (Peters, 1995, p. 7). Na era feudal, o público era associado à publicidade, à dignidade, não ao debate cívico. Essa perspectiva “visual-intelectual” continua em vigor no início da Idade Moderna, muito ligada à visibilidade pública do monarca. Foi o Iluminismo que apresentou um novo significado de público, definindo- o como um corpo de cidadãos dotados de razão (Peters, 1995, p. 8). As mudanças desse período permitiram pensar a opinião pública a partir de seu significado moderno, essencialmente político e social, como o que Peters (1995, p. 9, tradução nossa) chama de “voz coletiva da vontade popular”. Exposta a trajetória histórica percorrida pelo conceito, é possível retomar a linha do tempo da opinião pública, adentrando em sua fase de desvalorização, como será mostrado a seguir. TEMA 4 – A CRISE DA OPINIÃO PÚBLICA Hegel possui um papel de destaque no que é encarado como uma “redesvalorização” da opinião pública (Matteucci, 1998; Silveirinha, 2004; Cervi, 2006). Em Matteucci (1998, p. 844), vê-se que o conceito é, para o pensador, uma “manifestação dos juízos, das opiniões e dos pareceres dos indivíduos acerca dos seus interesses comuns [...], conjunto acidental de modo de ver subjetivos, que possuem uma generalidade meramente formal, incapaz de atingir o rigor da ciência”. Silveirinha (2004) explica que, nessa conjuntura, a opinião pública toma forma de senso comum, e que não apenas o fenômeno, mas a própria sociedade civil é desvalorizada pelo filósofo. Ela seria, em sua concepção, uma instância 8 desorganizada, permeada por interesses particulares que vão na contramão da universalidade (Matteucci, 1998; Silveirinha, 2004). Segundo Bavaresco e Konzen (2009), o fenômeno da opinião pública é, na filosofia hegeliana, contraditório por apresentar ao mesmo tempo a universalidade dos princípios constitucionais – Direito e Ética – e a particularidade dos interesses dos cidadãos. Em sua teoria, a opinião pública é uma contradição que necessita passar por várias mediações, a fim de instaurar cenários de uma democracia que garante a liberdade de imprensa cidadã. A opinião caracteriza-se pela impaciência, querendo, imediatamente, a realização da vontade da pessoa. A opinião não suporta a lentidão da paciência das mediações do conceito e o longo processo de efetivação de suas determinações históricas. (Bavaresco; Konzen, 2009, p. 90) A partir disso, os autores apontam que a liberdade de imprensa e o parlamento são, no pensamento de Hegel, esferas de mediação da opinião pública como um fenômeno contraditório. Para além do pensamento hegeliano, a opinião pública também é desvalorizada em uma geração de autores liberais como John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville (Silveirinha, 2004). Ambos contribuem para a construção de um conceito de sociedade de massas e têm suas visões sobre a opinião pública permeadas por essa questão. Para Mill, diz Silveirinha (2004, p. 421), o fenômeno era tido como o “grande perigo das modernas democracias”, já que poderia conduzir as ações do governo de forma “ignorante e medíocre”: “Em política é quase uma trivialidade dizer que agora a opinião pública governa o mundo. O único poder digno desse nome é o poder das massas e dos governos que se tornam o órgão das tendências e dos instintos das massas” (Mill, 1997 citado por Silveirinha, 2004, p. 421). TEMA 5 – CRÍTICAS À CONCEPÇÃO DE UMA OPINIÃO PÚBLICA As críticas também surgiram no discurso de outros autores, como em Pierre Bourdieu (2003) e em Patrick Champagne (1998), um século mais tarde. Segundo Cervi (2006), tais pensadores consideram que, diferentemente do que é apresentado pelo liberalismo, a opinião pública pode não possuir consistência, deixando de ser espontânea e racional no cerne de sociedades modernas e complexas, tornando-se artificial e sendo possivelmente manipulada por instituições como os meios de comunicação.9 Considerando a informação como um bem de consumo, ela também é um produto consumido desigualmente. Sendo assim, se constituiria em uma 'fantasia liberal' sobre a existência da opinião pública em uma sociedade manipulada por um sistema de comunicação que transita do oligopólio ao monopólio, fazendo com que interesses particulares suplantem as demandas gerais da sociedade. (Cervi, 2006, p. 111) Peters (1995) e Splichal (1999) também apontam problemas na relação entre opinião pública e mídia quando afirmam que os meios de comunicação de massa podem até informar, mas não criam condições de participação política para os cidadãos. Outras críticas permeiam o tema. Em seu texto A opinião pública não existe (Bourdieu, 2003), por exemplo, Pierre Bourdieu critica as sondagens como meios de captar a opinião expressa pelo público. Cervi (2003) aponta que, ainda que o título do texto sugira o contrário, o autor francês não nega a existência de uma opinião pública, mas ataca seus métodos quantitativos e qualitativos de estudo – como as pesquisas –, considerando-os falhos, incapazes de apreender, de fato, o fenômeno. Em seu entendimento, a opinião pública “não pode ser apreendida a partir de um único ponto no tempo para a coleta de informações a respeito do que os integrantes do público pensam sobre temas de interesse