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Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 1 de 11 Fosforilação oxidativa Índice 1- Aspetos da estrutura das mitocôndrias com relevância na compreensão do processo de fosforilação oxidativa ..... 1 2- O papel das oxiredútases da cadeia respiratória na regeneração do NAD+ e do FAD ............................................. 1 3- Termodinâmica do processo de oxidação do NADH pelo O2 .................................................................................. 2 4- A atividade dos complexos I, III e IV é o transporte ativo primário de protões em que a componente exergónica são reações redox .................................................................................................................................................................. 2 5- As atividades catalítica e de transporte do complexo I (desidrogénase do NADH) ................................................ 3 6- As atividades catalítica e de transporte do complexo III (redútase do citocromo c) ................................................ 3 7- As atividades catalítica e de transporte do complexo IV (oxídase do citocromo c)................................................. 4 8- A transferência de um par de eletrões entre intermediários do metabolismo que são oxidados pelo NAD+ e o O2 está acoplado com o bombeamento de 10 protões ................................................................................................................ 4 9- As atividades catalíticas da desidrogénase do succinato e da desidrogénase do glicerol-3-fosfato da membrana mitocondrial interna .............................................................................................................................................................. 4 10- A transferência de um par de eletrões entre o succinato (ou o glicerol-3-fosfato) e o O2 está acoplado com o bombeamento de 6 protões ................................................................................................................................................... 5 11- As atividades catalítica e de transporte de protões da síntase de ATP ..................................................................... 5 12- Os processos de transporte transmembrar de ATP, ADP e Pi também envolvem gasto da energia associada ao gradiente eletroquímico ........................................................................................................................................................ 5 13- A razão P:O ............................................................................................................................................................. 6 14- O ADP como fator estimulador da síntase do ATP e da atividade da cadeia respiratória ....................................... 6 15- O ião Ca2+ como fator estimulador da síntase do ATP e da atividade dos complexos I e IV .................................. 7 16- O papel da cínase da creatina na manutenção da concentração de ATP nos músculos ........................................... 7 17- Inibidores dos complexos da cadeia respiratória ..................................................................................................... 7 18- Inibição da síntase do ATP e do trocador ATP/ADP ............................................................................................... 7 19- Desacoplagem entre fosforilação e oxidação por ação do dinitrofenol.................................................................... 8 20- A atividade das UCPs (proteínas de desacoplamento) ............................................................................................. 8 21- As lançadeiras permitem transferir eletrões do NADH citoplasmático para a cadeia respiratória; a lançadeira do glicerol-3-fosfato .................................................................................................................................................................. 9 22- A lançadeira do malato é muito mais complexa que a lançadeira do glicerol-3-fosfato .......................................... 9 23- O número de moléculas de ATP que se podem formar aquando da oxidação completa de uma molécula de glicose 10 1- Aspetos da estrutura das mitocôndrias com relevância na compreensão do processo de fosforilação oxidativa A maior parte do ATP formado durante a oxidação dos nutrientes ocorre nas mitocôndrias que contêm duas membranas: uma externa e outra interna. A membrana externa, porque contém uma proteína denominada porina, permite a passagem livre e inespecífica de moléculas com massa molecular relativamente elevada (5-10 kDa). Este facto permite compreender que o espaço intermembranar seja, funcionalmente, considerado como pertencendo ao citoplasma. A membrana interna é mais seletiva e o transporte de muitas substâncias (como, por exemplo, o piruvato, o malato, o aspartato, o glutamato, o α- cetoglutarato, o citrato, o fosfato, os protões, o ATP e o ADP) depende da presença de transportadores específicos e ocorre a velocidades limitadas pela atividade destes transportadores. 