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Um_estudo_simbolico_arquetipico_da_Edda

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UNIVÁS - POUSO ALEGRE 
2016 
 
VICTOR HUGO SAMPAIO ALVES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UM ESTUDO SIMBÓLICO-ARQUETÍPICO DA EDDA EM PROSA 
UNIVÁS - POUSO ALEGRE 
2016 
 
Victor Hugo Sampaio Alves 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UM ESTUDO SIMBÓLICO-ARQUETÍPICO DA EDDA EM PROSA 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como exigência 
parcial para a obtenção do título de 
Psicólogo pela UNIVÁS – Universidade 
do Vale do Sapucaí, orientada pelo Prof. 
Ms. Alessandro Caldonazzo Gomes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Alves, Victor Hugo Sampaio. 
Um estudo simbólico-arquetípico da Edda em Prosa. / 
Victor Hugo Sampaio Alves. - Registro: 2016. 
194f.; 22 cm. 
Orientador: Ms.Alessandro Caldonazzo Gomes 
Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em 
Psicologia) – Universidade do Vale do Sapucaí, 2016. 
 
1. Psicologia Analítica. 2. Mitologia Nórdica. 3. 
Simbologia. 
. 
Universidade do Vale do Sapucaí. 
 
CDD 
 
 
VICTOR HUGO SAMPAIO ALVES 
 
UM ESTUDO SIMBÓLICO-ARQUETÍPICO DA EDDA EM PROSA 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso para 
obtenção do título de Psicólogo pela 
Universidade do Vale do Sapucaí. 
Orientado pelo Prof. Ms. Alessandro 
Caldonazzo Gomes. 
 
 
Aprovada em de de 2016. 
 
 
 
PROFESSOR ORIENTADOR: 
 
 
 
 
 
Prof. Ms. Alessandro Caldonazzo Gomes 
(UNIVÁS) 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA: 
 
 
 
 
 
Prof. Dr. Marcos Antonio Batista. 
(UNIVÁS) 
 
 
 
 
 
 
Profª. Sandra Maria Garcia de Aquino. 
(UNIVÁS) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A meu avô João Luiz, que compartilha 
comigo o amor pelas mitologias e 
narrativas do Homem e quem, desde que eu 
era pequeno, me apresentou um mundo que 
valia a pena ser vivido e conhecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Nem sequer teremos de correr os riscos da 
aventura sozinhos, pois os heróis de todos os 
tempos nos precederam; o labirinto é totalmente 
conhecido. Temos apenas de seguir o fio da 
trilha do herói. E ali onde pensávamos 
encontrar uma abominação, encontraremos uma 
divindade; onde pensávamos matar alguém, 
mataremos a nós mesmos; onde pensávamos 
viajar para o exterior, atingiremos o centro da 
nossa própria existência; e onde pensávamos 
estar sozinhos, estaremos com o mundo 
inteiro.” Joseph Campbell 
 
MONOGRAFIA 
 
 
 
Alves, V.H.S. (2016). Um estudo simbólico-arquetípico da Edda em Prosa. 
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Psicologia da Universidade do Vale 
do Sapucaí-UNIVÁS, Pouso Alegre – MG. 
 
 
RESUMO 
 
 
 
Este estudo propôs analisar o primeiro capítulo da Edda em Prosa, chamado 
Gylfaginning, que se traduz por “O Embuste de Gylfi”. A Edda em Prosa é um material 
literário escrito em nórdico antigo pelo poeta e historiador islandês Snorri Sturluson, por 
volta do ano de 1220. Dividida em três partes, a obra detém como principal objetivo 
servir como manual de mitologia, já que as antigas metáforas poéticas e narrativas 
míticas do passado politeísta da Escandinávia estavam sendo esquecidas após a 
consolidação do cristianismo. Trata-se da estória do rei Gylfi, que viaja para Ásgarðr 
buscando um diálogo com os deuses; estes conseguem ver que o rei está a caminho e lhe 
preparam um embuste, ou seja, uma emboscada. Esta pesquisa qualitativa, investigativa 
e bibliográfica objetivou identificar certos padrões simbólicos que apontem para a 
perpetuação de símbolos do inconsciente no material mitológico em questão, além de 
investigar o modo como tais símbolos se manifestaram na cultura e mitologia nórdica 
especialmente. Em concordância com a psicologia analítica, concebeu-se que todo 
artista pode ter seu racionalismo e intenção consciente superados ao executar sua obra, 
principalmente ao trabalhar com materiais mitológicos. Desta forma, seria possível que 
o escritor revelasse em sua obra aspectos simbólicos que seriam frutos de um 
alinhamento de seu inconsciente coletivo com certos temas e arquétipos. Demonstrou-se 
que os símbolos e arquétipos do inconsciente coletivo se fazem presentes e são inscritos 
nas mitologias, encarnando lugares, heróis, deuses e bestas. Advindo deste último fato, 
ressaltou-se a importância, para o psicólogo, dos estudos envolvendo a mitologia, visto 
que é nela em que os povos dão vida aos símbolos presentes no inconsciente coletivo. 
 
 
Palavras-chave: Psicologia Analítica; Mitologia Nórdica; Simbologia; 
Arquétipos. 
 
MONOGRAPHY 
 
 
 
Alves, V.H.S. (2016). A symbolic-archetypical study of the Prose Edda. Monography 
presented to the Psychology Graduation Course, Vale do Sapucaí University-UNIVÁS, 
Pouso Alegre – MG. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
 
The present study aimed to analyze Prose Edda’s first chapter, which is named 
Gylfaginning and translates to “The tricking of Gylfi”. The Prose Edda is a literary 
material written in Old Norse language by the Icelandic historiographer and poet Snorri 
Sturluson, around the year of 1220. Divided in three parts, this opus holds the objective 
to serve as a manual of mythology, considering that the old poetic metaphors and 
mythic narratives from Scandinavia’s polytheist past were about to be forgotten after the 
consolidation of Christianism. It tells the story of king Gylfi, who travels to Ásgarðr 
searching for a dialogue with the gods; however, they can foresee that the king is 
coming and so they prepare him a deception. This qualitative, investigative and 
bibliographic research aimed to identify certain symbolic patterns which pointed to the 
perpetuation of unconscious symbols in the mythic material, besides investigating the 
way these symbols were manifested in Norse culture and mythology specifically. 
According to analytical psychology, it was conceived that every artist may have his 
rationalism and conscientious intention surmounted when executing his work, mainly 
when dealing with mythological material. As a consequence, it would be possible that 
the writer revealed, in his work, symbolic aspects which would be fruits of an alignment 
of his collective subconscious with certain themes e archetypes. It was demonstrated 
that symbols and archetypes of the collective subconscious are presented and inscribed 
on mythologies, incarnating places, heroes, gods and beasts. As a result from this last 
fact, it was emphasized the importance for psychologists of studying mythology, taking 
into account that it is in mythology where peoples give life to symbols alive in their 
collective subconscious. 
 
 
Keywords: Analytical Psychology; Norse Mythology; Symbolism; Archetype. 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 1 
CAPÍTULO I: ENTREMEIOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA E A 
MITOLOGIA ............................................................................................... 5 
I.I Psicologia Analítica e Mito ........................................................... 5 
I.II Mito e oralidade ........................................................................... 9 
I.III O autor segundo a Psicologia Analítica ..................................... 13 
I.IV Os arquétipos ............................................................................. 17 
I.V Os símbolos ................................................................................. 20 
CAPÍTULO II: O GYLFAGINNING, A EDDA EM PROSA E SEU 
AUTOR. ........................................................................................................ 26 
II.I A Edda em Prosa ......................................................................... 26 
II.II SnorriSturluson.......................................................................... 30 
II.III Resumo e tradução do material ................................................. 32 
II. IV Tradução resumida do Prólogo ................................................. 33 
II.V Tradução resumida do Gylfaginning .......................................... 38 
CAPÍTULO III: SOBRE OS SÍMBOLOS E ARQUÉTIPOS NA EDDA EM 
PROSA. ........................................................................................................ 80 
III. I A cosmogonia: Ginnungagap, Auðhumla e Ymir ..................... 80 
III. II Muspellheim e Niflheim .......................................................... 87 
III.III As moradas Asgard e Gimlé .................................................... 92 
III.IV Bifrost ...................................................................................... 98 
III.V Yggdrasil ................................................................................... 101 
III.VI Odin ......................................................................................... 105 
III.VII Hugin e Munin ....................................................................... 114 
 
III.VIII Thor ....................................................................................... 116 
III.IX Loki. ........................................................................................ 123 
III.X Frigg .......................................................................................... 130 
III.XI Freyja ....................................................................................... 134 
III.XII Freyr. ...................................................................................... 142 
III.XIII As Valquírias ........................................................................ 147 
III.XIV Fenrir e Jörmungandr ........................................................... 150 
III.XV O Ragnarök. ........................................................................... 156 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 160 
REFERÊNCIAS. ......................................................................................... 168 
ANEXO I. ...................................................................................................... 173 
Glossário ............................................................................................. 173 
 
ÍNDICE DE IMAGENS 
 
 
Imagem 1: Odin, por Rudolf Friedrich Reusch, 1865… ...................................... 111 
 
Imagem 2: Tors strid med jättarna, por Marten Eskil Winge, 1872… ................ 121 
 
Imagem 3: The punishment of Loki, por Doyle Penrose, 1890… ........................ 128 
 
Imagem 4: Freyja, por James Doyle Penrose, 1890. ........................................... 138 
. 
Imagem 5: Estátua de Freyr na Islândia ............................................................... 144 
 
Imagem 6: Uroboros. ............................................................................................ 152 
 
Imagem 7: Asgardsrein, por Peter Nicolai Arbo, 1872. ....................................... 157 
1 
INTRODUÇÃO 
 