comum” (Cervi, 2006, p. 286). Uma crítica similar também é feita por Silveirinha (2004). A pesquisadora acusa a existência de uma “sondacracia” (Silveirinha, 2004, p. 443), que dá ao tema um enfoque puramente empírico e de “validade questionável” (Silveirinha, 2004, p. 442), fazendo com que o conceito de opinião pública perca seu valor normativo, sociológico e coletivista. Sobre a consistência da opinião pública, também há críticas no trabalho de Angus Campbell et al., mais especificamente em seu livro The american voter (1964). Cervi (2006) explica que, a partir de dados de survey, o pesquisador chegou à conclusão de que a opinião pública manifestada pelo eleitor norte- americano não é coerente nem racional. Esse achado seria refutado na década de 1990 por Page e Shapiro (1992), que se preocuparam em mostrar que “a maioria das opiniões sobre políticas públicas mantêm-se ao longo do tempo, enquanto outras apresentam mudanças consistentes com alterações sociais ou de rupturas ideológicas” (Cervi, 2006, p. 112). Um entendimento similar foi alcançado por Cervi (2006) ao olhar para a opinião pública brasileira: o autor afirma que ela “pode ser considerada estável, previsível, enfim, explicada como resultado de processos racionais” (Cervi, 2006, p. 288). 10 Vê-se que essas críticas foram articuladas já no século XX, em meio a uma sociedade marcada pelos efeitos e influências dos meios de comunicação de massa. 11 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. A política. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988. BAVARESCO, A.; KONZEN, P. R. Cenários da liberdade de imprensa e opinião pública em Hegel. Kriterion, n. 119, p. 63-92, 2009. BOURDIEU, P. Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século, 2003. CAMPBELL, A. et al. The american voter. New York: John Wiley & Sons, 1964. CERVI, E. U. Opinião pública e política no Brasil: o que o brasileiro pensa sobre política e porque isso interessa à democracia. 2006. 359 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, 2006. _____. Opinião pública e comportamento político. Curitiba: Ibpex, 2010. CHAMPAGNE, P. Formar a opinião. São Paulo: Vozes, 1998. HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002. HOBBES, T. Leviatã ou: matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Nova Cultural, 1997. LIMA, F. J. G. A concepção kantiana de opinião pública: sua relação com a guerra e a corrupção do poder público. Kínesis, v. 3, n. 6, p. 284-300, 2011. MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. MATTEUCCI, N. Verbete Opinião Pública. In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. PAGE, B.; SHAPIRO, R. The racional public. Chicago: Chicago University Press, 1992. PETERS, J. D. Historical tensions in the concept of public opinion. 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Nesta aula, os holofotes se voltam para a discussão contemporânea a respeito do fenômeno, em especial para suas imbricações com os meios de comunicação de massa no cerne do século XX. Compreender essa relação se mostra essencial para os estudos sobre o tema. Por isso, o primeiro tópico é desenhado para realizar um panorama dessa questão, articulando os conhecimentos de autores como Cervi (2006) e Figueiredo e Cervellini (1995) para apresentar diferentes modelos que consideram os efeitos da mídia na formação da opinião pública, como os apresentados por Noelle-Neumann (1974), McCombs e Shaw (1972) e Elihu Katz (1957). Em seguida, utilizamos a pesquisa de Cervi (2006) para expor três correntes teóricas que trazem diferentes perspectivas sobre a relação entre opinião pública e os meios de comunicação. A primeira é a elitista, na qual são discutidos autores como Lippmann (1922), Lasswell (1936) e, mais uma vez, Katz (1957). Depois, a corrente pluralista, com suas teorias explicadas por Cervi (2006) e Mauro Wolf (2006). Por fim, o paradigma elitista institucional é abordado. No quinto e último tópico da aula, o tema apresentado é a opinião pública no Brasil e a forma como seus estudos se desenvolvem e desenvolveram no país. De acordo com Cervi (2006, p. 128), é necessário considerar que a opinião pública nas sociedades modernas é parte do processo de comunicação de massa, podendo “ser entendida como um dos efeitos do sistema de comunicação coletiva”, já que é resultado da interação entre indivíduos e, assim, não pode ser explicada “pelas ações ou opiniões prévias aos fatos a que se refere”. Essa dinâmica comunicacional, afirma o autor, pode impulsionar a construção de posicionamentos e a concepção de realidades que não existiam antes da troca de informações e influências. Em suma, a opinião pública é uma construção coletiva, não individual, auxiliada pelos processos modernos de comunicação. Diante disso, é preciso considerar como se formam e se sustentam as relações entre o público, sujeito da opinião, e as instituições políticas e midiáticas. Ou até mesmo como se dá a relação entre membros dos mais variados públicos. De que forma 3 tais dinâmicas ocorrem e interferem na formação da opinião pública? Diversas teorias abordaram essas imbricações. Emerson Cervi (2006) aponta que, entre o fim do século XIX e o início do XX, os estudos concentravam suas