2- O papel das oxiredútases da cadeia respiratória na regeneração do NAD+ e do FAD A oxidação do piruvato (desidrogénase do piruvato), dos ácidos gordos (oxidação em ββββ), da acetil-CoA (ciclo de Krebs) e de muitos outros compostos dá-se à custa da redução do NAD+ ou do Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 2 de 11 FAD (a NADH e FADH2)1 e ocorre na matriz mitocondrial ou na face interna da membrana interna da mitocôndria. As concentrações fisiológicas de NAD+ e de FAD são muito baixas e, na ausência de regeneração rápida das suas formas oxidadas, a oxidação dos nutrientes seria interrompida. A cadeia respiratória é formada por uma série de oxiredútases organizadas em complexos proteicos na membrana interna da mitocôndria e possibilita a regeneração do NAD+ e do FAD. Esses complexos catalisam, no seu conjunto, a oxidação do NADH a NAD+ e do FADH2 a FAD pelo O2 que se reduz a H2O. 3- Termodinâmica do processo de oxidação do NADH pelo O2 O potencial de oxi-redução padrão (ou potencial de elétrodo padrão) de um determinado par oxidante/redutor é uma medida da estabilidade termodinâmica relativa das formas oxidada e reduzida: quanto maior o seu valor maior a estabilidade da forma reduzida relativamente à forma oxidada desse par. O seu valor é, em muitos casos, conhecido e pode ser obtido consultando tabelas. Dentre os compostos envolvidos na cadeia respiratória merecem especial destaque o O2 e o NADH. O valor positivo e elevado do potencial redox padrão do par O2/H2O (Eº’ = +0,815 V) significa que o O2 é um potente oxidante e tem tendência a aceitar eletrões de outros compostos reduzindo-se a H2O. No outro extremo da escala está o par NAD +/NADH cujo baixo (muito negativo; Eº’ = -0,315 V) potencial redox padrão significa que o NADH tem uma grande tendência a ceder eletrões oxidando-se a NAD+. O valor da diferença entre o potencial de oxi-redução padrão do par O2/H2O e o do par NAD+/NADH é de +1,13 V o que permite calcular a Keq (Keq = e(nF∆Eº’/RT); log Keq = n ∆Eº’/0,059) para a reação esquematizada na Equação 1 como sendo de cerca de 1,7 × 1038 atm-1/2. O valor de ∆Gº’ (energia de Gibbs padrão) associado à mesma reação é de -224 kJ por mole de NADH oxidado. Estes dados permitem compreender que o processo de oxidação do NADH pelo O2 tem tendência a ocorrer até ao esgotamento do reagente limitante. Equação 1 NADH + ½ O2 → NAD+ + H2O A velocidade a que o processo ocorre é uma questão diferente e depende da atividade de catalisadores; no caso, a atividade dos complexos proteicos I, III e IV da cadeia respiratória. 4- A atividade dos complexos I, III e IV é o transporte ativo primário de protões em que a componente exergónica são reações redox Catalisadas pelos complexos da cadeia respiratória ocorrem na membrana mitocondrial interna reações de oxi-redução seriadas através das quais o oxigénio oxida o NADH. Cadaum destes complexos é formado por muitas subunidades proteicas, tem massa molecular muito elevada, tem mobilidade lateral e atravessa a membrana interna da mitocôndria no plano transversal mantendo uma orientação fixa nesse plano. Estes catalisadores não são apenas enzimas pois também catalisam o transporte de protões da matriz da mitocôndria para o citoplasma. Os dois processos (oxidação e transporte direcional de protões) estão acoplados: os complexos I, III e IV são bombas que fazem a acoplagem de processos de oxidação específicos (processo exergónico) com o transporte de protões da matriz da mitocôndria para o espaço intermembranar (contra gradiente eletroquímico; processo endergónico). O 1 Há uma diferença importante entre estes dois dinucleotídeos. Enquanto as moléculas de NAD+ (e a sua forma reduzida, o NADH) estão maioritariamente desligadas das enzimas apenas se ligando no decurso do ciclo catalítico, o FAD (e a sua forma reduzida, o FADH2) faz parte intrínseca da estrutura das enzimas e, por isso, designa-se por grupo prostético. Tomando como exemplo a desidrogénase do piruvato (piruvato + NAD+ + CoA → acetil-CoA + NADH + CO2), enquanto o NAD+ é, a par com o piruvato e o CoA, um verdadeiro substrato da enzima, o FAD é um intermediário no ciclo catalítico da enzima. Na intimidade da desidrogénase do piruvato existe uma minicadeia de transferência de eletrões em que os eletrões fluem sequencialmente do piruvato para o lipoato (outro grupo prostético), do dihidrolipoato formado para o FAD e do FADH2 formado para o NAD+ que está transitoriamente presente no centro ativo. Apesar da tradição que persiste em apontar o FAD e o FMN como substratos de algumas enzimas, quer o FAD (dinucleotídeo de flavina e adenina) quer o FMN (mononucleotídeo de flavina) são sempre grupos prostéticos das enzimas onde existem. Se considerarmos a atividade global dessas enzimas (ver, por exemplo, a Equação 8 e Equação 9) é fácil reconhecer que o verdadeiro substrato aceitador de eletrões é sempre outra substância que não o FAD (ou o FMN). Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 3 de 11 transporte de protões é ativo (contra gradiente eletroquímico) e diz-se primário porque a componente exergónica do processo é uma reação química. O mecanismo de bombeamento de protões envolve alterações conformacionais cíclicas nos complexos que ocorrem aquando dos processos de oxidação e de redução dos seus grupos prostéticos. Estas alterações cíclicas decorrem com aumento da afinidade para os protões na face matricial dos complexos seguida de exposição desses protões na face citoplasmática e diminuição da afinidade para os protões neste passo do processo. O gradiente criado pelos complexos I, III e IV é elétrico porque existe uma diferença de potencial entre a matriz (carga negativa) e o espaço intermembranar (carga positiva), mas é também químico porque a concentração de protões é maior (o pH é menor) no espaço intermembranar que na matriz; daí a expressão gradiente eletroquímico. O valor da energia de Gibbs mínima necessária para bombear um protão da matriz para o espaço intermembranar pode ser calculado conhecendo o valor da diferença de potencial (cerca de -0,15 V) e as concentrações de protões dentro e fora da mitocôndria (cerca de 10-7,6 M e 10-7,0 M, respetivamente) e é cerca de 18 kJ/mole de protões bombeados2. Usando o ∆Gº’ da reação representada pela Equação 1 (-224 kJ/mole de NADH oxidado) como a estimativa possível para o valor da energia disponibilizada durante a oxidação de 1 mole de NADH nas condições das células vivas, pode calcular-se que, teoricamente, o máximo de protões que poderiam ser bombeados seria de 12 moles (224 kJ / 18 kJ; ver à frente, pontos nº 11, 12 e 13). 