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[7259 - 20445]ciencia_politica_teoria_geral_estado

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1
UnisulVirtual
Palhoça, 2014
Universidade do Sul de Santa Catarina
Ciência Política 
e Teoria Geral do 
Estado
2
Créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul
Reitor
Sebastião Salésio Herdt
Vice-Reitor
Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão
Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional
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Diretor do Campus Universitário UnisulVirtual
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Campus Universitário UnisulVirtual
Diretor
Fabiano Ceretta
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) - Educação, Humanidades e Artes
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Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e 
Serviços
Roberto Iunskovski (articulador)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e Agroindústria
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Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social
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Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos 
Moacir Heerdt
Gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão
Roberto Iunskovski
Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos 
Márcia Loch
Gerente de Prospecção Mercadológica 
Eliza Bianchini Dallanhol
3
Livro didático
UnisulVirtual
Palhoça, 2014
Designer instrucional
Marcelo Tavares de Souza Campos
Luiz Henrique Queriquelli
Ciência Política 
e Teoria Geral do 
Estado
4
Livro Didático
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul
Copyright © 
UnisulVirtual 2014
Professor conteudista
Luiz Henrique Queriquelli
Designer instrucional
Marcelo Tavares de Souza Campos
Projeto gráfico e capa
Equipe UnisulVirtual
Diagramador
Frederico Trilha
Revisora
Perpétua G. Prudêncio
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por 
qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
320
Q53 Queriquelli, Luiz Henrique
Ciência política e teoria geral do estado : livro didático / Luiz 
Henrique Queriquelli ; design instrucional Marcelo Tavares de Souza 
Campos. – Palhoça : UnisulVirtual, 2014.
149 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-616-7
1 Ciência política. 2. Estado. 3. Sociedade civil. I. Campos, Marcelo 
Tavares de Souza. II. Título.
5
Sumário
Introdução | 7
Capítulo 1
Política na Antiguidade | 9
Capítulo 2
Do absolutismo medieval ao Estado moderno: 
atores e eventos cruciais | 37
Capítulo 3
A consolidação do Estado moderno | 79
Capítulo 4
Tópicos de política contemporânea | 125
Considerações Finais | 141
Referências | 143
Sobre o professor conteudista | 149
7
Introdução
Caro estudante,
Quando alguém fala em Política, use uma linguagem comum ou uma linguagem 
culta, esteja em um ambiente comum ou em uma universidade, está se referindo ao 
exercício de alguma forma de poder e, naturalmente, às múltiplas consequências desse 
exercício. Como diria João Ubaldo Ribeiro, importante escritor brasileiro, “a Política tem 
a ver com quem manda, por que manda, como manda” (1998, p. 8). Mandar é decidir, 
é conseguir consentimento, apoio ou até submissão. Porém também é persuadir e, 
portanto, não se trata de um processo simples. 
Apesar dos esforços dos estudiosos, que, há milhares de anos, vêm tentando 
dissecar, analisar e categorizar o fenômeno político, ninguém pode alegar 
compreendê-lo totalmente. Em toda sociedade, desde que o mundo é mundo, 
existem estruturas de governo. Alguém, de alguma forma, sempre mandou em 
outrem. Normalmente uma minoria governa a maioria, e este é um fato central.
A Política requer um talento especial de quem a pratica, uma sensibilidade 
especial, uma vocação muito marcada. É, portanto, uma arte. No entanto, uma 
vez que podemos sistematizar os governos dos homens a partir de observações e 
inferências, também podemos enxergar neles uma ciência. A Política – vista como 
um ramo de conhecimento sistematizado, referente a um determinado grupo de 
fenômenos, regidos por leis gerais – surgiu, contudo, em um momento específico 
da história, a Idade Moderna, e foi somente a partir desse momento que as 
pessoas passaram a falar em Ciência Política.
Com este livro, pretendo dar-lhe a oportunidade de compreender o desenvolvimento da 
Ciência Política, desde as suas raízes na Antiguidade até seu estado atual, com especial 
atenção às revoluções e às correntes de pensamento surgidas no período moderno, 
pois ali se encontram suas principais bases. Respeitei uma ordem cronológica apenas 
para que você possa vislumbrar de que maneira as ideias políticas tiveram sua origem 
ao longo da história, embora saibamos que elas nem sempre são resultado de um 
processo linear, de uma soma de contribuições. Em última instância, a concepção desta 
unidade de aprendizagem visou a garantir-lhe uma noção o mais abrangente possível 
das principais contribuições já dadas ao estudo da Política, para que você mesmo(a) 
possa construir seu próprio entendimento a respeito deste assunto.
Tenha uma excelente leitura!
Prof. Luiz Henrique Queriquelli 
9
Habilidades
Seções de estudo
Capítulo 1
Seção 1: O surgimento da sociedade
Seção 2: Egito Antigo: o desenvolvimento do 
estado teológico 
Seção 3: Grécia Antiga: a descoberta do homem 
através da política
Seção 4: Roma Antiga: a política só existe na prática
Com a leitura deste capítulo você desenvolverá 
as habilidades de: compreender a passagem dos 
homens do estado primitivo para a sociedade, e 
as implicações políticas desse processo; discernir 
a organização política presente no Egito Antigo, 
um dos mais duradouros impérios da Antiguidade; 
compreender o pensamento político dos gregos 
antigos, aos quais se costuma atribuir a “invenção 
da política”; identificar as principais instituições 
políticas legadas pelos romanos, que conferiram à 
política um significado eminentemente prático.
Política na Antiguidade
10
Capítulo 1 
Seção 1
O surgimento da sociedade
A população humana passa a se chamar humanidade a partir do momento em 
que deixa de enfrentar apenas a sobrevivência e se depara com outro problema 
crucial para sua espécie: a convivência. Desse período inicial da história dos 
homens, além do desenvolvimento das mais diversas técnicas que transformaram 
sua relação com a natureza, podemos destacar a atividade que os homines 
sapientes, servindo-se da capacidade cognitiva que os distingue, elevaram a uma 
condição de existência: a política.
Com o passar do tempo, algumas sociedades conseguiram mais estabilidade que 
outras e, assim, puderam chegar a níveis de desenvolvimento impressionantes, 
considerados insuperáveis por muitos estudiosos sob certos aspectos. Tal feito 
coincide com a percepção de que a política não consiste apenas em uma arte, 
mas – dadas as suas regularidades – também se propõe como ciência. 
O surgimento das grandes civilizações que caracterizaram a Antiguidade está, pois, 
relacionado a uma nova concepção de política. Em outras palavras, as grandes 
civilizações antigas só puderam se desenvolver porque seus governantes 
perceberam a necessidade de pensar sobre o exercício do governo.
Não são poucos os pensadores políticos clássicos que se dedicaram a explicar as 
razões pelas quais o homem primitivo sai de sua condição original, na qual só lhe 
interessa a sobrevivência, e passa a viver em um estado no qual sua existência 
depende da relação com seus semelhantes. 
Apesar das divergências, podemos afirmar que todos concordam em um ponto: 
os homens decidem entrar em sociedade a fim de resolver os conflitos que a 
convivência traz no estado natural. Isto é, os homens optam por viver em um 
modo de vida ordenado, em que as pessoas submetem-se a regras, basicamente 
em busca de justiça, já que, no estado primitivo, cada um julga seus atos e os 
atos alheios conforme lhe convém. Esse princípio está expresso em umprovérbio 
secular, muito recorrente entre os romanos: Ubi homo, ibi societas. Ubi societas, 
ibi jus. Onde há homem, há sociedade. Onde há sociedade, há direito.
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Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
1.1 A cidade, o comércio e a escrita
Na Pré-História, o aprimoramento do homem sobre a natureza caminhou lado 
a lado com o aprimoramento do homem sobre sua própria natureza. O maior 
exemplo disso é o surgimento da cidade, talvez o maior símbolo político: a 
primeira cidade só pôde surgir porque os homens já haviam desenvolvido 
a técnica de manipulação da argila, que lhes permitiu as edificações, e – 
principalmente – porque haviam chegado à consciência de que um grande 
agrupamento de pessoas necessitava organização.
A cidade mais antiga já descoberta pela Arqueologia é a cidade de Çatalhüyük, 
cuja fundação deu-se por volta de 6700 a.C. Ela está localizada ao sul da atual 
Turquia, no Oriente Médio. Çatalhüyük teve cerca de cinco mil habitantes. Suas 
casas, feitas de cerâmica, eram construídas uma ao lado da outra, sem espaço 
para circulação. O trânsito dava-se pelo telhado das casas, o que pode estar 
ligado a questões de segurança. As bases de sua economia eram a agricultura e 
o comércio de pedras vítreas de vulcão, um item valioso à época.
Figura 1.1 - Sítio arqueológico da antiga cidade de Çatalhüyük, na Turquia
Fonte: Quinlan (2009).
O exemplo de Çatalhüyük já nos apresenta dois elementos fundamentais à 
transição das sociedades arcaicas para as grandes civilizações que marcaram a 
Antiguidade: trata-se da cidade e do comércio. Um terceiro elemento fundamental 
nesse processo foi a invenção da escrita. Os fatores decisivos que ocasionaram 
este evento foram, ao mesmo tempo, econômicos e políticos. À certa altura, com 
o crescimento das cidades, percebeu-se a necessidade de:
 • contabilizar os funcionários públicos, os impostos arrecadados e os 
produtos comercializados; e
 • fazer um levantamento da estrutura das obras, o que exigiu a criação 
de um sistema numérico para a realização dos cálculos geométricos.
12
Capítulo 1 
Com a invenção da escrita, os homens puderam registrar os seus conhecimentos 
e, assim, transmiti-los não mais apenas de forma oral, mas, agora, de maneira 
muito mais perene e segura. Sua origem deu-se por meio de desenhos que 
representavam coisas ou conceitos. Esses desenhos, ou símbolos gráficos, são 
chamados ideogramas.
O desenho de uma maçã denotaria a própria fruta, já o desenho de duas pernas 
poderia representar o conceito de andar. A letra M, por exemplo, presente no 
alfabeto latino, deriva de um hieróglifo egípcio que 
retratava ondas na água e representava o som produzido 
por elas. A propósito, as formas de escrita mais antigas já 
conhecidas são a escrita cuneiforme e os hieróglifos. O 
surgimento de ambas deu-se por volta de 3500 a.C., e 
acredita-se que uma não influenciou a outra, isto é, seu 
desenvolvimento foi autônomo. A primeira esteve 
associada à Mesopotâmia e a segunda, ao Egito Antigo, 
duas das maiores civilizações antigas – uma prova da 
importância da escrita no processo civilizatório.