Apesar da Escandinávia Medieval e a Era Viking praticamente não serem 
mencionadas durante o ensino de História nos níveis fundamental e médio, e da imagem 
popularizada e estereotipada – e, em última instância, anacrônica e fantasiosa
1 
- dos 
Vikings continuar circulando no imaginário popular, os Vikings tem voltado a receber 
nossa atenção nos tempos atuais. Os principais sentidos que circulam acerca deste povo 
ainda são aqueles, já relativamente antigos, que os caracterizam e pintam sua imagem 
 
como guerreiros bárbaros sedentos de sangue, brutos, invasores, carniceiros, primitivos 
e truculentos. 
O próprio movimento midiático da grande massa passa, atualmente, por um 
resgate desta figura Viking. Temos, por exemplo, o deus Thor enquanto super-herói da 
Marvel, presente em várias HQ’s (histórias em quadrinhos). Aliás, já existem dois 
filmes dedicados exclusivamente às aventuras deste super-herói, aventuras essas que, 
inclusive, retratam outros deuses do mundo nórdico e os integram à trama: Loki, 
Heimdall e Odin. Além disso, o sucesso da série Vikings, produzida pelo History 
Channel, demonstra não só um crescente interesse por esse povo, mas também um novo 
olhar a respeito dos mesmos. Mesmo com seus anacronismos e inexatidões, a série foi 
em certo aspecto pioneira ao trazer para o telespectador uma nova perspectiva sobre os 
Vikings, considerando que ela é narrada de seu ponto de vista, e não do ponto de vista 
de quem foi por eles invadido, geralmente com foco nos ingleses e franceses, como era 
de costume. 
Mais especificamente no mundo acadêmico, o interesse sobre a sociedade 
Viking também tem ressurgido de maneira relevante. Como se sabe nos dias de hoje, os 
 
1 
A respeito das origens e perpetuações de estereótipos sobre os Vikings, recomendamos a leitura dos 
artigos Os Vikings e o estereótipo dos bárbaros no ensino de História e Fúria odínica: a criação da 
imagem oitocentista sobre os Vikings, ambos pelo Prof.Johnni Langer. 
2 
Vikings praticavam uma religião politeísta de complexa mitologia, e, dessa forma, tanto 
suas narrativas mitológicas quanto seu pensamento e comportamento religioso e seus 
ritos, que incluíam até mesmo sua magia típica, chamada seiðr, tem sido objetos de 
estudo de historiadores, arqueólogos, filósofos, tradutores e cientistas da religião. Os 
psicólogos têm se mantido afastados desse debate, e o presente estudo constitui um 
primeiro esforço para trazer a ótica da psicologia direcionada a esse objeto de estudo. 
Especificamente no Brasil, existe o grupo acadêmico multidisciplinar e 
interinstitucional, chamado Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE), cujos 
membros dedicam-se ao estudo da religião, cultura, literatura e mitologia da 
Escandinávia Medieval. O grupo, além disso, mantém um boletim de notícias, o 
Notícias Asgardianas, onde publicam e disponibilizam suas produções. Há, também, o 
periódico do grupo Brathair, que foca-se nos estudos celtas e germânicos, trazendo, por 
vezes, algumas publicações envolvendo a Escandinávia da Era Viking. 
Por mais que ainda haja muito a ser feito, o momento, enfim, não poderia ser 
melhor para que se fale dos Vikings. A presente monografia visa investigar uma parte 
da mitologia nórdica utilizando-se, como fonte primária e como corpus do estudo, a 
Edda em Prosa. Este material literário foi escrito e compilado pelo monge, historiador e 
poeta islandês Snorri Sturluson, por volta do ano de 1.220 D.C. A Edda em Prosa trata- 
se de um manual de técnicas poéticas que ilustra as ferramentas a serem usadas pelos 
escaldos – os poetas da Escandinávia Medieval -. Portanto, além de oferecer as técnicas 
que poderiam ser usadas na composição de poemas, a Edda em Prosa também 
disponibilizava um conteúdo sobre o qual os escaldos poderiam versar a respeito: este 
conteúdo era justamente um apanhado mitológico contendo várias das principais 
narrativas mitológicas que circulavam na oralidade da Escandinávia pagã. 
Dessa forma, o objetivo desta monografia é realizar um estudo dos símbolos e 
arquétipos presentes neste sistema mitológico e que tenham possivelmente sido 
3 
registrados na Edda em Prosa. Não pretendemos com este estudo esgotar os temas, 
símbolos, motivos e arquétipos presentes na mitologia Viking: tal trabalho teria 
proporções quase inesgotáveis e consistiria numa pretensão irrealizável. Nos ateremos, 
então, aos símbolos que se fizeram mais presentes ao longo da obra, tanto em questão 
de presença quanto de profundidade e importância atribuída a eles nesta fonte 
especificamente. Assim, já que certos símbolos se fizeram mais presentes e potentes 
nesta obra do que alguns outros que parecem ter sido, por algummotivo, meramente 
compilados e mencionados, partiremos do princípio que os primeiros possuíam 
realmente maior importância e presença no sistema mitológico e religioso da 
Escandinávia politeísta e que também, no momento da escrita, se fizeram mais presentes 
na mente do autor, seja consciente ou inconscientemente. 
Portanto, esta pesquisa de cunho investigativo e qualitativo adotará como 
ferramenta de análise a psicologia analítica, que oferecerá uma leitura simbólica e 
arquetípica do material a ser investigado. Partindo da conceituação de Jung no que 
concerne símbolos e arquétipos, buscaremos por estes elementos na obra para 
debruçarmo-nos sobre eles, amplificando-os em seguida. Em um primeiro momento 
analisaremos os sentidos, interpretações e cargas afetivas atribuídas aos símbolos e 
arquétipos, pensando sua ocorrência dentro de seu contexto cultural, social e histórico, 
ou seja, a Escandinávia Medieval. Em seguida, amplificaremos brevemente o 
significado de cada símbolo, buscando por análises e interpretações mais universais e 
que permitam correlacioná-lo com sua ocorrência simbólica em outros lugares, culturas 
e momentos históricos, numa tentativa de apontar justamente para uma presença de tais 
conteúdos no inconsciente coletivo, mas que adotam diferentes roupagens de acordo 
com sua cultura e momento histórico. 
No primeiro capítulo ofereceremos algumas definições e conceituações nas 
quais esta monografia se baseia para realizar a análise. Portanto, começaremos 
4 
explicitando a relação entre psicologia analítica e mito, partindo, em seguida, para 
algumas questões envolvendo mito e oralidade – visto que os conteúdos presentes na 
Edda em Prosa circulavam, a princípio, em formato oral na Escandinávia -. Depois, 
ofereceremos algumas conceituações e breves discussões a respeito dos arquétipos e 
símbolos, que constituem as principais unidades a serem analisadas por este trabalho. 
Por último, lançaremos mão de uma pequena explicação a respeito da maneira como a 
psicologia analítica enxerga o autor em seu relacionamento com sua obra, incluindo o 
processo de sua produção. 
Na sequência, disponibilizamos, no segundo capítulo, algumas introduções e 
maiores explicações sobre o material que analisaremos. Abordaremos algumas questões 
envolvendo a Edda em Prosa, como, por exemplo, seu contexto sócio-histórico de 
criação e outras fontes literárias da Escandinávia Medieval que influenciaram no 
momento de registro do seu conteúdo. Será feita, também, maior contextualização a 
respeito de Snorri Sturluson, o autor e compilador da obra em questão. Uma vez 
discutidas estas duas questões, consta uma tradução resumida do conteúdo que será 
analisado nesta monografia. No caso, disponilizamos a tradução resumida do Prólogo e 
do primeiro capítulo da Edda em Prosa, o Gylfaginning. 
O terceiro capítulo trata-se da análise do conteúdo e discussão dos dados. Para 
melhor organização da análise, dividimos esta parte em vários subcapítulos, organizados 
conforme o símbolo/arquétipo a ser discutido. Desta forma consta, por exemplo, um 
subcapítulo para discussão do deus Odin, outro para discutir o mito cosmogônico, um 
outro para discutir a deusa Frigg, etc. Por fim, uma vez esgotado este capítulo de 
análise, ofereceremos algumas considerações finais sobre o estudo feito. Visto a grande 
quantidade de nomes que este material traz, há um glossário com nomes de deuses, 
criaturas e lugares ao qual o leitor pode recorrer quando julgar necessário. 
5 
CAPÍTULO I: ENTREMEIOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA E A 
MITOLOGIA 
 
 
I.I Psicologia Analítica e Mito 
 
 
 
Entre os principais interesses da Psicologia Analítica figura aquele de que se 
investigue, fora os aspectos relacionais, afetivos e sociais dos indivíduos, duas 
importantes características psíquicas que carregam todas estas outras. Tais 
características encontram-se em constante e mútuo envolvimento, sendo, portanto, 
objeto de estudo e intervenção da Psicologia Analítica: a primeira seriam as regências 
psíquicas, que atuam como representantes das atividades da consciência; a segunda seria 
o seu modus operandi, ou seja, suas estruturas relacionais e suas estruturas de sabedoria 
profunda. A forma como as pessoas percebem e apreendem a realidade, seguida pela 
forma como avaliam ou julgam os conteúdos apreendidos dependerá destes dois 
pressupostos, que são inerentes às suas próprias psiques (Alvarenga, 2007). 
Esses pressupostos psíquicos são vivenciados pelo indivíduo e explicitados e 
traduzidos, para a psicologia analítica, por estruturas arquetípicas que são expressas 
pelas imagens das divindades. Assim sendo, segundo Alvarenga (2007), pode-se dizer 
que uma pessoa terá sua expressão de psique regulada em função da relação 
estabelecida por ela com o mundo, assim como em função da apreensão da realidade 
configurada, da avaliação atribuída por ela ao que foi apreendido e de seu modus 
operandi ativado. 
A leitura simbólica feita dessas emergências primordiais, ou melhor, dessas 
imagens arquetípicas, se amplia ao entendermos que cada um dos personagens míticos 
traduz e representa uma das possibilidades de humanização do indivíduo. Em outras 
palavras: 
6 
O arquétipo, ao estruturar a consciência, o fará segundo perfis existenciais que 
estarão em conformidade com uma ou mais variantes dos mitologemas que 
compõem o mito dessas divindades. As demais imagens arquetípicas, 
consideradas desdobramentos, ou duplos, ou hipóstases da mesma realidade 
arquetípica primordial poderão se atualizar no mesmo ser humano, em diferentes 
momentos sincrônicos de sua existência (Alvarenga, 2007, p.22). 
 