5- As atividades catalítica e de transporte do complexo I (desidrogénase do NADH) O complexo I (que também se designa por desidrogénase do NADH ou oxiredútase do NADH:ubiquinona) contém como grupos prostéticos FMN e complexos ferro-enxofre. O complexo I catalisa a transferência de dois eletrões do NADH para a ubiquinona (ou coenzima Q) formando-se NAD+ e ubiquinol (ou coenzima QH2). A coenzima Q é uma substância hidrofóbica presente na membrana interna da mitocôndria que na forma oxidada (ubiquinona) tem dois grupos cetónicos e na forma reduzida (ubiquinol) dois hidroxilos3. O local de ligação do complexo I com o NADH está voltado para a matriz enquanto que o local que se liga à ubiquinona está mergulhado na membrana mitocondrial interna. De forma acoplada com a reação de oxi-redução, o complexo I também catalisa o bombeamento de protões da matriz para o citoplasma. Embora não seja ainda consensual entre os investigadores que estudam esta problemática [1], o número de protões bombeados quando um par de eletrões reduz a coenzima Q poderá ser de 4; paralelamente dois protões (um cedido pelo NADH e outro com origem na matriz) ligam-se à coenzima Q reduzida. Aceitando estes números, a Equação 2 descreveria as atividades acopladas de oxi-redução e de bombeamento do complexo I. Equação 2 NADH + Q + 5 H+ (dentro) → NAD+ + QH2 + 4 H+ (fora) 6- As atividades catalítica e de transporte do complexo III (redútase do citocromo c) O complexo III (que também se designa por complexo b-c1 ou redútase do citocromo c) contém como grupos prostéticos hemes de tipo c e de tipo idêntico ao existente na hemoglobina (tipo b) assim como complexos ferro-enxofre. O mecanismo reativo e de transporte do complexo III é muito complexo. Simplificando poderíamos escrever que, em termos líquidos, o complexo III catalisa a transferência de dois eletrões do ubiquinol (QH2) para o citocromo c e, de forma acoplada com o processo oxidativo, o bombeamento 2 O ∆G associado ao transporte de um mole de protões contra gradiente elétrico e contra gradiente químico é o que corresponde ao somatório dos dois componentes em causa. No caso do gradiente elétrico o valor pode ser calculado usando a fórmula: ∆G = Z F Ψ; sendo Z a carga do ião (+1, no caso), F a constante de Faraday (96500 Coulomb/mole de eletrões) e Ψ a diferença de potencial em Volts. No caso do gradiente químico a fórmula adequada será ∆G = - RT ln ([H+](matriz)/ [H+](fora); sendo R a constante dos gazes perfeitos (8,314 J /mol Kelvin) e T a temperatura em graus Kelvin. Assim, aceitando os valores apontados, o valor da energia mínima para transportar um mole de protões seria de +18,1 kJ; (1 × 96500 Coulomb × -0,15 V) + (-8,314 J mol-1 K-1 × 310 K × ln (10-7,6/10-7,0). Obviamente que a energia de Gibbs associada à entrada de 1 mole de protões, nas mesmas condições, tem o mesmo valor absoluto e sinal negativo, correspondendo a libertação de energia. 3 Apesar de dois grupos cetónicos serem convertidos a dois hidroxilos, a redução da coenzima Q a coenzima QH2 só envolve dois eletrões porque esta última forma tem mais uma ligação dupla que a primeira. Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 4 de 11 de 2 protões da matriz para o citoplasma; os 2 protões que se libertam do ubiquinol quando este se oxida também são vertidos na face citoplasmática da membrana interna da mitocôndria (ver Equação 3). O citocromo c é uma proteína hemínica (contém heme que é de tipo c) que está presente na face externa da membrana interna da mitocôndria. Na forma oxidada o ião de ferro presente no heme de cada uma das moléculas de citocromo c envolvidas na oxidação de uma molécula de ubiquinol tem carga 3+; quando o citocromo c é reduzido a carga do ião de ferro passa a 2+. Equação 3 QH2 + 2 Cyt c (Fe3+) + 2H+ (dentro) → Q + 2 Cyt c (Fe2+) + 4 H+ (fora) 7- As atividades catalítica e de transporte do complexo IV (oxídase do citocromo c) Por último, o complexo IV (que também se designa por oxídase do citocromo c ou oxiredútase do ferrocitocromo c:oxigénio) contém como grupos prostéticos hemes de tipo a assim como iões decobre. O complexo IV catalisa a transferência de dois eletrões da forma reduzida do citocromo c para o oxigénio e, de forma acoplada com o processo oxidativo, o bombeamento de 2 protões; outros 2 protões da matriz são consumidos na formação de água (ver Equação 4). Equação 4 2 Cyt c (Fe2+) + ½ O2 + 4 H + (dentro) → H2O + 2 Cyt c (Fe3+) + 2 H+ (fora) 8- A transferência de um par de eletrões entre intermediários do metabolismo que são oxidados pelo NAD+ e o O2 está acoplado com o bombeamento de 10 protões O processo oxidativo catalisado pelos complexos envolvidos na oxidação do NADH pelo O2 está acoplado com o transporte de protões da matriz mitocondrial para o citoplasma e o processo de bombeamento cria um gradiente eletroquímico: maior número