A Mesopotâmia, onde se originou a escrita cuneiforme, 
é considerada o berço da civilização. Seu nome, que 
significa “entre rios”, deriva dos termos gregos meso 
(entre) e pótamos (rios). Localizada entre os rios Tigre 
e Eufrates, no Oriente Médio, esta região abrigou uma 
série de cidades surgidas durante a chamada Revolução 
Neolítica, o mesmo período em que foi fundada a já 
mencionada Çatalhüyük. Datam do III milênio a.C. as 
fundações de importantes cidades mesopotâmicas, tais 
como Lagash, Umma, Kish, Ur, Uruk, Gatium e Elam.
1.2 Cidade-estado
Os mesopotâmicos não se caracterizaram pela formação de uma unidade política. 
Cada cidade controlava seu próprio território e sua própria rede de irrigação; 
tinha governo e burocracia próprios e era independente em relação às outras. 
Segundo Pierre Lévêque (1990, p. 15), “o Estado mesopotâmico é, antes de tudo, 
uma cidade, à qual o príncipe está ligado por estreitos laços; é igualmente uma 
dinastia, o que dá legitimidade ao seu poder.”
Por estes motivos, isto é, por concentrar todas as dimensões da vida política 
de um povo no território de uma única cidade, tais cidades são chamadas de 
cidades-estado.
Escrita cuneiforme e 
os hieróglifos
A primeira era feita com 
o auxílio de objetos em 
forma de cunha, de 
onde vem o seu nome 
(cuneiforme). O nome 
da segunda deriva da 
junção de dois termos 
gregos: hierós (sagrado) 
e glýphein (escrita).
Revolução Neolítica 
A Revolução Neolítica, 
ocorrida entre 9000 e 
3000 a.C., marca o fim 
dos povos nômades e o 
início da sedentarização 
do homem, com o 
aparecimento das 
primeiras cidades.
13
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
Em certas ocasiões, no entanto, devido a eventuais guerras, formaram-se 
alianças entre as cidades e, assim, surgiram os chamados estados maiores: 
monarquias em que o poder real era imbuído de origem divina. Tais alianças, 
porém, eram temporárias. Apesar de independentes politicamente, as cidades-
estado mesopotâmicas dependiam 
umas das outras na economia, o que 
gerava uma dinâmica atividade 
comercial.
Diversos povos nômades passaram 
pela Mesopotâmia, mas apenas alguns 
se estabeleceram ali. Os primeiros 
foram os sumérios, seguidos, em 
ordem cronológica, pelos acádios, 
amoritas (ou antigos babilônios), 
assírios, elamitas e caldeus (ou novos 
babilônios). O período dos amoritas 
(2000-1750 a.C.) foi um dos mais 
prósperos. Nesse período, as cidades 
mesopotâmicas constituíram o Império 
Babilônico, cujo fundador e mais 
importante líder foi Hamurabi I (1810-
1750 a.C.).
A fama de Hamurabi deve-se, 
sobretudo, à criação do primeiro 
código de leis já registrado na história, 
promulgado por volta de 1700 a.C. e 
conhecido como Código de Hamurabi. 
Conforme Pettit (1976, p.22):
O Código de Hamurabi, achado em Susa, em 1902, é um dos 
mais belos documentos da história universal. De um lado, é ele a 
codificação de um direito natural e consuetudinário em vigor nos 
territórios conquistados e em via de evolução. De outro, é a 
compilação de diversos códigos sumerianos, obras de Urucagina 
e de Chulgui. Mais tarde, um Código assírio, achado em 1920, 
cuja criação se deu entre os séculos XV-XIII a.C., mostraria que o 
de Hamurabi é mais sistemático que as leis sumerianas, mais 
evoluído e menos bárbaro que as leis assírias, as quais, 
entretanto, nele se inspiraram.
Segundo o Código, a sociedade divide-se em três classes 
desiguais, os homens livres (awilu), os subalternos ou inferiores 
(muchkenu) e os escravos; a origem da classe intermediária 
constituiu-se num problema: tratar-se-ia de antigos servos presos 
Figura 1.2 - Monólito com o Código de Hamurabi
Fonte: Boumaza (2011).
Consuetudinário 
Baseado nos 
costumes.
14
Capítulo 1 
à gleba no tempo do regime senhorial e libertados pelos 
progressos do poder real, já na época de Urucagina (2630 a.C.). 
O direito penal repousa no talião, quando a vítima é livre, e numa 
compensação em dinheiro, se ela pertence às classes inferiores. 
O casamento apoia-se na inalienabilidade do dote, na repressão 
brutal ao adultério e no divórcio por iniciativa do marido. As 
questões dos juros são minuciosamente tratadas, o que atesta o 
papel do dinheiro e da terra nesta civilização de produtores e de 
comerciantes: as disposições são precisas e equitativas, os 
castigos expeditivos e matizados, com uma tendência à dureza 
comum a todas as civilizações recentemente saídas da iniciativa 
privada. A partir de então, a justiça, em todos os setores, passa 
às mãos de juízes de Estado, agindo sob inspiração do deus 
(Marduc ou Chamach), segundo um processo escrito, audição de 
testemunhas e recurso ao juramento.
Endossando as palavras de Pettit, o Código de Hamurabi 
constitui um marco na história universal, especialmente 
no que diz respeito ao direito e, consequentemente, à 
política. Representou o ponto alto dos primeiros esforços 
da humanidadena busca de garantir paz, justiça e ordem à 
convivência entre os homens. Se um dos grandes méritos 
da civilização mesopotâmica foi conseguir, através do 
planejamento urbano, superar as adversidades naturais 
impostas pela geografia da região e as adversidades 
impostas pelo convívio entre os homens, o Código 
significou a coroação dessa superação.
Seção 2
Egito Antigo: o desenvolvimento do estado teológico
Não muito longe da Mesopotâmia, a oeste do Mar Vermelho, outro povo também 
soube aproveitar a dádiva trazida por um rio em meio ao deserto: os egípcios. O 
Rio Nilo, que nasce de uma confluência de rios africanos e corta o nordeste do 
Saara até desembocar no Mar Mediterrâneo, esteve para o Egito Antigo, assim 
como o Tigre e o Eufrates estiveram para a Mesopotâmia: nem uma e nem outra 
civilização teria existido sem suas águas.
Por esta razão, a região que compreende os territórios dessas duas antigas 
civilizações ficou conhecida como Crescente Fértil. O nome foi dado no final do 
séc. XIX, pelo arqueólogo James Henry Breasted (1865-1935), que enxergou no 
contorno da região o desenho de uma lua crescente – um símbolo apropriado 
para a fertilidade.
Talião Pena antiga pela 
qual se vingava o delito, 
infligindo ao delinquente 
o mesmo dano ou mal 
que ele praticara. É 
mais conhecida como 
“olho por olho, dente 
por dente”.
Adversidades 
naturais Junto 
das cidades, os 
mesopotâmicos 
desenvolveram um 
complexo sistema 
hidráulico que favorecia 
a utilização dos 
pântanos, evitava 
inundações e garantia 
o armazenamento de 
água para as estações 
mais secas.
15
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
Figura 1.3 - Região do Crescente Fértil
Fonte: Einstein (2005).
O Tigre e o Eufrates, em função do relevo que os envolve, correm de noroeste 
para sudeste, em um sentido oposto ao rio Nilo. Isto teve uma implicação 
significativa para o desenvolvimento daqueles povos: as enchentes na 
Mesopotâmia, devido ao comportamento de seus rios, foram muito mais 
violentas, o que demandou um grande esforço por parte de seus habitantes no 
desenvolvimento de sistemas de irrigação. 
2.1 A unidade política egípcia e a burocracia de oficiais
Por outro lado, a uniformidade e a regularidade apresentadas pelo Nilo deram ao 
povo egípcio tranquilidade para fazerem prospectos mais ambiciosos. O reflexo 
mais claro dessa condição deu-se no plano político: enquanto os mesopotâmicos 
não chegaram a uma unidade política, tendo passado por diversas reformulações 
político-territoriais, a relativa estabilidade climática oferecida pelo Nilo pode ter 
dado ao povo egípcio a oportunidade de conceber um governo forte e unificado, 
como aconteceu desde o princípio.
16
Capítulo 1 
Quadro 1.1 - Governos do Antigo Egito
Períodos (os algarismos romanos se referem 
às dinastias) Duração
Período pré-dinástico 4500-3200 a.C.
Período protodinástico 3200-3100 a.C.
Época Tinita: I e II. 3100-2700 a.C.
Império Antigo: III, IV, V e VI. 2700-2300 a.C.
1º Período Intermediário: VII, VIII, IX, X e XI. 2300-2000 a.C.
Império Médio: XI e XII. 2000-1780 a.C.
2º Período Intermediário: XIII, XIV, XV, XVI, XVII. 1780-1570 a.C.
Império Novo: XVIII, XIX e XX. 1550-1070 a.C.
3º Período Intermediário: XXI, XXII, XXIII, XXIV e XXV. 1070-664 a.C.
Época Baixa: XXVI, XXVII, XXVIII, XXIX, XXX e XXXI. 664-332 a.C.
Período Greco-romano (dinastias macedônica e 
ptolomaica)
305-30 a.C.
Período Romano A partir de 30 a.C.
Fonte: Elaboração do autor (2009).
Conforme indica o quadro apresentado, costuma-se dividir a história política do 
Egito Antigo em doze períodos, dos quais nove correspondem às dinastias 
genuinamente egípcias, que garantiram àquela nação sua longa estabilidade, 
apesar das crises e intermitências.
A primeira delas iniciou-se há cerca de cinco mil anos, quando uma cadeia de 
cidades-estado situadas à beira do Nilo ganhou um governo central. O faraó – 
como se chamava o rei egípcio – detinha, então, o controle completo das terras e 
de seus recursos. Ele era o supremo comandante militar e também a cabeça do 
governo. No entanto, não era exatamente um déspota, pois dividia sua autoridade 
com uma burocracia de oficiais. 