 
Hipóstase, por sua vez, é um conceito que se refere à natureza ou instância 
particular de um objeto do conhecimento. O pressuposto de que parte Alvarenga (2007), 
então, é o de que, para a Psicologia Analítica, os arquétipos, ao estruturarem a 
consciência, oferecerão caminhos de humanização ao indivíduo, caminhos esses que 
serão mais bem compreendidos quando enriquecidos pelas amplificações encontradas, 
por exemplo, na mítica de cada divindade. O arquétipo, quando realiza seu caminho de 
humanização, acaba por estruturar a consciência por meio de uma série de emergências 
simbólicas, até o momento em que segue por uma ou outra variante mítica dentro de um 
ramo de opções. Estas opções do caminho de humanização terão maior ou menor poder 
criativo de acordo com as correlações metafóricas que existam em um ou mais dos seus 
mitologemas. 
Mitologema, por sua vez, é um complexo de material mítico que, por um motivo 
ou outro, é continuamente revisitado, encarnado e reorganizado ao longo da história 
psicológica e social da humanidade. Em outras palavras, os mitologemas são elementos 
ou temas isolados que se fazem presentes em qualquer mito como, por exemplo, o mito 
da ascensão e da queda, o mito do herói, o mito da busca e assim por diante (Hollis, 
2005). 
Já o conceito mito será entendido aqui como forma de explicar o mundo e o 
homem de um modo não-lógico, apresentando-se como categoria de forma primordial 
7 
de explicar a realidade de ser e estar no mundo. Devido ao seu caráter não-lógico, as 
explicações míticas costumam ser compreendidas, para a Psicologia Analítica, como 
decorrentes de um entendimento vindo, possivelmente, do universo inconsciente 
(Alvarenga, 2007). Segundo o Dicionário Junguiano (2002), o mito é considerado por 
Jung como uma forma autônoma de pensamento e de organização cognitiva do mundo, 
paralela a uma organização mantida também pela função sentimento. Trata-se de uma 
expressão do enigma que está no fundo da vida, sendo, portanto, entendido como aquilo 
que tenta evidenciar, na linguagem cifrada de seus simbolismos, aquilo que o homem 
enquanto tal espera de si e do mundo. É importante que se ressalte também que, para 
Jung, o mito não é uma forma secundária subordinada em relaçãoao pensamento 
racional – como alegam os positivistas - mas sim uma forma autônoma do pensar. 
Ao notar-se, então, que esses temas míticos eram dotados da capacidade de se 
repetir, se reeditar e se re-significar em diferentes períodos históricos e entre os mais 
distintos povos fez com que eles fossem considerados como expressões objetivas das 
estruturas primordiais psíquicas, qualificadas posteriormente por Jung como os 
arquétipos. Também foi essa ocorrência supostamente universal dos mitos – atuando 
como estruturas primárias da psique – que possibilitou a elaboração, por parte de Jung, 
do conceito de inconsciente coletivo (Alvarenga, 2007). 
A respeito do inconsciente coletivo, o Dicionário Junguiano (2002) nos traz a 
informação de que ele é, na verdade, uma propriedade do que Jung definiu como 
inconsciente absoluto. Este último era: 
 
 
Uma formulação particular do conceito de inconsciente do qual derivam a teoria 
sobre a natureza arquetípica de certas representações psíquicas, a teorização das 
invariáveis da imaginação inconsciente coletiva e as pesquisas junguianas sobre 
8 
os simbolismos, que constituem o patrimônio histórico-cultural de comunidades 
mais ou menos amplas ou da sociedade inteira (Pieri, 2002, p.245). 
 
 
Este inconsciente é do tipo formal, ou seja, é uma estrutura inerente à forma dos 
conteúdos psíquicos, sendo, assim, essencial aos mesmos, pois é ele que permite a 
formação das representações singulares, tornando possível sua estruturação. Outra 
característica importante é o fato de que esse inconsciente absoluto é impessoal e 
coletivo, no sentido de que suas características formais supracitadas não são individuais, 
mas de caráter universal. Ele também é uniforme, já que se trata de uma estrutura 
fundamentalmente repetível, ou seja, é quase constante e imutável, sendo também 
congênito, no sentido de patrimônio psíquico pré-formado em todos os indivíduos, 
atuando como dispositivo intrínseco (Pieri, 2002). 
Outras características do inconsciente absoluto, e que talvez se ressaltem mais 
para o objetivo proposto por este estudo, é seu caráter arcaico-mitológico. Estas seriam 
as “informações” circulantes e que permeiam suas estruturas, verificáveis sobretudo na 
linguagem típica do mito e da psicologia “primitiva”. Como conseqüência, segundo 
Pieri (2002), o inconsciente absoluto acaba por ser, também, numinoso, no significado 
essencial de experiência de uma energia dinâmica que capta e domina a subjetividade. 
Portanto, pode-se dizer que são dois os conjuntos que formam o inconsciente 
absoluto. Um é o conjunto dos instintos, noção que engloba o impulso finalístico 
dirigido a comportamentos especificamente humanos. O segundo é o conjunto dos 
arquétipos, que englobam a noção de um inconsciente descrito como sistema vivo de 
possibilidades de manifestações também especificamente humanas, mas, neste caso, 
dirigidas à percepção, à cognição e à experiência de si e do mundo (Pieri, 2002). 
9 
I.II Mito e Oralidade 
 
 
 
É impossível investigar as questões em torno do mito ou da mitologia sem que 
se mencione, mesmo que brevemente, seu caráter primeiro: a oralidade. Originalmente, 
grande parte dos estudos de literatura oral - sobretudo a parte da antropologia que se 
preocupava com a análise dos mitos de povos específicos - dava enfoque aos textos 
fixos e seus conteúdos, que, para os estudiosos, eram tidos como portadores de 
informações sobre uma cultura particular, a sua linguagem, psicologia e mentalidade 
primitivas (Langdon, 1999). 
A tradição de se estudar os mitos e o folclore dos povos por meio das narrativas 
por eles produzidas, mesmo que de caráter oral, data de muito tempo atrás. Langdon 
(1999) ilustra essa característica tomando por exemplo os Irmãos Grimm, que, no fim 
dos anos 700, colheram e compilaram uma série de contos de fadas e fábulas que 
circulavam oralmente na região da Alemanha, numa tentativa não só de preservá-las, 
mas também de usá-las como parte integrante de suas investigações comparativas e 
históricas que visavam descobrir as relações entre as línguas Indo-Européias. 
Ao serem transformados da oralidade para o formato escrito, os conteúdos 
oriundos dessas narrativas presentes nas sociedades têm sido classificados em diferentes 
gêneros analíticos que se distinguem uns dos outros, tais como mitos, lendas, contos de 
fada e história oral. Essa divisão e categorização das narrativas orais, conforme enfatiza 
Bascom (1984) citado por Langdon (1999), se embasava em critérios éticos de pares de 
oposições, como temporal/atemporal, veracidade/não-veracidade e sagrado/profano. 
Levando-se em conta que a escrita constitui sempre um registro adicional à fala, 
é de se esperar que seu surgimento cause, necessariamente, uma profunda influência na 
mesma. Segundo Goody (2012), a partir daí, dessa coexistência dos dois sistemas de 
comunicação, a fala nunca voltará a ser a mesma coisa que era quando estava sozinha. É 
10 
necessário, então, tomar cuidado para que não se caia na ingenuidade de considerar a 
literatura escrita como uma simples questão de registrar e escrever o que já existe; um 
mito (ou história) é sempre modificado ao ser “transcrito”, passando a ocupar seu lugar 
entre um conjunto de novos gêneros. Esses gêneros que surgem advindos de tal 
transformação nem sempre recebem designações separadas nas linguagens locais da 
sociedade em que circulam, apesar de serem distinguidos, na prática acadêmica, de 
acordo com as diferenças em sua forma, conteúdo e função, diferenças relacionadas, 
sobretudo, ao público a quem são destinadas. Portanto, devemos ter em mente que, “em 
qualquer literatura, é importante considerar não somente o orador, mas também o 
público e o contexto situacional” (Goody, 2012, p.48). 
No caso específico do mito, o consideramos uma forma de literatura oral cuja 
principal característica – e também aquela que o diferencia das outras formas de 
literatura oral – é seu sujeito parcialmente cosmológico. Considerados em seu sentido 
mais restrito, Goody (2012) explica que os mitos são as próprias recitações de um povo 
ao redor de um tema cosmológico, como, por exemplo, os mitos sobre a origem ou 
sobre a criação. Essa percepção acerca da utilidade dos mitos supera a antiga ideia de 
que os mesmos possuíam função meramente explicativa dos fenômenos naturais, 
posicionando-o como o mais localizado e específico dos gêneros orais, sobretudo como 
o mais engastado em ações culturais como, por exemplo, quando são recitados em 
contextos cerimoniais. Ainda segundo as ideias do autor, “por definição, a mitologia 
como uma visão de mundo lida com deuses, divindades e agências sobrenaturais em seu 
relacionamento – seja distante ou próximo – com a humanidade” (Goody, 2012, p.55). 
Quando se fala em mitos sendo passados da oralidade à narrativa escrita, 
surgem, conforme vimos, problemáticas inerentes a tal transformação. Visto que a 
oralidade é o contexto básico não só de criação, mas também de perpetuação das 
estruturas míticas, há que se perguntar se a literatura é capaz de oferecer um suporte 
11 
pleno para que esse material mítico e seus sentidos circulem fielmente, o que levanta, 
conforme apontado por Langer (2006), a seguinte indagação: os sistemas de linguagem 
registrada afetam o sentido original dos mitos? No caso específico da mitologia Viking, 
Langer (2006) também questiona se suas fontes literárias, escritas após a conversão ao 
cristianismo, podem ser considerados testemunhos diretos dos tempos pagãos. 
Pensando no caso mais específico da mitologia Viking, ressaltemos as duas 
fontes primárias mais importantes de seus conteúdos míticos, que são as Eddas. A Edda 
Poética era uma coletânea de poemas anônimos reunidos de várias partes da 
Escandinávia, datados originalmente entre os séculos IX a XII d.C. Em termos 
estruturais, apresenta um caráter não uniforme e relativamenteflexível, o que, segundo 
Langer (2006) era típico dos skålds (escaldos, os poetas da Escandinávia Medieval), que 
adotavam uma técnica de rememoração construtiva das narrativas orais, narrativas essas 
que eram entendidas e bem aceitas pelas comunidades a que se destinavam as recitações 
de tais poemas. 
Quanto à Edda em Prosa, supostamente escrita pelo islandês Snorri Sturluson 
em 1221 d.C e que será objeto de análise desta tese, nota-se uma estrutura totalmente 
coerente e ordenada das narrativas mitológicas, fato que Langer (2006) atribui não 
somente à influência do referencial cristão e civilizador do escritor, mas também ao 
maior tempo de penetração da escrita latina na sociedade escandinava, que interferia 
drasticamente nas formas de se ordenar e transmitir os antigos mitos. 
Portanto, segundo Langer (2006), as narrativas de ambas as Eddas foram 
preservadas pelos cristãos, mas refletem diferentes momentos de mudança das 
narrativas orais para o registro escrito. Dessa forma, a Edda Poética consiste em um 
conjunto muito menos uniforme, já que foi compilada ainda no período inicial do 
advento do cristianismo e da escrita latina na Escandinávia e, assim, apresentava ainda 
vivas as variações narrativas da cultura oral. Já a Edda em Prosa apresentava algumas 
12 
diferenças nesses aspectos, sobretudo, conforme mencionado, devido ao caráter tardio 
de sua escrita, momento em que cristianismo e letramento já haviam sido mais 
consolidados em solo Escandinavo: 
 