de cargas positivas (“gradiente elétrico”) e maior concentração de protões (“gradiente químico”) no lado citoplasmático da membrana mitocondrial interna. As Equações 2, 3 e 4 descrevem os processos reativos e de transporte de protões catalisados pelos complexos I, III e IV e o somatório destas equações é a Equação 5: Equação 5 NADH + ½ O2 + 11 H + (dentro) → NAD+ + H2O + 10 H+ (fora) O NADH forma-se em reações de oxi-redução catalisadas por várias desidrogénases mitocondriais que podem ser esquematizadas pela Equação 6: Equação 6 XH24 + NAD+ → X + NADH + H+ (dentro) O somatório da Equação 5 e da Equação 6 (Equação 7) mostra que a transferência de um par de eletrões entre os intermediários do metabolismo oxidativo dos nutrientes que são oxidados pelo NAD+ e o oxigénio está acoplado com o bombeamento de 10 protões da matriz para o citoplasma: Equação 7 XH2 + ½ O2 + 10 H + (dentro) → X + H2O + 10 H+ (fora) Tal como em muitos outros processos celulares (como o catalisado pela ATPase do Na+/K+, por exemplo) um processo com uma enorme tendência para ocorrer num determinado sentido (a oxidação do NADH pelo O2) está acoplado com um processo que não ocorreria na ausência deste acoplamento (o transporte de protões contra gradiente). Ou dito de outro modo, a energia libertada no processo de oxidação do NADH pelo O2 (processo exergónico) permite o bombeamento de protões contragradiente (processo endergónico). 9- As atividades catalíticas da desidrogénase do succinato e da desidrogénase do glicerol-3-fosfato da membrana mitocondrial interna A desidrogénase do succinato é a única enzima do ciclo de Krebs que não está situada na matriz, mas sim na face interna da membrana interna da mitocôndria. Esta enzima contém, como grupos prostéticos, FAD (que é o aceitador primário dos eletrões) e complexos ferro-enxofre e também é designada por complexo II. Dois eletrões do succinato são transferidos para a coenzima Q e não existe, neste caso, transporte acoplado de protões (ver Equação 8). 4 XH2 pode ser, por exemplo, o piruvato, o isocitrato, o α-cetoglutarato e o malato. Nestes casos X seria, respetivamente, o acetil-CoA, o α-cetoglutarato, o succinil-CoA e o oxalacetato. Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 5 de 11 Existem outras enzimas que, tal como o complexo II, também catalisam a redução da coenzima Q pelos respetivos substratos e que também não são bombas de protões. Uma delas é uma desidrogénase do glicerol-3-fosfato que também contém FAD (que é o aceitador primário dos eletrões) como grupo prostético e que se situa na face externa da membrana interna da mitocôndria (ver Equação 9)5. Equação 8 succinato + Q → fumarato + QH2 Equação 9 glicerol-3-fosfato + Q → dihidroxiacetona-fosfato + QH2 10- A transferência de um par de eletrões entre o succinato (ou o glicerol-3-fosfato) e o O2 está acoplado com o bombeamento de 6 protões A oxidação do QH2 (ubiquinol) pelo oxigénio envolve, como já referido, os complexos III e IV que, de forma acoplada, catalisam também o bombeamento de protões. O facto de a oxidação do succinato (e do glicerol-3-fosfato) pelo oxigénio não envolver o complexo I explica que, nestes casos, apenas 6 protões sejam bombeados para o citoplasma (ver Equação 3 e Equação 4 e a respetiva Equação soma, a Equação 10). Nas ações sequenciadas dos complexos III e IV há 6 protões que desaparecem da matriz enquanto 6 protões aparecem no citoplasma. Equação 10 QH2 + ½ O2 + 6H + (dentro) → Q + H2O + 6 H+ (fora) 11- As atividades catalítica e de transporte de protões da síntase de ATP Criado o gradiente eletroquímico acima referido, os protões têm tendência a passar do citoplasma para a matriz mitocondrial e esta tendência é às vezes designada de “força protomotriz”. No entanto, apesar da pequenez da partícula, o processo de entrada de protões para a matriz não ocorre por difusão simples: a carga positiva dos protões impede a sua dissolução nos lipídeos da membrana. Existem proteínas da membrana mitocondrial interna que permitem a entrada de protões acoplando este movimento (a favor de gradiente eletroquímico) com processos reativos que, tendo em conta a razão Keq/QR, não poderiam ocorrer na célula na ausência dessa acoplagem. O mais importante (mas não o único) destes processos é a síntese de ATP que é catalisada pela síntase do ATP (também designada de complexo V). No atual estádio do conhecimento, uma aproximação aceitável para a estequiometria do processo de acoplagem entre o transporte de protões (processo exergónico) e a síntese de ATP na síntase do ATP (processo endergónico) poderá ser 3 protões por ATP [1]; assim, a equação que descreve o processo pode ser escrita como mostra a Equação 11. É de notar que a síntase do ATP é uma hidrólase que opera em sentido inverso ao das outras hidrólases; isto é, na reação catalisada pela síntase do ATP há libertação de H2O enquanto se unem dois compostos. Isto só é possível porque o processo reativo (que é endergónico) está acoplado com a entrada de protões a favor do gradiente eletroquímico (que é exergónico). Equação 11 ADP + Pi + 3 H+ (fora) → ATP + H2O + 3 H+ (dentro)6 12- Os processos de transporte transmembrar de ATP, ADP e Pi também envolvem gasto da energia associada ao gradiente eletroquímico O ATP gerado na matriz da mitocôndria é, na sua maior parte, hidrolisado no citoplasma da célula e é, portanto, também no citoplasma que se gera a maior parte do ADP e o do Pi. Por exemplo, é na face citoplasmática da membrana citoplasmática que ocorre a hidrólise do ATP catalisada pela bomba de Na+/K+ e é também no citoplasma que ocorre a hidrólise do ATP aquando da contração muscular. O 5 Para além desta, existe uma outra desidrogénase do glicerol-3-fosfato a que faremos referência neste texto (ver Equação 17). 