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DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. São Paulo: Abril Cultural, 1983 Resenha crítica do Capítulo II – O Declínio do Feudalismo e o Crescimento das Cidades O autor inicia o capítulo criticando os usos do termo “feudalismo”, os quais têm sido variados e contraditórios. Ele concorda com a observação da Dra. Helen Cam, de que o historiador constitucional encontra a essência do feudalismo no fato de que a posse de terra é a fonte do poder político; para o jurista, a essência era o status determinado pela posse; já para o historiador econômico era o cultivo da terra pelo exercício de direitos sobre pessoas. Dobb critica o fato de que a própria existência do sistema feudalista não fora posta em questão. Podemos já notar então a grande preocupação de Dobb em entender o sistema feudal como um todo, de sua origem, condições que o mantiveram vivo e causas do seu declínio, não satisfeito apenas com a comum simples caracterização do período medieval. Dobb dá exemplos das discussões ocorridas em alguns lugares do mundo a respeito do assunto. Na Rússia, tal discussão foi levada com mais vigor. Lá, de início, a ênfase foi atribuída a relação de vassalagem e à forma de posse de terra. Com a crescente influência do marxismo, um segundo tipo de definição ganhou destaque, conferindo lugar de honra às relações econômicas em detrimento das jurídicas. Essa noção de que o feudalismo se apoiava na economia natural parecia compartilhada com uma série de historiadores do Ocidente. O autor afirma que há evidência suficiente para sugerir que os mercados e a moeda desempenharam um papel mais destacado na Idade Média do que costumava se supor, porém não pode-se avaliar separadamente da instituição da servidão. Muitos historiadores ingleses evitaram o dilema da servidão, em primeiro lugar, por uma identificação visual da servidão com a prestação de serviços e, em segundo, alegando que tais prestações de serviço desapareciam ou se transformavam em relações contratuais conforme o comércio se desenvolvia. Tais alegações são insuficientes para fugir da questão, o que faz Dobb se aprofundar mais no assunto. Segundo Dobb, os ingleses desprezam discussões sobre definições por acharem- nas meras disputas sobre as palavras. Ele elogia tal instinto, porém acredita que as definições não podem ser totalmente descartadas, pois elas têm influência crucial sobre o resultado quando passamos da descrição à análise. Afirma então que a ênfase desta definição estará baseada na relação entre o produtor direto e seu superior imediato, caracterizando então o feudalismo primordialmente como um modo de produção. O sistema de produção feudal contrasta com a escravidão, uma vez que este trabalha com as condições de trabalho pertencentes a outrem, enquanto aquele acha-se na posse de seus meios de produção. Dobb passa então a tecer suas análises sobre o assunto, de forma detalhada, coerente, porém um tanto quanto prolixa. O renascimento do comércio na Europa Ocidental teve efeito perturbador sobre a sociedade feudal. A renda em dinheiro, bem como o serviço dos servos, passou a ser uma ambição dos senhores. Dobb questiona, então, se a ligação é tão simples e direta como muitas vezes tem-se descrito e se a ampliação do mercado pode ser admitida como condição suficiente para o declínio do feudalismo. Uma explicação da transformação em termos de influências de mercado, porém, faria com que esperássemos encontrar uma correlação íntima entre o desenvolvimento do comércio e o declínio da servidão. Tal correlação existe, mas para Dobb, as exceções são notáveis. Ele cita os Estados Bálticos, a Polônia e a Boêmia, em que as oportunidades crescentes para a exportação de cereais levaram não à abolição, mas ao aumento das obrigações servis impostas ao campesinato. Na Hungria, o crescimento do comércio e crescentes imposições sobre os camponeses caminharam lado a lado. O autor cita ainda os casos de mosteiros russos e alemães, que eram florescentes centros de comércio e impuseram servidão, em regimes mais severos do que aqueles em propriedades leigas. Não existe motivo para supor que o crescimento da economia monetária poderia incentivar, por si só, um senhor feudal a cancelar as obrigações tradicionais de seus servos e substituí-las por uma relação contratual. Diferentemente de muitos historiadores, o autor passa a analisar as relações internas do feudalismo, uma área onde as evidências não são conclusivas, mas ele consegue apresentar através de tais evidências a ineficácia do sistema feudal como sistema, conjugada com as necessidades de renda pela classe dominante como responsável pelo declínio. A necessidade de renda adicional ocasionou aumento da pressão sobre o produtor a um ponto insuportável. A produtividade era baixa e tentativas de aumentar o produto excedente significaria um trabalho além das capacidades humanas para o produtor. O solo estava exausto e os métodos de plantio eram rústicos. A estrumação era conhecida, mas a pobreza do camponês o impedia de adotá-la. Havia pouco ou nenhum incentivo à melhoria. Existia uma tendência para que o número de vassalos aumentasse, a fim de fortalecer o poderio militar dos senhores maiores. O aumento desta classe parasita impulsionava ainda mais a pressão exercida sobre os produtores. A população passou a entrar em declínio acentuado. Tal declínio tem sido atribuído exclusivamente à devastação causada pelas guerras e pela peste, mas para Dobb, tem evidentemente raízes econômicas, apesar de não ser possível precisar o grau desta relação. A reação da nobreza a essa situação não foi absolutamente uniforme. Em alguns casos, para atrair mão de obra, os senhores feudais foram forçados a concessões que representavam uma mitigação das obrigações servis e até uma substituição de tais obrigações por uma relação contratual. Já em outros, reagiram com estreitamento das obrigações servis. É fato bem conhecido que o trabalho compulsório tendia a ser bem menos eficiente que o trabalho exercido pelos cultivadores em suas próprias terras e sem eu próprio tempo. A substituição do trabalho por tributos em espécie ou em dinheiro poderia tornar-se mais lucrativa para o senhor. A subsistência do produtor passa a ser, então, provida não pelo produto de seu trabalho, mas com o tempo de trabalho gasto em sua própria terra. Uma diferenciação econômica passa a crescer entre os camponeses e surge na aldeia uma facção de aldeões relativamente prósperos. Ambiciosos e capazes de acumular certa importância de capital, estes camponeses foram capazes de efetuar melhor cultivo, ansiosos por aumentar suas posses, arrendando mais terras e usando serviços assalariados de seus vizinhos mais pobres. Surgem comunidades urbanas, as cidades, que ao passarem a possuir certa independência econômica e política, incentiva um êxodo das propriedades senhoriais, o que desempenhou papel decisivo no declínio do sistema feudal. Em seu estágio inicial, muitas cidades encontravam-se subordinadas à autoridade feudal. Com o tempo, conquistaram sua liberdade, em geral com luta, tomando inclusive, em alguns casos, a forma de uma guerra civil. Acontece também que, junto a esta crescente liberdade e prosperidade, surgem os primeiros sinais de diferenciação de classe dentro da própria comunidade urbana. As análises de Dobb, apesar de se apresentarem em discursos prolixos e cíclicos, são de extrema importância para o entendimento do declínio do sistema feudal. Não podemos cometer o engano de tomar a Idade Média como período em que o uso do dinheiro fosse totalmente estranho. O autor consegue nos apresentar claramente o quão decisivo foram as relações internas, sobretudo a exploração da mão de obra do camponês para satisfazer a necessidadede aumento de renda dos senhores feudais. Dobb apresenta de forma esclarecedora, ainda, os distintos processos de formação das cidades, que causaram profundo impacto no sistema feudal.
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