 
A extrema racionalização da obra de Sturluson foi devido a outro momento 
desse processo, já quase definitivo em termos de impacto social, ordenamento e 
alfabetização – as narrativas um estado mais unificado, fixo e controlado tanto 
pela Igreja quanto pelos intelectuais (Langer, 2006, p. 54). 
 
 
Em comparação com a Edda Poética, pode-se dizer, então, que a Edda de Snorri 
se distancia, de certa forma, de um mero relato vivo da mitologia nórdica, apresentando 
um conjunto narrativo mais unificado e racionalizado, produto que denota as influências 
do contexto social de sua produção. Afinal, como enfatizado por Jonsson (1991) a 
respeito da poesia oral, é natural que ela mantenha sua característica de oralidade ao ser 
transmitida, motivo pelo qual é raramente passada para a escrita sem que aja alguma 
incitação de fins intelectuais ou racionalistas. 
13 
I.III O autor segundo a Psicologia Analítica 
 
 
 
Jung chegou a debruçar-se sobre o fenômeno da literatura ao explicar que, como 
psicólogo, a força imagística da poesia -embora pertencente ao campo da estética- lhe 
interessava. Segundo ele, essa força imagística é também um fenômeno psíquico, e, 
como tal, deve ser considerada também pelo psicólogo (Jung, 2013). A alma, como mãe 
de toda ciência e paralelamente vaso matricial da criação artística poderia oferecer, às 
ciências da alma, que elas pudessem ajudar no tocante ao estudo da estrutura 
psicológica de uma obra de arte, e, por outro, explicar as circunstâncias psicológicas do 
homem criador. Estas duas tarefas, no entanto, são diferentes em essência. 
Ao ser investigada pela psicologia (desde que o material para tal esteja 
disponível), a psicologia pessoal do criador revela certos traços em sua obra, mas não a 
explica. O estado atual da psicologia não permite de forma alguma que se estabeleça, no 
campo dos trabalhos literários, encadeamentos exatos de causa e efeito. No entanto, ela 
é capaz de revelar certos encadeamentos causais estritos no domínio psicológico, 
fornecendo descrições pormenorizadas dos acontecimentos psíquicos relacionados aos 
complexos e arquétipos (Jung, 2013). 
Na obra de caráter literário a descrição dada pelo autor sobre os fatos que 
pretende narrar, ainda que possa parecer alheia a qualquer intenção psicológica, é do 
maior interesse para o psicólogo. Afinal, toda a narração se edifica sobre um pano de 
fundo psicológico inexpresso e o olhar crítico irá distinguí-lo com tanto maior pureza e 
clareza quanto mais o autor estiver inconsciente de seus pressupostos. Um cuidado a ser 
tomado, conforme explicita Jung (2013), é que, no que diz respeito à obra de arte, ela 
nunca deve ser confundida com aquilo que seu poeta tem de pessoal, por mais que sua 
obra esteja, certamente, permeada de pessoalidade. É indubitável, diz ele, que a visão do 
poeta seja uma vivência originária autêntica, apesar de qualquer (tentativa de) 
14 
racionalismo vinda de si. A obra, portanto, não é algo de derivado, nem de secundário, e 
muito menos um mero sintoma; é um símbolo real, a expressão de uma essencialidade 
desconhecida (Jung, 2013). 
Uma das categorias em que esse racionalismo é superado por tendências 
inconscientes de manifestação simbólica é o uso de figuras mitológicas como 
expressões da experiência íntima do autor (Jung, 2013). Mesmo os autores que se 
esforçaram por compilar e registrar materiais mitológicos pertencentes ao seu contexto 
histórico-social – mesmo que estes estivessem num passado histórico, antes do autor 
propriamente dito estar vivo – podem ter revelado lapsos do inconsciente em sua obra: 
um alinhamento ou identificação de seu inconsciente com certos símbolos arquetípicos 
pode ter feito com que, ao escrever os mitos reunidos, acabasse por enfatizá-los em 
detalhes, por exemplo. O poeta acaba por criar, conforme afirma Jung (2013), a partir da 
vivência originária - cuja natureza obscura necessita das figuras mitológicas – essa 
busca ávida pelos símbolos e temas que lhe são afins para, então, exprimir-se por meio 
deles. Esta vivência originária é um pressentimento profundo e poderoso que quer 
expressar-se, é um símbolo vivo, um turbilhão que se apodera de tudo o que se lhe 
oferece, imprimindo-lhe uma forma visível. Nesta relação, tanto mais fortes sejam esses 
símbolos internos, tanto mais força fará o inconsciente para esvaí-los em expressões 
externas. 
Para Jung (2013), o papel da psicologia poderá ser, então, o de elucidar a 
essência dessa manifestação múltipla de pessoalidade (consciente) e essencialidade 
(inconsciente), principalmente através da terminologia e de materiais comparativos. O 
que aparece na visão é muitas vezes, com efeito, imagem do inconsciente coletivo, ou 
seja, da estrutura inata e peculiar dessa psique que constitui a matriz e a condição prévia 
da consciência. Neste processo, pode-se dizer que, 
15 
Sempre que o inconsciente coletivo se encarna na vivência e se casa com a 
consciência da época, ocorre um ato criador que concerne a toda a época; a obra 
é, então, no sentido mais profundo, uma mensagem dirigida a todos os 
contemporâneos. (...) Todas as épocas têm sua unilateralidade, seus preconceitos 
e males psíquicos. Cada época pode ser comparada à alma de um indivíduo: 
apresenta uma situação consciente específica e restrita, necessitando por esse 
motivo de uma compensação (Jung, 2013, p.153, grifos do próprio autor). 
 
 
Esta compensação é fornecida pelo inconsciente coletivo que, mediante 
subterfúgio de um poeta ou algum outro tipo de visionário, fará com que seja exprimido 
o inexprimível de uma época. Por esse motivo -essa relevância- é que Jung (2013) 
afirmou que, no caso da poesia, sua essência consiste em elevar-se acima do aspecto 
pessoal, rumo ao coração e espírito da humanidade. Os elementos pessoais constituem, 
na obra, limitações, “vícios da arte”. Uma arte que fosse única ou essencialmente 
pessoal mereceria ser tratada como uma neurose. 
Todo ser criador apresenta certa dualidade que constitui um paradoxo em termos 
de qualidade. Acontece que ele é, por um lado, uma personalidade humana, e, por outro, 
um processo criador e impessoal. Enquanto homem, ele pode ter uma série de 
características, funcionar, por exemplo, de modo saudável e doentio, mas sua psicologia 
pessoal pode e deve ser explicada de um modo pessoal. Contudo, enquanto artista, ele 
não poderá ser compreendidoa não ser a partir de seu ato criador. É por esse motivo que 
Jung (2013) atribui ao artista, no mais alto sentido, o lugar de homem coletivo, portador 
e plasmador da alma inconsciente e ativa da humanidade. 
Na obra do poeta serão identificáveis, então, não apenas indicações semióticas 
ou alegorias há muito conhecidas, mas símbolos, expressões de dados vivos, antigos e 
atuantes de sua própria época. Estes dados são, muitas das vezes, os arquétipos (Jung, 
16 
2013). Torna-se importante ressaltar que arquétipo nenhum é, em si mesmo, nem bom, 
nem mau. Só através de sua confrontação com o consciente é que ele irá se tornar uma 
coisa ou outra, ou, então, uma dualidade de opostos. Portanto, “esta inflexão para o bem 
ou para o mal é determinada consciente ou inconscientemente pela atitude humana do 
sujeito. São numerosas as imagens primordiais desta espécie.” (Jung, 2013, p.160). 
Estes símbolos e imagens ficam por muito tempo sem se manifestar em determinadas 
sociedades e momentos históricos, até que a consciência acaba se extraviando numa 
atitude unilateral e, por consequência, falsa. Quando isto acontece a nível coletivo, 
constituindo um sintoma, os instintos do inconsciente são vivificados e delegam suas 
imagens aos sonhos dos indivíduos da comunidade e às visões dos artistas e visionários, 
que voltarão a expressar tais símbolos, na busca de um equilíbrio anímico. Este 
processo é uma espécie de homeostase psíquica do coletivo (Jung, 2013). 
Diz-se, então, que as necessidades anímicas de um povo são satisfeitas na obra 
do poeta, e justamente por esse motivo ela significa verdadeiramente para seu autor, 
estando ele consciente disso ou não, mais do que seu próprio destino pessoal. Jung 
(2013) afirma que, portanto, o segredo da criação artística e de sua atuação consistem 
precisamente nessa possibilidade de reimergir na condição originária da participation 
mystique. Nesse plano, vimos que não é o indivíduo nem o artista pessoal isolado, mas o 
povo que vibra com as vivências simbólicas manifestas. Não se trata mais das alegrias e 
dores do indivíduo, a obra torna-se impessoal e objetiva, pertencente a toda a 
humanidade, expressando-se de acordo com cada contexto sócio-histórico em questão. 
Segundo este conceito, a personalidade do poeta é secundária em relação ao que ele 
representa como ser criador. 
17 
I.IV Os arquétipos 
 