atenções em um suposto poder dos meios de comunicação de massa em determinar vontades e pontosde vista das pessoas. Já no século seguinte, revisões começaram a ser feitas, relativizando “os efeitos dos meios de comunicação sobre os indivíduos na esfera pública e dando mais importância para as relações entre os públicos – as chamadas mediações –, como elemento fundamental para a formação de opinião” (Cervi, 2006, p. 30). É uma mudança, afirma o autor, da perspectiva que acredita na manipulação da sociedade pela mídia para um entendimento de que a última não controla, mas possivelmente influencia, os posicionamentos manifestados pela primeira. Por exemplo, [...] da figura do receptor atomizado e passivo (Teoria da Agulha Hipodérmica), passou-se para a descoberta da mediação exercida pelos líderes de opinião (two-step flow) até alcançar a compreensão da complexidade na inserção dos indivíduos na vida social (enfoque fenomênico já nos anos 40 do século XX). (Cervi, 2006, p. 73) Para Figueiredo e Cervellini (1995), algumas pesquisas podem ser apontadas como centrais para a discussão sobre opinião pública, comunicação e comportamento político ao longo do século XX. Os autores mencionam estudos como The Spiral of Silence, de Elisabeth Noelle-Neumann (1974), The Agenda Setting, de McCombs e Shaw (1972), e The Two-Step Flow of Communication, de Elihu Katz (1957). Apesar da crítica que trazem ao citá-los – afirmam que, segundo o cientista político John R. Zaller (1993, p. 179), as investigações sobre opinião pública não buscam extrapolar esses modelos, nem “conectá-los ou contrapô-los a fim de chegar a modelos mais gerais” –, sabe-se que conhecer tais estudos é importante para compreender diversas questões que tangem mídia e opinião pública. Começando com os achados de Noelle-Neumann (1974), Cervi (2006, p. 115) explica que, para a autora, “a opinião pública é muito parecida com a ideia de consenso básico existente em uma sociedade, sem significar que se trata de uma espécie de pacto social racional ou conscientemente acordado”. Tal fenômeno, esclarece, surgiria de maneira espontânea entre os indivíduos, que se engajariam em diferentes posicionamentos pela necessidade de se encaixar em grupos. 4 Noelle-Neumann (1974, p. 43, tradução nossa) diz que “o medo de se isolar (não apenas o medo da separação, mas também a dúvida sobre a própria capacidade de julgamento) é parte integrante de todos os processos da opinião pública”. Esse é o entendimento predominante em seu modelo de Espiral do Silêncio. Nele, a pesquisadora aponta que opiniões impopulares – que não detêm apoio e “proteção” de um grupo, seja este majoritário ou não – costumam ser suprimidas pelos próprios indivíduos detentores desses posicionamentos, já que eles sentem medo da exclusão. “Expressar a opinião oposta [...] implica o perigo de isolamento”, logo, “com base nesse conceito de interação de uma ‘espiral’ de silêncio, a opinião pública é a opinião que pode ser expressa em público sem medo de sanções [...]” (Noelle-Neumann, 1974, p. 44, tradução nossa). No modelo de Agenda-Setting, de McCombs e Shaw (1972), afirma-se que “a influência da comunicação de massa se baseia no facto de os mass media fornecerem toda essa parte de conhecimentos e de imagens da realidade social que transpõe os limites estreitos da experiência pessoal, directa e ‘imediata’” (Wolf, 2006, p. 24). Explicando essa ideia, a teoria do agendamento não trabalha com a manipulação dos meios sobre o público, mas com a capacidade que os meios têm de pautar a agenda de discussão das pessoas. Shaw (1979, p. 96, tradução nossa) pontua que “a mídia é persuasiva ao focar a atenção do público em eventos, questões e pessoas específicas” e que “as pessoas tendem a incluir ou excluir de suas cognições o que a mídia inclui ou exclui de seu conteúdo”. Mais do que isso, Cervi (2006, p. 76) alega que, nesse modelo, “a mídia molda formas de perceber e pensar, construindo os quadros de percepção”. Assim, a formação da opinião do público tem influência dos meios de comunicação, já que eles oferecem uma gama de temas sobre os quais os cidadãos devem debater e se posicionar. Katz (1957, p. 61, tradução nossa), vendo que “o fluxo da comunicação de massa pode ser menos direto do que se supunha”, desenvolveu um modelo que contempla dois passos (two-step flow). Entre o emissor e o receptor da mensagem – meio de comunicação e indivíduo –, ele acrescentou os líderes de opinião, que exerceriam papéis de mediação ao receber informações da mídia, repassando aquelas vistas como relevantes para grupos de pessoas sob os quais exercem certa influência (Katz, 1957). Diante do que foi exposto, entende-se que “seja como manipuladores ou simples organizadores indiciáticos a respeito da realidade tangível pelo cidadão, 5 os meios de comunicação de massa em sociedades democráticas contemporâneas desempenham seu papel na formação e transformação da opinião pública" (Cervi, 2006, p. 30). Essa importância justifica um estudo mais aprofundado da questão. Por isso, outras pesquisas e modelos ligados aos meios de comunicação e suas ações sobre a opinião do público serão elencados nos tópicos seguintes. Eles estão divididos em três principais grupos, tal