A administração ficava a cargo de seu segundo 
comandante, o tjati, uma espécie de primeiro-ministro que 
coordenava a inspeção das terras, o tesouro, os projetos 
das obras, o sistema legal e os arquivos. O Império era 
dividido em 32 províncias, chamadas nomos, e cada uma 
delas era governada por um nomarca, que ficava sob a 
jurisdição do tjati.
Tjati Este cargo, que 
surge na IV dinastia, é 
comumente chamado 
de vizir, o que, segundo 
Gardiner (1957), 
constitui um erro, 
visto que os vizires só 
apareceriam mais tarde, 
nas dinastias islâmicas.
17
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
2.2 Religião, governo e economia
A religião era o principal sustentáculo do governo. Divindade e política foram dois 
assuntos tão imbricados no Egito Antigo que é comum admiti-lo como o primeiro 
autêntico estado teológico da história. Os templos, por exemplo, formavam a espinha 
dorsal da economia, pois não eram apenas casas de adoração, mas também 
estabelecimentos responsáveis por recolher e armazenar a riqueza da nação. 
Figura 1.4 - Deus Rá, portando símbolos de poder, recebe as oferendas de um humano (peça do séc. X a.C.)
Fonte: Blanchard (2004).
Eles constituíam um sistema de silos e tesouros, e eram administrados por 
inspetores, que redistribuíam os grãos e os bens. O faraó era visto como uma 
personificação do deus Hórus, enquanto que seu antecedente era associado ao 
pai de Hórus, o deus Osíris. A partir da V dinastia, os faraós também passaram a 
se apresentar como filhos de Rá, o deus do sol. 
Certamente os monarcas egípcios perceberam a conveniência dessa associação, 
já que o sol – além de ser um evidente símbolo de poder – tinha uma importância 
para a agricultura, a base econômica da nação. A maior parte da economia 
era centralizada e estritamente controlada. Entretanto, segundo Shaw (2002), 
os antigos egípcios não tiveram uma moeda oficial até o Império Antigo (2700 
a.C.). Antes do estabelecimento da moeda, foi desenvolvido um tipo de sistema 
18
Capítulo 1 
monetário baseado no escambo, em que havia um saco de grãos padrão e o 
deben, um anel de cobre ou prata que pesava cerca de 90 gramas e representava 
um denominador comum nas trocas.
Os trabalhadores eram pagos em grãos. Um simples trabalhador ganhava 5½ 
sacos de grãos por mês, enquanto que um capataz chegava a ganhar 7½ sacos. 
Os preços eram fixos em todo o país e ficavam registrados em listas, para facilitar 
o comércio. Uma camisa, por exemplo, custava 5 deben de cobre, enquanto que 
uma vaca custava em torno de 140 deben.
Figura 1.5 - Deben egípcio, que significa literalmente “anel de metal”
Fonte: Smith (2013).
Os grãos poderiam ser comercializados por outros bens, de acordo com a lista de 
preços fixada. Durante o século V a.C., o dinheiro em forma de moeda foi 
introduzido no Egito, vindo de fora. No princípio, as moedas foram usadas mais 
como peças de metal precioso padronizadas do que, de fato, como dinheiro; nos 
séculos seguintes, mercadores internacionais vieram a dar confiabilidade ao 
sistema monetário.
2.3 Estratificação social e sexual
A sociedade egípcia foi altamente estratificada, e o 
status social era expressamente exibido. Os agricultores 
compunham a maioria da população, mas a produção 
agrária era apropriada diretamente pelo estado, pelo templo ou pela família nobre 
que possuía a terra. Eles também ficavam sujeitos a uma taxa de trabalho e eram 
convocados a trabalhar em projetos de irrigação ou construção. 
Estratificada Dividida 
em estratos (camadas) 
sociais rígidos.
19
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
Artistas e artesãos tinham um status mais alto que os agricultores, mas também 
ficavam sob o controle estatal, trabalhando em tendas vinculadas aos templos, 
financiadas diretamente pelo tesouro do estado. Os escribas e os oficiais 
formavamuma classe superior, que se distinguia das demais através de vestes 
brancas. Esta classe demarcou sua proeminência social na arte e na literatura. 
Abaixo da nobreza estavam os sacerdotes, médicos e engenheiros, cada qual 
com sua especialidade. Sabe-se que a escravidão existiu no Egito Antigo, mas a 
extensão e a prevalência desta prática ainda não foram plenamente esclarecidas.
Homens e mulheres – incluindo pessoas de todas as classes (exceto os escravos) 
– eram essencialmente iguais perante a lei, e até mesmo a um ínfimo camponês era 
permitido solicitar ao tjati e sua corte algum tipo de reparação. Tanto os homens 
como as mulheres tinham o direito de adquirir e vender propriedades, fazer 
contratos, casar e divorciar, receber herança e recorrer aos tribunais. Os casais que 
estabelecessem matrimônio poderiam adquirir propriedades em conjunto e 
proteger-se do divórcio por meio de contratos que previam comunhão de bens. 
Em comparação com os Gregos e os Romanos, e 
até mesmo com outros povos modernos, as antigas 
mulheres egípcias tiveram uma gama de oportunidades 
muito maior para a sua autorrealização. Mulheres como 
Hatchepsut (séc. XV a.C) e Cleópatra (69-30 a.C.) chegaram a se tornar faraós, ao 
passo que outras possuíram grande poder enquanto Esposas Divinas de Amon – 
o mais alto grau de uma sacerdotisa.
Apesar destas liberdades, as mulheres no Egito Antigo não assumiram cargos 
oficiais na administração, tendo cumprido apenas funções secundárias nos templos. 
Além disso, a educação que recebiam não era a mesma dada aos homens.
2.4 O direito egípcio
Oficialmente, o faraó era a cabeça do sistema legal, responsável por promulgar 
as leis e julgar sua aplicação, mantendo assim a lei e a ordem, um conceito ao 
qual os egípcios se referiam pelo termo Ma’at. Entretanto, no Egito, não havia 
códigos legais, como o de Hamurabi, na Mesopotâmia. 
Os registros dos tribunais egípcios mostram que a lei era baseada em uma 
visão do bem e do mal advinda do senso comum, que enfatizava a obtenção de 
acordos e a resolução de conflitos mais do que qualquer adesão estrita a uma 
série de estatutos. 
Amon O deus da vida, 
considerado o rei dos 
deuses.
20
Capítulo 1 
O conselho local dos anciãos, conhecido no Império Novo como Kenbet, era 
responsável por julgar casos que envolvessem pequenas reivindicações e 
disputas menores. Casos mais sérios, que envolvessem assassinato, transações 
de grandes porções de terra e roubo de tumbas, cabiam ao Grande Kenbet, que 
era presidido pelo tjati ou pelo faraó.
Perceba que os egípcios tinham uma tendência ao direito consuetudinário, isto é, 
baseado nos costumes, enquanto que os mesopotâmicos preferiam a lei 
codificada. Essas duas tendências permanecem no mundo atual.
A partir do Império Novo, os oráculos – divindades que respondiam a consultas 
e orientavam os crentes – desempenharam um papel maior no sistema legal, 
respondendo pela justiça tanto nos casos civis quanto nos criminais. O 
procedimento consistia em fazer uma pergunta à divindade, pedindo-lhe “sim” 
ou “não” como resposta, a fim de saber que lado estava 
certo e que lado estava errado em um determinado caso. 
Amparado por um grupo de sacerdotes, o oráculo escolhia 
uma das duas opções e, assim, dava seu julgamento. Ele 
podia indicá-lo simplesmente movendo-se para frente, ou 
para trás, ou apontando para uma das respostas escritas 
em um pedaço de papiro ou em um óstraco.
Figura 1.6 - Cena de consulta a um antigo oráculo egípcio
Fonte: Bukerova (2006).
As características da vida política egípcia apresentadas até aqui sequer nos 
permitem vislumbrar a complexidade daquela sociedade. Tudo o que já se 
conseguiu resgatar da antiga civilização egípcia espanta qualquer um, seja 
leigo ou especialista, por uma questão óbvia: como aquele povo, egresso da 
pré-história, pôde conceber um arranjo político tão eficiente, capaz de mantê-
Óstraco O termo 
advém do grego 
ostrakon, que significa 
concha ou fragmento 
de cerâmica, usado 
como cédula de 
votação.
21
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
lo próspero por quase cinco milênios? Em nossa avaliação, pudemos ver que 
o faraó e sua máquina administrativa encontraram meios de conciliar religião, 
economia e justiça, atendendo aos desejos mais sensíveis de seus súditos.
Seção 3
Grécia Antiga: a descoberta do homem através 
da política
É muito comum encontrarmos teóricos que atribuem aos gregos antigos a 
“invenção da política”. Por tudo o que já estudamos até aqui, isto é, considerando 
todas as invenções políticas realizadas por povos anteriores aos gregos, parece 
impróprio confirmar esta afirmação. Em outras palavras, será mesmo possível 
afirmar que os gregos inventaram a política?
Por incrível que pareça, a partir de certa perspectiva, a resposta é sim. 
Já dissemos que as grandes civilizações só puderam existir porque seus 
governantes perceberam que a política não consiste apenas em uma arte – ou 
seja, em uma atividade prática – mas também, dadas as suas regularidades, 
apresenta-se como uma ciência. 
Obviamente, homens anteriores à antiga civilização grega tiveram esta percepção, 
caso contrário, Hamurabi, por exemplo, não poderia condensar séculos de 
experiências políticas em seu código; e os egípcios, como vimos, não seriam 
capazes de elaborar um sistema de administração pública tão eficaz. No entanto, 
o que faz dos gregos inventores da política enquanto ciência é a maneira como 
eles a puseram no centro de sua existência.
Para os gregos antigos, a política era uma nova forma de pensar, de sentir e, 
sobretudo, de relacionamento entre as pessoas. Como nos lembra Kenneth 
Minogue (1996, p. 19), “os cidadãos eram diferentes uns dos outros em riqueza, 
beleza e inteligência, mas eram iguais enquanto cidadãos, porque eram racionais 
e a única relação adequada entre os seres racionais é a persuasão.” 
A persuasão difere do comando – ato emblemático dos regimes despóticos – 
porque parte do princípio da igualdade entre o orador e o ouvinte, isto é, entre 
aquele que defende a sua ideia e aquele que o julga.
22
Capítulo 1 
O uso da razão – aquela faculdade que o ser humano tem de avaliar, julgar, 
ponderar ideias universais – era, portanto, uma condição primária para que 
um grego tivesse uma vida política.