 
 
Conforme visto anteriormente, a noção de arquétipo está intimamente ligada à 
de inconsciente coletivo, bem como à relevância do estudo da mitologia para a 
Psicologia Analítica. Para Pieri (2002), os arquétipos são formas e categorias 
responsáveis por regular o espírito humano, um “modelo” das coisas sensíveis que 
existem na mente do homem e que se apresentam enquanto predisposições originárias. 
Em seus pressupostos, Freud (2014) já havia mencionado algo semelhante. Ao 
se levantar a discussão em torno dos sonhos que traziam imagens e associações 
análogas à ideias, mitos e ritos primitivos, o psicanalista nomeou essas imagens oníricas 
de resíduos arcaicos. No entanto, o psicanalista não deteve sua atenção sobre tais 
resíduos, descartando sua importância para (e na) análise, pois, segundo ele, estes eram 
meramente elementos psíquicos que sobreviviam na mente humana desde tempos 
imemoriais, ou seja, resquícios que deveriam ser tomados como tal (Jung, 2008). 
Portanto, segundo a visão freudiana, o inconsciente era simples apêndice do consciente, 
um depósito que guardava seus resíduos sem utilidade. 
Jung, no entanto, apresentou uma visão oposta à de Freud no que diz respeito ao 
inconsciente. Ele narra como constatou, ao acompanhar os próprios pacientes, o modo 
como certas associações e imagens estavam presentes no inconsciente, sobretudo nos 
sonhos, fosse o paciente instruído ou analfabeto, inteligente ou obtuso. Este fato levou 
Jung a postular que o inconsciente não continha, na verdade, meros “resíduos” sem vida 
ou significação, na verdade, muito pelo contrário: que estes resíduos apresentavam 
associações “históricas”, elos entre o mundo racional da consciência e o mundo do 
instinto (Jung, 2008). 
A teoria analítica de Jung foi, então, caminhando aos poucos para a percepção de 
que muitos dos símbolos que influenciam o homem não são de origem individual, mas 
18 
coletiva. As imagens religiosas detinham um lugar especialmente relevante nesse 
aspecto. O crente atribui aos símbolos e imagens religiosas uma origem divina, produto 
de uma revelação feita ao homem, enquanto que o cético garante que foram inventadas. 
Mesmo não estando nenhum dos dois errados, também não estão inteiramente certos 
(apesar dos conceitos religiosos serem objeto de cuidadosa elaboração consciente ao 
longo dos séculos, também não deixam de ter a origem envolta em mistérios do 
passado). No entanto, uma categoria destes símbolos é inegavelmente importante: o fato 
de que eles são representações coletivas. 
O objetivo de tal estudo não é, por exemplo, averiguar a veracidade no contexto 
criacional dos objetos, mas analisar o modo como os indivíduos respondem à sua 
influência. A problematização se estende, então, para além da questão do alinhamento 
religioso ou do dualismo acreditar/não acreditar. Justamente o que caracteriza os 
símbolos é o fato de que os mesmos, em determinada sociedade e contexto histórico, 
recebem uma carga afetiva que é reconhecida socialmente. Conforme Frog (2015) 
explica, mais especificamente sobre os símbolos integrantes de uma mitologia ou 
sistema religioso, estes símbolos podem ser descritos como investidos de carga afetiva 
justamente porque sua capacidade de significar e influenciar os indivíduos inseridos em 
sua sociedade é reconhecida socialmente. 
Uma característica importante sobre o funcionamento desses símbolos é que a 
influência que causam nos indivíduos não depende de um entendimento consciente e 
racional que as pessoas façam deles. Um exemplo bem ilustrativo trazido por 
Kamppinen (1989), é o da pessoa que não “acredita” em fantasmas, mas que, sozinha e 
trancada à noite em uma casa supostamente assombrada, pode muito bem ser capaz de 
sentir medo. Outro aspecto interessante sobre a extensão da influência dos símbolos é 
que esta não depende de um alinhamento pessoal consciente com a carga afetiva que o 
símbolo traz. Um ateu pode muito bem responder de maneira positiva ao simbolismo do 
19 
martírio presente em algum material literário, por exemplo. É precisamente o fato de 
que os símbolos podem ser apontados e reconhecidos como dotados e investidos de 
carga emocional que permite que sejam usados e manipulados numa sociedade (Frog, 
2015). 
O arquétipo seria, então, justamente esta tendência a formar as mesmas 
representações de um motivo significativo sem que perca sua configuração original, por 
mais que estas representações possam ter inúmeras variações de detalhes de acordo com 
a sociedade e o momento histórico estudados (Jung, 2008). Eles representam, na 
verdade, o que Jung definiu como tendências instintivas para representar certos temas e 
imagens simbólicas. 
Quanto mais pesquisamos as origens de uma imagem coletiva, mais vamos 
descobrindo uma teia de esquemas de arquétipos aparentemente interminável que, antes 
dos tempos modernos, nunca haviam sido objeto de reflexões mais sérias. 
Paradoxalmente, Jung (2008) aponta que, apesar de sabermos mais a respeito dos 
símbolos mitológicos hoje em dia do que qualquer outra geração que nos precedeu, 
nunca estivemos tão distantes do entendimento original sobre os mesmos. Hoje em dia, 
com toda a ciência e metodologia, estuda-se o mito, analisa-se o mito. Nos tempos 
passados, os homens não pensavam em seus símbolos, mas os viviam e eram 
inconscientemente estimulados pelo seu significado, o que torna nosso esforço atual de 
tentar compreender sua carga afetiva em algo ainda mais árduo, principalmente 
considerando-se a mudança em nosso modode abordá-los. 
20 
I.V Os símbolos 
 
 
 