como são apresentados por Emerson Cervi (2006): paradigmas elitistas, pluralistas e elitistas institucionalistas. TEMA 2 – TEORIAS ELITISTAS As teorias elitistas “pressupõem que os meios exercem um controle quase total sobre o público passivo” (Cervi, 2006, p. 77). Cervi (2006) aponta que alguns dos nomes de destaque deste grupo são Lippmann (1997), Katz (1957) e Lasswell (1936), todos compartilhando a crença de que as pessoas só são capazes de conhecer a realidade em que vivem se forem inseridas por meio da mídia. Dessa forma, os meios de comunicação assumem uma poderosa função de moldar, de certa maneira, as opiniões dos indivíduos. Pertencente à Escola de Chicago, Harold Lasswell é reconhecido como um dos “pais fundadores” dos estudos sobre comunicação, tendo se dedicado a investigar as audiências e os processos de influência que envolvem mídia e público (Cervi, 2006). Lasswell estabeleceu o modelo comunicacional que deve atentar às seguintes questões: “Quem? Diz o que? Em qual canal? Para quem? Com quais efeitos? ” (Lasswell, 1948, p. 216). Também elaborou a chamada Teoria da Persuasão, que consistiu em um passo para a superação da chamada Teoria Hipodérmica – segundo a qual “cada indivíduo é um átomo isolado que reage isoladamente às ordens e às sugestões dos meios de comunicação de massa monopolizados” (Wolf, 2006, p. 26). Na Teoria Lasswelliana, afirma Wolf (2006), a ideia de que o processo comunicativo corresponde a uma relação mecanicista e imediata entre estímulo e resposta passa por uma revisão. O autor considera, nessa dinâmica, elementos psicológicos dos integrantes do público, tornando mais complexa a relação entre emissor, mensagem e destinatário. Ainda assim, os meios de comunicação têm um relevante e persuasivo papel na formação do pensamento dos indivíduos. Como já discutido anteriormente, Katz (1957), em seu modelo de comunicação de dois passos (Two-Step Flow), colocou os líderes de opinião no 6 fluxo comunicativo entre emissores e receptores, considerando a influência que tais figuras exerceriam sobre os grupos que recebem as informações e, com base nelas e na mediação exercida pelos líderes, elaboram suas opiniões. Mais uma vez, o público tem sua visão de mundo influenciada tanto pela mídia quanto pela figura dos opinion leaders. Por fim, discutimos o pensamento daquele que Figueiredo e Cervellini (1995) consideram pioneiro na tentativa de conceituar a opinião pública na sociedade moderna: Walter Lippmann. Segundo os autores: Ele alertava para o fato de que o mundo onde vivemos é muito vasto e complexo para que cada um de nós possa apreendê-lo sozinho, de forma independente. Hoje, ao formarmos uma opiniãosobre qualquer assunto, teremos necessariamente que contar com informações produzidas e veiculadas por instituições e não obtidas exclusivamente de nossa experiência individual, se é que existe experiência exclusivamente pessoal. (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 177) Para esclarecer: em seu livro Opinião Pública, de 1922, Lippmann diz que o conhecimento do cidadão em relação ao ambiente em que vive é adquirido de maneira indireta e que seu comportamento seria uma resposta a esse “pseudo- ambiente”. Assim, toda a opinião é construída com base em imagens que se formam em sua mente1 e que são alimentadas pelos meios de comunicação, não por meio de um contato direto e fiel com o mundo exterior. Por isso, o jornalismo deveria ser capaz de oferecer um “testemunho objetivo” do que acontece na realidade (Schudson, 2016). Em seu trabalho cotidiano, alegava Lippmann, o jornalista deveria “procurar no método científico e nos procedimentos profissionais o antídoto para a subjetividade” (Traquina, 2005, p. 149), considerando que “a imprensa é como um holofote que se move sem descanso, para trazer à luz episódios que estão nas sombras” (Lippmann, 1997, p. 229). Vê-se que, para os pensadores denominados elitistas, “as relações que se estabelecem entre o indivíduo e o mundo em que ele vive acontecem através dos meios de comunicação. São eles que constroem a conexão dos eventos sociais e as imagens deles na cabeça do cidadão. ” (Cervi, 2006, p. 79). Além disso: Há duas visões opostas a respeito desse paradigma: uma visão otimista, na qual as elites e os líderes de opinião geram na mídia um debate ilustrado ao mesmo tempo em que oferecem à massa modelos sociais e sinais de identidade coletiva (Dewey, 1927, citado por Blanco, 1999); enquanto uma visão negativa entende que as elites empregam os meios como poderosas plataformas para imprimir valores e estereótipos 1 Ideia que se relaciona com o título do primeiro capítulo de seu livro: “O mundo exterior e as imagens em nossas mentes”. 