Platão (428-347 a.C.), em seu diálogo Críton, narra o fim daquele que se tornou o 
maior exemplo de homem e cidadão para a humanidade. Segundo ele, o filósofo 
Sócrates, tendo sido condenado à morte, acusado de corromper a juventude, 
recusou a oferta de ajuda para fugir de Atenas, argumentando que a fuga não 
seria condizente com seu empenho pela cidade, à qual havia dedicado sua vida. 
A própria execução de Sócrates ilustra a convicção que os 
gregos tinham de que a violência não era uma forma 
aceitável de convivência: deram-lhe uma taça de cicuta, 
que ele bebeu enquanto seguia conversando com seus 
amigos, da mesma forma como fez durante toda a vida.
Os gregos obedeciam às leis da polis por vontade própria, 
e não por imposição. Isto é, eles seguiam a lei livremente, 
e tinham orgulho nisto. O pior que podia acontecer a um 
grego antigo era o exílio, que representava uma forma 
de morte cívica. Em Atenas – uma das duas principais 
cidades-estado gregas, ao lado de Esparta – surgiu uma 
convenção chamada ostracismo, um tipo de banimento 
temporário que os cidadãos votavam, quando viam em alguém uma ameaça aos 
interesses públicos.
3.1 A civilização grega antiga
Mas quem foram os gregos antigos? Antes de seguirmos tratando dos ideais 
políticos de seu povo, vale situarmos a Grécia Antiga no tempo e no mapa. No 
que se refere ao tempo, podemos dividir a antiga história grega em seis períodos, 
conforme indica o seguinte quadro:
Cicuta Veneno extraído 
de uma planta que leva 
o mesmo nome.
Polis Termo grego que 
significa cidade e é a 
raiz da palavra política, 
o que sugere que a 
política diga respeito 
à cidade ou, ainda, ao 
convívio na cidade.
23
Ciência Política e Teoria Geral do EstadoQuadro 1.2 - Períodos da antiga história grega
Período Duração
Civilização Egeia Antes de 1600 a.C.
Grécia Micênica 1600-1200 a.C.
Idade das Trevas 1200-800 a.C.
Grécia Antiga 800-338 a.C.
Período Helenístico 338-146 a.C.
Período Greco-Romano 146 a.C.-330 d.C.
Fonte: Elaboração do autor (2009).
Alguns historiadores incluem a Civilização Egeia (ou 
Minóica), a Grécia Micênica e a Idade das Trevas na 
chamada Grécia Antiga. No entanto, a maioria prefere usar 
este termo para designar um período específico, em que a 
civilização grega conheceu seu esplendor. A Grécia Antiga, 
assim compreendida, subdivide-se em dois outros períodos: 
o Arcaico (800-500 a.C.) e o Clássico (500-338 a.C.).
O Período Arcaico foi uma fase de formação, durante a qual surgiram os 
principais modelos de cidade grega, o alfabeto fonético, as tendências artísticas 
e literárias e todos os demais aspectos que constituiriam a base cultural das 
conquistas clássicas. Além disso, também se observa nesse período um notável 
progresso econômico, com a expansão da divisão do trabalho, do comércio e da 
indústria, paralelamente aos processos de urbanização e colonização. 
No Período Clássico, as invenções das mais diversas ordens iniciadas no Período 
Arcaico estavam plenamente desenvolvidas. As já mencionadas Atenas e Esparta 
eram, na época, as principais cidades gregas, mas, além delas, também havia 
outras importantes cidades, como Tebas, Corinto e Siracusa. 
Durante este período, aconteceu uma série de conflitos externos, denominados 
Guerras Médicas (500-448 a.C.), e também a Guerra do Peloponeso (431-404 
a.C.), um conflito interno entre as duas principais potências gregas de então: 
Esparta, de tradição oligárquica, e Atenas, de tradição democrática. Essa guerra, 
fatídica para o mundo grego, foi iniciada por Esparta, que temia a ascensão de 
Atenas. Esparta venceu a guerra e, por um breve período, dominou todo o mundo 
grego, porém, em 371 a.C., as outras cidades-estado insurgiram contra a tirania 
espartana e derrubaram seu domínio.
Com relação ao território, o mapa a seguir representa a Grécia no século VIII a.C.
Idade das Trevas 
Período em que a 
Grécia foi invadida 
pelos povos aqueus, 
dóricos, eólios e 
jônicos.
24
Capítulo 1 
Figura 1.7 - Grécia no século VIII a.C.
Fonte: Albuquerque (1977).
3.2 Liberdade na polis
Em Atenas – o centro civilizacional do mundo no século V – encontramos a 
maioria das condições da liberdade: uma vida vivida entre iguais, sujeitos apenas 
às leis, governando e sendo, por sua vez, governados.
Referindo-se à liberdade de que gozavam os cidadãos atenienses, Minogue 
(1996, p. 20) é enfático ao explicar por que os gregos antigos são considerados 
os inventores da política:
Os gregos foram o primeiro povo na história a criar sociedades 
deste tipo; foram, certamente, os primeiros a criar uma literatura 
que explorou essa forma de vida como experiência. A política era 
a atividade específica para essa nova figura chamada “cidadão”. 
Podia revestir muitas formas, mesmo aviltantes, de tirania e 
usurpação, mas numa coisa os últimos clássicos da Grécia foram 
inflexíveis: para eles o despotismo oriental não era política.
25
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
Em se tratando de religião, costumes ou concepção de vida humana, são muitas 
e profundas as diferenças entre nós, modernos, e os gregos clássicos. Apesar 
deste abismo cultural, quando lemos sua literatura é fácil enxergá-los como 
nossos contemporâneos. Por meio de seu racionalismo, os gregos atravessam os 
milênios e se comunicam conosco com uma fluência espantosa. A concepção de 
vida dos gregos era essencialmente humanista, no entanto seu humanismo não 
era igual ao nosso – transformado pelo cristianismo.
Os gregos antigos consideravam o homem um animal racional e o 
significado da vida humana encontrava-se no exercício dessa racionalidade.
Para os gregos, sucumbir às paixões era o mesmo que rebaixar-se à condição 
de um animal irracional. O segredo da vida consistia no autoconhecimento e 
no equilíbrio das próprias capacidades. A maneira mais elevada que um grego 
poderia encontrar para expressar-se a si mesmo era deliberar sobre as leis e os 
assuntos públicos, o que só podia ocorrer na cidade.
3.3 Humanismo cruel e cidadania
Este humanismo, contudo, também tinha seu lado cruel. Uma vez que alguém só 
é humano quando é racional, e uma vez que uns são menos racionais que outros, 
os humanistas gregos mais astutos achavam-se no direito de escravizar seus 
semelhantes “inferiores”. Entretanto, os que defendiam esse ponto de vista, entre eles 
o filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), sabiam que, intelectualmente, muitos escravos 
eram superiores aos seus senhores, o que nos leva à outra importante conclusão.
Em última instância, os princípios humanistas serviam apenas para dar uma 
base racional às instituições políticas criadas pelas elites gregas.
Os elitistas gregos, fossem oligarcas ou aristocratas, acreditavam que, além dos 
escravos, também as mulheres eram menos racionais do que os homens. Eles 
sabiam que, sobretudo naquela época, política e guerra estavam intimamente 
ligadas, e – considerando que as mulheres, por sua natureza física, não têm tanto 
vigor para lutar em guerras – apoiavam-se também nesse argumento para impedir 
a participação feminina nos assuntos públicos.
A cidadania grega, portanto, estava restrita aos adultos livres do sexo masculino 
e, em algumas cidades, nem sequer a todos estes.
26
Capítulo 1 
As leis e as políticas (ações governamentais) provinham não do palácio de um 
déspota, mas de uma praça pública, onde os cidadãos discutiam todo tipo de 
questão que importasse à cidade. Na ágora – como essa praça era chamada 
na Grécia Antiga (o equivalente ao fórum romano) – os cidadãos gozavam de 
isonomia (igualdade perante a lei) e de iguais oportunidades para se pronunciar 
em uma assembleia. Evidentemente, em grandes cidades, como Atenas, onde 
milhares de pessoas compareciam a uma assembleia, era impossível que cada 
participante se pronunciasse, de modo que o privilégio recaía sobre os que 
dominavam a arte da palavra (geralmente os aristocratas) e sobre os grandes 
líderes, que tinham notável apoio popular.
Figura 1.8 - Reconstituição da ágora ateniense em 479 a.C.
Fonte: Tsalkanis (2012).
Os cidadãos que participavam das assembleias na ágora pertenciam a casas de 
família (oikia), que consistiam em unidades produtivas básicas daquele mundo 
antigo. A oikos – de onde vem o termo economia – foi 
descrita por Aristóteles como um sistema de subordinação: 
a mulher era subordinada ao homem, os filhos eram 
subordinados aos pais e os escravos aos senhores. Era o 
espaço em que os gregos desfrutavam a vida familiar e realizavam a maior parte 
de suas necessidades materiais, como alimentação, conforto, procriação, etc. Em 
outras palavras, era a esfera privada do mundo grego.
Para os gregos, a “casa de família” representava o mundo da natureza, enquanto 
que a ágora, por exemplo, representava o lado artificial – embora necessário 
– da cidade. Quando se tornava adulto, o jovem grego podia sair da “casa de 
família” para a ágora, a fim de encontrar a liberdade e superar suas necessidades 
naturais, assumindo responsabilidades, proferindo palavras nobres e realizando 
feitos que, de alguma maneira, o imortalizariam.
Oikos está no singular 
e oikia no plural.
27
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
De acordo com Finley (1998), os gregos do período clássico estavam 
suficientemente conscientes de si mesmos para se reconhecerem como uma 
cultura diferente, e foi ao construírem um entendimento histórico de si próprios 
e do seu mundo que eles ofereceram possibilidades absolutamente novas de 
experiência humana. “A política e a história nasceram, assim, juntas, porque 
partilham o mesmo conceito do que é um ser humano e daquilo que vale a pena 
ser recordado.” (FINLEY, 1998, p. 35).
A história, que é feita de atos e palavras, tem nas próprias palavraso seu veículo. 
Daí a importância que os gregos deram à retórica – a arte das palavras. Eles 
entenderam que apenas com termos bem pensados, argumentos devidamente 
construídos, voltados para o público que os julgaria, teriam sucesso nas 
assembleias. Entenderam que apenas com discursos bem elaborados poderiam 
fazer história. Parece natural, hoje em dia, que a política se realizasse daquela 
maneira, mas, pela primeira vez na história, as decisões públicas eram tomadas à 
luz do dia, sujeitas a críticas de toda a gente.