Para realizar a investigação dos símbolos presentes no material a ser estudado, 
nos apoiaremos nos estudos do símbolo apresentados por Mircea Eliade. Antes de 
partirmos para a definição e conceituação dos símbolos, é relevante que se ressalte 
justamente a importância que a psicologia profunda e a psicanálise trouxeram – ou 
melhor, ressuscitaram – no que diz respeito ao papel dos símbolos. A consolidação de 
certas palavras como imagem, símbolo e simbolismo nunca havia acontecido de 
maneira tão forte antes da psicanálise fazer delas seu objeto de estudo. Paralelamente, 
estudos em antropologia buscavam por meio de suas pesquisas desenvolver uma 
sistemática sobre o mecanismo das “mentalidades primitivas”, o que acabou por 
apontar, também para eles, a importância do simbolismo para o pensamento arcaico, 
bem como seu papel fundamental na vida das sociedades tradicionais (Eliade, 2012). 
Com a superação do positivismo e cientificismo, modelos de ciência vigentes no 
século XIX, surge a atenção voltada para o estudo dos símbolos como um modo de 
conhecimento autônomo. Redescobriu-se, então, o valor cognitivo dos símbolos, o que 
possibilitou uma nova abertura para as descobertas relacionadas ao irracional, ao 
inconsciente, ao simbolismo, às experiências poéticas, às artes exóticas, etc. Dessa 
maneira, por meio do lento e gradual avanço do estudo autônomo dos símbolos, tornou- 
se possível discutir algo que antes era inimaginável para o cientificismo: “que o 
símbolo, o mito, a imagem pertencem à substância da vida espiritual, que jamais 
podemos camuflá-los, mutilá-los, degradá-los, mas que jamais podemos extirpá-los." 
(Eliade, 2012, p. 7). O estudioso também aponta que os símbolos oriundos das 
mitologias, tradições e religiões puderam resistir ao descrédito e ceticismo do século 
XIX, apesar de enfraquecidos, mas resistiram a essa hibernação, especialmente por meio 
da literatura. 
21 
Outro aspecto acerca dos símbolos que foi desmistificado é que o pensamento e 
o alinhamento simbólico não são características exclusivas das crianças, poetas e 
desiquilibrados. Conforme Eliade (2012) afirma, o símbolo é consubstancial ao ser 
humano, precedendo a linguagem e a razão discursiva. Mesmo multifacetados, os 
símbolos possuem uma interface que demonstra grande capacidade de revelar 
determinados aspectos do real, os mais profundos deles, desafiando outros meios de 
conhecimento lógicos e racionais que não conseguem chegar lá. Entendemos, então, que 
as imagens, símbolos e mitos não são meras criações irresponsáveis da psique; elas 
respondem a uma necessidade de preenchimento de uma função. Essa função seria a de 
revelar as mais secretas modalidades do ser, partindo-se do princípio de que cada ser 
histórico traz em si uma grande parte da humanidade anterior à História. 
Não estamos partindo de nenhum princípio que negue a história ou sua 
importância no estudo dos símbolos e das religiões, já que o mundo cultural, social e 
histórico é de relevância inegável quando estudamos essa ou aquela religião ou suas 
interações e intercâmbios. A diferença reside no enfoque, pois o estudo dos símbolos 
como ciência autônoma visa, conforme proposto por Eliade (2012), resgatar essa parte 
a-histórica do ser humano, trazida por ele como uma medalha, a marca de uma 
existência mais rica, anterior, mais completa e quase beatificante. 
Ao falarmos dessa parte a-histórica do homem, não estamos necessariamente 
ressaltando um retrocesso a algum estado animal da humanidade. Para Eliade (2012), 
na verdade, nas inúmeras vezes em que o Homem se reintegra pelas imagens e símbolos 
ele está utilizando de um estado paradisíaco do homem primordial. Nesse aspecto, não 
importa a existência concreta deste homem que se alinha com os símbolos, mantendo 
em mente que o homem primordial apresenta-se, acima de tudo, como um arquétipo 
impossível de realizar-se plenamente em uma existência qualquer. Portanto, ao escapar, 
por meio dos símbolos, de sua historicidade, o homem não está abdicando da qualidade 
22 
de ser humano e se perdendo na animalidade, mas reencontrando a linguagem e a 
própria experiência de uma espécie de “paraíso perdido” (Eliade, 2012). 
Aqueles símbolos presentes no inconsciente são, a princípio, muito mais 
“poéticos”, “filosóficos” e “míticos” do que a vida consciente. Em consonância com 
Jung, Eliade (2012) reafirma que nem sempre é necessário conhecer a mitologia para 
viver os grandes temas míticos. Apesar dos vários monstros e bestas que circulam por 
nosso inconsciente, eles não são os únicos vivendo lá. Ele é também a morada dos 
deuses, das deusas, dos heróis e das fadas; e, aliás, os próprios monstros que assombram 
o inconsciente são também mitológicos, pois continuam a preencher, por meio dele, as 
mesmas funções que tinham em todas as mitologias: em última instância, ajudar o 
homem a libertar-se, aperfeiçoar sua iniciação. 
Outro aspecto dos símbolos e imagens que merece nossa atenção é a sua 
estrutura multivalente. Se o espírito e o inconsciente utilizam de certas imagens para 
captar e demonstrar ao indivíduo a realidade profunda das coisas, é exatamente porque 
essa realidade se manifesta, no concreto daquele indivíduo, de maneira contraditória, e 
consequentemente não poderia ser expressa por conceitos racionais. Portanto, devido a 
essa capacidade flexível de manifestarem-se de acordo com a necessidade do indivíduo, 
os símbolos não podem ser estudados de acordo com uma única realidade que podem, 
no momento, estar apontando: este aspecto não representa o símbolo em si e em toda 
sua totalidade. A busca, conforme aponta Eliade (2012), está na imagem em si, 
enquanto conjunto de significações. Esse conjunto é que representa a imagem 
verdadeira, e não qualquer de suas facetas separadas do resto: uma única das suas 
significações ou um único dos seus inúmeros planos de referências, separados do todo, 
nunca podem ser tidos como uma representação fiel da imagem. Concluímos, assim, 
que, no plano da dialética da imagem, toda redução exclusiva constitui uma aberração. 
23 
Uma propriedade dos símbolos que também se mostra importante é o fato de que 
eles nunca deixam de estar presentes na psique do indivíduo, por mais que possam estar, 
em certa medida, adormecidos. A pessoa mais pragmática e realista não deixa de viver 
por meio de imagens: os símbolos jamais desaparecem da atualidade psíquica, podendo 
até mesmo mudar de aspecto, mas sua função mantém-se íntegra (Eliade, 2012). 
Dentre os psicólogos que se debruçaram sobre o estudo das imagens e símbolos, 
Jung foi o que mostrou mais claramente até que ponto os dramas do mundo moderno 
derivam não só de crises políticas e econômicas, mas também de um profundo 
desequilíbrio da psique, o que engloba os âmbitos individual e coletivo. Um dos efeitos 
consequentes desse fenômeno é a esterilização da imaginação. Eliade (2012) explica 
que imaginação, etimologicamente, está ligada a imago – “representação”, “imitação” – 
e a imitor – “imitar”, “reproduzir” -. A imaginação, por sua vez, fica encarregada de 
imitar certos modelos exemplares, que seriam justamente as imagens, buscando 
reproduzi-los, reatualizá-los e repeti-los indefinida e infinitamente. Dessa forma, as 
imagens são responsáveis por nos fornecer visões do mundo em sua totalidade, pois: 
 
 
(...) as imagens têm o poder e a missão de mostrar tudo o que permanece 
refratário ao conceito. Isso explica a desgraça e a ruína do homem a quem ‘falta 
imaginação’: ele é cortado da realidade profunda da vida e de sua própria alma 
(Eliade, 2012, p. 16). 
 
 
Os pontos supracitados a respeito dos símbolos servem para demonstrar que o 
estudo autônomo dos símbolos e imagens interessa ao psicólogo, ao antropólogo e ao 
historiador das religiões porque contém, em si, o conhecimento envolvendo o homem. 
Difundidos ou descobertosespontaneamente, os símbolos, mitos e ritos nos revelam 
sempre uma situação-limite do homem, superando sua situação histórica. Por situação- 
24 
limite, Eliade (2012) entende aquelas situações em que o homem descobre-se tomando 
consciência de seu lugar no Universo. Portanto, ao chamarmos a atenção para a 
sobrevivência dos símbolos e temas míticos na psique do homem e ao mostrar que a 
redescoberta espontânea que cada indivíduo faz dos arquétipos do simbolismo arcaico é 
algo comum a todos os seres humanos, não diferindo, em natureza, entre diferentes 
raças e tempos históricos, a psicologia profunda empoderou o entendimento que 
fazemos do homem enquanto um símbolo vivo. 
Para melhor definição do conceito de símbolo, nos alinharemos ao conceito de 
Silveira (2011), ao afirmar que em todo símbolo está sempre presente a imagem 
arquetípica como fator essencial, que se junta a outros elementos para construí-lo. 
Assim sendo, o símbolo se constitui enquanto forma altamente complexa onde se 
reúnem opostos numa síntese que vai além das capacidades de compreensão disponíveis 
no momento presente e que, portanto, não pode ser muito presa e formulada dentro de 
conceitos. 
Nos símbolos, portanto, consciente e inconsciente aproximam-se, e nesse 
momento ocorre a convergência de todas as possibilidades semânticas, tornando os 
símbolos, então, unidades multifacetadas de significações. É relevante ressaltar o fato de 
que, de uma parte, o símbolo é uma unidade racional e possui um lado acessível à 
discussão, análise e à razão; mas, de outro, possui uma constituição inconsciente e 
primitiva (Silveira, 2011). De acordo com Jung (2008), o símbolo não oferece 
explicações por si só, mas impulsiona aquele que entra em contato com ele para algo 
que vai além de si mesmo, na direção de um sentido ainda distante, inapreensível, 
“obscuramente pressentido” e que nenhuma palavra de língua falada poderia exprimir 
com maior exatidão, sensibilidade ou de maneira satisfatória. 
Portanto, segundo Silveira (2011), o conceito junguiano de símbolo situa-o 
enquanto unidade de ação mediadora que constitui uma tentativa de encontro entre 
25 
opostos movida pela tendência inconsciente à totalização. Dessa forma, o símbolo é 
uma linguagem universal infinitamente rica, capaz de exprimir, por meio de imagens, 
muitas das coisas que transcendem problemáticas específicas dos indivíduos. De acordo 
com essa visão, os símbolos atuam como unidades coletivas e transpessoais que 
totalizam e universalizam a experiência de certos sentidos, tornando-os acessíveis por 
meio de imagens. 
26 
CAPÍTULO II: O GYLFAGINNING, A EDDA EM PROSA E SEU AUTOR 
 
 
 
II. I A Edda em Prosa 
 
 
 
Foi provavelmente no ano de 1220 D.C que Snorri Sturluson escreveu a sua 
Edda, chamada Edda em Prosa (Langer, 2015). É comum conferir a ela também o nome 
Snorra Edda, ou seja, “Edda de Snorri”, visto que sua autoria costuma ser atribuída a 
esse político islandês do século XIII (Boulhosa, 2004). Essa suposta autoria conferida 
comumente à Snorri Sturluson aparece em apenas um manuscrito medieval, o 
manuscrito DG 11, conhecido também como Codex Upsaliensis (U). A Edda em Prosa 
também circulou durante a Idade Média através de outros manuscritos, como o GKS 
2367 4º, o Codex Regius (R), e o AM 242, ou Codex Wormianus (W), porém, nesses 
dois, de maneira anônima (Boulhosa, 2004). 
Este último fato mencionado leva muitos acadêmicos contemporâneos a 
demonstrarem certo ceticismo em relação ao posicionamento tradicional de atribuir a 
autoria da Edda em Prosa a Snorri Sturluson (Langer, 2015). Contudo, ainda assim 
vigora a transferência dessa autoria fixa e imutável à Edda em Prosa, o que leva os 
estudiosos a estabelecerem e trabalharem com a ideia de um “texto original” que seria, 
conforme explica Boulhosa (2004), aquele texto escrito pelo punho do próprio autor, 
sem intervenção de copistas desatentos ou criativos. Assim, ao estudar-se a Edda em 
Prosa, tende-se a ser escolhido como material para estudo o Codex Regius (o manuscrito 
R) que seria, em tese, a representação do suposto texto original. 
 