7 manipuladores na opinião pública (Lippmann, 1965, citado por Blanco, 1999). (Cervi, 2006, p. 79) No tópico a seguir, discutiremos sobre o segundo grupo teórico que visa explicar as relações entre meios de comunicação e opinião pública. TEMA 3 – TEORIAS PLURALISTAS Cervi (2006) afirma que o paradigma pluralista se apoia em duas proposições principais: 1. A primeira considera que a recepção das mensagens divulgadas pelos meios de comunicação tem funções que dependem do uso que a audiência faz de tais mídias; 2. A segunda se apoia nos estudos de Martin-Barbero (2001), afirmando que é o público quem determina o significado final das mensagens, ao reelaborá-las no momento de seu consumo. Percebe-se que a perspectiva pluralista da comunicação de massa traz o que Cervi (2006, p. 77) chama de consumidores soberanos, capazes de interpretar os conteúdos veiculados pelos meios, diferentemente do que ocorre na abordagem elitista, que foca em certa passividade do público. O autor ainda afirma que essa corrente teórica foi forte nos anos 1960, tendo como expoente os estudos da corrente funcionalista, como a hipótese dos usos e gratificações. “Esse é o primeiro modelo teórico comunicacional em que o público tem participação ativa no processo de comunicação, exercendo a função de escolha entre as mensagens disponíveis para seu consumo” (Cervi, 2006, p. 74). Segundo Mauro Wolf (2006, p. 70), tal hipótese se afasta daquela ideia inicial da comunicação como “geradora de uma influência imediata, numa relação estímulo/reação”, e está mais atenta aos contextos em torno dos indivíduos que recebem as mensagens lançadas pelos meios. O pesquisador alega que “à medida que a abordagem funcional se enraíza nas ciências sociais, os estudos sobre os efeitos passam da pergunta “o que é que os mass media fazem às pessoas? ” para a pergunta “o que é que as pessoas fazem com os mass media?”. (Wolf, 2006, p. 70). Com isso, explica, o efeito da comunicação de massa é visto como consequência da satisfação às necessidades do receptor: os conteúdos lançados pela mídia alcançam eficácia quando são úteis a seu público. Diante disso, “as mensagens são captadas, interpretadas e adaptadas ao contexto 8 subjetivo das experiências, conhecimentos e motivações” das pessoas que as recebem (Wolf, 2006, p. 70). Sumariamente, Cervi (2006, p. 79) explica que, perante essa concepção, a “audiência de qualquer processo comunicativo de massa, inclusive a comunicação política, não está submetida à persuasão ou reduzida a uma pseudo-realidade midiática”. Ela é, na verdade, plenamente capaz de consumir conteúdos considerando seus próprios interesses e interpretá-los com base em suas próprias experiências e contextos. TEMA 4 – TEORIAS ELITISTAS INSTITUCIONAIS A terceira e última corrente teórica elencada por Cervi (2006, p. 77) é o paradigma institucional da comunicação política, ou paradigma elitista institucional, no qual “fica estabelecido que a opinião pública está condicionada, mas não determinada, por estruturas sociais e pela lógica institucional – incluindo os meios de comunicação de massa”. O autor explica: Nesta última abordagem, admite-se que as estruturas sociais, tais como classe social, educação formal ou etnia exercem certas limitações materiais e culturais. Dessa forma, os interesses dos produtores midiáticos, fontes informativas, elites políticas e públicos mais privilegiados institucionalmente conseguem se impor na esfera pública (Blanco, 1999). Dito em outras palavras, a opinião pública se nutre e se expressa através da mídia, reproduzindo as estruturas sociais e comunicativas existentes. (Cervi, 2006, p. 77) Ele também esclarece que essa corrente teórica se forma com base no que é apresentado na sociologia da estruturação de Anthony Giddens (1995), no neoinstitucionalismo da ciência política (Hall; Taylor, 1996) e no conceito de comunicação de massa (Beniger; Herbst, 1990). O que se considera com Giddens (1995) é que a opinião pública está profundamente relacionada com as estruturas políticas e as instituições midiáticas presentes na sociedade, sendo formada no cerne destas e tornando-se um resultado das estruturas sociais nas quais está inserida (Cervi, 2006). Nessa relação, “as elites possuem a primazia da informação midiática, mas nem por isso elas deixam de estar condicionadas pelo público” (Cervi, 2006, p. 80). De acordo com Peres (2008), o neoinstitucionalismo tem sido, nas últimas cinco décadas, uma nova abordagem para analisar fenômenos políticos. Uma abordagem que, na Ciência Política, difere do institucionalismo e do 9 comportamentalismo2, perspectivas que dominaram a área no início do século XX. O autor alega que, diante da visão neoinstitucionalista, “as ‘instituições importam’ decisivamente na produção dos resultados políticos” (Peres, 2008, p. 54). Entendendo isso, o ponto de vista elitista e institucional da opinião pública diz que ela reproduz, em certa medida, posicionamentos sustentados por uma elite, já que se forma e se espalha com o auxílio dos meios de comunicação, usualmente dominados por grupos privilegiados. Isso não significa, contudo, que o público receba as informações passivamente. Ele ainda pode expressar suas preferências diante do que é apresentado pela mídia e pelas elites. Para o paradigma do elitismo institucional, os efeitos da mídia são de ordem hegemônica, pois difundem a ideologia e os valores dominantes; também são de ordem institucional, pois influem nas demais instituições, além disso, são de ordem social e individual, com base nos indivíduos que as integram. Assim, o poder não reside mais na elite ou na massa, mas depende dos recursos existentes a partir das estruturas e instituições, nas quais são desenvolvidas suas