6 Porque a troca ADP/ATP (ver ponto 10) é um processo que envolve gasto do gradiente elétrico a razão entre as concentrações de ADP e ATP é maior na mitocôndria que no citoplasma ([ADP]dentro/[ATP]dentro > [ADP]fora/[ATP] fora). Esta razão favorece a síntese de ATP na mitocôndria (ver Equação 11), ou seja, a energia de Gibbs necessária para a síntese de um mole de ATP na mitocôndria é menor que a que se liberta aquando da hidrólise de ATP no citoplasma. De qualquer forma, mesmo que usemos o valor de 50 kJ/mole para a síntese de ATP (o habitualmente utilizado quando se pensa nas condições citoplasmáticas) a energia libertada aquando da entrada de 3 protões é superior à energia utilizada na síntese de 1 mole de ATP (3 × 18 kJ /mole de protões que entra > 50 kJ /mole de ATP sintetizado). Ou seja, entendido como um todo o processo global catalisado pela síntase de ATP tem, como não podia deixar de ser, ∆G´ negativo; o processo exergónico (neste caso a entrada de 3 protões) é mais negativo (-54 kJ) que a reação inversa à de hidrólise do ATP (+50 kJ). Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 6 de 11 transporte de ADP (para dentro da mitocôndria) e de ATP (para fora da mitocôndria) ocorrem por ação de um transportador da membrana interna da mitocôndriaque é um “antiporter” que é frequentemente designado por trocador ATP/ADP (ver Equação 12). O transporte de ADP3- (para dentro) e de ATP4- (para fora) corresponde à saída de uma carga negativa e envolve, por isso, consumo de energia do gradiente elétrico criado pela cadeia respiratória (ver nota de rodapé nº 6). O transporte de Pi (para dentro da mitocôndria) é mediado por um “simporter” sendo o Pi cotransportado com um protão (a favor do gradiente químico; ver Equação 13) e, neste caso, o transporte envolve consumo de energia do gradiente químico criado pela cadeia respiratória. Equação 12 ADP3- (fora) + ATP4- (dentro) → ADP3- (dentro) + ATP4- (fora) Equação 13 Pi + H+ (fora) → Pi + H+ (dentro) Assim, o processo de transporte de 1 Pi e 1 ADP do citoplasma para a matriz da mitocôndria (e a saída de 1 ATP) implica a entrada de 1 protão e envolve gasto do gradiente eletroquímico formado pela atividade dos complexos I, III e IV. Aquando da síntese intramitocondrial de 1 molécula de ATP a “nível do substrato” (ação da sintétase de succinil-CoA), o número de protões que tem de passar do citoplasma para a matriz é 1; na ação da sintétase de succinil-CoA consome-se um Pi (ver Equação 14). Este Pi é indispensável para a síntese de ATP intramitocondrial e é cotransportado com um protão para dentro da mitocôndria por ação do transportador de Pi (ver Equação 13). Equação 14 succinil-CoA + ADP (ou GDP) + Pi → succinato + CoA + ATP (ou GTP) No entanto, no caso de a síntese de ATP envolver a síntase do ATP, o número de protões que entram para a mitocôndria para que 1 ATP possa ser sintetizados será de 4 (= 3+1; 3 que entram na atividade de transporte da síntase do ATP e 1 que entra com o Pi; ver Equação 11 e Equação 13). 13- A razão P:O A razão entre o número de ATPs formados e o número de átomos de oxigénio que são reduzidos na cadeia respiratória designa-se de razão P:O. Durante muitos anos admitiu-se que o valor desta razão era 3 quando o composto oxidado era o NADH e que era 2 quando o processo oxidativo não envolvia o complexo I. No entanto, com os dados que temos vindo a apresentar, podemos calcular valores diferentes para a razão P:O. Se, durante a oxidação de um NADH por um átomo de oxigénio, 10 protões são transportados para o citoplasma e têm de regressar 4 para que se forme 1 ATP, então a saída de 10 protões sustenta a síntese de 2,5 ATPs: quando o complexo I está envolvido a razão P:O seria, assim, 2,5. Um raciocínio semelhante leva-nos à conclusão que, no caso de não estar envolvido o complexo I, a razão P:O é de 1,5. Estes valores são semelhantes às médias obtidas experimentalmente com mitocôndrias isoladas e são também apontados em alguns livros de texto [2, 3]. 14- O ADP como fator estimulador da síntase do ATP e da atividade da cadeia respiratória Todos os processos atrás referidos tais como a hidrólise de ATP, o transporte transmembranar de ADP/ATP, a síntese de ATP e o transporte de protões para a matriz, o transporte de protões para o citoplasma e o conjunto de oxidações e reduções da cadeia respiratória assim como as vias metabólicas em que o NAD+ ou o FAD se reduzem estão intimamente relacionados. Quando a velocidade de hidrólise de ATP aumenta (exercício físico, por exemplo) a sua velocidade de síntese também aumenta de tal modo que a sua concentração se mantém estacionária. Ou seja, quando a velocidade de hidrólise de ATP aumenta também aumenta a velocidade de oxidação de nutrientes e do consumo de oxigénio na cadeia respiratória. A ativação da cadeia respiratória quando há aumento da hidrólise de ATP é, em parte, uma consequência de uma cadeia de fenómenos originados pelo aumento da síntese de ADP e Pi no citoplasma. O aumento da concentração de ADP e Pi estimularia (i) a velocidade de troca ADP/ATP na membrana da mitocôndria (antiporter) e a entrada de Pi (simporter) que estimularia (ii) a velocidade de síntese de ATP e de entrada de protões para a matriz (síntase de ATP) que estimularia (iii) a velocidade de consumo de O2 e a velocidade de saída dos protões para o citoplasma (cadeia respiratória). Ao ativar diretamente a síntase do ATP, o ADP “esbate” o gradiente eletroquímico da membrana (ver Equação 11) diminuindo o peso do componente endergónico na atividade dos complexos I, III e IV (ver Equação 5). Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 7 de 11 O aumento da concentração de ADP (e o consequente aumento na concentração de AMP, via ação catalítica da cínase do adenilato; ver Equação 15) também estimula enzimas chave do ciclo de Krebs e da glicólise estimulando a oxidação dos nutrientes. Equação 15 2 ADP ↔ ATP + AMP 15- O ião Ca2+ como fator estimulador da síntase do ATP e da atividade dos complexos I e IV Um outro fator envolvido na regulação da atividade da cadeia respiratória poderá ser o ião Ca2+ cuja concentração aumenta dentro da mitocôndria quando as células são estimuladas (por exemplo, estimulação do músculo pelo nervo motor). É o aumento da concentração de Ca2+ que induz o músculo a contrair-se e a hidrolisar ATP, mas o Ca2+ também ativa os complexos I e IV e a síntase do ATP, promovendo paralelamente a síntese de ATP [4-6]. 16- O papel da cínase da creatina na manutenção da concentração de ATP nos músculos Nos músculos a distância entre o espaço intermembranar das mitocôndrias (para onde, por ação do trocador ATP/ADP, o ATP é vertido e de onde o ADP é captado) e as miofibrilas (onde maioritariamente ocorre a hidrólise do ATP e a formação do ADP) é, tendo em conta a velocidade de difusão do ATP e do ADP, demasiado grande. Contudo, no caso da fosfocreatina e da creatina (que existem no músculo em concentrações muito mais elevadas que as de ATP e ADP) a velocidade de difusão é muito superior. No espaço intermembranar, a cínase da creatina catalisa a fosforilação da creatina sendo o ATP o dador do fosfato (ver Equação 16). À semelhança do ATP, a fosfocreatina também contém uma ligação “rica em energia” (no caso é uma ligação fosfamida) e a fosfocreatina formada difunde através da porina para o citoplasma. Junto das miofibrilas também existe cínase de creatina mas, neste local, a razão Keq/QR favorece a reação inversa: a fosforilação do ADP pela fosfocreatina (ver Equação 16). A creatina formada difunde da vizinhança das miofibrilas para o espaço intermembranar completando o ciclo. Para além deste papel no “transporte de ligações ricas em energia” a fosfocreatina também tem um papel na manutenção da concentração estacionária de ATP no músculo. Quando a velocidade de hidrólise do ATP acelera aquando do início da atividade contráctil, o mais rápido sistema de resposta na manutenção da concentração de ATP é o sistema fosfocreatina/creatina. Imediatamente após o início da contração, a atividade da cínase da creatina junto das miofibrilas aumenta fazendo com que a razão fosfocreatina/creatina baixe, mas a concentração de ATP mantém-se praticamente inalterada (ver Equação 16). Equação 16 creatina + ATP ↔ fosfocreatina + ADP 17- Inibidores dos complexos da cadeia respiratória É fácil de compreender que substâncias (como por exemplo a rotenona) capazes de bloquear a transferência de eletrões do NADH para a coenzima Q (inibidores do complexo I) impeçam a oxidação dos nutrientes e a síntese de ATP. Adicionada a uma preparação isolada de mitocôndrias a rotenona impede a oxidação do piruvato mas não a de succinato ou de glicerol-3-fosfato. Outras substâncias (como a antimicina A e o cianeto) que bloqueiam a cadeia respiratória num local a jusante da coenzima Q impedem a oxidação do piruvato, do succinato e do glicerol-3-fosfato. O cianeto é um veneno que provoca morte fulminante: ao ligar-se ao complexo IV impedindo a oxidação dos nutrientes (e a redução do O2), impede a síntese de ATP. Em condições basais todo o ATP da célula se esgota em menos de 3 minutos e muito antes de se esgotar já pararam todos os processos que dependem doATP como as atividades das bombas de Na+/K+ e de Ca2+ e a de contração muscular (como a do coração e diafragma). 18- Inibição da síntase do ATP e do trocador ATP/ADP A oligomicina e o atractilosídeo são substâncias usadas em trabalhos experimentais sobre fosforilação oxidativa. A oligomicina liga-se à subunidade Fo da síntase do ATP bloqueando a transferência de protões através da síntase. O atractilosídeo liga-se ao antiporter ADP/ATP impedindo a sua ação (ver Equação 12). Tendo um efeito direto nestes locais, a oligomicina e o atractilosídeo, quando adicionados a preparações de mitocôndrias isoladas, bloqueiam indiretamente a cadeia respiratória. Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 8 de 11 A oligomicina ao impedir o regresso dos protões à matriz faz com que os processos de reação/transporte catalisados pela cadeia respiratória (ver Equação 5) atinjam um estado de equilíbrio parando os processos envolvidos. Ou dito de outra maneira, à medida que, por ação da oligomicina, os protões se vão acumulando no citoplasma mais difícil é a tarefa de bombear protões nos complexos I, III e IV. Porque os processos oxidativos estão acoplados com o de transporte de protões, também a oxidação dos nutrientes fica bloqueada. Na presença de atractilosídeo o ATP acumula-se na matriz, o ADP não pode entrar e sem ADP dentro da mitocôndria não há síntese de ATP. Porque o processo de transporte de protões está acoplado com o da síntese de ATP (ver Equação 11), o efeito final do atractilosídeo acaba por ser idêntico ao da oligomicina. 