O conteúdo da Edda em Prosa apresenta um dos mais completos relatos da 
mitologia nórdica de que dispomos nos dias atuais, além de ser um extensivo manual de 
versificação escáldica (Moosburger, 2011). Esta era uma técnica de composição 
presente na poesia escáldica, uma forma de arte poética cujo auge foi durante a Era 
27 
Viking, período que teve início antes de 800 D.C e estendeu-se por mais de dois séculos 
e durante os quais os Vikings deixaram suas marcas na Europa Ocidental, na Rússia 
Oriental e também através do Mediterrâneo (Bronsted, 2004). No entanto, segundo 
Moosburger (2011), devido às profundas transformações culturais e espirituais que 
envolveram o mundo nórdico após a consolidação do cristianismo em suas terras, toda 
essa tradição mítica e poética ancestral corria o risco de ser esquecida, sendo esse um 
dos motivos pelos quais Snorri Sturluson resolveu compilá-los e preservá-los em sua 
obra. 
Quanto à origem dos poemas presentes na Edda, nota-se que estes existiam em 
formato de oralidade por várias gerações antes que alguém se propusesse a escrevê-los, 
e, de maneira geral, todos os poemas que a constituem são fortemente pagãos em 
essência, ou seja, de caráter politeísta e não dogmático (Bellows, 2014). Afinal, 
conforme afirma Boyer (1987), citado por Cohat, (1992), no período em que os mitos 
narrados na Edda em Prosa circulavam originalmente a escrita ainda não havia sido 
introduzida no norte da Europa, tendo chegado àquela região juntamente ao 
cristianismo, por volta do ano 1000. É por esse motivo que, até a chegada do alfabeto e 
a da escrita latinos, a poesia posteriormente encontrada nas Eddas era a princípio feita 
para ser memorizada e recitada: motivo pelo qual passou por adaptações posteriores 
para que fosse escrita. 
Aliás, uma característica marcante da obra é justamente sua relação com o 
cristianismo, visto que foi a cristianização da Escandinávia que trouxe o início do 
letramento, tornando possível o registro, via escrita, dos mitos de seu passado pagão 
(Palamin, 2011). Dessa forma, a Edda em Prosa tinha por “objetivo básico ser um 
manual de mitologia para os jovens poetas, numa época em que as antigas metáforas 
poéticas e narrativas míticas estavam sendo esquecidas” (Langer, 2015, p.143). 
28 
A Edda em Prosa é composta por um prólogo seguido por três capítulos: 
Gylfaginning, Skáldskaparmál e Háttatal, respectivamente. Os dois últimos, se 
considerados juntos, constituem uma artes poeticae, ou seja, um manual de técnicas de 
composição da poesia escandinava da época (Boulhosa, 2014). No capítulo 
Skáldskaparmál, cujo significado é “Dicção Poética”, a personagem Ægir parte a 
caminho de Asgard e lá encontra Bragi, com quem tem um longo diálogo sobre toda a 
arte poética: trata-se de um modo de Snorri Sturluson elucidar sobre os sinônimos 
(heiti) e metáforas (kenningar) que poderiam ser usados pelos poetas escaldos 
(Boulhosa, 2014). O terceiro capítulo, Háttatal, significa “Lista de Métricas” e constitui 
uma sistematização da linguagem poética espalhada em 102 estrofes redigidas em cem 
métricas diferentes com o intuito de servir como exemplificação de possibilidades 
métricas na poesia (Boulhosa, 2014). 
Por sua vez, o primeiro capítulo, o Gylfaginning (o embuste de Gylfi), retrata um 
desenvolvimento mais sistemático e objetivo da mitologia nórdica. Ele reconta, por 
meio de um diálogo dos deuses com o Rei Gylfi, toda essa mitologia, desde o início dos 
tempos até a destruição e a renovação do mundo (Langer, 2015). Encontramos no 
Gylfaginning temas como a teogonia e a escatologia do(s) mundo(s), além de aventuras 
e acontecimentos relacionados aos principais deuses. É importante ressaltar, também 
conforme apontado por Langer (2015), que o capítulo do Gylfaginning contémcitações 
de um outro material, advindas da Edda Poética. Esta, ao contrário da Edda em Prosa, 
não é da autoria de Snorri Sturluson, mas de caráter anônimo: trata-se de uma coleção 
de poemas, em sua grande parte de caráter mitológico e épico, escritos em nórdico 
antigo, tidos por vários especialistas como a maior fonte para estudo da mitologia 
nórdica (Langer, 2015). 
O prólogo apresentado antes do Gylfaginning consiste em uma tentativa da 
parte de Snorri Sturluson de oferecer uma explicação racional, cristã e evemerista sobre 
29 
as origens da religião pagã nórdica. O evemerismo consiste, basicamente, em uma 
tentativa de se explicar, da maneira mais racional possível, o processo de apoteose de 
homens ilustres, mesmo sendo eles divindades (Brandão, 2001). No caso do prólogo da 
Edda em prosa, a tentativa evemerista constituiu em um esforço de Snorri Sturluson 
para retratar os deuses nórdicos como heróis antigos, que na verdade seriam 
descendentes do Rei Príamo e migraram para o norte da Europa após a queda de Tróia 
(Langer, 2015). 
Por fim, apesar das questões religiosas (conscientes ou não) que permeiam o 
autor e o contexto de escrita da Edda em Prosa, seu autor Snorri Sturluson: 
 
 
foi a primeira pessoa a tratar a mitologia escandinava de uma perspectiva 
acadêmica e a selecionar o material de forma sistêmica. As atitudes de Snorri 
para com os mitos nunca são moralistas, não fazem juízo de valor condenando 
os antigos mitos pagãos, nem equalizadas com os demônios, atitudes típicas de 
sua época (Langer, 2015, p. 143). 
 
O que Boulhosa (2014) nos diz é que precisamos deixar de lado a ideia de que os 
textos medievais estejam fundamentados em um único sistema religioso coerente e 
unificador, refletindo supostamente uma única tradição. Aliás, o que as percepções mais 
recentes nos revelam sobre a Edda em Prosa é que ela não representa uma fonte 
“correta” e original a respeito das narrativas antigas, mas é um produto de sua época, a 
Idade Média Central, criando, assim, uma espécie de “nova” mitologia que é baseada 
tanto na tradição nativa em questão, ou seja, os mitos do passado pagão da 
Escandinávia, quanto no imaginário cristão (Langer, 2015). 
30 
II. II Snorri Sturluson 
 
 
 
Snorri Sturluson (1179 – 1241) foi um islandês envolvido com a pesquisa 
histórica, a poesia e a política, sendo aquele a quem se atribui a autoria da Edda em 
Prosa que, por isso, também é conhecida por Edda de Snorri (Langer, 2015). 
Conforme elucidado por Wanner (2008), Snorri vinha de uma família distinta. 
Seu avô, antes mero fazendeiro, ascendeu até a posição de goði, que seria, grosso modo, 
uma espécie de chefe-sacerdote. Quando seu avô Þorgrímsson morreu, o filho mais 
velho, Sturla, herdou sua posição. Sua fama cresceu conforme executava habilmente 
suas funções de chefe provinciano, até que um dia casou-se com a mulher que seria a 
mãe de Snorri. 
Snorri era o décimo primeiro filho entre sete filhos legítimos e sete filhos 
ilegítimos de seu pai. Aos dois anos de idade, Snorri foi acometido por um evento que 
mudaria sua vida. Naquela época seu pai envolveu-se em uma disputa, durante a qual 
foi atingido no rosto pela esposa do oponente. Após esse acontecimento, resolvera 
cobrar uma reparação extravagante pelo dano sofrido, “advogando” em causa própria, já 
que tinha o poder para fazê-lo. O desentendimento só foi finalmente resolvido quando o 
chefe de uma importante família do sudoeste da Islândia interveio, conversando com 
Sturla e convencendo-o a aceitar uma quantia muito menor do que a que havia pedido 
como reparação. Contudo, esse mesmo chefe ofereceu, como reparação, adotar Snorri e 
deixá-lo sob seus cuidados. E foi dessa forma que a Snorri foi oferecida a oportunidade 
ter crescido e sido educado em Oddi, que, no século XIII, era o maior centro cultural e 
educacional da Islândia (Wanner, 2008). 
De acordo com Langer (2015), depois de adulto, Snorri casou-se com Herdís 
Bersadóttir, tendo administrado as ricas propriedades da família da esposa. Quando seu 
sogro morreu, Snorri herdou sua posição de goðorð, uma posição de chefia islandesa. 
31 
Em 1224 casou-se novamente, desta vez com Hallveig Ormsdóttir e, a partir de então, 
tornou-se um dos homens mais ricos e de maior prestígio político na Islândia, vindo a 
ser lögusögumaðr, um recitador de leis. Esta posição, embora não envolva grandes 
ganhos financeiros diretos, demonstra a dimensão da influência de Snorri em torno das 
estruturas políticas islandesas. 
Entre 1218-1220, fez uma visita à Noruega e conheceu Skúli Bárðarson, tio do 
rei Hákon Hákonarson e administrador de seu reino enquanto o rei ainda não tinha idade 
para administrá-lo por conta própria. Snorri torna-se membro da companhia do rei, 
chegando à posição de maior presença na corte real, sendo adquirida sob a promessa de 
que iria lutar para promover a submissão da Islândia à Noruega. Neste momento, 
utilizou de tamanho prestígio para promover seus próprios projetos na Islândia (Langer, 
2015). 
Portanto, sua educação em Oddi, suas conexões com a corte e o acúmulo de 
prestígio são aspectos ligados à produção intelectual de Snorri. Para Langer (2015), seu 
envolvimento político o colocava em uma boa posição para promover seus interesses 
intelectuais particulares por meio da escrita. 
Não é por menos, então, que tamanha habilidade de Snorri para a escrita é 
considerada por muitos como excepcional. Seu conhecimento acerca das tradições orais 
e o modo como atuavam culturalmente é demonstrado ao longo de sua Edda, como, por 
exemplo, no modo como encaixou, em sua narrativa, referências poéticas e mitológicas 
advindas de outro material, a Edda Poética. Contudo, Frog (2009) comenta que, ao 
longo de sua obra, Snorri não apresenta interesse em meramente registrar e documentar 
de forma sistemática poemas inteiros que existiam originalmente como fenômenos da 
oralidade (com exceção, talvez, do Háttatal), mas sim em citar esses poemas de acordo 
com a relevância que trariam para a semântica e a métrica de seu texto, de modo a 
preencher essa necessidade típica da escrita. 
32 
II. III Resumo e tradução do material 
 
 
 