A busca da primazia nos discursos levou a uma perversão desta prática. Jovens 
aristocratas ambiciosos, instruídos por professores chamados sofistas, que 
haviam codificado a arte da retórica, vieram a manipular as palavras conforme os 
seus interesses, desviando o sentido da política. Em sua História da Guerra do 
Peloponeso, Tucídides (460-400 a.C) registrou uma série de discursos proferidos 
pelos participantes daquele conflito, os quais Minogue (1996, p. 24) ironiza: “no 
seu conjunto, estes discursos constituem um manual 
completo da sabedoria e também da estultícia políticas.”
3.4 A reforma de Sólon e a separação dos poderes
A perversão da retórica estava ligada a um engano cometido pelos gregos, que 
nós modernos repetimos até hoje: a falsa convicção de que o mundo resulta 
de um plano deliberado. O mundo nem sempre funcionava conforme os gregos 
queriam, imaginavam e prescreviam em suas assembleias.
Estultícia Estupidez.
28
Capítulo 1 
Figura 1.9 – “Sólon, legislador de Atenas”, quadro de Merry-Joseph Blondel (1828)
Fonte: Förlag (2013).
Em algumas oportunidades, eles perceberam que seus projetos haviam falhado. 
O caso mais famoso ocorreu no século VII a.C., quando os atenienses pediram 
a Sólon (640-560 a.C.) que concebesse uma reforma nas leis da cidade. Entre 
as características desta reforma, duas merecem destaque, por exemplificarem o 
essencial da política grega.
Sólon baseou a política ateniense em unidades territoriais, em que se 
misturavam diversas lealdades de clã ou tribo, a fim de desagregá-las e 
encorajar a defesa de interesses gerais, partilhados por toda a comunidade. 
Isto é reproduzido até hoje: o círculo eleitoral moderno agrega uma população 
heterogênea que habita uma determinada área, a fim de captar seus interesses 
como um todo.
Após estabelecer sua reforma, Sólon ausentou-se de Atenas por dez anos, 
para que a constituição fosse posta em prática por outras pessoas. Com isso, 
Sólon sugeriu que quem concebe a lei não pode pô-la em prática, pois, caso 
contrário, dará margem a arbitrariedades. Esse princípio seria retomado pelos 
modernos sob o título de separação dos poderes.
29
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
3.5 A constituição
O conjunto de cargos que formavam o governo da polis e as leis que 
estabeleciam suas relações representavam a constituição. A constituição, 
para os gregos, tinha uma importância particular: sem ela, um governo não 
teria o tipo específico de limitação moral que distingue a atividade política. Os 
gregos clássicos acreditavam que um governo sem constituição não possuía 
legitimidade. As constituições têm duas funções básicas:
 • delimitar o poder daqueles que detêm os cargos; (e, assim,)
 • criar um mundo previsível (embora não rígido e fixo), no qual os 
cidadãos podem orientar suas vidas.
Podemos afirmar que a constituição representa o principal objeto da ciência 
política, pois ela é a expressão formal das regularidades que esta atividade 
apresenta. Diversos pensadores gregos dedicaram-se a estudar as formas que as 
constituições tomaram. 
Durante o período clássico, as duas formas constitucionais que predominaram 
foram a oligarquia, que favorecia os ricos e os poderosos, e a democracia, que 
atendia aos interesses dos pobres e demonstrava-se violenta e instável. Talvez por 
este motivo, os principais pensadores deste período, Platão e Aristóteles, criticaram 
os inconvenientes dessas duas formas, apontando a república como solução.
3.6 Teoria dos ciclos recorrentes
Mais tarde, Políbio (203-120 a.C), de um ponto de vista histórico mais privilegiado, 
complementaria a análise de seus antecessores ao propor a teoria dos ciclos 
recorrentes. Reunindo as contribuições da ciência política grega, Políbio 
estudou as constituições e generalizou a relação entre a natureza humana e as 
associações políticas. 
Para ele, as monarquias tendem a degenerar em tirania, as tiranias são 
destronadas pelas aristocracias, estas degeneram em oligarquias exploradoras 
da população, que são derrubadas pelas democracias, as quais, por sua vez, 
degeneram numa instabilidade intolerável; aparece então um líder poderoso 
que se impõe como monarca, e o ciclo recomeça. Mais de um milênio depois, 
o renascentista Maquiavel retomaria a teoria de Políbio e a complementaria, 
acrescentando a ela uma distinção entre anarquia e democracia e enfatizando a 
república como uma combinação das formas puras.
Além disso, Maquiavel, amante da Antiguidade Clássica, também se posicionaria 
em relação à outra questão proposta pelos gregos antigos. Aristóteles, em 
particular, acreditava que o elemento democrático era essencial em uma 
30
Capítulo 1 
constituição equilibrada, que ele chamou de politeia. Para ele, todo tipo de 
mudança na forma de governo, isto é, todo tipo de revolução política é motivada 
por uma causa apenas: a exigência da igualdade. 
Ora preocupado com a ética, ora com a política, Aristóteles fez, a si mesmo e à 
humanidade como um todo, a seguinte pergunta: um bom cidadão pode ser um 
bom homem? Ao responder a essa pergunta, Maquiavel faria nascer a Ciência 
Política moderna. No entanto, este assunto extravasa nossas pretensões nesta 
seção. Por ora, fiquemos com este breve panorama do pensamento político 
desenvolvido pelos gregos antigos, certamente o primeiro povo a descobrir a 
essência humana através da política.
Seção 4
Roma Antiga: a política só existe na prática
A maioria dos estudiosos atribui uma merecida importância aos gregos antigos, 
porém costuma subestimar seus sucessores e conquistadores, os romanos, 
tomando-os apenas como meros reprodutores dos modelos gregos. Há alguma 
verdade nisso; no entanto, ao imitar seus mestres gregos, os romanos, ao menos 
na prática, vieram a superá-los. 
Essencialmente pragmáticos, voltados para a ação e apoiados em valores nobres, 
os romanos deram à sua civilização uma vida longa e próspera, que durou mais 
de mil anos, sendo meio milênio só de república. Se o termo política deriva da 
língua grega, os termos civilidade, cidadão e civilização derivam da língua dos 
romanos, o latim – um sinal da influência que Roma exerce sobre a tradição 
política ocidental.
Todavia, os romanos consideravam-se ligados aos gregos 
em todos os sentidos. A própria epopeia, que explica as 
origens do povo romano – a Eneida, de Virgílio – narra 
a aventura de Eneias, herói do povo troiano, que, após 
ter sua cidade tomada e destruída pelos gregos, conduz 
os sobreviventes de seu povo até a região do Lácio, na 
Itália, onde seria fundada a cidade de Roma. Ou seja, 
os romanos criaram a sua própria história, de modo que 
ela fosse vista como uma continuação direta da clássica 
civilização grega.
Epopeia Epopeias 
são poemas longos 
acerca de um assunto 
grandioso e heroico. 
Toda língua ou nação 
costuma possuir uma 
epopeia que exalte 
suas origens. É o caso 
da Ilíada, de Homero, 
e de Os Lusíadas, de 
Camões.
31
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
Figura 1.10 – “Eneias foge de Tróia em chamas”, quadro de Federico Barocci (1598)
Fonte: Krén e Marx (2012).
Na mitologia romana, após estabelecer-se no Lácio, Ascânio, filho de Eneias, 
funda a cidade de Alba Longa. Os descendentes de Ascânio governam Alba 
Longa por cerca de 400 anos, até que uma briga pela sucessão no trono abala a 
estabilidade da dinastia.
Numitor, filho do rei Procas e legítimo herdeiro do trono, é 
deposto por seu ambicioso irmão Amúlio. Este obriga a 
esposa de Procas, ReiaSílvia, a tornar-se uma vestal e 
fazer um voto de castidade. O deus Marte, no entanto, 
seduz a legítima princesa, que engravida e dá a luz a dois gêmeos homens, 
chamados Rômulo e Remo. Amúlio ordena que os gêmeos sejam mortos, mas o 
escravo incumbido desiste da tarefa de matá-los e os abandona no rio Tibre.
A cesta com os bebês vai parar nas margens do rio, entre os montes Palatino e 
Capitolino, onde são encontrados, adotados e amamentados por uma loba. Os 
gêmeos crescem e decidem, então, fundar uma nova cidade. Mas novamente a 
ambição pelo poder abala a fraternidade e faz com que eles entrem em conflito. 
Rômulo prevalece e, em homenagem a seu nome, funda a cidade de Roma, 
tornando-se seu primeiro rei.
Com o governo de Rômulo, Roma inicia a sua primeira fase política, o Reino, que 
vai de 753 a 509 a.C. Nesse período, foram estabelecidas suas bases políticas. 
Ainda durante o período monárquico, o povo romano 
expressou sua inclinação republicana, instituindo a 
Assembleia Curial, que elaborava e aprovava as leis e 
escolhia os reis; e o Senado Romano (ou Conselho dos 
Anciões), que possuía o direito de aprovar, ou não, as leis e 
políticas propostas pelo rei.
Vestal Sacerdotisa 
virgem, consagrada à 
deusa Vesta.
Assembleia Curial 
Relativo à Cúria – a 
corte pontifícia, 
composta pelos 
supremos sacerdotes 
da cidade.
32
Capítulo 1 
Além disso, durante o Reino, Roma também exibiu sua tendência expansionista, 
que ficaria evidente durante o período republicano e, principalmente, durante 
o Império. Em seus 243 anos de duração, a monarquia romana impôs o seu 
domínio no Lácio, conquistando Alba Longa e estendendo seu território até a foz 
do rio Tibre.
Durante o período monárquico, estratificaram-se as cinco principais classes que 
perdurariam na sociedade romana:
 • Patrícios - cidadãos romanos, que detinham o poder econômico e 
político;
 • Plebeus - homens livres, porém sem direitos políticos;
 • Clientes - pessoas ligadas a uma família patrícia, que se 
subordinavam ao seu patrono e seguiam-no na política e na guerra, 
além de assumir, também, obrigações econômicas;
 • Escravos - geralmente, pessoas recrutadas entre os derrotados 
da guerra, consideradas meros instrumentos, sem nenhum direito 
político;
 • Marinos - carpinteiros e marceneiros ligados aos plebeus.