atividades. A opinião públicapassa, então, a ser o resultado do embate dos atores políticos, da elite e da massa que se utilizam desses recursos estruturais e institucionais para tentar impor uma visão de mundo específica. (Cervi, 2006, p. 81) Depois de discutidos os diferentes paradigmas que relacionam os meios de comunicação de massa e a opinião pública, apresentamos, no próximo tópico, um breve cenário dos estudos brasileiros a respeito do fenômeno. TEMA 5 – A OPINIÃO PÚBLICA NO BRASIL Ao longo do século XX, os estudos sobre opinião pública em terras brasileiras estiveram bastante próximos de pesquisas eleitorais e de estudos ligados a representações políticas. Contudo, a questão em si foi pouco utilizada como objeto de análises. Quem afirma isso é Cervi (2006, p. 113), que complementa: [...] a partir dos anos 70, já com o uso de pesquisas quantitativas, entra na agenda dos pesquisadores a necessidade de estabelecer, primeiramente, um perfil do eleitor. Foi a partir desses trabalhos que o tema opinião pública passou a ser tratado, ainda que marginalmente, nos estudos nacionais da ciência política. 2 Segundo Peres (2008), um pensamento central para o comportamentalismo é aquele que questiona se as decisões políticas tomadas pelos indivíduos são determinadas por racionalidade e preferências endógenas. Já para o institucionalismo, a pergunta é feita de maneira inversa: seriam esses "processos induzidos por instituições políticas e sociais que regulam as escolhas coletivas?" (Peres, 2008, p. 54). 10 O autor, que elabora uma tese sobre a opinião pública brasileira em 2006 – trabalho que tem sido basilar para o desenvolvimento desta disciplina –, lista alguns pesquisadores que, nas últimas décadas, têm tangenciado os estudos sobre opinião pública, tais como Victor Nunes Leal, Assis Brasil, Oliveira Vianna, Gilberto Freire e Octávio Ianni (Cervi, 2006, p. 113). Seus trabalhos, de maneira geral, preocupam-se com questões de, por exemplo, massa, classe, público e eleitorado, tratando indiretamente do fenômeno do qual nos ocupamos aqui. “Mais recentemente, através dos estudos sobre eleições, voto e sistema partidário, o debate sobre a gênese da opinião pública no Brasil começou a ganhar corpo. Entretanto, tais estudos ocupam-se mais do comportamento eleitoral do que propriamente da formação da opinião." (Cervi, 2006, p. 113). Considerando esta seção uma pequena introdução das discussões sobre o tema no país, a aula seguinte traz uma proposta conceitual de opinião pública elaborada por dois pesquisadores brasileiros, já mencionados nesta disciplina: Rubens Figueiredo e Sílvia Cervellini (1995). 11 REFERÊNCIAS BLANCO, V. F. S. Efectos de los medios de comunicación sobre la opinión pública: los paradigmas sobre el poder del público. Revista Comunicação & Política, v. 6, n. 1, 1999. CERVI, E. U. Opinião pública e política no Brasil: o que o brasileiro pensa sobre política e por que isso interessa à democracia. 2006. 359 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, 2006. _____. Opinião pública e comportamento político. Curitiba: Editora Ibpex, 2010. CNI – Confederação Nacional da Indústria. Retratos da Sociedade Brasileira – Segurança Pública. Brasília: Confederação Nacional da Indústria, ano 6, n. 38, 2017. FIGUEIREDO, R.; CERVELLINI, S. Contribuições para o conceito de opinião pública. Opinião Pública, Campinas, v. 3, n. 3, p. 171-185, 1995. GIDDENS, Anthony. La Constitución de la Sociedad: bases para la teoría de la estructuración. Buenos Aires. Amorrortu, 1995. HERBST, S. The meaning of public opinion: citizen’s constructions of political reality. Media, Culture and Society, v. 15, n. 3, p. 437-454, 1993. KATZ, E. The Two-Step Flow of Communication: an up-to-date report on an hypothesis. Public Opinion Quarterly, vol. 21, n. 1, 1957. LIPPMANN, W. Public Opinion. New York: Free Press Paperbacks, 1997. McCOMBS, M.; SHAW, D. The agenda-setting function of mass media. Public Opinion Quarterly, n. 36, p.176-187, 1972. MILL, J. S. Sobre a liberdade. Mem Martins: Europa América, 1997. MUÑOZ-ALONSO, A. et al. Opinión Pública Y Comunicación Política. Madrid (Espanha): Editora Eudema, 1992. NOELLE-NEUMAN, E. The Spiral of Silence. A Theory of Public Opinion. Journal of Communication, Spring, 1974. SHAW, E. Agenda-Setting and Mass Conimunication Theory. Gazette (International Journal for Mass Communication Studies), v. 25, n. 2, p. 96-105, 1979. ZALLER, J. R. The nature and origins of mass opinion. Cambrige: Cambrige University Press, 1993. AULA 4 MÍDIA, OPINIÃO PÚBLICA E OS GRUPOS DE INTERESSE Profª Rafaela Sinderski 2 OPINIÃO PÚBLICA: PROPRIEDADES E ASPECTOS Como já discutido anteriormente, a definição de opinião pública é ampla e plural. Ela envolve diferentes entendimentos construídos ao longo dos séculos (Silveirinha, 2004; Cervi, 2006), sendo, nesse percurso, encarada de maneira mais ou menos positiva por filósofos, comunicadores, psicólogos, cientistas políticos e outros estudiosos das ciências humanas e sociais. Nesta aula, é apresentada uma proposta conceitual ainda não discutida em nosso trajeto voltado para a compreensão do fenômeno. Uma proposta elaborada por Figueiredo e Cervellini (1995), pesquisadores brasileiros, sustentada