19- Desacoplagem entre fosforilação e oxidação por ação do dinitrofenol O dinitrofenol é uma substância que, adicionada a uma preparação de mitocôndrias isoladas, permite a oxidação dos nutrientes adicionados ao sistema (piruvato ou succinato) na presença de oligomicina ou atractilosídeo porque permite a passagem de protões para a matriz (a favor do gradiente) através de um mecanismo independente da síntase do ATP. O dinitrofenol é um desacoplador da fosforilação oxidativa porque permite que a cadeia respiratória funcione e a oxidação dos nutrientes tenha lugar na ausência de fosforilação do ADP. A intoxicação com dinitrofenol provoca febre altíssima (podendo chegar aos 46ºC) e a morte [7]. A entrada de protões diminui (pelo menos transitoriamente) o gradiente eletroquímico da membrana da mitocôndria o que ativa os complexos da cadeia respiratória. Por outro lado, sem síntese de ATP são ativadas as enzimas que são inibidas pelo ATP e estimuladas pelo ADP (como a cínase da frutose-6- fosfato, a desidrogénase do piruvato, a síntase do citrato e as desidrogénases do isocitrato e do α- cetoglutarato) e ambos os processos contribuem para o aumento da velocidade de oxidação dos nutrientes. A febre é uma consequência do aumento da velocidade de oxidação dos nutrientes que é um processo exotérmico. A morte sobrevém porque deixa de haver síntese de ATP (ou/e porque a temperatura é demasiado elevada para que se mantenham funcionando de forma adequada os sistemas próprios de um organismo vivo). 20- A atividade das UCPs (proteínas de desacoplamento) Na membrana interna das mitocôndrias do tecido adiposo castanho dos bebés humanos existe uma proteína (termogenina ou Uncoupling Protein 1 – UCP1) que têm um papel semelhante ao do dinitrofenol e permite dissociar a oxidação dos nutrientes do consumo (e da síntese) de ATP. A designação de termogenina tem origem no facto de a ativação da termogenina que ocorre como resposta ao frio (via hormonas tiroideias e sistema nervoso simpático) permitir a produção de calor de forma desproporcional ao gasto de “ligações ricas em energia” do ATP. Até há poucos anos pensava-se que, nos seres humanos adultos, o tecido adiposo castanho era praticamente inexistente, mas dados experimentais mais recentes têm desafiado esta ideia [8-11]. O aumento do metabolismo que ocorre como resposta ao frio ou nas situações em que as hormonas tiroideias estão aumentadas (quer situações patológicas, quer fisiológicas) implica ativação da UCP1 via ativação do sistema nervoso simpático [9-11]. Para além da UCP1 do tecido adiposo castanho, na membrana interna das mitocôndrias dos músculos e de outros órgãos existem proteínas que funcionam de forma semelhante à UCP1, mas cujo papel fisiológico é ainda controverso: são a UCP2 e a UCP3. À semelhança do que acontece com a UCP1 as atividades da UCP2 e da UCP3 são estimuladas pelas hormonas tiroideias e pelo sistema nervoso simpático, mas não parecem participar na resposta fisiológica ao frio [1, 12, 13]. A ativação das UCPs pelas hormonas tiroideias permite explicar porque é que no hipertiroidismo a temperatura corporal está cronicamente aumentada (e diminuída no hipotiroidismo). A temperatura corporal também aumenta quando há estimulação do sistema nervoso simpático; pensa-se que a febre (e a morte) que ocorre na intoxicação com ectasy (3,4-dimetilenedioximetanfetamina) resulta da hiperestimulação do sistema simpático e do consequente aumento de atividade da UCP3 [13]. Associada à atividade das UCPs está a palavra leak (“pingar”): as UCPs deixam “pingar” para dentro das mitocôndrias protões que, de outra forma, só poderiam entrar para a matriz via síntase do ATP7. 7 Esta frase não é completamente verdadeira pois sabe-se que existe “leak” de protões por outros mecanismos que não os descritos acima, mas o seu papel fisiológico e as proteínas que os medeiam são ainda desconhecidos. Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 9 de 11 21- As lançadeiras permitem transferir eletrões do NADH citoplasmático para a cadeia respiratória; a lançadeira do glicerol-3-fosfato O complexo I (ver Equação 2) tem o seu centro ativo voltado para a matriz da mitocôndria e não existe nenhum sistema de transporte para o NADH na membrana mitocondrial interna. A oxidação do NADH formado no citoplasma durante a glicólise é mediado por sistemas chamados lançadeiras (ou shuttles) que permitem oxidar o NADH citosólico e apresentar os equivalentes redutores ao sistema dos complexos proteicos da membrana interna da mitocôndria. Existem duas lançadeiras designadas de lançadeira do glicerol-3-fosfato e lançadeira do malato. A mais simples é a lançadeira do glicerol-3-fosfato. Esta lançadeira é mais importante no cérebro e tecido muscular esquelético, implica a redução pelo NADH da dihidroxiacetona-fosfato do citoplasma e a consequente formação de glicerol-3-fosfato; a enzima que catalisa esta reação é uma desidrogénase do glicerol-3-fosfato presente no citoplasma que usa o NADH como redutor (ver Equação 17). O glicerol-3- fosfato formado transfere os eletrões para a coenzima Q através da ação catalítica doutra desidrogénase do glicerol-3-fosfato presente na face externa da membrana interna da mitocôndria a que já fizemos referência (ver Equação 9). Equação 17 dihidroxiacetona-fosfato + NADH ↔ glicerol-3-fosfato + NAD+ As desidrogénases do glicerol-3-fosfato do citoplasma (dependente do NADH) e a da face externa da membrana interna da mitocôndria (que tem como grupo prostético o FAD) são isoenzimas8. O somatório da ação sequenciada destas duas desidrogénase é a Equação 