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A relação entre O Pequeno Príncipe e o Direito Pode ser que seja insólita a relação entre O Pequeno Príncipe, um livro tão cheio de fantasia e criatividade em forma de arte, com o Direto, ligado habitualmente a algo magistral e dogmático, que não dá margem para a subjetividade. Este artigo tem como finalidade analisar passagens da obra de Antoine de Saint-Exupéry de um ponto de vista jurídico, o que pode parecer incoerente. Ademais, quem sabe não possa ser um pontapé inicial para aqueles que anseiam descobrir no direito o que decerto seja invisível aos olhos. A história da obra é narrada por um aviador que abandonou há muito a criatividade, motivado por adultos enquanto ainda era criança. Em um de seus voos, o avião que pilotava deu uma pane, o obrigando a forçar pouso em um deserto africano. E foi assim que o aviador conheceu um garoto de cabelos dourados, o pequeno príncipe, e este encontro mudaria para sempre a vida de ambos. O principezinho solicitou ao aviador que lhe desenhasse um carneiro, e mesmo não entendendo como ou o porquê de tal aparição e pedido, o piloto desenhou. E assim iniciou um diálogo extraordinário sobre outros planetas, pequenos vulcões, baobás e uma amada flor. Tais elementos trouxeram ao aviador uma nova perspectiva sobre o que é de fato valioso ao viver. Vez ou outra, em meio ao reparo do avião, o pequeno príncipe relata como foi sua viagem até chegar ao planeta Terra, e o piloto logo descobre sobre peculiares figuras que habitavam cada um destes (que, na verdade, eram asteroides). No menor planeta que o principezinho visitou, avistou apenas um lampião e um excêntrico morador responsável por acendê-lo e apagá-lo. O dia era tão reduzido que durava apenas 1 minuto, tornando o trabalho do acendedor extremamente dificultoso, já que a cada instante já era dia e noite. O sujeito não entendia sua tarefa, porém a executava com tamanho afinco, motivado apenas pelo “regulamento”. (...) Quando abordou o planeta, saudou respeitosamente o acendedor. - Bom dia. Porque acabas de apagar teu lampião? - Eu executo uma tarefa terrível. É o regulamento - respondeu o acendedor - Bom dia. - Que é o regulamento? - perguntou o príncipe - Apagar meu lampião. Boa noite. E tornou a acender - Mas porque acabas de o acender de novo? - É o regulamento - respondeu o acendedor. - Eu não compreendo - disse o principezinho. - Não é para compreender - disse o acendedor - Regulamento é regulamento. Bom dia. E apagou o lampião. Em seguida, enxugou a fronte num lenço de quadrinhos vermelhos. - Eu executo uma tarefa terrível. Antigamente era razoável. Apagava de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir… - E depois disso, mudou o regulamento? - O regulamento não mudou - Disse o acendedor. - Aí é que está o drama! O planeta de ano em ano gira mais depressa, e o regulamento não muda! (...) Seguir uma norma sem ao menos entendê-la chega a parecer utópico, mais ainda quando tal norma já não respeita as mudanças naturais do planeta. Deste trecho, algumas indagações se tornam inevitáveis. Até que ponto um regulamento pode determinar um comportamento humano? Por mais absurdo que possa parecer, esta é uma ação habitual quando, por exemplo, os indivíduos aceitam normas sem conhecer o porquê, para quê foram criadas ou quem as criou. Dentro do direito, é imprescindível que haja conhecimento profundo dos regulamentos e sensibilidade ao usá-los para lidar com as mais peculiares situações do cotidiano, muito embora não seja algo corriqueiro. Usando o exemplo do acendedor de lampiões e trazendo para a realidade da sociedade atual, pode-se até refletir sobre o uso da lei, que é um artefato de liberdade derivado da razão e objetividade, se tornando um artefato de escravidão enquanto há perda de seu sentido racional. Deste modo, é válido trazer a análise dos conceitos de Segurança Jurídica, que trata-se da garantia que uma nova lei ou regulamento não irá alterar ou prejudicar situações já concretizadas sob vigência de uma norma passada, e Evolução Jurídica, que defende a mutação de leis e o aprendizado do sistema de acordo com a evolução da sociedade em que está inserido. O autor Thomas Kuhn (2009), em sua obra “A estrutura das Revoluções Científicas” afirma que os manuais trazem uma noção “sistemática e reducionista de teorias, sendo algo desfavorável para a superação de um paradigma, pois não proporciona ao pesquisador instrumentos para a mudança”. Além disso, enfatiza que é imprescindível ir além da leitura de manuais e normas e, quando propício, olhar por outras perspectivas. Com isso, pode-se perceber que o Direito é mais uma ciência que pode e deve ser alinhada à arte, na busca de clareza, sensibilidade e humanização além dos regulamentos e paradigmas há muito ultrapassados porque, como bem diz o principezinho, só se vê bem com o coração. Referências SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. 48. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2009. 92 p. Tradução de: Dom Marcos Barbosa KUHN, Thomas S.. A estrutura das revoluções científicas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Tradução de: Beatriz Vianna Doeira e Nelson Boeira.
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