por quatro aspectos: formação, forma, objeto e sujeito da opinião. Em seguida, são abordadas cinco propriedades para a definição de opinião pública, também encontradas no estudo de Figueiredo e Cervellini (1995). São elas: distribuição, direção, intensidade, coerência e latência. TEMA 1 – FORMAÇÃO, FORMA, OBJETO E SUJEITO: UMA PROPOSTA CONCEITUAL DE OPINIÃO PÚBLICA Diante da dificuldade de definir o significado de opinião pública com precisão, Figueiredo e Cervellini (1995) apresentam uma proposta conceitual que visa contornar tal obstáculo, dando significado à expressão a partir da reflexão acerca de quatro aspectos: formação, forma, objeto e sujeito da opinião pública. Essa proposta foi mencionada durante outra aula e será aprofundada neste tópico. Antes, contudo, de mergulhar no raciocínio dos autores, é importante recordar que ambos atentam para o fato de que “não existe uma, mas várias maneiras de identificar os fenômenos de opinião pública” (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 177). Ela seria, assim, um fenômeno marcado pela pluralidade. Além disso, os pesquisadores afirmam que tratar de opinião pública é dialogar com diferentes áreas do conhecimento, como a Ciência Política, a Comunicação, a Sociologia, a Antropologia, a Economia e a Psicologia Social. O fenômeno pode ser foco de estudiosos dessas e de outras áreas, ou pode tangenciar seus objetos de pesquisa, chamando, assim, sua atenção. Dessa forma, afirmam que qualquer definição que se pretenda dar à opinião pública deve ter em consideração seu aspecto multidisciplinar. “Qualquer conceituação que dê ênfase a um aspecto específico – a economia e suas expectativas racionais, por 3 exemplo –, certamente pecará pelo reducionismo” (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 172). Voltando, então, à proposta conceitual, os autores elencam, como já dito, quatro aspectos que podem auxiliar na construção de um conceito mais bem delimitado de opinião pública. Os pontos são sumarizados a seguir. TEMA 2 – ORIGEM DE FORMAÇÃO E FORMA DA OPINIÃO Figueiredo e Cervellini (1995) pontuam que a origem da opinião pública deve ser o debate público, como um “processo de discussão coletiva, implícito ou explícito” (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 177). Ao apresentar essa ideia, os autores diferenciam seu entendimento sobre a questão daquele encontrado na obra do filósofo e sociólogo alemão, expoente dos estudos sobre democracia deliberativa, Jürgen Habermas. Eles apontamque, para Habermas, debate público está ligado à imposição prévia de racionalidade, a ser manifestada por aqueles envolvidos na discussão. De fato, ao tratar da esfera pública, o teórico afirma que ela é formada pelo debate público de razões, colocando como característica da deliberação a troca de argumentos embasados na racionalidade (Habermas, 1984). O que Figueiredo e Cervellini (1995, p. 177) fazem é distinguir seu pensamento do que é sustentado por Habermas, alegando que não exigem, em sua concepção de debate público, um tipo de racionalidade a priori, nem esquecem de que “concretamente falando, numa sociedade de massas as discussões podem se dar de maneiras difusas e muito complexas, sem que fiquem explicitadas”. Entretanto, a crítica à condição de racionalidade nas discussões públicas não é uma novidade trazida pelos dois pesquisadores. A filósofa norte-americana Nancy Fraser (1999), por exemplo, afirma que a esfera pública pensada por Habermas (1984) é formada por exclusões significativas, ligadas, especialmente, a gênero, raça e classe. Isso aconteceria porque restringir a discussão democrática à argumentação crítica e racional dificulta a participação, no debate, de determinados grupos mais frágeis a essa forma de interação, como os grupos historicamente oprimidos. A exigência do uso da razão privilegia, assim, características confrontacionais, favorecendo determinados discursos, os hegemônicos, em detrimento de outros, os minoritários (Mansbridge, 1999; Young, 2001). “Deliberação deveria basear-se na ‘troca de considerações’ mais que na ‘troca de razões’, porque construir o melhor sentido a respeito do que 4 coletivamente devemos fazer requer uma atenção fina às cognições e emoções” (Mansbridge, 1999, p. 228). Nosso foco, contudo, não é a deliberação e suas características, e sim a opinião pública. Por isso, tendo dito que a origem desse fenômeno é, para Figueiredo e Cervellini (1995), o debate público, retomaremos a proposta conceitual dos autores abordando o segundo aspecto para a definição da questão: a forma. Segundo os pesquisadores, a forma da opinião pública está ligada à necessidade de que haja expressão pública da opinião. Esse é um prerrequisito para que exista o debate, que é, para os autores, no qual se origina o fenômeno. Eles afirmam que, em tal contexto, as pesquisas de opinião assumem importância, já que “são capazes de expressar aspectos latentes do conjunto dos pensamentos individuais e, portanto, da própria sociedade” (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 177). Faz, inclusive, parte do raciocínio dos pesquisadores a ideia de que essas pesquisas seriam “formas em que a deliberação ocorre hoje em dia, funcionando