18. Equação 18 NADH (citoplasma) + Q (membrana mitocondrial interna) → NAD+ (citoplasma) + QH2 (membrana mitocondrial interna) 22- A lançadeira do malato é muito mais complexa que a lançadeira do glicerol-3-fosfato A lançadeira do malato é mais importante no fígado, rim e coração e envolve atividades enzímicas intra e extramitocondriais assim como a ação de transportadores da membrana mitocondrial interna. Em última análise essas enzimas e transportadores vão permitir que uma molécula de NADH presente no citoplasma transfira dois eletrões para uma molécula de NAD+ que está na matriz mitocondrial de forma a formar NADH que possa interagir com o centro ativo do complexo I. Num primeiro passo, por ação catalíticada desidrogénase do malato, o NADH citoplasmático reduz o oxalacetato a malato (ver Equação 19). De seguida, o malato entra para a matriz mitocondrial (trocando com α-cetoglutarato) e, por ação da mesma enzima, vai reduzir NAD+ da matriz a NADH. Desta maneira os equivalentes redutores do NADH formado no citoplasma são transferidos (via malato) para a matriz e o NADH formado na matriz pode ser oxidado por ação sequenciada dos complexos I, III e IV. Equação 19 oxalacetato + NADH ↔ malato + NAD+ Obviamente que um sistema como o descrito até aqui não poderia funcionar porque levaria ao consumo contínuo do oxalacetato citoplasmático e ao acumular de oxalacetato na mitocôndria. De facto, para compreender o processo, temos de “fechar o ciclo” e entender que o oxalacetato, de alguma forma, regressa ao citoplasma. Não existe transportador para o oxalacetato na membrana interna das mitocôndrias e o processo é complexo (ver Fig. 1). Dentro da matriz, o oxalacetato mitocondrial converte-se em aspartato por ação da transamínase do aspartato (Equação 20) e este aspartato regressa ao citoplasma onde, por ação da mesma transamínase (catalisando a reação inversa), volta a converter-se em oxalacetato. Nestas reações de transaminação o glutamato é consumido na matriz e forma-se no citoplasma acontecendo o contrário no caso do α- cetoglutarato. Um transportador da membrana (um antiporte que troca o aspartato que sai por glutamato que entra) catalisa a entrada do glutamato para a matriz impedindo que este se acumule no citoplasma e se esgote na matriz. O α-cetoglutarato também não se acumula na matriz porque um outro transportador da 8 É de sublinhar que embora a desidrogénase do glicerol-3-P da membrana mitocondrial externa contenha FAD não é o complexo II: o complexo II é uma enzima da face interna da membrana interna da mitocôndria que também se pode designar por desidrogénase do succinato. Fosforilação oxidativa; Rui Fontes Página 10 de 11 membrana (um antiporte que troca α-cetoglutarato que sai pelo malato que entra) catalisa a sua saída para o citoplasma. Equação 20 oxalacetato + glutamato ↔ aspartato + α-cetoglutarato 23- O número de moléculas de ATP que se podem formar aquando da oxidação completa de uma molécula de glicose Os valores de 2,5 e 1,5 (referidos acima como as razões P:O quando, respetivamente, estão envolvidas os complexos I, III e IV ou apenas os complexos III e IV) seriam os valores máximos para a razão P:O: obviamente que a atividade das UCPs (e de outros processos que não abordámos) fará baixar a razão P:O para valores mais baixos [1, 12]. Se houver acoplamento perfeito entre oxidação e fosforilação, a razão P:O é 2,5 quando o redutor da ubiquinona é o NADH (via complexo I) e é 1,5 quando é o FADH2 (via desidrogénases do succinato ou do glicerol-3-fosfato). Admitindo estes números e o funcionamento predominante da lançadeira do glicerol-3-fosfato (como acontece, por exemplo, no músculo esquelético e no cérebro) a oxidação completa de uma molécula de glicose poderia render algo como 30 “ligações ricas em energia” do ATP9 (ver Equação 21) Admitindo a ação predominante da lançadeira do malato, a oxidação completa de uma molécula de glicose poderia render 32 “ligações ricas em energia” do ATP (ver Equação 22). Equação 21 glicose + 6 O2 + 30 ADP + 30 Pi → 6 CO2 + 30 ATP + 36 H2O Equação 22 glicose + 6 O2 + 32 ADP + 32 Pi → 6 CO2 + 32 ATP + 38 H2O 1. Brand, M. D. (2005) The efficiency and plasticity of mitochondrial energy transduction, Biochem Soc Trans. 33, 897- 904. 2. Hinkle, P. C., Kumar, M. A., Resetar, A. & Harris, D. L. (1991) Mechanistic stoichiometry of mitochondrial oxidative phosphorylation, Biochemistry. 30, 3576-82. 3. Nelson, D. L. & Cox, M. M. (2013) Lehninger Principles of Biochemistry, sixth edition edn, W. H. Freeman and Company, New York. 4. Balaban, R. S. (2002) Cardiac energy metabolism homeostasis: role of cytosolic calcium, J Mol Cell Cardiol. 34, 1259-71. 5. Kadenbach, B., Ramzan, R., Wen, L. & Vogt, S. (2010) New extension of the Mitchell Theory for oxidative phosphorylation in mitochondria of living organisms, Biochim Biophys Acta. 1800, 205-12. 6. Korzeniewski, B. (2006) Oxygen consumption and metabolite concentrations during transitions between different work intensities in heart, Am J Physiol Heart Circ Physiol. 291, H1466-74. 7. Mills, E. M., Rusyniak, D. E. & Sprague, J. E. (2004) The role of the sympathetic nervous system and uncoupling proteins in the thermogenesis induced by 3,4-methylenedioxymethamphetamine, J Mol Med. 82, 787-99. 8. Nedergaard, J., Bengtsson, T. & Cannon, B. (2007) Unexpected evidence for active brown adipose tissue in adult humans, Am J Physiol Endocrinol Metab. 293, E444-52. 9. Cannon, B. & Nedergaard, J. 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