Nesse intervalo, houve apenas sete reis, o que dá uma média de 35 anos 
por reinado – uma estabilidade muito maior do que qualquer dinastia já havia 
atingido até então. Em algum momento desta época, o trono romano passou a 
ser ocupado por reis etruscos, o que colidia diretamente com os interesses da 
aristocracia romana: manter a hegemonia na região do Lácio, que também era 
composta de cidades etruscas. Isso motivou os membros da elite a derrubar a 
monarquia e – ao invés de estabelecer uma aristocracia – fundar a República 
Romana, que duraria de 509 até 29 a.C.
4.1 A república romana: uma constituição equilibrada
Curiosamente, e confirmando o que dissemos no começo desta seção, através 
da República os romanos, de alguma forma, realizaram um ideal aristotélico 
que os gregos não chegaram a realizar plenamente: a politeia. A constituição da 
República Romana previa um elemento monárquico (os cônsules), um elemento 
aristocrático (o senado) e – o mais importante – um elemento democrático (o 
tribuno da plebe).
Ao garantir o elemento democrático, os romanos criaram uma espécie de válvula 
de escape para os anseios de igualdade, fazendo com que nenhum cidadão 
jamais se sentisse ignorado e, assim, desigual em relação aos mais poderosos.
33
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
A forte base oferecida pelo governo republicano permitiu que Roma, de uma 
pequena cidade-estado, fosse transformada em um império. No século III a.C., os 
exércitos romanos já haviam tomado todas as cidades etruscas, conquistando o 
domínio completo da península itálica.
Entre os séculos III e II a.C., Roma iniciou sua expansão para além da península. 
O primeiro passo foi conquistar os territórios dos cartagineses, que tinham sua 
capital no norte da África e haviam colonizado toda a costa setentrional daquele 
continente, além da Sicília, Sardenha, Córsega e Península Ibérica. Enquanto 
acabavam de liquidar os púnicos, os romanos voltaram 
seus olhos para o oriente, onde o Império de Alexandre 
Magno (356-323 a.C.) se havia diluído. Em menos de 
um século, Roma dominou a maior parte do território 
macedônico, além da Grécia e do Egito.
Figura 1.11 - Expansão do território romano, desde o Reino até o início do Império
Fonte: Albuquerque (1977, p. 77).
Púnicos Como os 
romanos chamavam 
os cartagineses. Daí 
o nome “Guerras 
Púnicas”.
34
Capítulo 1 
No final do século II a.C., a civilização romana já era a maior potência mundial. 
Àquela época, o território dos romanos estendia-se por quatro mil quilômetros, 
indo da Espanha até a Ásia Menor. 
Seu ímpeto expansionista, entretanto, não cessou. Pelo contrário, apenas 
aumentou: em meados do século I a.C., o general Júlio César (100-44 a.C.), patrício 
de grande influência, conquistou a cobiçada Gália, e assim fez crescer seu prestígio 
entre a população romana. Naquele momento, o Senado, temendo seu populismo, 
tentou enfraquecê-lo. César, entretanto, voltou-se contra a elite aristocrática e 
declarou-se Imperador Romano, pondo um fim ao período republicano e dando 
início ao Império Romano (27 a.C.- 476 d.C.), que viria a revolucionar para sempre 
toda a estrutura política, geográfica e econômica da Europa.
4.2 Sincretismo e patriotismo
Parte do sucesso romano deve-se, sem dúvida, à sua postura civilizatória. Sempre 
que os romanos conquistavam um grande povo, como fizeram com os gregos, os 
egípcios e os cartagineses, ao invés de destruírem toda a produção cultural de seu 
inimigo, eles preservavam-na, procurando absorver o que havia de melhor nela. 
Os estudiosos dão a esta prática o nome de sincretismo, que consiste 
em fundir elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só 
elemento, continuando perceptíveis alguns sinais originários. Um dos 
maiores reflexos desta postura sincretista está na maneira como os 
romanos absorveram e transformaram o humanismo grego.
Se a política dos gregos baseou-se na razão, a dos romanos baseou-se no 
amor – um amor ao país, um amor à própria Roma. Os romanos, de fato, 
inventaram o patriotismo, e esta é uma das grandes chaves de seu sucesso. Eles 
consideravam-se uma espécie de família e viam em Rômulo, seu fundador, um 
antepassado comum. 
Talvez tenha sido Agostinho de Hipona (mais conhecido como Santo Agostinho), 
um dos maiores pensadores cristãos, que viveu durante a fase final do Império 
Romano (354-430 d.C.), o primeiro a perceber o patriotismo como a paixão 
orientadora dos romanos; em parte porque viu em tal paixão uma prefiguração 
do amor que animava os cristãos. No entanto, é do poeta Horácio (65-8 a.C.) o 
verso que, por muito tempo, representou o mais nobre dos sentimentos políticos: 
“dulce et decorum est pro patria mori” (morrer pela pátria é maravilhoso e digno). 
Este sentimento perderia seu valor após a II Guerra Mundial, devido aos horrores 
causados pelo patriotismo exagerado dos nazistas.
35
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
4.3 Poder e autoridade
Como afirma Minogue (1996, p. 32), “quando os romanos pensavam no poder, 
utilizavam duas palavras, a fim de marcarem uma diferença importante: potentia 
significava poder físico, enquanto potestas significava o direito e o poder legais 
inerentes a um cargo.” O conjunto total dos poderes à disposição do estado 
constituía o imperium. Além disso, essas duas formas de poder diferiam de outro 
conceito legado pelos romanos, muito caro à tradição política: a auctoritas.
Auctoritas (autoridade) representava a reunião da política com a religião 
romana, implicava a veneração das famílias e, portanto, dos antepassados.
Um auctor (autor) era o fundador ou o iniciador de qualquer coisa – fosse uma 
cidade, uma família, ou mesmoum livro ou uma ideia. Se o Senado foi a mais 
importante instituição romana, é porque seus membros eram considerados os 
autores daquela sociedade. Daí o respeito que qualquer cidadão tinha por um 
senador, confiando a esta figura a condução da res publica (a coisa pública).
O estandarte do exército trazia o símbolo militar da 
nação, a águia, e a sigla do seu lema principal: Senatus 
Populusque Romanus (Senado e Povo Romano) – um sinal 
da estima que o povo tinha por esta instituição, o senado.
Além do patriotismo e da autoridade, o sucesso romano 
teve outro fator decisivo: sua força moral. Na Roma 
Antiga, o suborno de um funcionário público era um 
crime capital. Ademais, podia-se confiar em um romano: 
eles eram famosos por honrar seus compromissos.
A causa desta inerente probidade também era 
religiosa: os romanos acreditavam em superstições 
sobre castigos na vida após a morte. Os judeus, 
quando entraram em contato com os romanos, por 
volta do século II a.C., assim como os gregos, sentiram 
grande admiração por aquele povo tão correto e o 
consideraram um aliado equilibrado.
Entretanto, embora tivessem crescido apoiados em 
uma moralidade sólida, com o passar do tempo o 
sucesso e a riqueza corromperam os romanos, que 
acabaram por cair sob o domínio daquelas formas 
despóticas de governo que, antes, repudiavam. 
Figura 1.12 - Réplica do 
estandarte romano
Fonte: Steendam (2007).
36
Capítulo 1 
No século I d.C., após os tempos gloriosos de Otávio Augusto (63 a.C.-14 d.C.), 
os governos que se estabeleceram, ainda que sejam inclusos no período clássico 
da história romana, não fizeram por merecer. Os imperadores da Dinastia Júlio-
Claudiana, especialmente os tiranos Calígula (12-37 d.C.) e Nero (37-68 d.C.), 
ao imergir Roma em um mar de vícios, fizeram de sua época um período de 
decadência anunciada.
Figura 1.13 – “Os romanos da decadência”, de Thomas Couture (1879)
Fonte: Lewandowski (2006).
Todavia, se queremos fazer da política uma ciência, não cabe a nós julgar 
os períodos críticos da história romana. Assim como fizeram aqueles que 
prosperaram nas terras pantanosas do Lácio, devemos analisar friamente o que 
fez a política funcionar e o que a prejudicou. 
A política ocidental distingue-se de outras formas de ordem social pelo 
desenvolvimento da tese de que, “para além da harmonia que resulta de todos 
saberem qual é o seu lugar, existe uma outra harmonia na qual os conflitos são 
resolvidos através da discussão livre e da aceitação plena dos resultados, sejam eles 
quais forem, de procedimentos constitucionais.” (MINOGUE, 1996, p. 35). Se podemos 
tirar alguma lição da experiência romana, é a de que a política só existe na prática.
37
Habilidades
Seções de estudo
Capítulo 2
Seção 1: A organização política na Europa medieval
Seção 2: Maquiavel e a percepção de um paradigma 
nascente 
Seção 3: Hobbes e o medo como paixão civilizadora
Seção 4: A Paz de Westfália e o surgimento da 
comunidade internacional
Com a leitura deste capítulo, você desenvolverá as 
habilidades de: compreender a organização política na 
Europa medieval e as razões que levaram o feudalismo 
ao declínio; compreender os problemas políticos da 
Itália medieval e o pensamento de Maquiavel diante do 
desafio da unificação italiana; compreender a formação 
do Estado Absoluto e a justificativa de Thomas 
Hobbes; compreender o significado da chamada 
Paz de Westfália para o surgimento da comunidade 
internacional e para a concretização dos ideais de 
soberania estatal e Estado-nação.
Do absolutismo medieval ao Estado 
moderno: atores e eventos cruciais
38
Capítulo 2 
Seção 1
A organização política na Europa medieval
Segundo uma convenção histórica, o Império Romano do Ocidente termina no 
ano de 476 d.C., quando Odoacro, rei dos Hérulos, toma a cidade de Roma e 
depõe o imperador Rômulo Augusto, tornando-se o primeiro rei bárbaro de Roma. 
O povo de Odoacro e os demais povos bárbaros que derrubaram o império jamais 
apagariam o legado romano, presente até os dias de hoje, porém instituiriam 
alguns costumes que mudariam o mundo civilizado pelos séculos seguintes.
Figura 2.1 – “Rômulo Augusto abdica à coroa”, gravura de Charlotte Mary Yonge (1880)
Fonte: Masár (2006).