O objetivo, neste momento, é oferecer uma tradução resumida do Prólogo da 
Edda em Prosa e em seguida de seu primeiro capítulo, a ser analisado nesta monografia, 
o Gylfaginning. Longe de nossa intenção verdadeira ter a pretensão de estar oferecendo 
uma tradução rigorosa, crítica e sistematizada: trata-se apenas de um esforço para tornar 
este material mais acessível para uma primeira leitura, já que não existem, até o 
momento, traduções sérias e acadêmicas da Edda em Prosa para o português. Além 
disso, o leitor poderá se beneficiar desta disponibilidade da obra traduzida e resumida 
aqui quando, no capítulo seguinte, abordarmos alguns símbolos e arquétipos, pois 
poderá voltar ao material em questão e relê-lo em sua fonte. Desta forma, ficará mais 
acompanhar, juntamente da discussão dos símbolos, sua ocorrência no material 
primário. 
A tradução resumida que aqui consta foi feita baseada na tradução do islandês 
para o inglês feita por Arthur Gilchrist Brodeur, via Dover Publications. Optamos, 
assim como este primeiro tradutor, por manter a obra dividida em subcapítulos, 
conforme consta no original. Também nos esforçamos para que a estrutura gramatical e 
sintática fosse mantida simples, em frases curtas, preservando a pontuação da maneira 
como foi escrita pelo autor primeiro. Desta forma, as frases de cunho simples, a 
pontuação e a repetição foram mantidas com tanta fidelidade quanto possível à escrita 
original. 
33 
II. IV Tradução resumida do prólogo 
 
 
 
Snorri Sturluson inicia o prólogo narrando que no começo Deus criou céu e 
inferno e todas as coisas que faziam parte deles, até que, por último, criou dois seres da 
raça humana: Adão e Eva, de quem todas as raças se derivaram. Depois, seusfilhos 
foram se espalhando e se multiplicando até povoarem a Terra. Contudo, conforme o 
tempo foi passando, as raças humanas foram se tornando diferentes umas das outras em 
natureza, pois enquanto umas eram boas e acreditavam no que era justo, outras cederam 
à luxúria do mundo, desrespeitando os comandos de Deus. 
Por essa razão, Deus afogou o mundo e todos os seres vivos que nele existiam, 
com exceção daqueles que estavam na arca com Noé. Após essa inundação, oito 
humanos continuaram vivos e foram eles que repovoaram a terra, e as raças humanas 
deles derivaram. No entanto, aconteceu conforme acontecera antes: quando a Terra 
tornou-se cheia de pessoas e habitada por muitos, toda a sorte de seres humanos 
começaram a amar a ganância, a riqueza e a falsa honra, negligenciando o culto a Deus. 
Como era de se esperar, o domínio do mal chegou a tal ponto que as pessoas não mais 
nomeavam Deus, e dessa forma, ninguém mais poderia contar a seus filhos sobre os 
poderosos milagres e maravilhas Dele. O nome de Deus, portanto, se perdeu, e em 
nenhuma parte do mundo era possível de ser encontrado algum homem em que se 
reconhecessem os traços de seu Criador. 
Mesmo assim, Deus não deixou de oferecer presentes aos homens: concedeu- 
lhes a riqueza e a felicidade para que pudessem gozar de uma vida prazerosa; Ele 
também aumentou sabedoria, para que conseguissem compreender todos os assuntos 
terrenos. Com essa sabedoria os homens foram capazes de reconhecer que a Terra tinha 
certa vida suportada por uma natureza própria dela mesma, e então concluíram que ela 
era extremamente antiga e igualmente poderosa, ela alimentava tudo o que nela vivia e 
34 
também pegava para si tudo o que morria. Dessa forma, deram a ela um nome e 
traçaram o número de gerações que já haviam nela vivido. Aprenderam também algo 
importante com seus anciões: que muitas centenas de anos já haviam se passado desde 
que essa mesma Terra existia, assim como o mesmo sol e as mesmas estrelas no céu, 
mas que, porém, a duração dessas últimas não era igual, já que algumas tinham vida 
mais longa que as outras. 
Por meio desses conhecimentos é que certos pensamentos começaram a ser 
instigados nos homens, como, por exemplo, a ideia de que haveria algum governante 
das estrelas do céu, alguém que ordenasse o curso das coisas de acordo com seu desejo 
e sua vontade, e que, portanto, deveria ser alguém muito forte e cheio de poder. 
Também acreditavam que se ele era capaz de prolongar ou diminuir o curso dos 
principais elementos da natureza, que então ele deveria ter começado a existir antes 
mesmo do que as estrelas do céu, e perceberam que, se ele era capaz de governar o 
curso dos corpos celestiais, então ele também governava o brilho do sol, o orvalho do 
ar, os frutos da Terra e tudo o que dela brotasse, e também os ventos e as tempestades 
dos mares. 
Contudo, os homens não sabiam onde era seu reino, mas acreditavam, a partir 
daquele momento, que Ele governava todas as coisas na terra e no céu, bem como os 
ventos que vinham do mar. Então, decidiram dar nomes a todas essas coisas que 
existiam. Essa crença dos homens mudou de variadas maneiras conforme iam se 
espalhando mundo afora, separando-se uns dos outros e suas línguas foram se 
modificando. Todas as coisas, portanto, eram compreendidas e discernidas pelos 
homens de acordo com a sabedoria terrena, pois o entendimento do espírito não foi dado 
a eles. No entanto, uma coisa eles sentiam: que tudo era criado a partir da mesma 
essência. 
35 
A segunda parte do prólogo nos conta sobre a divisão do mundo em três partes: 
Ao sul a África, a parte quente e intensamente exposta ao sol; do oeste ao norte a 
Europa, cuja parte mais ao norte é tão fria que nenhuma grama cresce do chão e nenhum 
homem suporta habitar; e do norte ao extremo leste, descendo até o sul está a Ásia, onde 
as frutas da Terra crescem mais, e onde há também ouro e jóias. Há também o centro do 
mundo, e assim como a terra lá é amável e melhor em todos os quesitos do que em 
outras partes do mundo, assim são os homens que vivem lá e que foram favorecidos 
com boas características, tais como a sabedoria, a força física, a beleza e todos os tipos 
de conhecimento. 
Conforme narra a terceira parte do prólogo, próxima ao centro do mundo foi 
feita a melhor das moradas, chamada Tróia. Ela era muito mais gloriosa do que as 
outras, tendo sido feita com muito mais habilidade e excedendo tanto em luxúria quanto 
em riqueza, coisas que haviam lá em abundância. Lá existiam doze reinos, cada um com 
seu rei, mas todos governados pelo Grande-Rei. Havia, dentre eles, um rei chamado 
Múnón, que se casou com a filha do Grande-Rei, chamada Tróán, e tiveram um filho 
chamado Trór, que nós conhecemos por Thor. Ele era de uma constituição bela e seu 
cabelo era mais bonito do que ouro. Aos vinte anos de idade ele assassinou seu pai 
adotivo e esposa, pegando para si o reino da Trácia, que hoje nomeamos Thrúdheim. 
Depois, Thor se aventurou mundo afora, tendo ido tão longe quanto os quatro cantos da 
Terra, vencendo, sozinho, as lutas contra todos os gigantes e também contra um Dragão 
(o mais poderoso dos dragões), assim como muitas outras bestas. Na parte mais norte de 
seu reino ele encontrou Síbil, que nós conhecemos por Sif, a profetisa, e se casou com 
ela. O primeiro filho deles foi Lóridi, que teve uma longa linhagem de descendentes 
chegando até Vóden (ou seja, Odin). 
Odin era um homem conhecido por sua sabedoria e por seus grandiosos feitos. 
Possuía o dom da clarividência, assim como sua esposa, Frigg. Por meio desse dom, 
36 
Odin tomou conhecimento de que na parte do norte do mundo seu nome seria exaltado e 
glorificado acima de todos os outros reis. Odin, acompanhado de muitas pessoas, se 
aprontou para viajar fora do reino onde estava rumo ao norte, e durante o caminho 
coisas gloriosas foram acontecendo, de forma que coisas igualmente gloriosas 
começaram a serem ditas sobre ele e seus companheiros, que começaram a ser tomados 
mais por deuses do que por humanos. 
A quarta e última parte do prólogo narra o fim da aventura de Odin. Ele passou 
por outros lugares e fez deles sua morada por um tempo, não sem antes povoá-los com 
sua linhagem, que viria a fundar os reinos da Saxônia, o Império Franco e a Jutlândia. 
Por fim, decidira migrar mais ao norte, para um lugar chamado Suécia, onde o Rei Gylfi 
governava. Quando o rei soube da chegada desses homens da Ásia, que por isso eram 
chamados de Æsir partiu de encontro a eles. Uma vez juntos, Gylfi propôs uma oferta: 
mesmo estando Odin dentro de seu reino, seria concedido a ele todo o poder quanto ele 
alegava ter. Dessa forma, instaurou-se tamanho bem-estar que, em quaisquer terras em 
que eles morassem havia sempre paz e entendimento, e, portanto, as pessoas passaram a 
acreditar que havia sido a chegada de Odin que causara tudo isso, pois percebiam que 
ele e seus companheiros eram diferentes dos outros, tanto em sabedoria quanto no seu 
senso de justiça. 
Odin optara por estabelecer lá uma cidade chamada Sigtún, onde estabeleceu 
chefes assim como havia feito em Tróia, e também delegou doze homens para serem os 
juízes das pessoas, fazendo com que elas obedecessem e respondessem às leis daquela 
terra, leis essas que Odin adotou conforme as de Tróia, de acordo com os costumes de 
lá. Após esse feito, Odin foi mais ao norte, até onde o mar o fizesse parar. Lá ele 
colocou seu filho Sæmingr como rei do que seria, então, o território da Noruega. 
Por fim, ao longo dos tempos os Æsir escolheram mulheres daquela terra para 
serem suas esposas, assim como algumas para casarem com seus filhos. Essas famílias 
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multiplicaram-se e tornaram-se muitas, de modo que seus descendentes espalharam-se 
pela região da Saxônia até o extremo norte do continente e ao leste da Ásia. 
38 
II. V Tradução resumida do Gylfaginning 
 
 
 
I 
 
O Rei

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