como veículos de troca de informações sobre temas que já estão sendo discutidos e pensados por alguns grupos ou pessoas, mas que nem por isso são totalmente estranhos aos outros” (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 178). Porém, esse pensamento é passível de muitas críticas, afinal, para que haja deliberação de fato, não é suficiente a exposição de posicionamentos dos cidadãos sobre determinado assunto. É preciso que sejam cumpridos, segundo Stromer-Galley (2007), alguns critérios para a deliberação entre indivíduos, como manifestações de discordância, que podem gerar revisão de posicionamentos por parte dos integrantes do debate, e engajamento, ou reciprocidade, entre os participantes. Apesar de a dissonância poder ser mensurada com uma pesquisa, não há o engajamento das pessoas em um debate real, nem a troca de argumentos e contra-argumentos. TEMA 3 – DISCUTINDO SOBRE SEU OBJETO Neste ponto, há a exigência de que o objeto da opinião pública – o assunto em pauta – seja suficientemente relevante para gerar debate público. Sobre a questão, Figueiredo e Cervellini (1995, p. 178) discorrem: Isso significa dizer que o tema tem que ser, em alguma medida, público, ao menos para que os participantes do debate se ponham minimamente de acordo a respeito do que está sendo debatido. A opinião de um homem casado sobre sua sogra, por exemplo, não é um fenômeno de 5 opinião pública. No entanto, se de alguma forma essa opinião ganha relevância pública – se esse é o ponto principal da trama de uma novela de grande audiência ou uma questão que envolva o presidente da República –, a opinião daqueles que discutem o tema passa a ser uma manifestação de opinião pública. Vê-se que, além de temas de claro interesse público, como, digamos, a situação econômica do país, questões que se misturam com o privado também podem ser políticas e conquistar o debate entre cidadãos. A ideia de que “o pessoal é político” ganhou proeminência com Carol Hanisch, durante o século XIX, quando ela declarou que “problemas pessoais são problemas políticos” (Hanisch, 1970, p. 76, tradução nossa). Dizendo isso, a ativista norte-americana deu um novo significado a problemas como as agressões contra mulheres, pois sua frase não significa que todos os assuntos tratados dentro de casa devem ser levados à rua, mas sim que existem questões estruturais, como a violência doméstica, que ocorrem em espaços privados, mas que precisam de ação coletiva para serem superadas. Para Graham (2008, p. 18), é importante assumir um entendimento mais “poroso” do que qualifica um tema como político/público. Ele alega que tais assuntos costumam envolver menos discussões sobre política convencional – o que não quer dizer, de maneira alguma, que esse tópico não apareça em debates públicos – e mais articulações ligadas a questões presentes no dia a dia das pessoas. Sabendo disso, há um grande leque de conteúdos que podem servir de substrato para o debate entre cidadãos e, assim, para a opinião pública. TEMA 4 – OPINIÃO PÚBLICA: QUAL É SEU SUJEITO? Por fim, o último aspecto trazido por Figueiredo e Cervellini (1995) diz respeito ao sujeito da opinião pública, que, para os autores, não possui quaisquer limites além de seu aspecto coletivo. Ou seja, “a opinião pública tem que corresponder à opinião de um grupo de pessoas que tenham algumas características comuns, não importando se pertençam a elite ou a massa, se são informados ou não ou se formam a opinião de maneira racional ou emocional” (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 178). Diante disso, afirmam que os posicionamentos de grupos minoritários devem ser tão relevantes quanto as expressões advindas de parcelas majoritárias da população. Em suma, para os pesquisadores, opinião pública diz respeito a fenômenos que se originam de um processo de debate público e se referem a assuntos de 6 interesse coletivo. Esses posicionamentos devem ser expressados publicamente por grupos de cidadãos, grandes ou pequenos. Aqui, pode-se traçar um paralelo com o pensamento compartilhado por Matteucci (1998) e Cervi (2006) de que a opinião pública surge do debate público e tem, como objeto, questões de relevância pública, sendo, dessa maneira, pública em um duplo sentido. TEMA 5 – CINCO PROPRIEDADES PARA A DEFINIÇÃO DE OPINIÃO PÚBLICA Além de apresentarem uma proposta conceitual própria de opinião pública, Figueiredo e Cervellini (1995) também discutem sobre o trabalho de outro pesquisador, o cientista político norte-americano Valdimer Orlando Key Jr., que se ocupa da definição de certas propriedades do fenômeno. São elas: distribuição, direção, intensidade, coerência e latência. A ideia de propriedades e a sua utilização enquanto instrumento analítico é importante, pois cada propriedade relaciona-se a um aspecto que auxilia na previsão de futuros movimentos ou efeitos das manifestações de opinião na vida da sociedade. (Figueiredo; Cervellini, 1995, p. 182) Esses aspectos são reunidos em um quadro construído pelos autores e apresentado abaixo: Quadro 1 - Propriedades da opinião pública e seus aspectos relacionais Propriedades Aspectos com o qual se relacionam Distribuição
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