Além de suas próprias noções de justiça, honra e lealdade, os bárbaros 
perpetuariam no mundo europeu a prática de recompensar com terras os 
guerreiros que se destacavam nos combates. Com o mundo romano esfacelado, 
sem mais um forte poder centralizador, os guerreiros recompensados viram-se 
cada vez mais independentes e, aos poucos, tornaram-se senhores de suas 
terras. Surgia, assim, não apenas um novo modelo de organização fundiária, 
mas uma nova forma de organização política: o feudo.
A insegurança talvez tenha sido a maior das aflições sofridas pelos que viveram 
nessa época. As muitas guerras travadas até que Roma fosse definitivamente 
tomada acabaram por debilitar as defesas das cidades europeias. Os novos 
reinos, à medida que se formavam, nasciam completamente frágeis. Isso obrigou 
39
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
reis, guerreiros e camponeses em geral a se organizarem em alianças, a fim de se 
defenderem das invasões iminentes. A propósito, uma provável etimologia da 
palavra feudo é o vocábulo latino foedus, que significa “pacto, aliança”.
Nesse período, os camponeses submetiam-se aos senhores feudais, estes se 
aliavam aos reis, que se aliavam a outros reis, todos em busca de uma coisa 
apenas: proteção. Assim se formaram verdadeiras coligações feudais na Idade 
Média. A mais expressiva delas talvez tenha sido o reino dos Francos, que, por 
volta do século IX, auge da dinastia carolíngia, era tão 
grande que se chegou a acreditar no ressurgimento do 
Império Romano do Ocidente. O Papa Leão III, por exemplo, 
chegou a declarar Carlos Magno (rei dos Francos entre 
os anos de 771 e 814 d.C.) Imperador do Sacro Império 
Romano, título que não era usado desde Rômulo Augusto.
A figura a seguir ilustra a hierarquia do reino dos Francos 
sob a dinastia que sucedeu os carolíngios, a dinastia 
capetiana, cujo auge deu-se durante o reinado de Luís VI, 
“O Gordo”, entre os anos de 1108 e 1137 d.C.
Figura 2.2 - Pirâmide feudal: relações de vassalagem entre Luís VI e seus nobres e camponeses
Fonte: Elaboração do autor (2014).
Capetiana O nome 
deve-se a Hugo 
Capeto, o fundador da 
dinastia. Chamavam-no 
Capeto por causa da 
capa curta que sempre 
ostentava. Como era o 
vassalo mais importante 
de Luís V, o último 
rei carolíngio, Hugo 
elegeu-se rei após a 
morte de seu suserano.
40
Capítulo 2 
Todavia, por mais que, na Idade Média, tenham existido reis capazes de 
concentrar um grande poder em suas mãos, nenhum de fato se igualou à 
potência dos romanos. No período medieval, as cidades eram os principais alvos 
de ataques, o que causou a dispersão do povo em pequenas vilas, os feudos, 
dificultando a centralização do poder. Isso fez com que os camponeses – servos 
e homens livres – fossem submetidos ao governo da autoridade política mais 
próxima a eles: o senhor feudal.
O senhor feudal, que jurava lealdade ao rei, prometendo-lhe reforço militar em 
caso de guerra, tinha total autonomia dentro de seus domínios, respondendo por 
quase todos os aspectos da vida política: administrava a justiça, cunhava moeda, 
instituía tributos, efetuava casamentos, declarava os direitos e deveres de seus 
vassalos, mantinha o policiamento do feudo e os homens de guerra.
A nobreza organizou-se na Cavalaria. O primeiro cavaleiro era o imperador ou 
o rei. Abaixo dele, e em ordem hierárquica, estavam os duques, os condes, os 
barões, os viscondes e os cavaleiros ou senhores. Esses títulos eram prestigiados 
por toda a sociedade feudal e não implicavam riqueza necessariamente. Os filhos 
dos nobres eram educados desde cedo para ingressar na Cavalaria. Começavam 
como pajens (quando aprendiam a cortesia a serviço das damas), depois se 
tornavam escudeiros (a serviço de um cavaleiro), até que eram proclamadoscavaleiros (aos 18 anos), em cerimônia especial de investidura. Como observa 
Jacques Le Goff (1989, p. 34):
Graças a esse mecanismo de interdependência (suserano-
vassalo), a sociedade medieval pôde sobreviver e atravessar 
os difíceis dias de insegurança então reinantes. Os laços de 
vassalagem, com obrigações de assistência e defesa mútua, 
substituíram o governo forte do rei, através da descentralização 
do poder, fracionado na mão dos nobres.
Na Idade Média, assim como na Antiguidade, a religião continuou a ser 
absolutamente vinculada à política. A relação entre política e religião existente na 
Idade Média tem, no entanto, uma diferença crucial. No período medieval, emerge 
uma instituição que, ao lado da nobreza, determinaria a ordem mundial por cerca 
de um milênio: a Igreja Católica.
A Cavalaria, que representava a nobreza, e a Igreja formavam, portanto, o par 
de instituições mais importantes na vida política medieval. A Igreja transformou 
sua autoridade religiosa em poder político. Em um mundo onde predominava 
o pensamento religioso, a Igreja, como única intercessora entre Deus e os 
homens, detinha o “monopólio da salvação”, exercendo assim um forte poder 
de manipulação ideológica sobre o povo. Ela, portanto, ditava os costumes, 
regulando o comportamento social.
41
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
Figura 2.3 - A Igreja Medieval
Fonte: Pereira (2012).
Os membros mais elevados da hierarquia católica, bispos 
e abades, eram recrutados entre os nobres. Segundo 
Le Goff (1989), naquela época, havia o costume de fazer 
com que o segundo filho de uma família nobre seguisse 
a carreira eclesiástica – o primeiro filho herdava o feudo; 
o segundo, o direito à primogenitura. Auferindo bens dos 
fiéis e herdando terras da nobreza, a Igreja tornou-se dona 
de um imenso volume de propriedades. Dessa forma, foi, 
pouco a pouco, ampliando seus domínios, detendo não só 
poder espiritual, mas também econômico e, logo, político. 
A administração da justiça, como dissemos, ficava a cargo 
do senhor feudal. As leis na Idade Média não eram feitas 
por legisladores encerrados num parlamento, mas baseadas nos costumes 
– e, por isso, eram chamadas de leis consuetudinárias. A lei consuetudinária 
decorria dos costumes criados por todas as categorias sociais na vida cotidiana. 
Eram guardadas na mente dos populares; os anciões eram seus guardiões 
mais zelosos. Quando havia necessidade, essas leis orais eram registradas 
em pergaminhos. No Império Português, foi instituído um tipo de documento 
chamado foral, ilustrado pela próxima figura, que servia para o registro de leis 
consuetudinárias, entre outras coisas.
As leis consuetudinárias eram verdadeiros compêndios de sabedoria popular. 
Nem o rei, nem o nobre, nem os eclesiásticos podiam ir contra o costume, e 
deviam respeitá-lo, desde que ele não violasse a Lei de Deus.
Abades Abade era 
todo aquele que 
governava uma abadia 
(uma comunidade 
cristã) e estava abaixo 
do bispo. Os bispos 
estavam para os reis, 
assim como os abades 
estavam para os 
senhores feudais. Os 
abades tinham uma 
função semelhante 
à que têm hoje os 
párocos.
42
Capítulo 2 
Figura 2.4 - Foral do séc. XVI
Fonte: Corrêa (1998).
Como a Igreja ditava os costumes, interferia diretamente na criação de leis. Para 
assegurar o cumprimento de sua doutrina moral, ela criou meios de censura. 
A partir do século V, por exemplo, a Igreja Católica fez entrar em vigor o Index 
Librorum Proibitorum (Índice dos Livros Proibidos); no século XI, iniciou os primeiros 
processos de inquisição; e, no século XV, fundou o Tribunal do Santo Ofício.
Ao contrário do que se pensa comumente, o Tribunal do Santo Ofício era 
responsável apenas por interrogar (ou inquirir, daí o termo inquisição) e julgar 
os acusados de heresia, ou seja, os acusados de qualquer contrassenso moral. 
A execução da pena, fosse ela a privação da liberdade ou da vida, cabia aos 
mandatários do rei ou do senhor feudal.
Entretanto, a Igreja não cumpriu apenas a função de censura. Entre outras muitas 
intervenções na vida política, ela combateu as lutas entre nobres, instituindo 
a chamada “Trégua de Deus”, uma proibição de lutas durante certas épocas 
do ano. Além disso, transformou a Cavalaria numa instituição em defesa da 
religião, da mulher, dos fracos, dos órfãos, da lealdade até para com os inimigos, 
da cortesia e da honra. De certa forma, podemos dizer que a Igreja foi assim 
precursora da assistência social.
Sendo o trabalho manual considerado indigno dos nobres, de cavaleiros e de 
homens livres, ele foi transformado em ocupação dos artífices, que moravam 
em aldeias (burgos) e cidades. Conforme Le Goff (1992), cada tipo de atividade 
concentrava-se numa rua determinada. Havia, por exemplo, a Rua dos 
Sapateiros, a Rua dos Alfaiates, a Rua dos Armeiros, etc. 
Sob o mesmo teto, viviam os “mestres” e oficiais trabalhando em seu mister 
(emprego, ocupação). A oficina era a própria loja de venda. A Igreja estimulou a 
formação de associações de classe (“fraternidades”) e corporações, que reuniam 
43
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
seus membros em torno de estatutos comuns, bandeiras, tesourarias e santos 
padroeiros. Essas corporações eram beneficentes e amparavam seus membros 
em época de necessidade.
A História mostra-nos que, durante os tempos medievais, as ações promovidas 
tanto pela Igreja quanto pela Nobreza – as duas instituições que então 
concentravam o poder – foram apenas paliativas na solução dos principais 
problemas políticos. Isso é compreensível, uma vez que o clima de instabilidade 
geral não permitia grandes prospectos: não havia tempo para organizar grandes 
programas governamentais senão para se preparar para os constantes conflitos. 
Além disso, Nobreza e Igreja foram sempre extremamente conservadoras 
e jamais colocariam questões como a liberdade dos indivíduos – que tanto 
motivou os antigos e motivaria os modernos – em sua agenda.
À medida que as cidades reestruturam-se e, fortalecidas, voltam a aglutinar o 
poder político, o mundo feudal começa a entrar em declínio. Isso tem relação 
direta com a economia e com o mundo intelectual. Por muito tempo, o sentimento 
de insegurança restringiu as atividades comerciais aos limites dos feudos, burgos 
e cidades. Aos poucos, com a segurança restabelecida, as trocas começaram a 
acontecer entre feudos, burgos e cidades de um mesmo reino, e, depois, entre 
diferentes reinos. O restabelecimento de sistemas mercantis possibilitou também 
o restabelecimento de sistemas de governo, tendo como sedes os grandes 
centros comerciais: as cidades.
A partir do ano 1000 até cerca de 1150 d.C, o feudalismo entra em ascensão, 
definindo seus elementos básicos. Na França, nos Países Baixos e na Itália, seu 
desaparecimento começa a se manifestar no final do século XIII. Na Alemanha e 
na Inglaterra, entretanto, ele ainda permanece por mais tempo, extinguindo-se 
totalmente na Europa ocidental por volta de 1500.
No século XIII, quando o feudalismo começa a desaparecer, surge o movimento 
intelectual que, num retorno à Antiguidade Clássica, impulsionou o projeto do 
Estado moderno: o Renascimento. Artistas e pensadores de diferentes partes 
da Europa, inspirados pelos antigos, davam os primeiros passos em direção às 
revoluções política, econômica e científica que se consumariam séculos mais 
tarde. Acima de tudo, eles compartilhavam um mesmo ideal político, desejosos 
de estabilidade e paz.
Diferente dos antigos, que idealizaram suas cidades-estado, e dos modernos, 
que, com muito custo, viriam a pôr em prática seu ideal de Estado, não se pode 
afirmar que os atores do feudalismo tenham tido um grande projeto político, e 
isso reflete a essência desse período: a instabilidade.
44
Capítulo 2 
Esse ideal político compartilhado pelos renascentistas está diretamente ligado ao 
que a Ciência Política chama de Estado estamental: a forma embrionária do que 
viria a ser o Estado moderno. Quando as cidades voltaram 
ase fortalecer e conseguiram alguma estabilidade, as 
parcelas organizadas das populações urbanas 
constituíram-se um contrapoder às pretensões dos 
soberanos. Impunham-se, assim, limites à ação das 
monarquias, a partir da ação política dos súditos. Portanto, 
embora fosse ainda inconsistente, o Estado estamental já 
trazia consigo o germe daqueles princípios democráticos 
que, mais adiante, garantiriam liberdade, igualdade e 
fraternidade aos povos.
Nas próximas seções, estudaremos dois contextos políticos bastante representativos 
do período inicial da Idade Moderna, em que o feudalismo se extinguia 
definitivamente: a Itália do século XVI e a Inglaterra do século XVII. Veremos como as 
ideias de dois pensadores – Maquiavel, na Itália, e Hobbes, na Inglaterra – refletiram 
os problemas políticos por que passavam suas respectivas nações.
Seção 2
Maquiavel e a percepção de um paradigma 
nascente
Nesta seção, você será levado à reflexão a partir do pensamento político de 
Nicolau Maquiavel (1469-1527). Como será possível perceber ao longo das 
páginas que seguem, este pensador influenciou significativamente as discussões 
sobre o Estado moderno, apesar de não haver formulado este conceito conforme 
o entendemos hoje em dia. 
Dotado de uma concepção negativa de homem, especialmente em relação às 
massas, Maquiavel discorre, em sua obra, sobre as condições e as possibilidades 
de se manter no poder. Autor de perspicazes interpretações das experiências 
e modelos políticos legados pela Antiguidade clássica, este pensador tornou-
se uma referência central na tradição do pensamento político ocidental, em 
se tratando de absolutismo e república. Mais do que isso, ele promoveu uma 
separação definitiva entre política e moral, fazendo nascer a moderna filosofia 
política. Estas e outras razões vinculam este renascentista ao rol dos pensadores 
que influenciaram a política moderna.
Estamental Para Max 
Weber (1864-1920), o 
conceito de estamento 
diz respeito a uma teia 
de relacionamentos, 
que constitui um poder 
político e influi em 
determinado campo 
de atividade. (WEBER, 
2004).
45
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
2.1 A Itália medieval: um espelho partido
Após a queda do Império Romano do Ocidente, a ambição de reeditar aquele 
feito grandioso – o de conquistar um território que extravasasse os limites do 
continente europeu – ocupou, por cerca de mil anos, a mente dos monarcas 
medievais, até que chegassem a uma conclusão: essa ambição já se tornara 
inviável, e a única saída para se chegar à paz e à estabilidade seria respeitar a 
autonomia de cada povo dentro dos territórios já estabelecidos.
A concórdia, no entanto, não veio senão à custa de muita discórdia. Como 
analisa Jacob Burkhardt (1991), o desaparecimento do Império Romano 
provocou uma involução política em todo o território itálico.
Cada região da Itália, por menor que fosse, tornou-se um paese (um país) 
indiferente ou hostil aos seus vizinhos. A península, que havia conhecido um dos 
maiores apogeus da civilização, voltava então aos tempos pré-romanos. Como 
definiu certa vez o príncipe austríaco, Klemens Wenzel von Metternich (1773-
1859), a Itália tinha deixado de ser o território onde se estabeleceu o Império 
Romano para ser apenas uma “expressão geográfica”.
Durantes os séculos IX e X, toda a Europa, inclusive a Itália, sofreu penosas 
invasões por parte dos normandos, germânicos e sarracenos. Durante os séculos 
XIV e XV, a Itália viu-se palco de guerras entre França e Espanha. Em ambas as 
oportunidades, os italianos – ao invés de se unirem para ganhar força política e 
expulsar os invasores – aproveitaram-se da presença dos estrangeiros para obter 
alguma vantagem sobre seus vizinhos.
Cada célula que compunha aquele corpo político pulverizado, 
cada comuna ou cidade, cada condado ou principado procurava 
tirar proveito da presença dos estranhos para usá-los contra os 
seus rivais mais próximos. Milão opunha-se a Veneza, esta a 
Gênova. Florença estranhava-se com Pisa. Chegou-se, por várias 
vezes, ao extremo de algum tirano ou de uma família patrícia 
apoiar-se num invasor para fazê-lo agir contra seus próprios 
concidadãos, como, certa vez, foi o caso dos Médici de Florença. 
(SCHILING, 2005).
46
Capítulo 2 
A conjuntura protagonizada por Lourenço de Médici, o 
Magnífico (1449-1492), é particularmente significativa. 
O período em que Lourenço interferiu na política italiana 
coincide com um dos poucos períodos de paz e união 
conhecidos pela Itália nos tempos pré-modernos. Sua 
família governou Florença desde o início do século XV até 
meados do século XVIII. Cosme de Médici, o primeiro 
líder dos Médici, chegou ao poder em 1437 e governou até 
1464, iniciando um ciclo próspero não só para a política 
florentina, mas para as artes e ciências de todo o mundo. 
Seu filho e sucessor, Pedro de Cosme de Médici, tinha 
uma saúde débil e viveu, apenas, até 1469.
Figura 2.5 - Itália no séc. XV
Fonte: Matthew (1983).
Cosme de Médici 
Cosme de Médici, 
além de ter firmado 
uma boa relação 
com a comunidade 
judaica, foi um notável 
incentivador das artes e 
ciências, tendo fundado 
o mecenato dos 
Médici. Ele e seu neto, 
Lourenço de Médici, 
desempenharam um 
papel fundamental 
na promoção do 
Renascentismo.
47
Ciência Política e Teoria Geral do Estado 
Com a morte do pai, os irmãos Juliano e Lourenço de Médici são declarados 
príncipes de Florença. Juliano e Lourenço governam em paz por quase dez anos, 
até que, em 1478, são alvos de uma conspiração organizada pela família Pazzi, 
cúmplice dos Salviati e do então Papa Sisto IV, inimigos dos Médici. Em um 
domingo de Páscoa, em plena missa, os conspiradores tentam tirar a vida dos 
príncipes: Juliano morre, mas Lourenço salva-se. O povo, revoltado, lincha alguns 
dos autores do plano; e o Papa, frente à calamidade, interdita Florença.
Em 1480, Lourenço, ilustrado pela seguinte figura, propositalmente, viaja sozinho 
para Nápoles e acaba sendo capturado por Dom Ferrante, o então rei napolitano. Ele 
passa três meses preso, até ser libertado, ao convencer Fernando I (nome oficial de 
Dom Ferrante) de que o Papa poderia voltar-se contra ele, caso continuasse a 
ampliar seus domínios no norte da Itália – 
tal era o clima de instabilidade e 
hostilidade presente entre as repúblicas e 
principados italianos de então. 
Com este feito de notável talento 
diplomático, Lourenço incitou os povos 
da Toscana à paz, dando um exemplo 
histórico de como estimular a construção 
de uma soberania estatal.
Com o apoio de Nápoles, Lourenço força 
o Papa a também aceitar a trégua e, 
assim, proporciona à Itália um período de 
paz que não era visto há muito tempo. 
Após seu sucesso, ao invés de usar o 
prestígio de que gozava para declarar-
se rei, Lourenço preferiu não tomar o 
poder e seguir sua vida apenas como um 
influente cidadão da república florentina, 
ainda que muitos tenham projetado nele a 
imagem de um rei. Depois de sua morte, 
em 1492, o equilíbrio entre os estados 
italianos é desfeito; e a península volta a 
ficar à mercê de invasores.
Figura 2.6 - Estátua de Lourenço de Médici
Fonte: Frieda (2005).
48
Capítulo 2 
2.2 O surgimento de Maquiavel em meio à Renascença florentina
O êxito de Lourenço, no entanto, não se deu ao acaso; ele vivenciou um 
momento ideologicamente muito especial da história europeia e contribuiu 
para ele: o Renascimento. Entre os muitos artistas e pensadores que, direta ou 
indiretamente, o apoiavam e eram apoiados por ele, esteve Nicolau Maquiavel 
(1469-1527).
 Maquiavel – que viria a ser um dos 
pensadores políticos mais influentes de toda 
a história, considerado fundador da Ciência 
Política moderna – foi um funcionário público 
de Florença, eventual conselheiro dos Médici. 
Nascido no mesmo ano em que Lourenço, 
o Magnífico, foi levado ao poder, Maquiavel 
acompanhou de perto as ações de seu 
príncipe frente ao desafio da unificação. 
Em 1512, depois de servir à Segunda 
Chancelaria por 14 anos, foi forçado

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